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monografia original - Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas ...

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Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> GeraisFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia e Ciências HumanasDepartamento <strong>de</strong> Sociologia e AntropologiaOn<strong>de</strong> há fumaça, há luta:conflitos ambientais e a trajetória <strong>de</strong> mobilização <strong>dos</strong>moradores do bairro Camargos / BHMax Vasconcelos MagalhãesBelo Horizonte2010


Max Vasconcelos MagalhãesOn<strong>de</strong> há fumaça, há luta:conflitos ambientais e a trajetória <strong>de</strong> mobilização <strong>dos</strong>moradores do bairro Camargos / BHMonografia apresentada ao curso <strong>de</strong> Ciências Sociaisda Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Humanas daUniversida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais como prérequisitopara a obtenção do titulo <strong>de</strong> Bacharel emCiências Sociais.BANCA EXAMINADORA:Profª. Drª. Andréa Luísa Moukhaiber Zhouri (Orientadora - SOA / UFMG)Prof. Dr. Yurij Castelfranchi (Examinador - SOA / UFMG)Belo Horizonte20102


AGRADECIMENTOSGostaria <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cer a todas as pessoas que, <strong>de</strong> diversas formas, estiveram presentes naminha vida ao longo do curso <strong>de</strong> ciências sociais.À professora Andréa Zhouri, exemplo pessoal e profissional; aos meus colegas doGESTA - antigos e novos - em especial à Luana Dias Motta, que compartilhou comigotodas as experiências do conflito do bairro Camargos.Aos meus colegas da turma M e da FAFICH, em especial à Ana Paula Lessa Belone portodo seu companheirismo e compreensão nesses últimos 4 anos.Aos meus amigos e familiares, em especial ao meu pai, Max Magalhães (1953-2009),que continua vivo em mim.Dedico este trabalho aos moradoresdo bairro Camargos e àquelescujas lutas por justiça inspiram oscorações e as ações <strong>de</strong> tantos outros.3


Siglas e Abreviaturas:ACPO – Associação <strong>de</strong> Combate aos Poluentes Orgânicos PermanentesALMG – Assembléia Legislativa <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> GeraisCMBH – Câmara Municipal <strong>de</strong> Belo HorizonteCNPq - Conselho Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Científico e TecnológicoCOMAM – Conselho Municipal <strong>de</strong> Meio AmbienteCONAMA – Conselho Nacional do Meio AmbienteCONLUTAS – Coor<strong>de</strong>nação Nacional <strong>de</strong> LutasCOPAM – Conselho Estadual <strong>de</strong> Política AmbientalCPT – Comissão Pastoral da TerraFAPEMIG – Fundação <strong>de</strong> Amparo à Pesquisa do Estado <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> GeraisFEAM – Fundação Estadual <strong>de</strong> Meio AmbienteFIOCRUZ – Fundação Oswaldo CruzGESTA – Grupo <strong>de</strong> Estu<strong>dos</strong> em Temáticas <strong>Ambientais</strong>LI – Licença <strong>de</strong> InstalaçãoLO – Licença <strong>de</strong> OperaçãoLP – Licença PréviaMDDUMA - Movimento <strong>de</strong> Defesa aos Direitos Humanos e Meio AmbienteMPE/MG – Ministério Público Estadual <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> GeraisMTD – Movimento <strong>dos</strong> Trabalhadores Desemprega<strong>dos</strong>ONU – Organização das Nações UnidasPBH – Prefeitura Municipal <strong>de</strong> Belo HorizontePOP’s – Poluentes Orgânicos PersistentesRBJA – Re<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Justiça AmbientalSINDPOL/MG - Sindicato <strong>dos</strong> Servidores da Polícia Civil do Estado <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais4


SMAMA – Secretaria Municipal Adjunta <strong>de</strong> Meio AmbienteSMMA – Secretaria Estadual <strong>de</strong> Meio AmbienteUFMG – Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> GeraisUNEP - United Nations Environment Programme (Programa das Nações Unidas para oMeio Ambiente)Lista <strong>de</strong> figuras e tabelas:Figura 1 - <strong>Mapa</strong> <strong>de</strong> Belo Horizonte, com a localização do bairro Camargos e da áreacentral do município.Figura 2 - Manifestação contra a empresa SERQUIP no bairro Camargos, 10/07/2007.Figura 3 - Manifestação <strong>dos</strong> moradores do Camargos no auditório do COMAM,08/10/2008.Figura 4 - Manifestação na escadaria da SMMA após o cancelamento da votação doCOMAM em 08/10/2008.Figura 5: Panfleto produzido pelo movimento <strong>dos</strong> moradores do bairro Camargos.Figura 6 - Passeata realizada no bairro Camargos, 29/04/2009.Figura 7 - Vista área do Vale do Jatobá em relação ao bairro Camargos e ao centro <strong>de</strong>Belo Horizonte.Tabela 1 - Lista <strong>de</strong> infrações da empresa SERQUIP no período <strong>de</strong> março/2006 aoutubro/2007.5


SUMÁRIO1. Introdução, 72. A Configuração do Conflito Ambiental do Bairro Camargos, 122.1 O início do Conflito, 142.2 Atores, estratégias e a nova dinâmica do conflito, 223. A Dominação da Natureza e a I<strong>de</strong>ologia do Desenvolvimento Sustentável, 353.1 A dominação da Natureza enquanto dominação do Homem, 373.2 A insustentabilida<strong>de</strong> da dominação hegemônica do ambiente, 424. Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Movimentos e a Luta pela Autonomia do Lugar, 495. Consi<strong>de</strong>rações Finais, 57Referências Bibliográficas, 60Anexos, 686


1.INTRODUÇÃOO ponto <strong>de</strong> vista que pauta este trabalho, antes <strong>de</strong> assumir uma pretensaneutralida<strong>de</strong> quanto à prática científica, <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> uma experiência <strong>de</strong> atuação comosujeito inserido no campo que recobre o próprio objeto <strong>de</strong> análise, a saber, o conflitoambiental do bairro Camargos.Em função da atuação como bolsista <strong>de</strong> iniciação científica do projeto <strong>Mapa</strong> <strong>dos</strong><strong>Conflitos</strong> <strong>Ambientais</strong> no Estado <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais, <strong>de</strong>senvolvido pelo Grupo <strong>de</strong> Estu<strong>dos</strong>em Temáticas <strong>Ambientais</strong> da UFMG (GESTA/UFMG) 1 , tive a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>acompanhar no ano <strong>de</strong> 2008 uma reunião do Conselho Municipal <strong>de</strong> Meio Ambiente <strong>de</strong>Belo Horizonte que iria <strong>de</strong>cidir sobre a renovação da licença <strong>de</strong> operação <strong>de</strong> umaempresa <strong>de</strong> incineração <strong>de</strong> resíduos que atuava no bairro Camargos, regiãometropolitana <strong>de</strong> Belo Horizonte. Tendo em vista a existência <strong>de</strong> um conflito commoradores do bairro que já há algum tempo manifestavam uma forte insatisfação com alocalização da empresa, a situação configurava uma possibilida<strong>de</strong> especial <strong>de</strong>observação e mapeamento <strong>de</strong> um conflito ambiental. Assim como meus colegas <strong>de</strong>grupo, eu já tinha conhecimento da existência do conflito do Camargos; outrasaudiências públicas sobre o caso haviam sido registradas no âmbito da pesquisa,contudo, sem representar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma resolução do conflito que o caráter<strong>de</strong>liberativo do COMAM apresentava.No entanto, ao chegarmos para a reunião, fomos surpreendi<strong>dos</strong> pelo adiamentoda votação da licença da empresa 2 , mas, mais ainda, pela mobilização <strong>dos</strong> moradores,que chegaram ao prédio da SMAMA carregando faixas, cartazes, documentos e umdiscurso fortemente direcionado contra a empresa SERQUIP. O cancelamento dareunião não frustrou a intenção em observar e registrar o conflito: os moradoresesten<strong>de</strong>ram suas faixas na escadaria principal da SMAMA, realizando ali umamanifestação contra toda a situação dramática vivida no bairro em função das doençasgeradas pela fumaça emitida pela “queima do lixo” realizada na SERQUIP. Como parteda pesquisa, realizamos algumas entrevistas junto aos moradores e registramosvisualmente essa manifestação. Mas, se a idéia inicial era a <strong>de</strong> acompanhar e registrar o1 Em vigência <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 2007, a pesquisa realiza o registro e mapeamento qualitativo <strong>de</strong> casos <strong>de</strong>conflitos ambientais no estado, com financiamento da FAPEMIG e do CNPq.2 Como será visto no capítulo seguinte.7


caso, no entanto, a experiência extensionista do GESTA no que tange a assessoria àparticipação popular em processos <strong>de</strong> licenciamento ambiental 3 levaria à diminuição<strong>de</strong>sse distanciamento inicial do caso e à conseqüente “imersão” no conflito.Foram mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z meses <strong>de</strong> atuação junto aos moradores do Camargos. O meupapel inicial enquanto membro do GESTA era o <strong>de</strong> assessorá-los na participação nareunião do COMAM, a partir das orientações dadas pela coor<strong>de</strong>nação do grupo. Mas os<strong>de</strong>sdobramentos do conflito, que serão discuti<strong>dos</strong> adiante, fizeram com que euassumisse outras funções e papeis em <strong>de</strong>corrência das novas situações que se colocavamno enfrentamento do caso. Assim, acompanhava com assiduida<strong>de</strong> o movimento <strong>dos</strong>moradores do Camargos em diversos momentos e lugares (reuniões no bairro; visitas àSecretaria <strong>de</strong> Meio Ambiente <strong>de</strong> Belo Horizonte; à Promotoria <strong>de</strong> Justiça do MPE etc.),mas também os representava, como assessoria, nas vezes em que o capital simbólico daUniversida<strong>de</strong> fez-se necessário para obter documentos e informações específicas sobreos “trâmites legais” relaciona<strong>dos</strong> ao processo <strong>de</strong> licenciamento da empresa SERQUIP.A revisão e redação <strong>de</strong> ofícios sobre <strong>de</strong>núncias, pedi<strong>dos</strong> <strong>de</strong> vistoria, convocatória <strong>de</strong>reuniões e manifestações do movimento era ação freqüente, incluindo a protocolização edivulgação <strong>dos</strong> respectivos documentos. Concomitantemente, eu participava dasreuniões semanais do GESTA, discutindo com os professores e colegas as observações,questões e experiências do “envolvimento” no conflito.Contudo, ao longo <strong>de</strong>sse envolvimento, em vários momentos a posição <strong>de</strong> umobservador participante era “absorvida” pelo movimento do conflito, imprimindo umpeso maior à ação do que à observação; eu me colocava então na posição <strong>de</strong> “sujeitoatuante no conflito”, o que, inevitavelmente, me situava diante <strong>dos</strong> outros atores,alia<strong>dos</strong> ou não, em um <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong> da disputa. Esse “duplo engajamento” (OLIVEIRA &ZHOURI, 2010: 10) nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa e assessoria <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um contextoconflitivo, na medida em que pressupõe um posicionamento do pesquisador frente àssituações sociais (GLUCKMAN, 1987) em que ele <strong>de</strong>ve atuar como assessor, constituia própria condição da produção da pesquisa.Dessa forma, o interesse em realizar uma <strong>monografia</strong> sobre o conflito do bairroCamargos foi influenciado pela inserção e envolvimento ativo no caso, cujo3 No ano <strong>de</strong> 2008, o grupo realizava o projeto “Cidadania e Justiça Ambiental: <strong>Conflitos</strong> <strong>Ambientais</strong> naPerspectiva <strong>dos</strong> Movimentos Sociais no Estado <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais”, modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> extensão em interfacecom pesquisa, financiado pela FAPEMIG (processo SHA APQ – 7074 - 5.06/07).8


posicionamento, mais que um simples ativismo, possibilitou a experiência prática <strong>de</strong>algumas situações e <strong>de</strong>talhes relaciona<strong>dos</strong> à injustiça que os moradores sentiam na pele.É essa experiência que um distanciamento baseado na neutralida<strong>de</strong> do olhar dopesquisador não daria conta <strong>de</strong> captar. Mais especificamente, esse “trânsito <strong>de</strong> papeis”por muitas vezes me tornava quase um “morador do bairro” (sendo i<strong>de</strong>ntificado comotal em algumas circunstâncias, principalmente frente ao po<strong>de</strong>r público), relativizando opapel supostamente distanciado <strong>de</strong> pesquisador (OLIVEIRA & ZHOURI, 2010: 16) efazendo com que a indignação, a revolta e até o <strong>de</strong>sespero <strong>dos</strong> moradores fossemsenti<strong>dos</strong> igualmente por mim.Nesse sentido, o primeiro exercício a ser feito visando a uma abordagemsociológica do conflito foi realizar um distanciamento que permitisse a passagem <strong>de</strong>sseolhar particularizado para uma perspectiva que, sem abandonar a riqueza daexperiência, pu<strong>de</strong>sse operar uma reflexão analítica das situações vivenciadas na prática.Análise esta que passou pelas referências teóricas trabalhadas e <strong>de</strong>senvolvidas noGESTA sobre os conflitos ambientais (ACSELRAD, 2004a ZHOURI et al. 2005) e suarelação com os movimentos sociais e lutas populares contra a distribuição <strong>de</strong>sigual <strong>dos</strong>riscos do mo<strong>de</strong>lo hegemônico <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>signado pelo termo sustentável.Isto implicou na reflexão sobre a atuação no conflito <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista mais amplo,levando à consi<strong>de</strong>ração da dinâmica <strong>de</strong> organização <strong>dos</strong> moradores, sua articulação aoutros atores e as conseqüências disto no enfrentamento do conflito. Tal abordagemjustificou as referências ao movimento <strong>de</strong> justiça ambiental <strong>dos</strong> EUA (ACSELRAD,2004b; MARTINEZ-ALIER, 1999) e ao processo <strong>de</strong> ambientalização <strong>dos</strong> conflitossociais <strong>de</strong>scrito por Lopes (et al., 2004).Contudo, a complexida<strong>de</strong> intrínseca à questão ambiental ultrapassa o própriosentido hegemônico que trata o meio ambiente como uma realida<strong>de</strong> objetiva. Sendoassim, fez-se necessário trazer à luz da análise a perspectiva crítica que pressupõe oambiente como uma construção simbólica e material (ACSELRAD, 2004a; ZHOURI etal. 2005), fundada em significações, processos e relações sociais específicas com omundo. Portanto, entre distintas visões e práticas contraditórias, a questão do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>impor uma <strong>de</strong>terminada representação do ambiente sobre outra é fundamental no queconcerne ao caráter conflitivo das disputas sociais em torno do “ambiental”. Assim,foram utilizadas as referências sobre o campo ambiental (BOURDIEU, 2007;CARNEIRO, 2005), enquanto espaço estruturado e estruturante das assimetrias <strong>de</strong>9


po<strong>de</strong>r que <strong>de</strong>terminam as relações entre os distintos atores e a legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seusrespectivos pontos <strong>de</strong> vista sobre o meio ambiente.Da mesma forma, coube uma análise sociohistórica das representações sobre omeio ambiente que constituiu um panorama diacrônico da significação do ambiental(CARVALHO, 2001), cotejada com a abordagem <strong>de</strong> David Harvey (1996) sobre a teseda “dominação da natureza”, permitindo i<strong>de</strong>ntificar as “tradições político-filosóficas”herdadas das principais correntes <strong>de</strong> pensamento da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> sobre a relação doHomem com a Natureza.Mesmo que a entrada do conflito “na pauta” do COMAM tenha sido ummomento significativo para seu <strong>de</strong>sfecho, como será discutido à frente, a atuação nocaso engendrou o acúmulo <strong>de</strong> diversos documentos 4 , tanto produzi<strong>dos</strong> posteriormente àminha inserção no conflito, quanto aqueles elabora<strong>dos</strong> pelos próprios moradores noinício da luta contra a empresa SERQUIP. O acesso ao conjunto <strong>de</strong>sses registrospossibilitou apreen<strong>de</strong>r a construção temporal do conflito, do ponto <strong>de</strong> vista domovimento do bairro Camargos, i<strong>de</strong>ntificando ações, discursos e momentos passa<strong>dos</strong> daorganização e mobilização <strong>dos</strong> moradores. Não menos importante, os relatos orais <strong>dos</strong>moradores exprimiam aspectos fundamentais para se compreen<strong>de</strong>r a própria emergênciae configuração do conflito, ao evocarem um sentido do bairro que remete à noção <strong>de</strong>lugar (ESCOBAR, 2005; ZHOURI & OLIVEIRA, 2010).Tendo em vista a quantida<strong>de</strong> e a qualida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> da<strong>dos</strong> e informações obti<strong>dos</strong> aolongo da atuação do GESTA no conflito, que <strong>de</strong>correm da forma mesma pela qualforam coleta<strong>dos</strong>, o método da análise situacional (VAN VELSEN, 1987) ou do estudo<strong>de</strong> caso <strong>de</strong>talhado (GLUCKMAN, 1955 apud VAN VELSEN, 1987) se faz maisapropriado para os objetivos propostos.Partindo do princípio <strong>de</strong> que a observação <strong>de</strong> uma situação social, entendidacomo “o comportamento, em algumas ocasiões, <strong>de</strong> indivíduos como membros <strong>de</strong> umacomunida<strong>de</strong>, analisado e comparado com seu comportamento em outras ocasiões”(GLUCKMAN, 1987: 238) transfere a ênfase da análise das regularida<strong>de</strong>s estruturaispara as contradições existentes nos processos sociais, o viés sociológico adotado aquipermitiu pela experiência das distintas “situações sociais”, capturar diferentes fases domovimento <strong>dos</strong> moradores no tempo e no espaço, e que, dada a sua importância nacompreensão <strong>dos</strong> processos sociohistóricos que atravessam o conflito do bairro4 Mas também pela própria coleta <strong>de</strong> da<strong>dos</strong> relacionada à pesquisa <strong>Mapa</strong> <strong>dos</strong> <strong>Conflitos</strong> <strong>Ambientais</strong>, doGESTA/UFMG .10


Camargos, <strong>de</strong>vem ser incorpora<strong>dos</strong> como material <strong>de</strong> análise. Isto levouconsequentemente à ampliação do foco analítico para além <strong>dos</strong> momentos em que asdisputas pela representação legítima do “ambiente” se objetivavam, como nos embatesocorri<strong>dos</strong> nas reuniões do COMAM, elucidando as conexões existentes entre asdistintas situações sociais enquanto uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> acontecimentos que estruturam oprocesso <strong>de</strong> constituição do conflito, como será visto a seguir.11


