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1 ATIVIDADES DE INFRA-ESTRUTURA – BARRAMENTO DE ...

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<strong>ATIVIDA<strong>DE</strong>S</strong> <strong>DE</strong> <strong>INFRA</strong>-<strong>ESTRUTURA</strong> – <strong>BARRAMENTO</strong> <strong>DE</strong> CORPOS<br />

HÍDRICOS<br />

Eder Jurandir CARNEIRO<br />

Departamento de Ciências Sociais<br />

Universidade Federal de São João Del-Rei<br />

Eder@ufsj.edu.br<br />

Durante a oficina com movimentos sociais envolvidos em conflitos<br />

ambientais na mesorregião Campo das Vertentes, a representante da<br />

associação dos moradores do distrito sanjoanense de Rio das Mortes relatou a<br />

existência de um grande represamento de cursos d‟água, composto de quatro<br />

tanques, localizado a cerca de cinco quilômetros do povoado e construído sem<br />

licença ambiental. No local foi criada uma pousada com vistas a explorar o<br />

potencial turístico da região. A represa não possui licenciamento ambiental. O<br />

proprietário da pousada e construtor da barragem, Paulo Norberto Vieira, cujo<br />

apelido é Billie Gancho, possui reputação de participar do tráfico de drogas na<br />

região. Por essa razão, os moradores temem participar do movimento contra a<br />

barragem.<br />

A representante da associação de moradores disse que os habitantes do<br />

distrito de Rio das Mortes temem, sobretudo, a ruptura da barragem, que<br />

poderia provocar a inundação de parte do povoado. Em vista disso, em<br />

novembro de 2006, os moradores elaboraram um abaixo-assinado, colhendo<br />

cerca de 450 assinaturas. Com o documento, a Associação de Moradores do<br />

Rio das Mortes, a Associação de Amparo e Promoção ao Carente do Distrito<br />

do Rio das Mortes e o Instituto Histórico e Geográfico (IHG) de São João del-<br />

Rei constituíram advogado e, no dia 19 de dezembro de 2006, apresentaram à<br />

Justiça denúncia de crime ambiental, alegando risco de calamidade pública,<br />

assim como acionaram o MPE de São João del-Rei. Na representação que<br />

encaminharam ao MPE, constante do Inquérito Civil N°06/2007-206/07/1°PJ,<br />

os denunciantes afirmam que o problema da represa é do conhecimento da<br />

Secretária Municipal de Turismo, do Consórcio Estrada Real e da Procuradoria<br />

do Município.<br />

Em 2 de janeiro de 2007, a Associação Regional de Preservação<br />

Ambiental (ARPA) também apresenta representação ao MPE, em atendimento<br />

1


a denúncia encaminhada pela Associação dos Moradores do Rio das Mortes.<br />

No dia 29 de junho de 2007, o MPE envia ao Juiz de Direito da 1a Vara Cível<br />

da Comarca de São João del-Rei uma Ação Civil Pública proposta pelo IHG e<br />

pela Associação e Promoção ao Carente do Rio das Mortes.<br />

Durante todo o ano de 2007, o MPE solicita vistorias e laudos técnicos a<br />

diversos órgãos públicos, como o IEF, IGAM, Secretaria Municipal de Infra-<br />

Estrutura e Urbanismo e CAO-MA e CEAT (Centro de Apoio Técnico do MPE).<br />

Em 12/ de fevereiro de 2007, a prefeitura de São João del-Rei envia ao MPE<br />

ofício dizendo que não tem habilitação técnica para fazer a perícia solicitada.<br />

Contudo, afirma o documento que um engenheiro civil da Secretaria Municipal<br />

de Serviços Urbanos e representantes da Secretária Municipal de Meio<br />

Ambiente realizaram uma “análise preliminar” e, considerando “sua experiência<br />

profissional” concluíram que as barragens estavam “aparentemente estáveis”.<br />

Essa conclusão contrasta com o resultado do relatório de vistoria do CEAT,<br />

enviado ao MPE em 16 de maio de 2007, que afirma ter identificado diversas<br />

irregularidades no empreendimento.<br />

Até 17 de janeiro de 2008, data em que realizamos a consulta ao<br />

Inquérito Civil, a peça mais recente do processo informava que, em 17 de<br />

janeiro do mesmo ano, o MPE prorrogava o prazo de conclusão do inquérito.<br />

A representante da Associação de Moradores do Rio das Mortes,<br />

afirmou, na oficina realizada em outubro de 2008, que o processo encontravase<br />

parado, atribuindo esse fato à influência que o denunciado exerceria sobre o<br />

poder público. Segundo a depoente, o denunciado é também amigo do juiz<br />

responsável pelo processo. Além disso, diz ela considera que o MPE<br />

desconsidera os argumentos dos denunciantes acerca das evidências do risco<br />

de ruptura da barragem, alegando a necessidade da elaboração de novos<br />

laudos técnicos.<br />

7.1.1.5- <strong>ATIVIDA<strong>DE</strong>S</strong> <strong>DE</strong> <strong>INFRA</strong>-<strong>ESTRUTURA</strong> – GERAÇÃO <strong>DE</strong> ENERGIA<br />

HIDRELÉTRICA<br />

O exame das atas das câmaras técnicas do COPAM permitiu,<br />

inicialmente, a identificação de 1.508 casos que apresentavam características<br />

2


indicativas de caráter conflitivo. Desses casos, nada menos que 450, ou quase<br />

30%, relacionavam-se a situações que envolviam atividades de geração ou<br />

transmissão de energia hidrelétrica. Embora a natureza desses dados não<br />

possibilite um tratamento quantitativo, números tão expressivos parecem refletir<br />

a centralidade do estado de Minas Gerais como locus de produção de energia<br />

hidrelétrica, insumo essencial para o modelo de acumulação de capital adotado<br />

no país, em larga medida assentado na produção e exportação de commodities<br />

eletrointensivas.<br />

Com efeito, existem, atualmente, mais de 100 projetos de construção<br />

usinas hidrelétricas em avaliação pela FEAM (Fundação Estadual de Meio<br />

Ambiente). No total, o Setor Elétrico prevê 380 novas barragens, entre as quais<br />

45 UHEs, ou seja, grandes barragens, e 335 pequenas centrais hidrelétricas,<br />

ou PCHs 1 . Segundo Rothman (2008), a privatização do setor hidrelétrico no<br />

Brasil, ocorrida na década de 1990, facilitou a formação de consórcios de<br />

empresas privadas, culminando em maiores investimentos de projetos de<br />

barragens ditas de pequeno porte.<br />

Apesar de não ser uma região que comporta grandes projetos de<br />

produção de commodities eletrointensivas, a mesorregião Campo das<br />

Vertentes abriga um empreendimento hidrelétrico significativo, a saber, a UHE<br />

Funil. Em verdade, a distância entre o local da produção e o local de consumo<br />

da energia hidrelétrica não tem grande importância, desde que satisfaça a<br />

critérios técnicos e de rentabilidade econômica.<br />

Assim, na análise das atas das câmaras técnicas do COPAM nota-se<br />

que, dos 70 casos suspeitos de comportarem conflitos ambientais na<br />

mesorregião do Campo das Vertentes, 31 casos referem-se a atividades<br />

ligadas à hidroeletricidade. A grande maioria desses casos liga-se à UHE de<br />

Funil e às atividades do consórcio Vale-CEMIG, responsável pela construção e<br />

administração da usina. Esses processos incluem, como indícios de conflito,<br />

quatro Autos de Infração lavrados e três Licenças de Operação indeferidas. Os<br />

outros casos referem-se a quatro processos envolvendo atividades de<br />

expansão de linhas de transmissão da CEMIG (nos municípios de Nazareno e<br />

1 Para uma crítica da classificação das barragens, em relação à sua capacidade de geração de energia, em<br />

PCHs e UHEs, ver Zhouri (2003).<br />

3


Itutinga) e dois processos em se recomenda o indeferimento de Licenças<br />

Prévias à empresa Poente Energia S/C Ltda. (no município de Nazareno).<br />

A Usina Hidrelétrica de Funil, implantada e operada pelo consórcio<br />

Vale-CEMIG, constituído pelo Contrato de Concessão 102/2000, concedido<br />

pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), foi construída em 33<br />

meses, entre setembro de 2000 e julho de 2003 2 . Foram investidos R$ 211<br />

milhões na construção dessa usina, que tem capacidade de 180 MW, energia<br />

suficiente para abastecer uma cidade com 500 mil habitantes 3 . Está localizada<br />

no rio Grande, entre os municípios de Lavras e Perdões.<br />

A Vale, uma das empresas que mais investem em projetos de produção<br />

de energia, a fim de garantir competitividade das commodities que produz, é<br />

detentora de 51% das ações da usina. A mineradora ainda tem participação em<br />