2.A CONFIGURAÇÃO DO CONFLITO AMBIENTAL DO BAIRRO CAMARGOSLocalizado na região noroeste <strong>de</strong> Belo Horizonte, na divisa com o município <strong>de</strong>Contagem, o bairro Camargos tem sua formação associada ao processo <strong>de</strong> expansãourbana característico das gran<strong>de</strong>s metrópoles brasileiras, intensificado por volta <strong>dos</strong>anos <strong>de</strong> 1970 5 . Como coloca Costa (2004: 3), este cenário foi marcado por “um padrãocentro-periferia <strong>de</strong> urbanização, i<strong>de</strong>ntificado por áreas centrais <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong><strong>de</strong>mográfica, construtiva e <strong>de</strong> investimentos públicos, que vão se tornando maisrarefeitos à medida que se tornam mais distantes”. Tal mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> organização doespaço levou a um crescimento acentuado das áreas periféricas, incentivado pela criação<strong>de</strong> parques industriais e pela baixa valorização fundiária <strong>de</strong>vido à localização afastada<strong>dos</strong> centros urbanos e, conseqüentemente, das condições básicas <strong>de</strong> habitação,saneamento e outros serviços e bens públicos.Essa nova configuração metropolitana, caracterizada por diferenças qualitativasentre os espaços urbanos (COSTA, 2003:160), permite “localizar” o bairro Camargos apartir da relação entre o espaço físico e o espaço social (BOURDIEU, 2008). ParaPierre Bourdieu, o espaço social, enquanto justaposição <strong>dos</strong> campos sociais, se expressacomo espaço social reificado, manifestandoa distribuição no espaço físico <strong>de</strong> diferentes espécies <strong>de</strong> bens e serviços etambém <strong>de</strong> agentes individuais e <strong>de</strong> grupos fisicamente localiza<strong>dos</strong> (...) edota<strong>dos</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apropriação <strong>de</strong>sses bens e serviços mais oumenos importantes (em função do seu capital e também da distânciafísica <strong>de</strong>sses bens, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> também <strong>de</strong> seu capital) (BOURDIEU,2008: 161).Desse modo, o valor ou a posição social das diferentes regiões e lugares doespaço físico é <strong>de</strong>terminado pela relação entre a distribuição <strong>dos</strong> bens e <strong>dos</strong> agentes noespaço, distribuição que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apropriação <strong>dos</strong> bens pelos agentes,baseada na posse ou acumulação <strong>dos</strong> diversos tipos <strong>de</strong> capital.5 Período caracterizado pela migração da população rural para os centros urbanos em função daconcentração e crescimento industrial, principalmente na região su<strong>de</strong>ste, no contexto do “milagre”econômico brasileiro (1968-1973), empreendido pelo governo Médici.12


Figura 1: <strong>Mapa</strong> <strong>de</strong> Belo Horizonte, com a localização do bairro Camargos e da área central do município.Fonte: PBH, 2002 (marcações minhas).13


Bourdieu chama a atenção para a sobreposição <strong>dos</strong> “diferentes espaços sociaisobjetivamente reifica<strong>dos</strong>”, que objetivam também as oposições e hierarquias sociais, eque, pelos efeitos <strong>de</strong> naturalização da organização e qualificação social (BOURDIEU,2008: 160) torna o espaço um <strong>dos</strong> lugares on<strong>de</strong> o po<strong>de</strong>r se afirma, on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>verificar “os efeitos completamente reais do po<strong>de</strong>r simbólico” (BOURDIEU, 2008:163). Contudo, como adverte o próprio Bourdieu, a constituição <strong>dos</strong> lugares e locais doespaço social reificado é resultado <strong>de</strong> lutas e disputas pela sua apropriação.É nessa perspectiva que se insere o conflito ambiental do bairro Camargos.Nesse caso, através da luta pela <strong>de</strong>fesa do lugar (ZHOURI & OLIVEIRA, 2010), maisespecificamente, <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista do lugar, são expressas as assimetrias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rque <strong>de</strong>finem a capacida<strong>de</strong> diferencial <strong>de</strong> apropriação simbólica e material <strong>dos</strong> lugaresdo espaço social reificado, configurando as disputas sobre a legitimida<strong>de</strong> dasrepresentações sociais <strong>dos</strong> distintos atores em conflito que, no contexto atual, coloca emquestão a noção hegemônica <strong>de</strong> meio ambiente e <strong>de</strong>senvolvimento sustentável.2.1 O início do conflitoEm novembro <strong>de</strong> 2003, a SMAMA licenciou com localização no bairroCamargos a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incineração <strong>de</strong> resíduos hospitalares 6 da empresa SERQUIP –Tratamento <strong>de</strong> Resíduos Ltda., que atua no mercado <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>dos</strong> emoito esta<strong>dos</strong> brasileiros. 7 No caso específico <strong>de</strong> Belo Horizonte, a implementação <strong>de</strong>ssetipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> visa a solucionar os problemas da capital mineira no que diz respeito à<strong>de</strong>stinação das quase cinco mil toneladas <strong>de</strong> lixo produzidas por dia 8 . Segundo relatos<strong>de</strong> moradores do bairro Camargos, o processo <strong>de</strong> licenciamento ocorreu sem que acomunida<strong>de</strong> fosse informada ou consultada. De fato, o licenciamento da empresa nãopassou pela Licença Prévia, etapa que exige a realização <strong>de</strong> audiências públicas,obtendo diretamente com a apresentação <strong>dos</strong> estu<strong>dos</strong> requeri<strong>dos</strong> pela SMAMA, aLicença <strong>de</strong> Instalação 9 .6 Em abril <strong>de</strong> 2005, a SERQUIP obteve também a licença <strong>de</strong> operação para a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incineração <strong>de</strong>resíduos sóli<strong>dos</strong> industriais.7 Fonte: Sítio eletrônico da empresa SERQUIP Ltda. Disponível em: .Acesso em: 22/09/2010.8Fonte: Jornal “O Estado <strong>de</strong> <strong>Minas</strong>” (edição <strong>de</strong> 10/03/2009): Disponível em:. Acesso em: 22/09/2010.9 Conforme consta no Parecer Técnico nº 1237/08 da SMAMA.14


Contudo, po<strong>de</strong>-se atribuir o início do conflito ao momento em que algunsmoradores passaram a relacionar a “fumaça” emitida pela empresa durante aincineração <strong>dos</strong> resíduos à incidência <strong>de</strong> incômo<strong>dos</strong> diversos, que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> insônia,irritação nos olhos e nas vias respiratórias até o surgimento <strong>de</strong> doenças mais graves,como câncer e enfisema pulmonar. Essa relação pô<strong>de</strong> ser verificada em vários relatos <strong>de</strong>li<strong>de</strong>ranças do movimento do bairro Camargos, inclusive na constante referência aosperigos presentes na “fumaça” e na incineração <strong>de</strong> resíduos expressa em faixas ecartazes do movimento.Figura 2: Manifestação contra a empresa SERQUIP no bairro Camargos, 10/07/2007. Fonte:http://mdduma.blogspot.com/2007/09/reportagem-jornal-re<strong>de</strong>minas.html.Sendo assim, compartilho aqui as consi<strong>de</strong>rações feitas por Lopes (et al., 2004:236) acerca <strong>dos</strong> processos sociais <strong>de</strong> construção da poluição, mais especificamente a<strong>de</strong>snaturalização ou <strong>de</strong>scoberta da poluição 10 , que passa por um estranhamento inicial,10 Lopes et al. (2004: 227) i<strong>de</strong>ntificam três dimensões da ‘<strong>de</strong>scoberta da poluição’ (naturalização;<strong>de</strong>snaturalização; renaturalização), mas que segundo o autor, não são consi<strong>de</strong>radas necessariamente comoetapas sucessivas e sim como momentos. Para o caso em questão, o momento da <strong>de</strong>snaturalização é o queimporta <strong>de</strong>screver.15


A busca constante por informações sobre a incineração levou em <strong>de</strong>terminadomomento ao contato com uma especialista em química da UFMG, que sugeriu que omovimento produzisse uma pesquisa junto aos moradores do bairro sobre possíveisproblemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> causa<strong>dos</strong> pela SERQUIP 15 .Paralelamente à realização da pesquisa, alguns membros do movimentorealizavam uma extensa investigação sobre o tema da incineração <strong>de</strong> resíduos, queresultou numa espécie <strong>de</strong> “<strong>dos</strong>siê” com mais <strong>de</strong> duas mil páginas, incluindo os relatos einformações <strong>dos</strong> problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>dos</strong> moradores do bairro Camargos. Com efeito, aativida<strong>de</strong> é consi<strong>de</strong>rada por organismos internacionais como sendo <strong>de</strong> alto risco à saú<strong>de</strong>humana e ao meio ambiente 16 , existindo atualmente uma re<strong>de</strong> mundial <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s 17que atuam no combate aos poluentes orgânicos persistentes (POP’s). Dada a relevância“global” do tema, o movimento obteve acesso a vários relatórios técnicos, marcos legaise referências a outros conflitos envolvendo a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incineração no Brasil e emoutros países. Assim, por exemplo, tomou-se conhecimento da resolução do CONAMAque proíbe a instalação <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> em áreas resi<strong>de</strong>nciais 18 . A referência aesta resolução passou a ser correntemente utilizada pelo movimento na luta <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dobairro.Dessa forma, o movimento continuou a levantar publicamente os problemasrelaciona<strong>dos</strong> à empresa SERQUIP, insistindo ainda mais nas <strong>de</strong>núncias ao po<strong>de</strong>rpúblico municipal e estadual (SMAMA; MPE/MG; Fundação Estadual do MeioAmbiente - FEAM; Assembléia Legislativa <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais - ALMG; CâmaraMunicipal <strong>de</strong> Belo Horizonte - CMBH) e divulgando o problema às associações <strong>de</strong>bairros vizinhos, à imprensa, a entida<strong>de</strong>s ambientalistas e outras ligadas ao combate àincineração.15 Em junho <strong>de</strong> 2007, foi formada uma comissão entre moradores do Camargos para a realização doestudo. Este, baseado em 104 questionários e em torno <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong>poimentos isola<strong>dos</strong> na região do bairro,indicou que 76% <strong>dos</strong> moradores entrevista<strong>dos</strong> alegaram problemas respiratórios e alérgicos; <strong>de</strong>stes, 17%afirmaram que os problemas surgiram em menos <strong>de</strong> um ano. Fonte: Relatório da audiência pública naCâmara Municipal <strong>de</strong> Belo Horizonte, 30/10/2007. GESTA/UFMG, 2007.16 Vi<strong>de</strong> a convenção <strong>de</strong> Estocolmo, tratado internacional formulado no âmbito da UNEP/ONU paraeliminar em nível mundial a produção e o uso <strong>dos</strong> poluentes orgânicos persistentes (POPs), <strong>de</strong>ntre eles, adioxina, consi<strong>de</strong>rada como um <strong>dos</strong> poluentes mais perigosos resultante da queima <strong>de</strong> lixo hospitalar eindustrial.17 Cf. . A “International POPs Elimination Network” (IPEN), é uma re<strong>de</strong> formada poraproximadamente 400 entida<strong>de</strong>s e que atua nos cinco continentes.(Fonte: http://www.acpo.org.br/campanhas/pops/convencao_vigor.htm. Data <strong>de</strong> acesso: 23/09/2010).18 Artigo 9º da resolução 316/02 do CONAMA. Disponível em:. Acesso em: 27/09/2010.18


Passa<strong>dos</strong> dois anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do conflito, o movimento já possuía umaorganização interna que possibilitava a realização <strong>de</strong> diversas ações (redação <strong>de</strong>documentos e ofícios; formalização <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias; pesquisa sobre o tema; produção <strong>de</strong>faixas, cartazes e outros materiais <strong>de</strong> divulgação do caso; criação <strong>de</strong> um sítio eletrônicona internet etc.). Apesar <strong>dos</strong> problemas relaciona<strong>dos</strong> à empresa terem sido reconheci<strong>dos</strong>por muitos moradores e constantemente discuti<strong>dos</strong> nas reuniões da associação do bairro,o núcleo do movimento foi formado por um número pequeno <strong>de</strong> membros dacomunida<strong>de</strong> (principalmente por donas-<strong>de</strong>-casa e trabalhadores aposenta<strong>dos</strong>) quemoravam mais próximos à SERQUIP e que, em quase sua totalida<strong>de</strong>, são <strong>de</strong> uma faixaetária mais alta. Contudo, como verificado por Lopes (et al., 2004: 233), a relação entreproximida<strong>de</strong> física com a fonte poluidora e percepção da poluição não se constitui comocondição suficiente para a mobilização <strong>dos</strong> atores afeta<strong>dos</strong>, sendo necessário que se crieuma “questão social” em torno do problema.Dentro <strong>de</strong>ste processo social <strong>de</strong> construção da poluição, foram sendo formadasas representações sobre a SERQUIP e o discurso <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do bairro. A nomeação dapoluição (e também da empresa) como algo maléfico para os moradores po<strong>de</strong> serassociada aos seus efeitos, percebi<strong>dos</strong> como incômo<strong>dos</strong>, doenças e mortes. A ativida<strong>de</strong><strong>de</strong> incineração e a SERQUIP eram ligadas a um campo semântico negativo, comoregistrado nas falas e em várias faixas produzidas pelos moradores - empresa nociva;fumaça da morte; gás venenoso; incineração: tecnologia mortal etc.Porém, as manifestações discursivas do movimento que explicitavam o cenário<strong>de</strong> calamida<strong>de</strong> vivenciado no bairro expressam a incorporação gradual <strong>dos</strong> argumentosjurídicos e científicos que pautam a questão da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incineração <strong>de</strong> resíduos emnível global, como po<strong>de</strong> ser exemplificado pelas passagens a seguir:(...) Estamos já carecas <strong>de</strong> saber que on<strong>de</strong> tem um incinerador começama aparecer sintomas, doenças e até óbitos! Ciência, leis, experiências,ONGs do mundo inteiro estão mais do que vacina<strong>dos</strong> com esse tipo <strong>de</strong>"tecnologia" geradora <strong>de</strong> poluentes altamente tóxicos, como a Dioxina.Você sabia que esse tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, segundo as leis ambientais, nãopo<strong>de</strong> ser instalada em áreas próximas a assentamentos humanos(resi<strong>de</strong>ncial)? (...) 1919 Trecho <strong>de</strong> manifesto publicado no sitio eletrônico do MDDUMA (data: 31/08/2008). Disponívelem:.Acesso em: 02/11/2010.19


Figura 4: Manifestação na escadaria da SMMA após o cancelamento da votação do COMAM em08/10/2008. Fonte: GESTA/UFMG.(...) Sabemos que as autorida<strong>de</strong>s não po<strong>de</strong>m tomar atitu<strong>de</strong>s radicais,quanto aos trâmites legais que <strong>de</strong>vem ser segui<strong>dos</strong>. Entretanto,assegurando ao fato, o que a ciência diz sobre a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incineração<strong>de</strong> lixo hospitalar, e também, relatos <strong>de</strong> experiências mal sucedidas <strong>de</strong>stetipo, em outras localida<strong>de</strong>s, é impossível falar em qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida esustentabilida<strong>de</strong> junto a este tipo <strong>de</strong> empreendimento.Os gases gera<strong>dos</strong> pela queima <strong>de</strong> lixos e resíduos po<strong>de</strong>m gerar inúmerassubstâncias tóxicas, muitas, até letais, indutoras <strong>de</strong> câncer e outros malesagravantes para o organismo do ser humano. Face a isto, os moradoresdo bairro Camargos circunvizinhos não po<strong>de</strong>m ficar expostos a riscos<strong>de</strong>sta plenitu<strong>de</strong> (...). 20A partir <strong>dos</strong> conhecimentos obti<strong>dos</strong> sobre a incineração – que abarcavam <strong>de</strong>s<strong>de</strong>os processos e elementos químicos até a legislação ambiental e a história da ativida<strong>de</strong><strong>de</strong> incineração - resultado da intensa pesquisa e busca por informações e apoio <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oinício do conflito, o movimento passou a apresentar em seu discurso uma articulação20 Trecho <strong>de</strong> manifesto enviado a autorida<strong>de</strong>s, divulgado no sítio eletrônico do MDDUMA (data:10/01/2008). Disponível em: .Acesso em: 02/11/2010.20


entre os temas da saú<strong>de</strong>, <strong>dos</strong> direitos humanos e do meio ambiente com justificativasjurídicas, científicas e também sensíveis sobre suas <strong>de</strong>mandas. Dessa forma, o caráterpúblico da questão ficava cada vez mais evi<strong>de</strong>nte; o tema da saú<strong>de</strong> <strong>dos</strong> moradores eraentão associado aos direitos humanos e ambientais, exigindo do Estado a resolução <strong>dos</strong>problemas.Figura 5: Panfleto produzido pelo movimento <strong>dos</strong> moradores do bairro Camargos (2007).Fonte: http://mdduma.blogspot.com/2008/07/blog-post.htmlA resistência à empresa foi ultrapassando - física e socialmente - os limites dobairro e, na medida em que se “movimentava” no espaço social, no caso, na medida emque o conflito se institucionalizava, ativava potencialmente algumas das relações <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r que constituem um campo social específico, o campo ambiental 21 . Nesse sentido,dois fatores apresentam importância significativa para a dinâmica do conflito: a entradaestratégica <strong>de</strong> outros atores <strong>de</strong> apoio ao movimento e o início da participação dacomunida<strong>de</strong> em audiências públicas e nas reuniões do COMAM.21 A discussão sobre o campo ambiental será feita no capítulo seguinte.21


2.2 Atores, estratégias e a nova dinâmica do conflitoMesmo que o caráter conflitivo do caso seja muito localizado, <strong>de</strong>termina<strong>dos</strong>aspectos fizeram com que, após o seu início, o conflito repercutisse entre outrascomunida<strong>de</strong>s e bairros da região. As reuniões da associação <strong>dos</strong> moradores doCamargos e a realização <strong>de</strong> ações comunitárias ligadas à Igreja do bairro, entendidascomo formas <strong>de</strong> associativismo local (SCHERER-WARREN, 2006), bem como o usocomum <strong>de</strong> serviços públicos - especialmente a utilização do Centro <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do bairroSanta Maria 22 - possibilitou a discussão e a transmissão das experiências, entãorecentes, vivenciadas pelos moradores do Camargos. De fato, na visão <strong>dos</strong> moradores, ocentro <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> fornecia uma “medida” do índice <strong>de</strong> doenças no bairro através doaumento do número <strong>de</strong> visitas e consultas médicas. Da mesma forma, houve adivulgação do caso em sítios eletrônicos e em jornais <strong>de</strong> bairro vizinhos. Contudo,po<strong>de</strong>-se consi<strong>de</strong>rar que o envolvimento positivo <strong>de</strong> outros atores no conflito engendroualgumas mudanças significativas referentes ao enfrentamento <strong>dos</strong> problemas pelosmoradores do Camargos.No ano <strong>de</strong> 2007, o movimento obteve contato com a Associação <strong>de</strong> Combate aosPoluentes Orgânicos Permanentes (ACPO), entida<strong>de</strong> que tem sua história ligada à<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos trabalhistas relaciona<strong>dos</strong> à contaminação química em função daativida<strong>de</strong> profissional 23 . A experiência da entida<strong>de</strong> na luta contra os POP’s levou à suainserção em diversas re<strong>de</strong>s sociais a nível internacional a nacional, entre elas a GAIA –Global Alliance for Incinerator Alternatives – e a Re<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> JustiçaAmbiental.A articulação inicial do movimento do bairro Camargos à ACPO seconstituiu principalmente na troca <strong>de</strong> informações sobre a questão da incineração e <strong>dos</strong>problemas que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>rivam, do ponto <strong>de</strong> vista do risco a que a comunida<strong>de</strong> doCamargos estava exposta.Os argumentos científicos sobre os riscos da exposição aos POP’s, assim comoos acor<strong>dos</strong> e marcos legais formula<strong>dos</strong> para a erradicação da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incineração aoredor do mundo, foram sendo utiliza<strong>dos</strong> discursivamente nas manifestações domovimento ao expressarem - para o próprio movimento - a legitimida<strong>de</strong> da sua luta. Na22 Gerido pela PBH, o atendimento do centro abrange alguns bairros da região noroeste, incluindo oCamargos.23 Surgida precisamente em 1994, na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> trabalhadores contamina<strong>dos</strong> da empresa Rhodia,localizada em Cubatão/SP (sobre o caso Rhodia, cf. Gomes, 2004). Em 1999, a entida<strong>de</strong> incorpora em seuestatuto a questão ambiental como área <strong>de</strong> atuação (Cf.: < http://www.acpo.org.br/quem_somos.htm>.Data <strong>de</strong> acesso: 23/07/2010).22


medida em que o discurso científico, enquanto discurso da verda<strong>de</strong> (FOUCAULT,2008a: 13), reconhecia os riscos da ativida<strong>de</strong> à saú<strong>de</strong> humana e ao meio ambiente, bemcomo atestava a ilegalida<strong>de</strong> da localização <strong>de</strong> incineradores em áreas resi<strong>de</strong>nciais, omovimento se apropriava <strong>dos</strong> aspectos técnicos e científicos que agregavam valor <strong>de</strong>verda<strong>de</strong> à sua causa 24 . E quanto mais se mobilizava para provar a ilegalida<strong>de</strong> nalocalização da SERQUIP no bairro ou os perigos representa<strong>dos</strong> pelas dioxinas e outroselementos químicos gera<strong>dos</strong> na queima do “lixo”, a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se fazeremreconheci<strong>dos</strong> ativava uma dimensão <strong>de</strong> injustiça crescente no conflito 25 que po<strong>de</strong> serapreendida nas passagens abaixo:(...) É <strong>de</strong>plorável como o po<strong>de</strong>r público ainda insiste em licenciar umaempresa que não tem o mínimo <strong>de</strong> respeito pelas comunida<strong>de</strong>s locais.Emitindo <strong>de</strong>scaradamente fumaça pela chaminé gerada pela "incineração"<strong>de</strong> lixo hospitalar e industrial, principalmente em época <strong>de</strong> seca! É umavergonha <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública! (...). 26(...) A causa <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os males e que levam o homem à <strong>de</strong>struição são aavareza, ira e a estupi<strong>de</strong>z. Aqueles que <strong>de</strong>têm o po<strong>de</strong>r passam por cima<strong>dos</strong> menos favoreci<strong>dos</strong> como "rolos compressores", sem perceberem, atéem cima <strong>de</strong> si mesmos. E é, exatamente, o que os moradores do bairroCamargos têm sentido frágeis em relação aos fatos, pela fumaça que élançada diariamente a olho nu. (...). 27Em outubro <strong>de</strong> 2007, foi realizada uma reunião na promotoria <strong>de</strong> justiça <strong>de</strong><strong>Minas</strong> Gerais com a participação <strong>de</strong> representantes do movimento, da SERQUIP e daSMAMA, que resultou apenas na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> um acordo entre a empresa e o MPEsobre medidas técnicas e procedimentais relaciona<strong>dos</strong> ao funcionamento da empresa nobairro (MINAS GERAIS, 2006). No entanto, os relatos obti<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> moradores presentesnessa reunião afirmam ter havido um tratamento diferenciado por parte do promotor,dando mais atenção ao diretor da SERQUIP e amenizando o teor das <strong>de</strong>núncias domovimento. No mesmo mês, ocorreu na CMBH uma audiência com o objetivo <strong>de</strong> ouvir24 Aspecto percebido na fala <strong>de</strong> uma das li<strong>de</strong>ranças do movimento do bairro Camargos: “se a ciência falaque é perigoso é porque é perigoso”. Fonte: Relatório da audiência pública na Câmara Municipal <strong>de</strong> BeloHorizonte, 30/10/2007. GESTA/UFMG, 200725 Ao tratar da dimensão moral do conflito, Car<strong>dos</strong>o <strong>de</strong> Oliveira (2004) afirma que a inexistência ou ineficácia dastrocas discursivas/simbólicas produz a negação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do outro e, <strong>de</strong>sse modo, o seu não-reconhecimento, quepo<strong>de</strong> aparecer como ato <strong>de</strong> injustiça.26 Trecho retirado do sitio eletrônico do MDDUMA (data: 31/08/2008). Disponível em:.Acesso em: 02/11/2010.27Trecho <strong>de</strong> ofício enviado a autorida<strong>de</strong>s, reproduzido no sítio eletrônico do MDDUMA(data:10/01/2008). Disponível em: .Acesso em: 02/11/2010.23


as partes envolvidas no conflito. Na oportunida<strong>de</strong>, houve divergências explícitas quantoà aceitação das justificativas e da<strong>dos</strong> apresenta<strong>dos</strong> pela empresa por parte <strong>dos</strong>moradores. O estudo produzido no bairro pelo movimento do Camargos, já referidoacima, foi <strong>de</strong>squalificado pelo membro <strong>de</strong> um instituto <strong>de</strong> pesquisa contratado pelaSERQUIP para avaliar a percepção <strong>dos</strong> moradores sobre a empresa e sobre a incidência<strong>de</strong> doenças 28 .Já em agosto <strong>de</strong> 2008, a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos da ALMG promoveumais uma audiência, na qual os moradores se mobilizaram levando faixas, cartazes eusando máscaras cirúrgicas para representar os problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>correntes dapoluição. A audiência contou com a participação <strong>de</strong> um membro da ACPO convidadopelos moradores, que fez uma apresentação sobre a gravida<strong>de</strong> da questão dacontaminação por POP’s 29 . Apesar das alegações do diretor da SERQUIP e do gerente<strong>de</strong> licenciamento ambiental da SMAMA sobre a regularida<strong>de</strong> técnica da empresa, opresi<strong>de</strong>nte da FEAM, convidado para a reunião, afirmou que o incinerador não po<strong>de</strong>riaestar instalado no bairro, pon<strong>de</strong>rando controvérsias técnicas e procedimentais emdocumentos apresenta<strong>dos</strong> pela empresa SERQUIP e nos méto<strong>dos</strong> <strong>de</strong> avaliação dasemissões utiliza<strong>dos</strong> pela SMAMA 30 . Já nas falas <strong>dos</strong> moradores do bairro Camargos,corroboradas pela apresentação do químico da ACPO, os relatos dramáticos sobredoenças e mortes reafirmavam o interesse no fim das ativida<strong>de</strong>s da empresa no bairro.Nessa época, a SERQUIP já havia solicitado a renovação da licença <strong>de</strong> operaçãopara a incineração <strong>de</strong> resíduos hospitalares à SMAMA 31 . Através da gerência <strong>de</strong>licenciamento ambiental da secretaria, foi produzido um parecer técnico 32 com a análise<strong>de</strong> diversos aspectos relaciona<strong>dos</strong> à empresa, englobando as avaliações técnicas, ocumprimento <strong>de</strong> condicionantes e mencionando as infrações e os problemas da empresacom a comunida<strong>de</strong>. A conclusão do parecer, que serve <strong>de</strong> subsídio ao COMAM nas<strong>de</strong>cisões em plenária, foi favorável à renovação da LO da SERQUIP, baseando-se,principalmente, na “importância <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> empreendimento para o município”(SMAMA. Parecer Técnico nº. 1237/08, 2008).28Fonte: Relatório da audiência pública na Câmara Municipal <strong>de</strong> Belo Horizonte, 30/10/2007.GESTA/UFMG, 2007.29 O mesmo representante da ACPO também participou da audiência anterior, na Câmara Municipal <strong>de</strong>BH.30 Fonte: Relatório da audiência pública na ALMG, 04/08/2008. GESTA/UFMG, 2008.31 A LO concedida em novembro <strong>de</strong> 2003 tinha valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quatro anos.32 Cf. SMAMA. Parecer Técnico nº 1237/08.24


Pelo lado do movimento, a inserção do conflito em uma instância participativa e<strong>de</strong>liberativa como o COMAM, constituiu uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> articulação estratégica aoutros atores, produzindo novos “fluxos <strong>de</strong> informação e <strong>de</strong> conhecimento”(ESCOBAR, 2003: 652) que, ao longo <strong>dos</strong> oito meses <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira votação darenovação da LO, engendrou em uma reconfiguração das relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r do campo.A organização do movimento do Camargos remete às interpretações sobre osmovimentos sociais na atualida<strong>de</strong>, que têm no conceito <strong>de</strong> re<strong>de</strong> sua chave analítica.Derivada da teoria da complexida<strong>de</strong> das ciências naturais (ESCOBAR, 2003: 644), oconceito <strong>de</strong> re<strong>de</strong> tem sido aplicado às ciências sociais na análise das socieda<strong>de</strong>scontemporâneas no contexto da globalização 33 . Contudo, para Scherer-Warren (2003), anoção <strong>de</strong> re<strong>de</strong> “vem sendo construída enquanto conceito analítico, mas é também umconceito propositivo <strong>dos</strong> próprios movimentos sociais” (SCHERER-WARREN, 2003:31), o que afirma o caráter polissêmico da noção. Porém, a autora reconhece a análisedas re<strong>de</strong>s como uma metodologia a<strong>de</strong>quada na compreensão da complexida<strong>de</strong> dasocieda<strong>de</strong> contemporânea. No que tange à análise <strong>dos</strong> movimentos sociais nasocieda<strong>de</strong> globalizada, estes po<strong>de</strong>m ser entendi<strong>dos</strong> “como uma re<strong>de</strong> que conectasujeitos e organizações <strong>de</strong> movimentos, expressões <strong>de</strong> diversida<strong>de</strong>s culturais e <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s abertas, em permanente constituição, que buscam reconhecimento nasocieda<strong>de</strong> civil” (SCHERER-WARREN, 2003: 30), <strong>de</strong>senvolvendo-se “através <strong>de</strong>relações e articulações que assumem a forma <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>estratégia” (SCHERER-WARREN, 2003: 33) que transcen<strong>de</strong>m reivindicações epráticas localizadas. Já Arturo Escobar (2003), ao analisar os movimentosantiglobalização a partir da teoria das re<strong>de</strong>s, trabalha a noção <strong>de</strong> malha para representaruma estrutura dinâmica formada pelas “articulações <strong>de</strong> elementos heterogêneos emtermos das suas complementarida<strong>de</strong>s funcionais” (ESCOBAR, 2003: 645). Escobarsublinha algumas implicações da aplicação da noção <strong>de</strong> malha ao campo social,relacionadas ao seu caráter político, que se <strong>de</strong>fine pela natureza <strong>de</strong> seus elementosheterogêneos e <strong>dos</strong> tipos <strong>de</strong> articulações estabelecidas entre eles, bem como dopotencial <strong>de</strong>sestratificantes das malhas frente às formas dominantes <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r-saber(ESCOBAR, 2003: 647). O autor também ressalta que, mesmo se orientando para atransformação do espaço <strong>dos</strong> fluxos, as malhas têm origem a partir <strong>dos</strong> espaços <strong>dos</strong>lugares (ESCOBAR, 2003: 649).33 Escobar (2003: 642) apresenta algumas das várias vertentes das teorias das re<strong>de</strong>s.25


Dessa forma, a reunião <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> outubro foi permeada pela disputa em torno <strong>dos</strong>argumentos e justificativas sobre a viabilida<strong>de</strong> ou não da continuida<strong>de</strong> da SERQUIP noCamargos. O parecer favorável à renovação da LO, apresentado pela relatora doconselho, apoiou-se em aspectos estritamente técnicos e em consi<strong>de</strong>rações sobre anecessida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong> no contexto atual <strong>de</strong> Belo Horizonte, no que se relaciona à<strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> resíduos sóli<strong>dos</strong>, apenas mencionando a existência <strong>de</strong> queixas e <strong>de</strong> umposicionamento contrário à empresa por parte <strong>dos</strong> moradores que, nesse sentido,constituía-se apenas como mais uma “variável” a ser analisada. De acordo com relatórioda conselheira, seu voto levou em consi<strong>de</strong>ração:(...) (i) a conclusão do Parecer da SMAMA que registra “a empresaSERQUIP efetivamente apresentou problemas e irregularida<strong>de</strong>s no<strong>de</strong>correr do seu funcionamento, sendo autuada nestas ocasiões eproce<strong>de</strong>ndo às <strong>de</strong>vidas correções para saná-las, conforme <strong>de</strong>terminadopela SMAMA. Cabe ressaltar que a SMAMA tem sido mais restritiva quea resolução CONAMA 316/02 em relação aos critérios e parâmetrosestabeleci<strong>dos</strong> para operação <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> empreendimento. Ainda assim,novas exigências estão sendo incluídas neste momento, <strong>de</strong> maneira aminimizar ainda mais os impactos ambientais e garantir a segurança daoperação”. (ii) a <strong>de</strong>stinação final <strong>de</strong> RSS no município <strong>de</strong> BH para oAterro Sanitário da BR 040 que apresenta condições <strong>de</strong> recebimento atéagosto <strong>de</strong> 2009; (iii) a discussão da co-disposição <strong>de</strong> RSS em AterrosSanitários e o licenciamento ambiental <strong>de</strong>stes aterros quanto à tipologia<strong>de</strong> resíduos recebi<strong>dos</strong>. Assunto este que <strong>de</strong>monstra fragilida<strong>de</strong> legal nomomento atual; (iv) a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estu<strong>dos</strong> qualiquantitativos <strong>dos</strong> RSSincinera<strong>dos</strong> atualmente no Município; (v) as queixas e doençasapresentadas pelos moradores do Bairro Camargos; (vi) o prazo paraaveriguação <strong>de</strong> dúvidas e pendências técnicas que contribuam para oentendimento do processo <strong>de</strong> incineração <strong>de</strong> Resíduos <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong>Saú<strong>de</strong> – RSS em geral. (viii) a valida<strong>de</strong> da Licença <strong>de</strong> Operação para aativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Incineração <strong>de</strong> Resíduos Sóli<strong>dos</strong> Industriais (LO 950 <strong>de</strong> 13<strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2005) da SERQUIP com valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quatro anos.Assim, no sentido <strong>de</strong> ser necessário pautar a solução da <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong>RSS, através da incineração no Bairro Camargos, pela análise <strong>de</strong> da<strong>dos</strong>técnicos do empreendimento e pela posição contrária ao empreendimentoda comunida<strong>de</strong> do entorno é que acompanho o Parecer Técnico daSMAMA como favorável à renovação da Licença <strong>de</strong> Operação (LO) aoempreendimento SERQUIP TRATAMENTO DE RESÍDUOS MGLTDA, mas com prazo coinci<strong>de</strong>nte com o término da Licença <strong>de</strong>Operação da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Resíduos Sóli<strong>dos</strong> Industriais (LO 950 <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong>abril <strong>de</strong> 2005 com valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quatro anos). (COMAM, 2008).Por outro lado, o posicionamento e as justificativas da conselheira foramcontesta<strong>dos</strong> pelo parecer da FIOCRUZ (ANEXO 1) lido pelo consultor jurídico doGESTA:27