8 usinas em Minas Gerais 4 , que juntas geram 2.509 MW , e até 2010 os<br />

empreendimentos de geração de energia da Vale serão capazes de gerar 15<br />

milhões de MW 5 . Segundo a própria Vale, sua estratégia é a de “participar do<br />

desenvolvimento de projetos em países com baixo custo de energia” 6 , projetos<br />

como a produção do alumínio primário.<br />

A formação do reservatório da UHE Funil, contendo um lago com<br />

capacidade para armazenar 258 milhões de m³ de água, em uma extensão de<br />

34,71 km², atingiu diretamente três comunidades localizadas às margens do rio<br />

Grande: as comunidades rurais de Pedra Negra e Ponte do Funil e parte do<br />

distrito de Macaia. As comunidades rurais de Pedra Negra e Ponte do Funil<br />

foram as que mais sofreram mudanças estruturais, porque seus habitantes<br />

tiveram que deixar o meio rural e passar a residir na zona urbana,<br />

experimentando mudança radical de estilo de vida.<br />

Como se verá, o caso da UHE Funil replica o mesmo padrão de<br />

expropriação provocado em todas as partes pela construção de usinas<br />

hidrelétricas. Um padrão em que “via de regra, tais comunidades rurais e<br />

ribeirinhas não só perdem a base material de sua existência (...) como também<br />

2 http://www.ahefunil.com.br. Acesso em 12/12/2009.<br />

3 Idem<br />

4 São elas: UHE Igarapava, UHE Porto Estrela, UHE Funil, UHE Eliezer Batista, UHE Amador Aguiar I<br />

e II, UHE Candonga e UHE Aimorés.<br />

5 http://www.vale.com/vale/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=87. Acesso em 12/12/2009.<br />

6 Idem<br />

4


suas referencias culturais e simbólicas” (ZHOURI e OLIVEIRA, 2005: 51). O<br />

poder econômico, político e simbólico dos agentes privados e estatais<br />

implicados nos empreendimentos de hidroeletricidade impõe-se às<br />

comunidades e aos processos de licenciamento, tornando-os, cada vez mais,<br />

meras etapas em que se exige das empresas apenas o cumprimento de certas<br />

medidas de “mitigação” e “compensação” dos impactos sociais e ambientais<br />

produzidos, sem permitir que se coloque em causa a própria necessidade e<br />

viabilidade dos empreendimentos. Nas palavras de Zhouri, reina o “‟paradigma<br />

da adequação‟ em que os empreendimentos assumem caráter inquestionável,<br />

exigindo a adequação do ambiente aos propósitos da obra” (ZHOURI e<br />

OLIVEIRA, 2005: 61).<br />

Na visão do consórcio Vale-CEMIG, a UHE Funil trouxe vários impactos<br />

positivos para o local: proporcionou “um grande impulso ao desenvolvimento da<br />

região de influência da usina, gerando mais de 1.500 empregos diretos e outros<br />

3.000 indiretos” 7 . Além disso, dizem os empreendedores, o reservatório da<br />

usina, com nível de água constante, vem contribuindo de forma positiva para a<br />

implementação do turismo nos municípios afetados, a saber, Lavras, Bom<br />

Sucesso, Ijaci, Perdões, Ibituruna e Itumirim.<br />

O consórcio reconhece a produção de impactos negativos para o<br />

ambiente e para as comunidades atingidas, mas apresenta um rol de medidas<br />

de mitigação e compensação, tais como preocupações em relação às<br />

atividades econômicas da região afetada, reflorestamento e conservação do<br />

patrimônio natural e arqueológico, assim como da flora e da ictiofauna. Em<br />

relação a esse último aspecto, crucial para as populações ribeirinhas afetadas,<br />

o consórcio afirma que “foi instalado na usina o primeiro Sistema de<br />

Transposição de Peixes (Elevador de Peixes) do Brasil (STP) com captura e<br />

transporte aéreo, com a finalidade de permitir a continuidade do processo de<br />