(...) consi<strong>de</strong>ramos o Parecer Técnico [da SMAMA] insuficiente paraconcluir a inexistência <strong>de</strong> riscos relevantes à saú<strong>de</strong> da populaçãorelaciona<strong>dos</strong> ao incinerador em questão. Pelo contrário, vários elementosapontam para a possível gravida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> no médio elongo prazo advin<strong>dos</strong> da operação do referido incinerador. Dentre eles<strong>de</strong>stacamos: (i) o problema da produção <strong>de</strong> dioxina e furanos; (ii) aprodução <strong>de</strong> particula<strong>dos</strong>, corroborada pelas <strong>de</strong>núncias envolvendo ofuncionamento do incinerador em horário noturno; (iii) a existência <strong>de</strong>vários estu<strong>dos</strong> em outros países que <strong>de</strong>monstram o aumento do risco <strong>de</strong>doenças graves - como câncer e leucemia – nas populaçõescircunvizinhas aos incineradores; (iv) a existência <strong>de</strong> inúmeras escolas ehospitais na região, aumentando a exposição <strong>de</strong> populaçõesespecialmente vulneráveis, como crianças, i<strong>dos</strong>os e enfermos; (v) a falta<strong>de</strong> da<strong>dos</strong> sobre os efeitos à saú<strong>de</strong> da população no local que <strong>de</strong>monstrema não associação <strong>de</strong> problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> com os poluentes produzi<strong>dos</strong>pelo incinerador.Diante <strong>de</strong> tais argumentos, consi<strong>de</strong>ramos ser este caso um exemploclássico para a aplicação do Princípio da Precaução, ou seja, a <strong>de</strong>cisãosobre uma a licença <strong>de</strong> operação somente <strong>de</strong>veria ser realizada apósserem dirimidas as várias incertezas sobre os graves riscos à saú<strong>de</strong> dapopulação. (FIOCRUZ, 2008).As falas <strong>dos</strong> moradores expressavam a indignação com a presença da SERQUIP,<strong>de</strong>nunciando a alta incidência <strong>de</strong> doenças no bairro. De acordo com a ata da reunião <strong>de</strong>22/10/2008 do COMAM (ANEXO 2):(...) A senhora D. manifestou que as pessoas estavam gastando muitodinheiro com remédios e que 79% <strong>de</strong>las estavam com doençasrespiratórias. Destacou que não pretendia prejudicar a empresa, noentanto, queriam lutar pela saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>dos</strong>. O senhor M. observou quemorava há 40 anos no bairro e que as doenças que apareceram na regiãocontradiziam tudo que a empresa havia dito, relatando vários casos <strong>de</strong>mortes <strong>de</strong> pessoas conhecidas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a implantação da SERQUIP (...).(...) O senhor G. afirmou que consi<strong>de</strong>rava um absurdo a PBH liberar umalicença para uma empresa que trabalhava com a incineração e transporte<strong>de</strong> resíduos, sem a ciência <strong>dos</strong> moradores locais. E, enquanto avizinhança adoecia e sofria os efeitos da poluição, ouvia discussõestécnicas se isso fazia mal ou não. (...). (COMAM, 2008).A manifestação <strong>dos</strong> moradores foi corroborada na leitura por um médico doCentro <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do bairro Santa Maria, <strong>de</strong> uma carta assinada pelos médicos <strong>de</strong> suaequipe (ANEXO 3):(...) Nós médicos do Centro <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Santa Maria aten<strong>de</strong>mos casosfreqüentes das doenças acima citadas no nosso trabalho diário. Diante dapresença da empresa SERQUIP que é geradora <strong>de</strong> poluentes industriaisem área on<strong>de</strong> a comunida<strong>de</strong> se encontra exposta a esses poluentes,28


ecomendamos a mudança <strong>de</strong> local da empresa para área industrial,sugerimos que estu<strong>dos</strong> científicos sejam realiza<strong>dos</strong> com o objetivo <strong>de</strong>conseguir comprovar que as doenças citadas acima, não se achamassociadas à poluição geradora pela empresa em questão. Conclusão: adoença quando instalada é geradora <strong>de</strong> sofrimento para o paciente, para asua família e para toda a equipe médica, além <strong>de</strong> ser onerosa para oEstado. (...).Após o confronto <strong>dos</strong> argumentos, a proposta inicial apresentada então peloCOMAM sugeria a renovação da LO para a incineração <strong>de</strong> resíduos hospitalares até ofim da valida<strong>de</strong> da LO para resíduos industriais, que a empresa já possuía e que venceriaem abril <strong>de</strong> 2009, porém o diretor da SERQUIP repudiou o prazo proposto para a<strong>de</strong>sativação da empresa, afirmando ser inviável licenciar em seis meses umempreendimento <strong>de</strong>sse porte em outro local. Os representantes do bairro pressionaram oconselho para que se <strong>de</strong>limitasse um prazo ainda menor ao requisitado pela SERQUIP.Durante a reunião, o diretor da SERQUIP alegava que estava cumprindo as exigênciastécnicas da SMAMA, sendo o único motivo para a transferência da empresa a nãoaceitaçãoda ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incineração pelos moradores, solicitando um prazo para quepu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sfazer <strong>dos</strong> contratos com empresas privadas e com a Prefeitura <strong>de</strong> BeloHorizonte. O promotor <strong>de</strong> Justiça do Meio Ambiente apoiou a empresa, afirmando anecessida<strong>de</strong> do prazo e a inviabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se interromper <strong>de</strong> imediato as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>incineração.No entanto, após 2 horas <strong>de</strong> discussão, o pedido <strong>de</strong> renovação da Licença <strong>de</strong>Operação foi concedido por mais seis meses com a condicionante <strong>de</strong> que a SERQUIPapresentasse, após 90 dias, um Plano <strong>de</strong> Desativação (ANEXO 4) e proposta <strong>de</strong>realocação, para então se retirar do bairro em 180 dias (6 meses). A <strong>de</strong>cisão doCOMAM foi interpretada como uma vitória pelos moradores do Camargos, <strong>de</strong>vido àstentativas anteriores sem resultado <strong>de</strong> chamar a atenção <strong>dos</strong> órgãos públicos municipaispara os problemas vivi<strong>dos</strong> no bairro.Em janeiro <strong>de</strong> 2009, a empresa enviou à SMAMA o plano <strong>de</strong> <strong>de</strong>sativação(ANEXO 4) <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s que, segundo <strong>de</strong>liberação do COMAM, <strong>de</strong>veria conterum cronograma <strong>de</strong> <strong>de</strong>sativação e as ações para tal; porém, o plano não apresentavainformações consistentes sobre o processo em questão, indicando já um possívelinteresse da empresa em permanecer no bairro. Assim, em fevereiro, a SERQUIPenviou pedido <strong>de</strong> dilação <strong>de</strong> prazo para sua <strong>de</strong>sativação à SMAMA, que em resposta,29


afirmou que o prazo estabelecido foi uma <strong>de</strong>liberação do COMAM e que somente esteConselho po<strong>de</strong>ria conce<strong>de</strong>r um prazo maior à empresa (SMAMA, 2003).Em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>ste fato, a empresa ingressou, em março do mesmo ano, compedido junto ao COMAM <strong>de</strong> prorrogação da vigência da LO, solicitando um novo prazopara sua retirada do bairro, então <strong>de</strong>finido para abril <strong>de</strong> 2009. Ao tomar conhecimentoda intenção da empresa, o movimento do Camargos protocolou junto à gerência doCOMAM um ofício exigindo que a <strong>de</strong>cisão do conselho sobre a data da <strong>de</strong>sativaçãofosse mantida. Contudo, na reunião do dia 08/04/2009, o COMAM votou pelaprorrogação do prazo para <strong>de</strong>sativação por mais 120 dias – 90 dias para a interrupçãodas ativida<strong>de</strong>s e mais 30 dias para a <strong>de</strong>smontagem e retirada <strong>dos</strong> equipamentos dobairro. Essa <strong>de</strong>cisão gerou uma indignação maior nos moradores, <strong>de</strong>vido à conivênciado COMAM para com a empresa SERQUIP frente aos riscos <strong>de</strong>nuncia<strong>dos</strong> pelomovimento.Em dia 29 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2009, foi realizada uma manifestação no bairro pelaretirada da SERQUIP. Contando com a presença <strong>de</strong> moradores locais e <strong>de</strong>representantes <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio à luta <strong>dos</strong> moradores, como a CONLUTAS, a CPTe a Assembléia Popular 34 , os manifestantes partiram em caminhada da se<strong>de</strong> daassociação <strong>de</strong> moradores à porta da empresa no bairro, carregando um pequeno caixãoque simbolizava to<strong>dos</strong> os problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> trazi<strong>dos</strong> pela SERQUIP.Diante da data do dia 20 <strong>de</strong> junho como limite para encerrar suas ativida<strong>de</strong>s nobairro Camargos, a empresa SERQUIP iniciou, junto à SMAMA, licenciamento parafuncionar em novo local. No dia 22 <strong>de</strong> maio, foi publicado no Diário Oficial doMunicípio <strong>de</strong> Belo Horizonte, convocatória para realização <strong>de</strong> audiência pública paradiscussão da implantação da SERQUIP no local escolhido, o distrito industrial do Valedo Jatobá, na região do Barreiro/BH. Ao tomarem conhecimento da audiência,representantes <strong>de</strong> associações comunitárias do local entraram inicialmente em contatocom membros do movimento do Camargos e do GESTA/UFMG, que forneceraminformações sobre o conflito e os problemas gera<strong>dos</strong> pela empresa SERQUIP.A audiência pública no Vale do Jatobá foi realizada no dia 01 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2009e contou com a expressiva manifestação <strong>de</strong> associações comunitárias locais. No entanto,em <strong>de</strong>terminado momento a audiência foi interrompida <strong>de</strong>vido à falta <strong>de</strong> condições para34 A Assembléia Popular é uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s, movimentos sociais, pastorais e outras organizaçõespopulares que articula diversas lutas sociais com o objetivo <strong>de</strong> instaurar um projeto político popular pelavia da <strong>de</strong>mocracia direta. Cf. http://www.assembleiapopular.org/in<strong>de</strong>x.php/quem-somos.html.30


Figura 6: Passeata realizada no bairro Camargos, 29/04/2009. Fonte: CONLUTASabrigar to<strong>dos</strong> os presentes (cerca <strong>de</strong> mil pessoas, segundo relatos) e, <strong>de</strong> acordo comli<strong>de</strong>ranças locais, <strong>de</strong>vido à forte pressão da comunida<strong>de</strong>. Houve uma tentativa <strong>de</strong>realizar uma segunda audiência no local, porém, <strong>de</strong>vido à não-aceitação da comunida<strong>de</strong>,o licenciamento para essa área foi suspenso.Após a tentativa frustrada <strong>de</strong> se instalar no Vale do Jatobá, a SERQUIPnovamente entraria com pedido <strong>de</strong> prorrogação da LO no bairro Camargos junto aoCOMAM. Na reunião do conselho em 19/06/2009, a comunida<strong>de</strong> mais uma vezcompareceu junto das entida<strong>de</strong>s e grupos apoiadores, somando a partir <strong>de</strong>sse momento oapoio da Assembléia Popular, da Defensoria Pública <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais e <strong>dos</strong> moradoresdo Vale do Jatobá, que foram à reunião com cartazes e instrumentos musicais. Areunião durou cerca <strong>de</strong> três horas, tempo em que mais uma vez foram expressos osquestionamentos e as <strong>de</strong>fesas à SERQUIP 35 . Ao fim, e após uma pressão fortíssima domovimento, a votação do conselho <strong>de</strong>terminou por seis votos a cinco que a empresa<strong>de</strong>veria sair do bairro, como havia sido <strong>de</strong>finido em sua última reunião; <strong>de</strong>cisão esta quefoi extremamente comemorada pelo movimento por seu caráter <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão final.35 Nessa reunião, estavam presentes vários funcionários da empresa SERQUIP muni<strong>dos</strong> <strong>de</strong> faixas em<strong>de</strong>fesa da permanência da SERQUIP no Camargos, o que criou um clima <strong>de</strong> tensão com os moradores.31


Figura 7: Vista área do Vale do Jatobá em relação ao bairro Camargos e ao centro <strong>de</strong> Belo Horizonte.Fonte: Google Earth.Contudo, após a <strong>de</strong>cisão do conselho, a SERQUIP ingressou na justiça compedido <strong>de</strong> liminar para suspen<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>cisão do COMAM, obtendo, no dia 29 <strong>de</strong> junho,uma autorização judicial para permanecer no bairro. Porém, a Procuradoria Geral <strong>de</strong>Belo Horizonte entrou com pedido <strong>de</strong> suspensão da liminar e obteve ganho <strong>de</strong> causa nodia 17 <strong>de</strong> julho, o que implicaria na retirada da empresa do local até agosto <strong>de</strong> 2009.Segundo informações <strong>dos</strong> moradores, mesmo após a <strong>de</strong>cisão judicial, surgiamindícios <strong>de</strong> que a empresa continuava a funcionar. Dessa forma, o movimentojuntamente com seus apoiadores solicitou vistorias e a fiscalização da SMMA 36 paragarantir o cumprimento da <strong>de</strong>cisão do COMAM. A empresa, assim como os técnicos daprefeitura, informava que as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> incineração já estavam paralisadas e que oprocesso <strong>de</strong> <strong>de</strong>sativação <strong>dos</strong> equipamentos estava em curso. No dia 10 <strong>de</strong> setembro, aschaminés da SERQUIP foram finalmente <strong>de</strong>smontadas, fato simbólico da vitória do36 Em julho <strong>de</strong> 2009, a Secretaria Municipal Adjunta <strong>de</strong> Meio Ambiente <strong>de</strong> Belo Horizonte foi<strong>de</strong>svinculada da Secretaria <strong>de</strong> Políticas Urbanas do município, sendo elevada a Secretaria Municipal <strong>de</strong>Meio Ambiente (SMMA).32


movimento para os moradores. A conclusão total da <strong>de</strong>sativação da empresa ocorreu porvolta do mês <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2009.Posteriormente à sua saída do Camargos, a SERQUIP se instalou em uma árearesi<strong>de</strong>ncial no município <strong>de</strong> Santa Luzia 37 , iniciando outro conflito com moradoreslocais. Com efeito, essa capacida<strong>de</strong> diferenciada <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r em relação aos fluxos e aosmovimentos no espaço, expressa uma “geometria do po<strong>de</strong>r” (MASSEY, 2000: 179)caracterizada pelo enfraquecimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>dos</strong> grupos sociais em função damobilida<strong>de</strong> - e <strong>de</strong> seu controle – por outros grupos (MASSEY, 2000: 180). Porém, dadaa repercussão do conflito do bairro Camargos, os moradores <strong>de</strong> Santa Luzia buscaraminformações junto ao movimento do Camargos, tomando conhecimento <strong>de</strong> toda a lutaempreendida no local, situação que remete ao sentido “progressista do lugar” <strong>de</strong> quefala Massey (2000), este não-estático e sim articulado “em re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações eentendimentos sociais” (MASSEY, 2000: 184).Essa articulação resultou no fortalecimento da luta em Santa Luzia;recentemente, o COPAM, pressionado pelo MPE (que investigava as <strong>de</strong>núncias feitaspelos moradores), reconheceu a irregularida<strong>de</strong> da nova localização da SERQUIP,cassando a licença da empresa no dia 30/08/2010 38 . A SERQUIP também estáenvolvida em irregularida<strong>de</strong>s no município <strong>de</strong> Montes Claros/MG, que foram trazi<strong>dos</strong> àtona pela repercussão do conflito em Belo Horizonte e Santa Luzia 39 .O surgimento <strong>de</strong> um movimento <strong>de</strong> base popular que se intitula em “<strong>de</strong>fesa <strong>dos</strong>direitos humanos e do meio ambiente”; a institucionalização do caso em esferaspúblicas responsáveis pela questão ambiental; o envolvimento <strong>de</strong> distintos atores<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo argumentos basea<strong>dos</strong> em justificativas ambientais “para legitimar práticasinstitucionais, políticas, científicas etc.” (ACSELRAD, 2010: 103), bem como paraevi<strong>de</strong>nciar situações <strong>de</strong> risco e injustiça pela <strong>de</strong>gradação ambiental e <strong>de</strong> condiçõessociais, permite i<strong>de</strong>ntificar certos aspectos <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> “ambientalização” doconflito (LOPES et al., 2004). Porém, <strong>de</strong>ve-se ressaltar o caráter polissêmico da noção<strong>de</strong> meio ambiente, consi<strong>de</strong>rando que isso implica em uma discussão mais profundasobre a emergência <strong>dos</strong> conflitos ambientais enquanto disputas em torno da apropriaçãosimbólica e material do ambiente (ACSELRAD, 2004a; ZHOURI et al. 2005). A37 A Serquip já possuía um galpão <strong>de</strong> armazenamento <strong>de</strong> materiais em Santa Luzia - região <strong>dos</strong> bairrosDuquesa, Cristina e Belo Vale – on<strong>de</strong> instalou seu incinerador.38Cf. .Acesso em: 10/11/2010.39Cf. .Acesso em: 10/11/2010.33


própria idéia <strong>de</strong> “vitória” - forma como o <strong>de</strong>sfecho do conflito é referido pelosmoradores - ilustra a noção <strong>de</strong> disputa presente nas representações que os membros domovimento fazem do caso e que exprime <strong>de</strong> fundo o caráter político <strong>dos</strong> conflitosambientais.Consequentemente, o conflito coloca a questão do papel <strong>dos</strong> movimentos sociaisna mudança social, suas formas <strong>de</strong> organização e estratégias <strong>de</strong> ação. A formação <strong>de</strong> ummovimento em re<strong>de</strong> (SCHERER-WARREN: 2003), articulando atores heterogêneosque agregaram capital simbólico à luta, bem como a associação entre questõesambientais e questões sociais, remete ao movimento <strong>de</strong> justiça ambiental surgido nosEUA na década <strong>de</strong> 1980 40 .No entanto, se por um lado os movimentos e lutas por justiça ambiental sesituam em um pólo oposto <strong>de</strong>ntro da “nebulosa associativa” (ACSELRAD, 2010;DUPUY, 1981) <strong>de</strong> um ambientalismo mais geral, carregando <strong>de</strong> certa forma a “utopia”da transformação social presente na i<strong>de</strong>ologia <strong>dos</strong> movimentos contraculturais <strong>dos</strong> anos60, por outro lado <strong>de</strong>ve-se refletir sobre os limites <strong>de</strong> seu projeto transformador tendoem vista a complexida<strong>de</strong> das relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que estruturam os significa<strong>dos</strong> sobre omeio ambiente. Como coloca David Harvey (1996):(...) há um longo e árduo caminho a percorrer para levar o movimento <strong>de</strong>justiça ambiental além da fase <strong>de</strong> floreios retóricos, sucessos na mídia epolíticas simbólicas, para um mundo <strong>de</strong> uma forte e coerente organizaçãopolítica e ação revolucionária prática 41 .O caráter localizado e fragmentário das diversas lutas <strong>de</strong> resistência àapropriação capitalista do espaço (LEFEBVRE, 1991) coloca dilemas à possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> universalização <strong>de</strong> uma representação <strong>de</strong> justiça social que expresse os princípios <strong>de</strong>justiça ambiental (HARVEY, 1996). Nesse sentido, cabe um exercício <strong>de</strong> reflexão sobreo significado da saída da empresa SERQUIP do bairro Camargos para a luta pela justiçaambiental à luz das discussões sobre a dominação da natureza (HARVEY, 1996) e sobrea categoria <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável no campo ambiental.40 A discussão sobre o movimento <strong>de</strong> justiça ambiental será feita adiante.41 Tradução minha.34


3.A DOMINAÇÃO DA NATUREZA E A IDEOLOGIA DODESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVELA princípio, o conflito do bairro Camargos apresenta em sua configuraçãodiversos aspectos relaciona<strong>dos</strong> aos processos sociais <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma “questãopública” em torno da preservação do meio ambiente, caracterizando o fenômeno<strong>de</strong>scrito por Lopes (et al., 2004) da “ambientalização <strong>dos</strong> conflitos sociais”.Tendo como referência histórica a emergência <strong>de</strong> uma crescente “preocupação”com os impactos cada vez mais significativos da ação humana sobre a Natureza,preocupação que, a partir <strong>dos</strong> anos <strong>de</strong> 1970, passa a ocupar uma posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque nasarenas políticas internacionais, o fenômeno da ambientalização po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificadopela “interiorização das diferentes facetas da questão pública do ‘meio ambiente’”(LOPES et al., 2004: 17), que se expressa na “transformação na forma e na linguagem<strong>dos</strong> conflitos sociais e na sua institucionalização parcial” (LOPES et al., 2004: 17).De acordo com Lopes (et al., 2004), a importância assumida pela esferainstitucional do meio ambiente, a interiorização <strong>de</strong> novos valores (individuais ecoletivos) e práticas (institucionais, associativas etc.), bem como a legitimida<strong>de</strong>atribuída à questão ambiental na argumentação <strong>de</strong> conflitos (LOPES et al., 2004: 19-20), seriam fatores do fenômeno <strong>de</strong> ambientalização que se traduzem, no caso <strong>dos</strong>conflitos sociais, em uma nova dinâmica entre atores, ações, discursos e lugares.Assim, no conflito do Camargos, argumenta-se que o movimento foiincorporando, ao longo da luta, um discurso <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do meio ambiente pautado emargumentos técnicos e jurídicos próprios das instituições e <strong>dos</strong> especialistas – incluindodaqueles que apoiaram o movimento - mas vinculado a temas transversais como o <strong>dos</strong>direitos humanos e da saú<strong>de</strong> pública, na tentativa <strong>de</strong> legitimar os problemas vivencia<strong>dos</strong>no bairro; essa formação discursiva (FOUCAULT, 1997) 42 se relaciona, por exemplo, àprópria inserção institucional do conflito na medida em que o movimento, penetrandoem novos espaços sociais e físicos, no sentido <strong>de</strong> Bourdieu (2008: 165), é levado a42 Segundo Grangeiro (2005), “em Foucault, as regras que <strong>de</strong>terminam uma formação discursivaapresentam-se, pois, como um sistema <strong>de</strong> relações entre objetos, tipos enunciativos, conceitos eestratégias. To<strong>dos</strong> esses elementos caracterizam a formação discursiva em sua singularida<strong>de</strong>,possibilitando a passagem da dispersão para a regularida<strong>de</strong>”.35


cumprir certas condições exigidas pelos seus ocupantes legítimos, para que sejareconhecido como tal.Essa perspectiva remete à teoria <strong>dos</strong> campos <strong>de</strong> Bourdieu (2007), maisespecificamente à análise <strong>de</strong> um campo específico, o campo ambiental (ACSELRAD,2004a; CARVALHO, 2001; CARNEIRO, 2003; ZHOURI et al. 2005). Enquantoestrutura <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> agentes, bens e capitais que permitem a apropriação <strong>dos</strong>bens pelos agentes, o campo ambiental se caracteriza pela configuração <strong>de</strong> um espaço<strong>de</strong> disputa pelo monopólio da produção simbólica do meio ambiente, cuja eficácia sesitua no “po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> impor uma visão do mundo social através <strong>dos</strong> princípios <strong>de</strong> di-visãoque, quando se impõem (...), realizam o sentido e o consenso sobre o sentido”(BOURDIEU, 2007: 113). A posse ou acúmulo <strong>de</strong> capitais específicos <strong>de</strong>termina aposição <strong>dos</strong> agentes no campo e a eficácia simbólica da representação por elesenunciada, eficácia que leva à instituição <strong>de</strong> uma visão dominante que “se apresenta ese impõe como ponto <strong>de</strong> vista universal”, como doxa do campo (BOURDIEU, 1994apud CARNEIRO, 2005: 40). No caso do campo ambiental, seu capital específico é“caracterizado pela formação e pela reputação acadêmico-científica ou tecnológica<strong>dos</strong> agentes, pela representativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado segmento da socieda<strong>de</strong> e, (...)pelas relações pessoais” (ZHOURI et al., 2005: 96), mas também pelo “domínioincorporado <strong>de</strong> um complexo conjunto <strong>de</strong> conhecimentos <strong>de</strong> normas técnicas e legais(leis, <strong>de</strong>cretos, resoluções, <strong>de</strong>liberações etc.) pertinentes, praxes, rituais,‘jurisprudências’ (...)” (CARNEIRO, 2005: 71) constituindo-se assim como um capitaltécnico.Essas observações colocam dilemas mais profun<strong>dos</strong> sobre o cerne das disputasambientais que perpassam os conflitos sociais. O próprio processo <strong>de</strong> ambientalização,bem como a emergência <strong>de</strong> uma “questão ambiental” em nível global, expressam uma<strong>de</strong>terminada representação da natureza que tem sua origem social e historicamentelocalizada, fundada em um ponto <strong>de</strong> vista que, concebendo o meio ambiente como uma“realida<strong>de</strong> autônoma e externa às relações sociais” (ZHOURI, 2008: 98), institui-secomo uma forma <strong>de</strong> dominação do mundo por certos agentes.Assim, reconhecer disputas que envolvem a construção social do meio ambienterequer relaciona-las com a instituição do real, partindo da premissa <strong>de</strong> que o instituído éo resultado <strong>de</strong> uma luta “para fazer existir ou ‘inexistir’ o que existe’” (BOURDIEU,2007: 118). Nesse sentido, os conflitos ambientais têm mostrado a manifestação36


crescente <strong>de</strong> um dissenso que transborda o sentido pretensamente universal atribuído aomeio ambiente.Contudo, ao tomarmos uma categoria <strong>de</strong> análise para a apreensão <strong>de</strong> uma<strong>de</strong>terminada realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vemos refletir como diz Pierre Bourdieu (2007: 107), sobre a“história social <strong>de</strong> sua gênese e da sua utilização”. Se utilizamos, então, a categoria <strong>de</strong>conflito ambiental para apreen<strong>de</strong>r uma situação social (GLUCKMAN, 1987), faz-seimprescindível uma crítica no mesmo sentido à proposta por Bourdieu (2007: 107) natentativa <strong>de</strong> elucidar alguns aspectos circunscritos à construção social da noção <strong>de</strong> meioambiente e às formas históricas <strong>de</strong> dominação da natureza.3.1 A dominação da Natureza enquanto dominação do HomemA existência <strong>de</strong> um dissenso a respeito da significação contemporâneadominante do ambiental não constitui um fato recente. Ao contrário, os diferentespontos <strong>de</strong> vista que constituem o campo ambiental <strong>de</strong>vem ser compreendi<strong>dos</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>um horizonte histórico abrangente (GADAMER,1998 apud CARVALHO, 2001) <strong>de</strong>representações sobre a natureza que se apresentam como tradição, no sentido <strong>de</strong>remeterem “ao passado na medida em que antece<strong>de</strong> o que veio a constituir-se comoambiental, mas, simultaneamente, volta-se para o presente, pois continua a seracionada nos senti<strong>dos</strong> vigentes acerca do meio ambiente” (CARVALHO, 2001: 39).Assim, como horizonte histórico <strong>de</strong> significação do campo ambiental, a tradição assimentendida permite verificar na história do pensamento mo<strong>de</strong>rno como se apresentam asdistintas concepções sobre o mundo natural ou material; contudo, como mostra DavidHarvey (1996), estas concepções compartilham em seus fundamentos uma compreensãoespecífica da relação entre o Homem e a Natureza pautada, ora <strong>de</strong> forma otimista orapessimista, na idéia <strong>de</strong> dominação.Harvey analisa como as idéias <strong>de</strong> dominação, controle e “humanização” danatureza aparecem fortemente atreladas à emergência do Iluminismo nos séculos XVII eXVIII. Contudo, ele coloca em discussão a perspectiva do pensamento ecológicocontemporâneo que consi<strong>de</strong>ra existir uma “aceitação iluminista total” da tese <strong>de</strong> que anatureza está disponível para o uso e que sua dominação é um projeto possível(HARVEY, 1996: 121). Assim, antes <strong>de</strong> formar um pensamento homogêneo, Harveyconsi<strong>de</strong>ra que o discurso oci<strong>de</strong>ntal sobre a natureza se <strong>de</strong>fine mais por suaheterogeneida<strong>de</strong>, que no limite, prega um otimismo cornucopiano e um triunfalismo37


sobre a natureza, <strong>de</strong> um lado, e um pessimismo não só sobre a nossa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>escapar das amarras <strong>dos</strong> limites naturais, mas também sobre a autonomia do ser humanoante as necessida<strong>de</strong>s colocadas pela natureza, <strong>de</strong> outro lado (HARVEY, 1996: 149).No entanto, Harvey sublinha a importância <strong>de</strong> se compreen<strong>de</strong>r as idéias <strong>de</strong>dominação como parte <strong>de</strong> um conjunto geral <strong>de</strong> pensamentos, crenças, sensibilida<strong>de</strong>s,atitu<strong>de</strong>s e praticas que ganharam ascensão no contexto da consolidação da economiapolítica da Europa oci<strong>de</strong>ntal durante os séculos XVII e XVIII (HARVEY, 1996: 121).Dessa forma, a particularida<strong>de</strong> da tese da dominação da natureza po<strong>de</strong> ser entendidacom relação aos i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> emancipação humana e auto-realização, base das distintascorrentes <strong>de</strong> pensamento do período Iluminista. A primazia da Razão, do pensamentoracional enquanto meio para se alcançar esses i<strong>de</strong>ais através do “conhecimentoverda<strong>de</strong>iro” da natureza, fundamenta também a idéia <strong>de</strong> que o mundo natural po<strong>de</strong> sermanipulado <strong>de</strong> acordo com as necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>sejos humanos. A visão iluminista <strong>de</strong>como realizar tal tarefa passa então por um processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição criativa(CASSIRER, 1968 apud HARVEY, 1996: 122) pelo qual a Razão opera umadissolução da experiência via observação e a análise, com o objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir as leise princípios universais da natureza.No entanto, a heterogeneida<strong>de</strong> do pensamento iluminista engendrou visõesdistintas sobre a forma <strong>de</strong> se alcançar a emancipação e a auto-realização. Produzidasem contextos e lugares sociais específicos, elas apresentam diferenças radicaisrelacionadas aos méto<strong>dos</strong> para se alcançar os objetivos iluministas, implicandoconsequentemente na diferença entre objetivos politicamente preferi<strong>dos</strong> (HARVEY,1996: 124).Dessa forma, Harvey ilustra como a economia política clássica do século XVIIIcriou uma significação particular da auto-realização baseada nos princípios do livremercado e da “mão invisível” que, forçando mudanças tecnológicas e mobilizando aciência com o objetivo <strong>de</strong> aumentar a produtivida<strong>de</strong>, iria libertar as socieda<strong>de</strong>s <strong>dos</strong><strong>de</strong>sejos e necessida<strong>de</strong>s através da capacida<strong>de</strong> individual da escolha <strong>de</strong> mercado(HARVEY, 1996: 124). Ao mesmo tempo em que a retórica liberal expressa as idéias<strong>de</strong> realização individual e liberda<strong>de</strong> ante as intervenções do Estado e <strong>de</strong> privilégiosaristocráticos, ela silencia quanto aos problemas sociais que <strong>de</strong>rivam <strong>de</strong> seu38


<strong>de</strong>senvolvimento 43 . Da mesma forma, nessa concepção economicista, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>de</strong>struição da natureza só adquire significado <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong> escassez <strong>de</strong>recursos, sendo tarefa da mão invisível do mercado operar seus ajustes.Um efeito colateral da economia política do Séc. XVIII foi que a dominação danatureza passou a ser vista como necessário pré-requisito para a emancipação e autorealização;o conhecimento sofisticado da natureza era requerido para manipulá-la <strong>de</strong>acordo com as necessida<strong>de</strong>s humanas, para explorá-lo no mercado e até para humanizáloe ven<strong>de</strong>r suas qualida<strong>de</strong>s (HARVEY, 1996: 125), implicando na emergência <strong>de</strong> umavisão instrumental do uso humano do mundo natural. E na medida em que, no sentido<strong>de</strong> Foucault (2008b), a inserção <strong>de</strong> uma razão econômica <strong>de</strong>ntro da razão <strong>de</strong> Estadolegitima “uma cientificida<strong>de</strong> [a econômica] que vai cada vez mais reivindicar suapureza teórica (...); e, <strong>de</strong>pois, que vai reivindicar ao mesmo tempo o direito <strong>de</strong> serlevada em consi<strong>de</strong>ração por um governo que terá <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lar por ela suas <strong>de</strong>cisões”(FOUCAULT, 2008b: 472), a visão instrumental e economicista da natureza éintrojetada nas instituições políticas, alterando-as <strong>de</strong> acordo com sua consistência para ocrescimento da importância das praticas materiais do mercado (HARVEY, 1996: 131).Essa visão instrumental da natureza é contraposta em Marx, ao consi<strong>de</strong>rar o livremercado e a realização individual como um meio falho na busca pela emancipação.Harvey argumenta que Marx concebe a emancipação da classe trabalhadora <strong>de</strong>ntro daperspectiva <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> comunisticamente organizada, sendo precondição ocontrole político e social <strong>dos</strong> mecanismos <strong>de</strong> mercado e a transformação radical dasrelações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na esfera da produção e nas esferas discursivas e institucionais(HARVEY, 1996: 126).Apesar <strong>de</strong> o interesse <strong>de</strong> Marx ser o <strong>de</strong>senvolvimento do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> consciênciapara a produção continua da natureza visando a minar os privilégios <strong>de</strong> classe e aopressão, e liberando as forças criativas <strong>dos</strong> indivíduos para se produzir através daprodução da natureza, Harvey consi<strong>de</strong>ra que ele aceita <strong>de</strong> forma particular a tese dadominação da natureza e, consequentemente, uma atitu<strong>de</strong> instrumental, antropomórficae controladora sobre as condições naturais do ambiente 44 (HARVEY, 1996: 127).43 Silêncio a respeito “do campesinato <strong>de</strong>sapropriado e da classe trabalhadora que estava inundando oscentros urbanos europeus, bem como em respeito do <strong>de</strong>stino das mulheres e <strong>dos</strong> povos coloniza<strong>dos</strong>”. Cf.Harvey (1996: 124), tradução minha.44 Segundo Harvey (1996: 126), essa perspectiva ilustra a ambigüida<strong>de</strong> na visão da dominação danatureza em Marx, pois a auto-realização marxiana passa pela recaptura <strong>de</strong> uma relação não-alienada, nãoapenas para ‘unir’ os seres humanos, mas também para permitir uma experiência sensorial e criativa danatureza que a indústria capitalista tornou opaca. Tradução minha.39


O que importa sublinhar no momento é que as teorias liberal e marxista,enquanto duas das principais correntes <strong>de</strong> pensamento político, social e econômico daMo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, têm em comum o fato <strong>de</strong> incorporarem, mesmo <strong>de</strong> forma conflitiva, a teseda dominação da natureza como fundamental para a realização <strong>de</strong> seus projetosemancipatórios (HARVEY, 1996: 127). A diferença se situa no fato <strong>de</strong> que a dialéticamarxista <strong>de</strong> que nós fazemos a nós mesmos transformando o mundo é simplificadaradicalmente pela da lógica instrumental da economia <strong>de</strong> mercado.No entanto, Harvey i<strong>de</strong>ntifica outras correntes <strong>de</strong> pensamento que se constituempor um dissenso em relação à tese da dominação, mesmo que, como afirma o autor, estedissenso tenha sua origem na própria base do Iluminismo. Assim, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<strong>de</strong>scobrir as leis naturais, antes <strong>de</strong> permitir o domínio do Homem sobre a Natureza,implicaria em um questionamento do otimismo iluminista ao colocar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>que o Homem seria na verda<strong>de</strong> um “prisioneiro” da Natureza antes <strong>de</strong> ser seu mestre(HARVEY, 1996: 127). Essa perspectiva engendrou diferentes reações à tese dadominação, suscitando interpretações que se traduziram, entre outras, em uma tensão narelação entre a i<strong>de</strong>ologia da dominação e as políticas <strong>de</strong> emancipação e auto-realização.Segundo Harvey, a idéia <strong>de</strong> “ecoescassez” presente na teoria malthusiana 45 seopôs ao humanismo progressivo dominante da tradição oci<strong>de</strong>ntal capitalista, através daargumentação <strong>de</strong> que o crescimento populacional, <strong>de</strong>rivado da auto-realização 46 , criauma <strong>de</strong>manda pelo uso <strong>dos</strong> recursos naturais que exce<strong>de</strong> a capacida<strong>de</strong> natural <strong>de</strong> provêlos,frustrando o projeto <strong>de</strong> emancipação humana da pobreza, das guerras e doenças(HARVEY, 1996: 139). Mesmo reconhecendo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um equilíbriodinâmico entre o aumento da população e os meios <strong>de</strong> subsistência através, porexemplo, <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> taxas <strong>de</strong> natalida<strong>de</strong>, ou como propõem osneomalthusianos, pela via das inovações tecnológicas e da adaptação social, cabe<strong>de</strong>stacar que a base do pensamento malthusiano concebe a miséria como o resultado <strong>de</strong>uma lei natural que age in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da regulação humana (HARVEY, 1996: 142).Dessa forma, prover o bem-estar às camadas mais pobres da socieda<strong>de</strong> aumentaria amiséria humana (pelo fato <strong>de</strong> engendrar o crescimento populacional), a redução gradual<strong>dos</strong> padrões <strong>de</strong> vida, o <strong>de</strong>clínio do incentivo ao trabalho e a diminuição da riqueza parao conjunto da população (HARVEY, 1996: 142). Por outro lado, na visão <strong>de</strong> Malthus,45 Segundo Glacken (1967, apud Harvey, 1996: 139), o argumento da ecoescassez possui uma ‘longa préhistória’que inclui uma série <strong>de</strong> pensadores do século XVIII.46 A ‘paixão entre os sexos’ é i<strong>de</strong>ntificada como um argumento da auto-realização (cf. Harvey, 1996:139).40


as classes sociais ausentes do processo produtivo (isto é, latifundiários, funcionáriospúblicos etc.), concentrariam a <strong>de</strong>manda efetiva que possibilita a continuida<strong>de</strong> daacumulação do capital; e o estímulo do consumo para estas classes geraria a expansãodo emprego para as classes mais baixas (HARVEY, 1996: 143). O comérciointernacional também é visto como um meio <strong>de</strong> se solucionar o problema da <strong>de</strong>mandaefetiva, na medida em que a expansão do livre mercado aos países não civiliza<strong>dos</strong>(MALTHUS, 1968 apud HARVEY, 1996: 143) é concebida por Malthus como um <strong>dos</strong>ingredientes do aumento da riqueza <strong>de</strong> um país (HARVEY, 1996: 143). Para Harvey, épatente a perspectiva <strong>de</strong> classe do pensamento malthusiano: existiria umaincompatibilida<strong>de</strong> entre a teoria da <strong>de</strong>manda efetiva e a teoria da população, pela qual obem-estar das classes baixas é preterido pelo aumento da riqueza das classes altas.Contudo, Harvey atribui a crítica mais forte à “i<strong>de</strong>ologia da dominação danatureza” aos teóricos marxistas da escola <strong>de</strong> Frankfurt, cujas idéias influenciaramdiversas correntes <strong>de</strong> pensamento posteriores, incluindo os movimentos contraculturais<strong>dos</strong> anos <strong>de</strong> 1960. Operando uma mudança na ênfase marxista dada à luta <strong>de</strong> classecomo o motor da história (HARVEY, 1996: 133), os pensadores da escola <strong>de</strong> Frankfurt,entre eles T. Adorno e M. Horkheimer, consi<strong>de</strong>ravam existir um conflito maior “entrehomem e natureza” (HARVEY, 1996: 133), cuja origem remonta a antes do capitalismoe cuja continuida<strong>de</strong> e intensificação aparecem antes do seu fim (JAY, 1973 apudHARVEY, 1996: 133).A partir <strong>de</strong> uma análise dialética sobre as conseqüências <strong>de</strong>sta mudança <strong>de</strong>perspectiva, Adorno e Horkheimer (1947) argumentam que a reificação da natureza, suaconstrução como “coisa”, como algo externo ao Homem, implica também na suainternalização pelo próprio Homem, criando uma reversão dialética do princípio dadominação pela qual “o Homem faz <strong>de</strong> si mesmo um instrumento da mesma natureza aqual ele domina” (HORKHEIMER, 1947 apud HARVEY, 1996: 134). Assim,o controle sobre a natureza inevitavelmente se torna um controle sobre oshomens. Um círculo vicioso resulta, aprisionando a ciência e a tecnologiaem uma dialética fatal do aumento do domínio e o aumento do conflito.As atrativas promessas da dominação da natureza – paz social eabundância material para to<strong>dos</strong> – permanecem não realizadas. O perigoreal <strong>de</strong> a frustração resultante possa se virar contra os própriosinstrumentos <strong>de</strong> dominação (ciência e tecnologia) não <strong>de</strong>ve sersubestimado. Como fatores integrantes <strong>de</strong> uma espiral ascen<strong>de</strong>nte dadominação sobre a natureza externa e interna, eles estão liga<strong>dos</strong> àdinâmica irracional a qual po<strong>de</strong> <strong>de</strong>struir os frutos <strong>de</strong> sua própria41


acionalida<strong>de</strong> civilizadora (LEISS, 1974 apud HARVEY, 1996: 134.Tradução minha).Escrevendo sobre o contexto <strong>de</strong> ascensão do totalitarismo na Europa, ospensadores da escola <strong>de</strong> Frankfurt questionavam o fato <strong>de</strong> os objetivos iluministas <strong>de</strong>emancipação e auto-realização não terem sido alcança<strong>dos</strong> pelas novas práticas políticoeconômicasque pretendiam consolidá-los (HARVEY, 1996: 134). Nesse sentido, aexpressão <strong>de</strong> contradições implícitas na base do Iluminismo foi o que impulsionou acrítica <strong>dos</strong> frankfurtianos ao paradigma científico mo<strong>de</strong>rno e à primazia <strong>de</strong> umaracionalida<strong>de</strong> instrumental enquanto produtores <strong>de</strong> uma dominação do “outro”. Apesardas limitações teóricas e práticas das idéias da escola <strong>de</strong> Frankfurt 47 , seus fundamentosepistemológicos basea<strong>dos</strong> no pólo pessimista da tese da dominação da naturezacontribuíram para o surgimento <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> se conceber a relação da socieda<strong>de</strong>com o meio natural, culminando nas críticas ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento dominanteatualmente.A heterogeneida<strong>de</strong> do pensamento mo<strong>de</strong>rno sobre a tese da dominação danatureza produziu ao longo do tempo diferentes discursos pauta<strong>dos</strong> pela articulaçãoentre temas ecológicos e valores relaciona<strong>dos</strong> à natureza, por meio <strong>de</strong> linguagenscientíficas, poéticas, instrumentais, morais etc. (HARVEY, 1996: 172). Contudo ascontradições entre essas representações permitem i<strong>de</strong>ntificar como os discursos e osvalores atribuí<strong>dos</strong> à natureza expressam processos sociais em que formas conflitivas <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r entram em disputa pelo controle <strong>de</strong> instituições, <strong>de</strong> relações sociais e <strong>de</strong> práticasmateriais visando a propósitos específicos (HARVEY, 1996: 174). Se, como argumentaHarvey, a história do pensamento mo<strong>de</strong>rno mostra que todo projeto sociopolítico é umprojeto ecológico e vice-versa, o <strong>de</strong>bate sobre ecoescassez, superpopulação esustentabilida<strong>de</strong> é um <strong>de</strong>bate mais sobre a preservação <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m social particulardo que um <strong>de</strong>bate sobre a preservação da natureza per se (HARVEY, 1996: 148).3.2 A insustentabilida<strong>de</strong> da dominação hegemônica do ambienteTendo em vista a maneira como a tese da “dominação da natureza” moldou osméto<strong>dos</strong> para se alcançar os objetivos iluministas da auto-realização e da emancipação,47 Harvey i<strong>de</strong>ntifica os limites da filosofia das relações internas e da dialética negativa <strong>de</strong> Adorno, bemcomo questão da agência, a partir da negação <strong>dos</strong> frankfurtianos do papel da classe trabalhadora comoagente da historia. Cf. Harvey, 1996: 138.42


o início do que alguns autores <strong>de</strong>nominam <strong>de</strong> a “era do <strong>de</strong>senvolvimento” 48 constituium momento fundamental para se compreen<strong>de</strong>r o sentido das transformaçõescientíficas, econômicas e políticas engendradas nesse período, transformações queconfiguram o cerne <strong>dos</strong> conflitos ambientais na atualida<strong>de</strong>.A primazia dada ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produção industrial tanto pelos países capitalistasquanto pelos países soviéticos (CHESNAIS & SERFATI, 2003: 3), acabou porconsolidar um mo<strong>de</strong>lo hegemônico <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que se difundiu mundialmente,pelo lado oci<strong>de</strong>ntal, através das políticas econômicas <strong>de</strong> financiamento aos países doentão terceiro mundo, colocadas em prática por instituições financeiras internacionaiscomo o FMI e o Banco Mundial (ZHOURI et al. 2010). Como afirma Francisco <strong>de</strong>Oliveira (1989: 98), a importação <strong>de</strong> capitais estrangeiros foi a condição necessária 49para o milagre econômico brasileiro (1968-1974) do regime militar e suas políticas <strong>de</strong>integração nacional e <strong>de</strong>senvolvimento industrial que visavam ao crescimentoeconômico do mercado interno (ZHOURI et al., 2005: 11).Contudo, Chesnais & Serfati (2003: 3) argumentam que:Ao longo das três décadas <strong>de</strong> forte crescimento do pós-guerra, houveconsi<strong>de</strong>rável aceleração do jogo <strong>dos</strong> mecanismos cumulativos,<strong>de</strong>struidores <strong>dos</strong> equilíbrios ecológicos, sob o efeito das formas <strong>de</strong>produção e <strong>de</strong> consumo (...).Assim, a potencialização <strong>dos</strong> efeitos negativos <strong>de</strong>riva<strong>dos</strong> da expansão industriale da globalização econômica a nível mundial evi<strong>de</strong>nciava cada vez mais aincompatibilida<strong>de</strong> entre o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> “bem-estar social” e o mo<strong>de</strong>lo capitalista <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento. A intensificação <strong>dos</strong> impactos das ativida<strong>de</strong>s industriais no meionatural levantava as contradições do modo <strong>de</strong> produção hegemônico, influenciadasprincipalmente pela crítica frankfurtiana da dominação da natureza enquanto dominaçãodo “outro” e pela patente <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> da distribuição das conseqüências <strong>dos</strong> projetostransformadores da natureza, fonte <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rosos conflitos (HARVEY, 1996: 137).Nesse contexto específico <strong>de</strong> surgimento <strong>dos</strong> movimentos contraculturais(movimentos feminista, negro etc.) o movimento ecológico emergiu incorporando48 Sachs (2000) consi<strong>de</strong>ra que a era do Desenvolvimento teve início a partir do discurso <strong>de</strong> posse do expresi<strong>de</strong>ntenorte americano Harry S. Truman em 1949, que referiu-se pela primeira vez ao hemisfério sulcomo “áreas sub<strong>de</strong>senvolvidas”, <strong>de</strong>nominação que segundo Esteva (2000), tem um caráteressencialmente evolucionista.49 Juntamente com as medidas político-econômicas que prepararam institucionalmente a economiabrasileira pré-milagre para o <strong>de</strong>sempenho <strong>dos</strong> oligopólios (Cf. Oliveira, 1989: 97).43


conjuntamente a idéia das relações ecossistêmicas da ecologia científica e a contestaçãodo modo <strong>de</strong> vida da socieda<strong>de</strong> industrial (ESTEVA, 2000). Denunciando “umaalienação mais radical do que a simples expropriação da mais-valia, qual seja, aalienação entre a socieda<strong>de</strong> industrial e a natureza, o sujeito e o mundo” (ZHOURI etal., 2005: 13), a ecologia política, enquanto corrente crítica <strong>de</strong>ntro do pensamentoecológico, partiu da evi<strong>de</strong>nciação da lógica produtivista questionando os estilos <strong>de</strong> vidae padrões <strong>de</strong> consumo da socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna e também os mo<strong>dos</strong> <strong>de</strong> produçãoheterônomos que se traduzem no controle da natureza por <strong>de</strong>termina<strong>dos</strong> grupos sociais(DUPUY, 1981: 34).Porém, a então “crise ecológica” só foi reconhecida pelas elites políticas eeconômicas do oci<strong>de</strong>nte no momento em que, aparentemente, apresentou-se como uma“crise do capitalismo” 50 . Como afirma Carneiro (2005: 38):Com efeito, somente no último terço do século passado o <strong>de</strong>senvolvimentodo sistema mundial <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> mercadorias atingiu um grau em que a<strong>de</strong>struição intensa e global das condições naturais <strong>de</strong> produção <strong>de</strong>mercadorias e da vida levou as elites políticas a afirmar <strong>de</strong> forma maisgeneralizada a idéia <strong>de</strong> programas que objetivam a gestão política‘‘racional” das condições naturais <strong>de</strong> produção.Os processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação da natureza, ao ameaçarem a continuida<strong>de</strong> daacumulação capitalista, elevaram o tema da preservação ambiental ao plano <strong>dos</strong> <strong>de</strong>batespolíticos e científicos internacionais. Iniciada na década <strong>de</strong> 1970, essainstitucionalização da questão ambiental 51 , entendida como um <strong>dos</strong> fatores do processo<strong>de</strong> ambientalização já <strong>de</strong>scrito acima, mobilizou os esforços <strong>de</strong> diferentes áreas doconhecimento no intuito <strong>de</strong> elaborar diagnósticos e soluções para a “crise ambiental”.Mas, ao ser assumida <strong>de</strong>ntro da lógica economicista e instrumental dadominação da natureza, a crise assim concebida apresenta em sua base a idéia <strong>de</strong> “umcolapso na relação quantitativa malthusiana entre população e território ou entre ocrescimento econômico material e a base finita <strong>de</strong> recursos” (ACSELRAD, 2004a: 13),o qual po<strong>de</strong>ria ser revertido pela própria dinâmica globalizada do livre mercado e pelo<strong>de</strong>senvolvimento científico aplicado à tecnologia. Contraditoriamente, foi <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssaperspectiva que se <strong>de</strong>senrolaram os <strong>de</strong>bates sobre o planejamento e a implementação <strong>de</strong>50 Concordo com a afirmação <strong>de</strong> Chesnais & Serfati (2003: 4) <strong>de</strong> que “a ou as crise(s) ecológica(s)planetária(s), cujos efeitos se repartem <strong>de</strong> forma muito <strong>de</strong>sigual, são os produtos do capitalismo, mas nempor isso são fatores centrais <strong>de</strong> crise para o capitalismo”.51 Cf. Lopes et al., 2004; Brüseke, 1995; Sachs, 1993; Viola e Leis, 1995; Viola, 1995; Zhouri, 2008.44


estratégias consi<strong>de</strong>radas ambientalmente viáveis para se promover um <strong>de</strong>senvolvimentosocioeconômico eqüitativo, fornecendo as bases para o que posteriormente veio a serconhecido como <strong>de</strong>senvolvimento sustentável 52 .O Relatório “Nosso Futuro Comum” apresentado à Assembléia Geral dasNações Unidas em 1987 é a principal expressão <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento quetenta conciliar crescimento econômico com preservação ambiental. Elaborado noâmbito da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU nosanos <strong>de</strong> 1980, o relatório relaciona os êxitos e os fracassos do <strong>de</strong>senvolvimento atéentão vigente, sublinhando um novo momento com o surgimento das crises globais queevi<strong>de</strong>nciariam uma inter<strong>de</strong>pendência econômica e ecológica <strong>dos</strong> países. Definindonovas formas <strong>de</strong> cooperação internacional para orientar as ações políticas, científicas eeconômicas, o relatório propôs diretrizes pautadas na criação <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> gestão<strong>dos</strong> recursos naturais por órgãos específicos, basea<strong>dos</strong> no aprimoramento <strong>de</strong> novastecnologias que permitissem a eficiência produtiva e o controle e mitigação <strong>dos</strong>impactos produzi<strong>dos</strong> pelo estágio <strong>de</strong>senvolvimentista. Une-se a isto a participação <strong>de</strong>diferentes segmentos da socieda<strong>de</strong> nas instâncias <strong>de</strong>cisórias e a importância dasinstituições <strong>de</strong> financiamento internacional no sentido <strong>de</strong> privilegiar empreendimentossustentáveis. O <strong>de</strong>senvolvimento sustentável é concebido como um processo <strong>de</strong>mudança pelo qual a exploração <strong>dos</strong> recursos, a orientação <strong>dos</strong> investimentos, os rumosdo <strong>de</strong>senvolvimento técnico, as mudanças institucionais estariam <strong>de</strong> acordo com“necessida<strong>de</strong>s atuais e futuras” (CMMAD, 1991: 10), <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo apenas da“cooperação e <strong>de</strong> um consenso ‘supraclassista’” (ACSELRAD, 2004a: 13) para serimplementado.Porém, como afirma Carneiro, citando Barbieri (1997):A proposição <strong>de</strong>sses programas só faz sentido se se concebe que o<strong>de</strong>senvolvimento (capitalista) ecologicamente sustentável e socialmentejusto não encontra limites intransponíveis nas relações <strong>de</strong> produção quevertebram o sistema produtor <strong>de</strong> mercadorias, mas apenas obstáculosdiscretos que po<strong>de</strong>m ser contorna<strong>dos</strong> mediante a gestão política,cientificamente embasada, <strong>dos</strong> usos das condições naturais (CARNEIRO,2005: 39).A i<strong>de</strong>ologia do <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, doxa do campo ambiental(BOURDIEU, 2007; CARNEIRO, 2005: 41), legitima-se pelo consenso político entre52 Vi<strong>de</strong> a conferências <strong>de</strong> Estocolmo (1972), as <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> Cocoyoc (1974), entre outras. Cf. Brüseke,1995).45


crescimento econômico e preservação natural. Contudo, esse processo foi, <strong>de</strong> certaforma, “previsto” por Jean-Pierre Dupuy (1981) ainda nos anos <strong>de</strong> 1980, ao afirmar que,no momento em que a crise ecológica apresentou certos limites ao <strong>de</strong>senvolvimentocapitalista (<strong>de</strong>gradação das condições naturais <strong>de</strong> produção), este <strong>de</strong>veria se ajustar <strong>de</strong>forma a incorporar os constrangimentos a seu funcionamento à sua lógica <strong>de</strong> produção,ou então iria perecer (DUPUY, 1981: 19).Dessa forma, a consagração do <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, já nos anos 90 <strong>dos</strong>éculo XX, opera uma domesticação política da lógica <strong>de</strong>strutiva da economia <strong>de</strong>mercado (CARNEIRO, 2005: 34); a solução para a crise ecológica torna-se viável pelainstitucionalização <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los participativos enquanto “espaços <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>consensos” (ZHOURI, 2008: 100), e pelo <strong>de</strong>senvolvimento técnico-científico quelevaria ao uso mais eficiente <strong>dos</strong> recursos naturais; por outro lado, atribui-se valor <strong>de</strong>mercado a produtos “ecologicamente corretos”, ou seja, aqueles cuja produção éreconhecida ou certificada por padrões ambientais internacionais <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong>,sendo aplicadas e incentivadas pelo Estado. Essa tría<strong>de</strong> entre consenso político,soluções técnico-científicas e a ação do mercado (ZHOURI et al., 2005) emerge comovia positiva para o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, figurando como solução hegemônicapara a crise ambiental.Contudo, se a “variável ambiental” passou a ser incorporada à discussão sobre asocieda<strong>de</strong> industrial, isto levou à <strong>de</strong>spolitização do “meio ambiente”, “na medidamesma em que as forças hegemônicas da socieda<strong>de</strong> reconheciam e institucionalizavamaqueles temas ambientais que não colocam em cheque as instituições da socieda<strong>de</strong>vigente” (ZHOURI et al., 2005:13). Amplamente aceita por diferentes segmentossociais como um avanço na concepção das soluções para a crise ambiental, a via da“mo<strong>de</strong>rnização ecológica” (ACSELRAD, 2004b; ZHOURI et al., 2005) abriu ocaminho para a continuida<strong>de</strong> do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>senvolvimentista que, então, passa a selegitimar contraditoriamente por meio <strong>de</strong> um artifício semântico que nega e oculta seusentido real. Tanto o é que, inevitavelmente, surgem as evidências empíricas <strong>de</strong>ssacontradição.O que se coloca por <strong>de</strong>trás da idéia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável é a mesmaobjetivação da natureza como esfera dissociada da socieda<strong>de</strong> e da cultura, que justifica apretensão <strong>de</strong> dominá-la ignorando a existência <strong>de</strong> formas alternativas <strong>de</strong> representar einteragir com o meio ambiente. Nessa perspectiva, a visão hegemônica do<strong>de</strong>senvolvimento sustentável tem norteado a formulação <strong>de</strong> diretrizes político-46


econômicas e a criação <strong>de</strong> aparatos institucionais nos níveis global e local que mantêmem primeiro plano a questão da continuida<strong>de</strong> do processo <strong>de</strong> dominação capitalista danatureza (e do homem) <strong>de</strong>ntro do paradigma da a<strong>de</strong>quação ambiental (ZHOURI et al.,2005), enfraquecendo o sentido <strong>de</strong> autonomia política e social por <strong>de</strong>squalificar práticase discursos que <strong>de</strong> alguma forma questionam a legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo.O contexto atual mostra um cenário <strong>de</strong> emergência <strong>de</strong> conflitos envolvendodisputas ambientais cuja complexida<strong>de</strong> escapa à compreensão e resolução técnicoadministrativaproposta pela via da mo<strong>de</strong>rnização ecológica. Ao contrário, comoafirmam Zhouri & Laschefski (2010: 17), “seja pela ação do Estado, seja pelasconseqüências das ativida<strong>de</strong>s econômicas voltadas à acumulação <strong>de</strong> capital, asustentabilida<strong>de</strong> das práticas <strong>de</strong> reprodução material e simbólica <strong>de</strong> diferentespopulações vê-se ameaçada.”.O movimento <strong>de</strong> justiça ambiental surgido nos EUA foi um marco doenfrentamento e <strong>de</strong>núncia social <strong>de</strong> uma lógica <strong>de</strong> apropriação do território e <strong>de</strong>externalização <strong>dos</strong> custos da produção capitalista que incidiam sobre grupos maisvulneráveis da socieda<strong>de</strong>. Tendo origem nas lutas <strong>de</strong> algumas comunida<strong>de</strong>s negrasnorte-americanas contra a localização e disposição <strong>de</strong> resíduos tóxicos e condiçõesina<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> saneamento, surge nos anos <strong>de</strong> 1980 um movimento social que, atravésda evi<strong>de</strong>nciação da relação entre localização <strong>dos</strong> resíduos perigosos, comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>minorias étnicas (principalmente negros) e fragilida<strong>de</strong> política – relação traduzida pelotermo “racismo ambiental” (BULLARD, 2004) - promoveu “uma articulação criativaentre lutas <strong>de</strong> caráter social, territorial, ambiental e <strong>de</strong> direitos civis” (ACSELRAD,2004b: 25), influenciando a agenda política daquele país e agregando outros segmentosda socieda<strong>de</strong> à sua causa, fazendo-se reconhecer enquanto grupo <strong>de</strong> direito.Nesse sentido, a noção <strong>de</strong> justiça ambiental (MARTINEZ-ALIER, 1999;ZHOURI et al., 2005; ACSELRAD, 2004b), expressando “o conjunto <strong>de</strong> princípios queasseguram que nenhum grupo <strong>de</strong> pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou <strong>de</strong> classe,suporte uma parcela <strong>de</strong>sproporcional <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação do espaço coletivo”(ACSELRAD et al., 2004), permitiu uma apreensão diferenciada da dinâmica <strong>de</strong>ssesconflitos ambientais, ao analisar as causas e os problemas <strong>de</strong>riva<strong>dos</strong> da distribuiçãoecológica (MARTINEZ-ALIER, 1999: 216) das ativida<strong>de</strong>s produtivas e <strong>dos</strong> riscos<strong>de</strong>correntes das mesmas, que expõem “as assimetrias ou <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais,espaciais e temporais na utilização pelos humanos <strong>dos</strong> recursos e serviços ambientais,objetos ou não <strong>de</strong> trocas comerciais” (MARTINEZ-ALIER, 1999: 216).47


Na medida em que o ambiente po<strong>de</strong> ser compreendido, para além da visãodicotômica da relação entre Homem e Natureza, como “um terreno contestado materiale simbolicamente” (ACSELRAD, 2004a: 19), os conflitos ambientais tornam evi<strong>de</strong>ntesa complexida<strong>de</strong> da interação entre práticas <strong>de</strong> apropriação do mundo material 53 que seencontram distribuídas no espaço físico; complexida<strong>de</strong> traduzida por disputas sociaisque se configuram “tanto através <strong>de</strong> uma luta direta no espaço <strong>de</strong> distribuição dopo<strong>de</strong>r sobre a base material, como uma luta simbólica em torno às categorias <strong>de</strong>legitimação <strong>de</strong> práticas” (ACSELRAD, 2004a: 24).Zhouri & Laschefski (2010) <strong>de</strong>senvolveram uma tipologia <strong>dos</strong> conflitosambientais no intuito <strong>de</strong> possibilitar uma “visualização quanto à forma e àprofundida<strong>de</strong> do enfrentamento entre os grupos envolvi<strong>dos</strong> e as possibilida<strong>de</strong>s reais dasua conciliação ou solução”. Nesse sentido, os autores trabalham três modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>conflitos ambientais: os territoriais (relaciona<strong>dos</strong> à apropriação capitalista da baseterritorial <strong>de</strong> grupos sociais); os distributivos (<strong>de</strong>riva<strong>dos</strong> das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais noacesso e utilização <strong>dos</strong> recursos naturais); e os espaciais (engendra<strong>dos</strong> pelos efeitos ouimpactos ambientais que ultrapassam os limites entre os territórios <strong>de</strong> diversos agentesou grupos sociais, como a emissão <strong>de</strong> gases nocivos etc.) (ZHOURI & LASCHEFSKI,2010: 18-26). Contudo, na realida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>-se verificar uma dinâmica dialética entre ostrês tipos <strong>de</strong> conflitos, que se expressa, por exemplo, em processos <strong>de</strong><strong>de</strong>sterritorialização origina<strong>dos</strong> por conflitos espaciais (ZHOURI & LASCHEFSKI,2010: 26).O conflito do bairro Camargos po<strong>de</strong>, então, ser compreendido como um conflitoambiental espacial, tendo em vista que o mesmo é ativado pela percepção <strong>dos</strong> efeitos dapoluição gerada pela SERQUIP, consi<strong>de</strong>rando os processos sociais <strong>de</strong> construção dapoluição <strong>de</strong>scritos no capítulo 2 (LOPES et al., 2004). Se, <strong>de</strong> acordo com Zhouri &Laschefski (2010), essa classificação permite <strong>de</strong>stacar especificida<strong>de</strong>s quanto aoenfrentamento social <strong>dos</strong> conflitos, o que se verifica no caso do bairro Camargos é aconfiguração <strong>de</strong> uma resistência à presença da empresa na comunida<strong>de</strong>, evi<strong>de</strong>nciandouma lógica <strong>de</strong> apropriação do espaço que se impõe sobre o sentido <strong>de</strong> lugar construí<strong>dos</strong>ocialmente por seus ocupantes legítimos (BOURDIEU, 2008: 165).53 Acselrad (2004b) distingue entre as formas técnicas, sociais e culturais <strong>de</strong> apropriação do mundomaterial que correspon<strong>de</strong>m a mo<strong>dos</strong> e relações sociais específicos.48


4.REDES DE MOVIMENTOS E A LUTA PELA AUTONOMIA DO LUGARSe, como visto anteriormente, as disputas pelo po<strong>de</strong>r simbólico da representaçãolegítima do ambiente que constituem o campo ambiental expressam assimetrias nacapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecimento <strong>dos</strong> pontos <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>dos</strong> atores e grupossociais, o <strong>de</strong>sfecho do conflito em favor <strong>dos</strong> moradores do bairro Camargos po<strong>de</strong>indicar uma possível alteração das dinâmicas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r do campo.Para fins analíticos, distinguem-se aqui dois momentos relaciona<strong>dos</strong> à luta <strong>de</strong>resistência do movimento do Camargos. O primeiro po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido pela percepçãoinicial <strong>dos</strong> moradores em torno <strong>dos</strong> problemas gera<strong>dos</strong> pela empresa SERQUIP; essemomento envolve os processos sociais <strong>de</strong> construção da poluição (LOPES et al., 2004):a <strong>de</strong>scoberta e i<strong>de</strong>ntificação do problema e as primeiras discussões a esse respeito nacomunida<strong>de</strong> e região; a busca e pesquisa por informações tanto sobre a SERQUIPquanto sobre a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incineração <strong>de</strong> resíduos; a institucionalização do conflito,através da formalização <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias e reclamações <strong>dos</strong> moradores e da participação emaudiências públicas sobre a questão, bem como as primeiras manifestações no bairrocom repercussão na imprensa da capital – esten<strong>de</strong>ndo-se à divulgação virtual pelopróprio movimento - e o contato e articulação primária a outros atores <strong>de</strong> apoio à luta.O segundo momento do conflito é caracterizado, então, pelo inicio das reuniõesno COMAM sobre a renovação da licença <strong>de</strong> operação da SERQUIP. Enquanto“instâncias institucionais que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m sobre o modo <strong>de</strong> apropriação do meio ambientepelos empreendimentos legalmente obriga<strong>dos</strong> a requerer uma licença ambiental”(ZHOURI, 2008: 99), os conselhos gestores do meio ambiente, como é o caso doCOMAM, já foram <strong>de</strong>scritos criticamente por outros autores (ZHOURI, 2008; ZHOURIet al., 2005; CARNEIRO, 2003) como “espaços <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r altamentehierarquizadas” (ZHOURI, 2008: 100), on<strong>de</strong> prevalece a abordagem economicista einstrumental do meio ambiente na mediação <strong>dos</strong> conflitos que aí se estabelecem. Noentanto, o próprio caráter <strong>de</strong>liberativo do conselho constituiu uma oportunida<strong>de</strong>estratégica à mobilização <strong>de</strong> outros atores no apoio à luta do movimento do Camargos,na tentativa <strong>de</strong> influenciar a <strong>de</strong>cisão <strong>dos</strong> conselheiros, engendrando uma nova dinâmicano conflito expressa tanto no plano objetivo - do espaço da distribuição do po<strong>de</strong>r sobre49


as coisas – quanto no subjetivo – do espaço das lutas discursivas (ACSELRAD, 2004b:29).No que concerne ao plano das lutas discursivas, a inserção do conflito na esferainstitucional do meio ambiente colocou em questão a valida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>núncias <strong>dos</strong>moradores, que se apoiavam discursivamente na legitimação técnica <strong>de</strong> suasreivindicações. Através <strong>de</strong> relatos e da leitura <strong>de</strong> registros das audiências realizadas noMPE e na Câmara Municipal (outubro/2007), bem como na ALMG (agosto/2008),pô<strong>de</strong>-se constatar que o discurso do movimento ainda não se fazia reconhecerplenamente frente ao po<strong>de</strong>r público, mesmo que a juridificação e a cientificização domeio ambiente se legitime como doxa do campo ambiental. Dessa forma, a competênciaou autorida<strong>de</strong> das justificações técnicas não era atribuída aos moradores, explicitandoentão uma assimetria no po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição do que era percebido e aceito como risco.Esse fato remete ao conceito <strong>de</strong> discurso competente <strong>de</strong> Chauí:O discurso competente é o discurso instituído. É aquele no qual alinguagem sofre uma restrição que po<strong>de</strong>ria ser assim resumida: não équalquer um que po<strong>de</strong> dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquerlugar e em qualquer circunstância. O discurso competente confun<strong>de</strong>-se,pois, com a linguagem institucionalmente permitida ou autorizada, isto é,um discurso no qual os interlocutores já foram previamente reconheci<strong>dos</strong>como tendo o direito <strong>de</strong> falar e ouvir, no qual os lugares e ascircunstâncias já foram pre<strong>de</strong>termina<strong>dos</strong> para que seja permitido falar eouvir e, enfim, no qual o conteúdo e a forma já foram autoriza<strong>dos</strong>segundo os cânones da esfera <strong>de</strong> sua própria competência (CHAUÍ, 2003:7).Nesse sentido, a autorida<strong>de</strong> na <strong>de</strong>finição <strong>dos</strong> riscos a que os moradores estavamexpostos, atribuída então aos atores técnicos dominantes do campo, permite i<strong>de</strong>ntificar opo<strong>de</strong>r do capital técnico <strong>de</strong>ntro <strong>dos</strong> <strong>de</strong>bates institucionais sobre o meio ambiente. Devesesalientar que a homologia entre os campos sociais faz com que outros tipos <strong>de</strong> capital(econômico, social, cultural etc.) se sobreponham uns aos outros, cuja concentração, naesfera institucional, <strong>de</strong>termina os atores dominantes do campo ambiental e a capacida<strong>de</strong><strong>de</strong> impor como legitima a visão ortodoxa sobre meio ambiente.Assim, o discurso <strong>dos</strong> moradores do Camargos não tinha autorização necessáriapara alterar a dinâmica e a estrutura do campo, apesar <strong>de</strong> os moradores sempreacionarem conhecimentos e argumentos técnicos e jurídicos. No entanto, se osargumentos técnicos <strong>de</strong>sautorizavam as reivindicações e justificativas <strong>dos</strong> moradores,isto não levou à <strong>de</strong>smobilização do movimento; ao contrário, a persistência no50


enfrentamento durante os três anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do conflito permitiu que o movimentoparticipasse cada vez mais das dinâmicas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r do campo ambiental. Com efeito,mesmo que as <strong>de</strong>núncias <strong>dos</strong> moradores tenham sido institucionalmente <strong>de</strong>slegitimadasno primeiro momento do conflito, o movimento do bairro Camargos já havia atingidoum nível <strong>de</strong> mobilização e organização que possibilitou uma gran<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciação docaso ao longo do tempo e a formação <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> articulação diversas. Dessa forma, achegada da votação da renovação da LO da empresa SERQUIP pelo COMAMfuncionou como um canal <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> 54 , ativando novas formas <strong>de</strong> ação coletiva,características das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> movimentos sociais (SCHERER-WARREN, 2003: 34).Po<strong>de</strong>-se dizer que essa nova organização do movimento configurou duas frentes<strong>de</strong> atuação: uma mais ligada à assessoria técnica e jurídica aos moradores no processo<strong>de</strong> licenciamento/renovação da LO, envolvendo inicialmente a ACPO e posteriormenteo GESTA/UFMG e a Defensoria Pública <strong>de</strong> MG; a outra frente <strong>de</strong> atuação se relacionaàs ações <strong>de</strong> mobilização social, que contaram com o apoio inicial da CPT e do MTD,mas que incorporou outros atores ao longo do conflito. Atuando <strong>de</strong> forma articulada apartir do momento em que o conflito envolveu o COMAM, o movimento assimorganizado conseguiu reverter algumas das assimetrias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r constituintes da esferainstitucional do meio ambiente; o próprio capital simbólico <strong>de</strong> alguns <strong>dos</strong> “nódulos”(ESCOBAR, 2003) do movimento permitiu a confrontação <strong>dos</strong> argumentos técnicosusa<strong>dos</strong> tanto pela SMAMA quanto pelo representante da empresa SERQUIP durantes osembates discursivos no conselho. Por outro lado, a presença massiva do movimento e <strong>de</strong>outros apoiadores nas reuniões do COMAM, manifestando a indignação com osproblemas gera<strong>dos</strong> pela empresa, foi fundamental para pressionar a <strong>de</strong>cisão <strong>dos</strong>conselheiros; ao longo das três reuniões que discutiram a renovação da licença daSERQUIP, os moradores cada vez mais se apropriavam <strong>de</strong>ste espaço enquanto local <strong>de</strong>luta, rompendo algumas <strong>de</strong> suas normas e rituais que impõem empecilhos à participação<strong>de</strong> atores atingi<strong>dos</strong> 55 .Consi<strong>de</strong>ra-se aqui que a ativação <strong>de</strong>ssa re<strong>de</strong>/malha foi <strong>de</strong>terminante para que oCOMAM tenha tomado naquele momento a <strong>de</strong>cisão final <strong>de</strong> não renovar a licença da54 Os canais <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>, enquanto aspecto constitutivo das re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s virtuaisi<strong>de</strong>ntitárias, são intensifica<strong>dos</strong> em “circunstâncias conjunturais em que os sujeitos são chama<strong>dos</strong> a buscarsoluções ou a apoiar, estratégica ou simbolicamente, iniciativas face a problemas que afetam o públicoalvodo movimento <strong>de</strong> referência”. Cf. Scherer-Warren, 2003.55 Refiro-me aqui à limitações político-estruturais e <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m procedimental verificadas no campo dapolítica ambiental <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais. Cf. Carneiro, 2003; Zhouri et al., 2005; Zhouri 2008, ZHOURI &TEIXEIRA, 2010.51


empresa SERQUIP no bairro Camargos. Tal <strong>de</strong>cisão mostra uma alteração da lógicatradicional <strong>de</strong> funcionamento <strong>dos</strong> conselhos gestores do meio ambiente e do processo <strong>de</strong>licenciamento ambiental, on<strong>de</strong> prevalece o paradigma da a<strong>de</strong>quação ambiental(ZHOURI, et al., 2005) que legitima a apropriação capitalista do espaço. Uma vez que acomunida<strong>de</strong> logrou êxito em sua luta <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa das “construções particulares do lugar,incluindo a reorganização <strong>de</strong>ste, consi<strong>de</strong>radas necessárias segundo as lutas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rque nele se travam” (ESCOBAR, 2003: 650), o conflito ambiental do bairro Camargospo<strong>de</strong> representar, em certo sentido, um enfraquecimento da mobilida<strong>de</strong> espacial docapital (ACSELRAD, 2004b: 34) característica do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> globalização econômicavigente 56 .Isso retoma o <strong>de</strong>bate acerca das novas interpretações do conceito <strong>de</strong> lugar e <strong>de</strong>sua significação atual <strong>de</strong>ntro das teorias sobre os processos globais (ESCOBAR, 2005;MASSEY, 2000; ZHOURI & OLIVEIRA, 2005). Escobar (2005) chama a atenção àrepresentação do lugar “como experiência <strong>de</strong> uma localida<strong>de</strong> específica com algum grau<strong>de</strong> enraizamento, com conexão com a vida diária, mesmo que sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sejaconstruída e nunca fixa”. Para o autor, esse novo sentido do lugar já po<strong>de</strong> seri<strong>de</strong>ntificado nos discursos <strong>dos</strong> movimentos sociais - <strong>de</strong> apelo ecológico e cultural alugares e territórios - que mantêm uma forte referência ao tema. Essa abordagem sebaseia na mudança <strong>de</strong> foco da relação entre lugar e cultura. As noções <strong>de</strong> cultura comoalgo discreto, limitado e integrado são contrapostas às novas interpretações da relaçãoentre lugar, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e po<strong>de</strong>r (ESCOBAR, 2005: 2). Tal perspectiva vem fornecendonovo sentido ao lugar como criador <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> organização social, produzindouma nova construção da teoria e da ação política através da experiência histórica esocial da localida<strong>de</strong> (ESCOBAR, 2005: 2).Mesmo que a legitimida<strong>de</strong> do conhecimento científico e instrumental danatureza <strong>de</strong>ntro do campo ambiental tenha levado o movimento do Camargos aincorporar em suas reivindicações e <strong>de</strong>núncias os argumentos técnicos, a negação dovalor <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu discurso na esfera institucional implicou na negação <strong>de</strong> toda apercepção <strong>dos</strong> alarmantes problemas <strong>de</strong>nuncia<strong>dos</strong>, do sofrimento e do risco, enquantorealida<strong>de</strong> vivenciada cotidianamente no lugar. E para esses moradores do Camargos,essa realida<strong>de</strong> mortal e injusta não seria permitida no bairro.56 Enfraquecimento em certo sentido tendo em vista a “<strong>de</strong>slocalização” da empresa SERQUIP do bairrocamargos e sua “relocalização” em Santa Luzia.52


Nesse sentido, o caráter <strong>de</strong> resistência da luta do movimento foi configurandouma busca pela reafirmação <strong>de</strong> uma autonomia (CASTORIADIS & COHN-BENDIT,1981) que está inscrita na própria constituição daquele espaço enquanto lugar e quepo<strong>de</strong> ser apreendida abaixo pelo relato <strong>de</strong> um morador do Camargos:(...) na década <strong>de</strong> 60 (...) quando olhávamos para região do Camargos sóvíamos capim, mato e gado. O fazen<strong>de</strong>iro dono daquelas terras loteou obairro e como o preço estava acessível eu comprei um lote. Naquelaépoca não tínhamos os “meios <strong>de</strong> sobrevivência urbanos” (...) pagamosà CEMIG a instalação <strong>de</strong> luz na rua. O po<strong>de</strong>r público não quis ajudar.Antes tinha poço artesiano, mas com o crescimento, o povo do bairro seuniu e pagou também a COPASA para colocar água na rua. Deixamos <strong>de</strong>fazer, <strong>de</strong> comprar muita coisa pra colocar água e luz (...) da mesmaforma, o acesso ao Anel Rodoviário, à Avenida Amazona, à ViaExpressa, nós fizemos, nós os moradores. Não pedimos ninguém prafazer, nós fizemos com as nossas próprias mãos (...).(Depoimento <strong>de</strong> umadas li<strong>de</strong>ranças do movimento do Camargos. Fonte: Relatório da audiênciapública na Assembléia Legislativa <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> Gerais, 04/08/2008.GESTA/UFMG, 2008).A “omissão do Estado em <strong>de</strong>termina<strong>dos</strong> aspectos da reprodução da força <strong>de</strong>trabalho” (COSTA, 1994: 62), característica da formação <strong>dos</strong> espaços metropolitanosperiféricos brasileiros na década <strong>de</strong> 1970 e que foi <strong>de</strong>terminante para a livre ação <strong>de</strong> ummercado imobiliário “periférico” e da conseqüente explosão <strong>de</strong>mográfica do entorno dacapital (COSTA, 1994: 62), mostra-se, no Camargos, como um fator que possibilitou osurgimento <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s sociais primárias (SCHERER-WARREN, 2003: 32) baseadas emuma autonomia coletiva da ação política e social na luta para reverter as assimetrias nadistribuição <strong>dos</strong> bens e serviços no espaço físico (BOURDIEU, 2008). Nestor Canclini(2004), ao discutir o papel da cultura na questão da sustentabilida<strong>de</strong> urbana, ressalta quea especificida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>senvolvimento urbano na América Latina permitiu o surgimento<strong>de</strong> re<strong>de</strong>s e relações informais “que ‘organizam’ os circuitos da vida social”(CANCLINI, 2004: 187) levando à criação <strong>de</strong> novas relações e práticas sociais quetentam or<strong>de</strong>nar a vida <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> contextos <strong>de</strong> exclusão e segregação social.No caso do Camargos, a própria construção – simbólica e material - do bairropo<strong>de</strong> ser associada à autoconstrução <strong>dos</strong> moradores enquanto sujeitos políticos. Assim,o sentido da experiência histórica e social da construção do Camargos remete àsignificação do lugar enquanto uma criação <strong>dos</strong> moradores, constituindo um patrimônio(ZHOURI & OLIVEIRA, 2005) no que compreen<strong>de</strong> à idéia do direito coletivo a umbem-comum, mas também <strong>de</strong> uma autorida<strong>de</strong> sobre ele. A forte rejeição à localização53


da empresa no bairro expressa o direito auto-instituído pelos moradores <strong>de</strong> impor comolegitimo o ponto <strong>de</strong> vista do espaço concreto, da experiência cotidiana do lugar, frenteao espaço abstrato, “quantificável, planejável e substituível” (LEFEBVRE, 1991;LASCHEFSKI & COSTA, 2008: 310), direito que foi subtraído à medida que o conflitose institucionalizava, mas que, ao final, foi retomado através da própria resistência e dadinâmica da luta.Contudo, mesmo que a “<strong>de</strong>slocalização” da empresa SERQUIP do bairroCamargos permita i<strong>de</strong>ntificar uma alteração da distribuição do po<strong>de</strong>r sobre aapropriação do ambiente, a sua “relocalização” no município <strong>de</strong> Santa Luzia 57 ilustra orelativo enfraquecimento da mobilida<strong>de</strong> espacial do capital. A tentativa da empresaSERQUIP em se transferir para o Vale do Jatobá bem como a sua instalação efetivadaposteriormente em Santa Luzia, geraram conflitos com repercussões distintas 58 , mas queestavam liga<strong>dos</strong> ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocalização da empresa.Isso permite retomar a crítica <strong>de</strong> Harvey (1996) a respeito <strong>dos</strong> limites das lutaspor justiça ambiental, tendo em vista que o autor problematiza a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>construção <strong>de</strong> um movimento político mais geral que ultrapasse os particularismos dasdiversas lutas por justiça social; possibilida<strong>de</strong> que viria da radicalização do discurso damo<strong>de</strong>rnização ecológica, “confrontando os processos ocultos fundamentais (e suasrespectivas estruturas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, relações sociais, configurações institucionais,discursos, e sistemas <strong>de</strong> crenças associadas) que geram injustiças ambientais e sociais”(HARVEY, 1996: 401).A análise que po<strong>de</strong> ser feita do ponto <strong>de</strong> vista do conflito do Camargos passapela consi<strong>de</strong>ração do próprio contexto em que ele emerge, que envolve uma dimensãoespecífica da relação entre “mobilida<strong>de</strong> do capital” e a emergência do conflito. Comefeito, se a reificação das assimetrias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r do espaço social no espaço físico(BOURDIEU, 2008) é <strong>de</strong>terminante na distribuição espacial <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s poluidorasque afetam o espaço coletivo <strong>de</strong> outros grupos sociais (como mostraram as lutas porjustiça ambiental nos EUA), o interesse e “necessida<strong>de</strong>” do po<strong>de</strong>r público municipal nosserviços da empresa SERQUIP exigia que essa se localizasse na região metropolitana <strong>de</strong>Belo Horizonte 59 . Nesse sentido, criou-se uma situação em que os efeitos da luta domovimento do Camargos acabaram influenciando o surgimento <strong>de</strong> outros conflitos em57 Ver capítulo 2.58 I<strong>de</strong>m.59 O que <strong>de</strong>corre, <strong>de</strong>ntre outras coisas, <strong>de</strong> questões <strong>de</strong> logística <strong>de</strong> transporte <strong>dos</strong> resíduos e da busca pormenores custos do processo “produtivo” da SERQUIP.54


uma dimensão local, ao mesmo tempo em que permitiu a articulação <strong>de</strong>ssas lutas queentão se evi<strong>de</strong>nciaram.Dentro <strong>de</strong>ste contexto, a articulação entre o movimento do Camargos e asassociações <strong>de</strong> bairro do Vale do Jatobá constituiu um momento extremamentesignificativo da superação <strong>de</strong> particularismos locais <strong>dos</strong> conflitos ambientais. Oprocesso <strong>de</strong> aproximação entre as duas lutas se apresentou inicialmente arriscado paraos moradores do Camargos, na medida em que apoiar a não-entrada da SERQUIP noVale do Jatobá po<strong>de</strong>ria representar a permanência da empresa no Camargos 60 . Mas osmoradores reconheceram que a mobilização do Barreiro era resultado da evi<strong>de</strong>nciaçãoda luta no Camargos e que o fortalecimento da luta alheia po<strong>de</strong>ria implicar ofortalecimento da própria luta, o que <strong>de</strong> fato ocorreu tendo em vista a participação ativa<strong>dos</strong> moradores do Vale do Jatobá na última reunião do COMAM que <strong>de</strong>terminou a nãorenovaçãoda LO da SERQUIP.Posteriormente, com a instalação do incinerador da SERQUIP em Santa Luzia, omovimento do Camargos foi procurado por associações locais e outras entida<strong>de</strong>s quebuscavam informações sobre a SERQUIP 61 , o que engendrou a troca <strong>de</strong> informaçõessobre a questão da incineração e <strong>dos</strong> problemas que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>rivam, “do ponto <strong>de</strong> vista dorisco a que a comunida<strong>de</strong> do Camargos estava exposta”.Mesmo que não se possa afirmar que o movimento do Camargos tenhaformulado e universalizado uma crítica discursiva ao paradigma da mo<strong>de</strong>rnizaçãoecológica nos termos que fala Harvey (1996), através da ação prática e coletiva omovimento radicalizou a <strong>de</strong>fesa contra a alienação (CASTORIADIS, 2007) <strong>de</strong> umaautorida<strong>de</strong> sobre o lugar imposta pela heteronomia da apropriação do ambiente,constituinte do <strong>de</strong>senvolvimento sustentável. Mas, na medida em que a história daresistência do movimento <strong>dos</strong> moradores do bairro Camargos tornou-se referência aoutros grupos sociais do enfrentamento das injustiças relacionadas à apropriação<strong>de</strong>sigual do ambiente, a luta pela <strong>de</strong>fesa do lugar enquanto espaço da auto-instituiçãocoletiva se mostrou produtiva para a construção <strong>de</strong> um senso comum <strong>de</strong> justiça baseadono lugar (ZHOURI & OLIVEIRA, 2010), que torne possível a “ruptura do pensamento60 Essa questão foi levantada em uma reunião com moradores do Camargos na associação do bairro, aotomarem conhecimento da mobilização social que os rumores sobre a ida da SERQUIP para o Vale doJatobá produziram na região.61 Um exemplo <strong>de</strong>ssa articulação no caso <strong>de</strong> Santa Luzia po<strong>de</strong> ser visto em um ví<strong>de</strong>o produzido peloSINDPOL/MG, disponível em: . Acesso em:13/11/2010.55


abissal composto por mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e emancipação <strong>de</strong> um lado e, <strong>de</strong> outro, exploração epo<strong>de</strong>r” (SANTOS, 2009 apud ZHOURI & OLIVEIRA, 2010: 440).56


5.CONSIDERAÇÕES FINAISAs contradições que entrelaçam o paradigma do <strong>de</strong>senvolvimento sustentável e aemergência <strong>de</strong> conflitos ambientais só po<strong>de</strong>m ser compreendidas se questionada aperspectiva que consi<strong>de</strong>ra a priori a existência do meio ambiente como realida<strong>de</strong>objetiva ao mesmo tempo em que universal. Da mesma forma, faz-se necessáriocompreen<strong>de</strong>r os efeitos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong> vista enquanto realida<strong>de</strong> instituídaatravés <strong>de</strong> disputas simbólicas e materiais pela apropriação do ambiente.A análise do horizonte histórico <strong>de</strong> significação do ambiental permitiui<strong>de</strong>ntificar como as principais correntes político-econômicas e filosóficas damo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> foram atravessadas pela idéia da dominação da natureza como meio parase alcançar os i<strong>de</strong>ais iluministas da emancipação e da auto-realização (HARVEY,1996). No entanto, a existência <strong>de</strong> um dissenso entre as formas, os objetivos e mesmosobre as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa dominação evi<strong>de</strong>ncia os múltiplos senti<strong>dos</strong> atribuí<strong>dos</strong> aomundo material enquanto representações socialmente localizadas e politicamenteengajadas da relação entre homem e natureza. Porém, <strong>de</strong>ve-se ter em mente que a idéia<strong>de</strong> dominação da natureza como meio para atingir os objetivos do que se caracterizoucomo “<strong>de</strong>senvolvimento”, ou seja, um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> emancipação humana baseado noprogresso técnico e científico e <strong>de</strong> auto-realização como liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha <strong>dos</strong>produtos gera<strong>dos</strong> por esse progresso, só se fez possível através da acepção <strong>de</strong> umanatureza “externa” ao homem, neutra e manipulável, cuja existência objetiva se dáin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das práticas e relações sociais.Assim, entendido como um “projeto sociopolítico” (HARVEY, 1996), o<strong>de</strong>senvolvimento sustentável institui uma forma específica <strong>de</strong> apropriação da naturezacaracterizada pela “racionalida<strong>de</strong> cognitivo-instrumental da ciência” (SANTOS, 2005:57), mas também por um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> regulação social do ambiente que privilegia osprincípios do livre mercado (SANTOS, 2005: 57). Tal aspecto po<strong>de</strong> ser atestado pelosparadigmas da mo<strong>de</strong>rnização ecológica e da a<strong>de</strong>quação ambiental (ZHOURI, et al.,2005). Mas, como visto, se o consenso político também constitui um pré-requisito paraa implementação do <strong>de</strong>senvolvimento sustentável, ele se faz na tentativa <strong>de</strong><strong>de</strong>spolitização do <strong>de</strong>bate ambiental (ZHOURI, et al., 2005), no que concerne à negação<strong>de</strong> outros discursos produzi<strong>dos</strong> fora da lógica instrumental da dominação da natureza.57


Nesse contexto, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um consenso “universal” sobre o ambiental apareceatrelada a uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocultar ou diluir os dissensos e as contradições do<strong>de</strong>senvolvimento sustentável.No caso do conflito do bairro Camargos, esse dissenso se manifestou comoresistência à forma heterônoma <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar os senti<strong>dos</strong> e os usos do bairro,evi<strong>de</strong>nciando os pontos <strong>de</strong> vista constituí<strong>dos</strong> pela experiência cotidiana do lugar.Tomada a perspectiva sócio-histórica da formação do bairro Camargos, po<strong>de</strong>-sei<strong>de</strong>ntificar uma autonomia política presente no movimento <strong>de</strong> resistência, que remete àprópria constituição do bairro através da ação coletiva e que se autoriza o direito darepresentação legítima sobre o lugar. Contudo, se a autonomia “está no âmago <strong>dos</strong>objetivos e caminhos do projeto revolucionário” (CASTORIADIS, 2007:122), <strong>de</strong>ve-secompreen<strong>de</strong>r a sua complexida<strong>de</strong> tendo em vista que ela conduz “ao problema políticoe social” (CASTORIADIS, 2007: 129) da relação com o “outro”.Para Castoriadis, a dimensão social da autonomia apresenta o problema da“ação <strong>de</strong> uma liberda<strong>de</strong> sobre uma outra liberda<strong>de</strong>” (CASTORIADIS, 2007:122). Se oplano individual da autonomia perpassa a relação <strong>de</strong> inter-subjetivida<strong>de</strong> do sujeito como “outro”, instaurando uma relação distinta que a <strong>de</strong> negação do “outro” pelo sujeito(CASTORIADIS, 2007: 126), essa inter-subjetivida<strong>de</strong> compõe e pressupõe a dimensãosocial e histórica da existência, constituída, no entanto, por uma relação entre aheteronomia instituída e a autonomia instituinte.Assim, se a autonomia, <strong>de</strong> acordo com Castoriadis, só <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser umacontradição quando compreendida como uma práxis social que visa “ao(s) outro(s)”como seres autônomos (CASTORIADIS, 2007: 127), o que se vê no conflito ambientaldo bairro Camargos é a clara indiferença “institucional” ao “outro” enquanto sujeitocoletivo autônomo, ou seja, a negação da autonomia social <strong>dos</strong> moradores do Camargose sua relação com a apropriação do espaço concreto, do lugar. Nesse sentido, a própriaautonomia coletiva <strong>dos</strong> moradores do Camargos que, como assumido, caracteriza aconstrução sociohistórica do bairro, é reflexo <strong>de</strong> um duplo-reconhecimento dasinstituições, mais especificamente do Estado, como o “outro”: por um lado é o queprovê os meios <strong>de</strong> subsistência, mas também é o que <strong>de</strong>termina a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> na suadistribuição. Portanto, a autonomia se configura <strong>de</strong> fato, no caso do Camargos, comouma resistência à heteronomia instituída, on<strong>de</strong> o discurso do outro é reconhecido, masnão assumido como um discurso naturalizado.58


E na medida em que a própria luta <strong>dos</strong> moradores representa a contestação <strong>de</strong>ssepo<strong>de</strong>r heterônomo, questiona-se a sustentabilida<strong>de</strong> do mo<strong>de</strong>lo hegemônico <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento que expressa, através <strong>dos</strong> conflitos ambientais em torno daapropriação simbólica e material do ambiente, a dominação do homem implícita noprojeto político da dominação instrumental da natureza.59


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ANEXO 1Parecer da FIOCRUZ68


ANEXO 2Ata da reunião do COMAM <strong>de</strong> 22/10/2008 (trecho editado contendo apenas atranscrição relativa à votação da LO da SERQUIP no bairroCamargos)73


ANEXO 3Carta <strong>dos</strong> médicos do Centro <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do bairro Santa Maria/BH81


ANEXO 4Plano <strong>de</strong> <strong>de</strong>sativação da empresa SERQUIP (enviado à SMAMA em janeiro <strong>de</strong>2010)83

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