migração” 8 .<br />

Com relação às atividades econômicas exercidas pelas comunidades<br />

diretamente atingidas, o consórcio reconhece as implicações presentes na<br />

implantação de grandes empreendimentos, afirmando ter tomado às<br />

providências necessárias para solucionar o impacto causado:<br />

7 http://www.ahefunil.com.br. Acesso em 12/12/2009.<br />

8 Idem.<br />

5


“Com a inundação de áreas produtivas e a conseqüente indenização de seus<br />

proprietários, muitos postos de trabalho foram extintos, gerando assim um impacto<br />

econômico nas comunidades realocadas. Assim, o Programa de Reativação Econômica<br />

tem como objetivo a geração de renda através do apoio técnico, estrutural e financeiro<br />

aos grupos de moradores envolvidos” 9 .<br />

São três os grupos de trabalho de “Reativação Econômica” propostos<br />

pelo consórcio: a Cooperativa de Pesca da Ponte do Funil, a Associação dos<br />

Artesãos Bambuzeiros e a Associação dos Agropecuaristas da Ponte do Funil.<br />

Iniciativas referentes ao “salvamento da memória” e do patrimônio<br />

natural também teriam sido tomadas. O consórcio reconhece que no local havia<br />

uma vasta riqueza natural, com inúmeras cachoeiras, praias, cavernas, serras<br />

e corredeiras de belezas cênicas de grande importância cultural e de lazer para<br />

a população. Com o enchimento do reservatório, grande parte das belezas<br />

naturais dos rios Grande, Capivari e das Mortes foi extinta. Para amenizar as<br />

perdas, foi criado o Projeto Registro Histórico-Cultural da UHE Funil, no qual foi<br />

documentado e registrado, em textos e fotografias, o Patrimônio Natural, com o<br />

intuito de “salvar a memória” da arquitetura e a cultura das regiões alagadas de<br />

seis municípios. Também foram construídas áreas de lazer nas comunidades<br />

realocadas.<br />

O quadro é outro, quando se ouvem os atingidos pela usina.<br />

Comecemos pelos atingidos da comunidade Ponte do Funil 10 , que se localizava<br />

no município de Perdões, e era composta por cerca de 100 famílias que viviam<br />

da criação de pequenos animais, plantação de hortaliças e verduras e,<br />

principalmente, da pesca. Com a implantação da barragem, a comunidade foi<br />

remanejada para um terreno no município de Lavras, às margens da represa<br />

do Funil, onde foi implantada toda a infra-estrutura urbana. Após a realocação,<br />

a comunidade se dispersou e apenas 52 famílias foram para o novo local.<br />

Segundo o depoimento de um ex-membro da associação de pescadores de<br />

Ponte do Funil, as negociações com o consórcio foram feitas à base de<br />

ameaças (“ou vocês saem ou vai inundar tudo mesmo assim”).<br />

9 Idem.<br />

10 A comunidade tem esse nome em homenagem à chamada Ponte do Funil que existia na comunidade,<br />

construída em 1907, de origem inglesa, de aço puro, que era “cartão postal” do local. Em virtude da<br />

impossibilidade da retirada da ponte, a estrutura foi deixada no mesmo local, sob as corredeiras da UHE<br />

Funil, tendo sido extraídas algumas partes para que fosse construído um monumento na praça do bairro<br />

em que a comunidade foi assentada.<br />

6


De acordo com entrevistas que realizamos na comunidade de Ponte do<br />

Funil, as famílias realocadas reclamam hoje da falta de espaço e de condições<br />

para pescar e plantar, já que as novas casas possuem um quintal pequeno e<br />

em meio urbano. Em relação à pesca, elas afirmam que após a construção da<br />

barragem a quantidade de peixes diminuiu e, além disso, a pesca tornou-se<br />

proibida naquele local.<br />

Além dos pescadores, os proprietários de bares da comunidade também<br />

foram sensivelmente prejudicados. Antes da construção da barragem, o local<br />

era ponto turístico, os moradores da comunidade e várias pessoas de cidades<br />

vizinhas freqüentavam o lugar aos finais de semana, em busca de descanso,<br />

diversão e também do prato principal dos bares, que eram os peixes típicos da<br />

região, pescados no rio Grande. O consórcio tentou recriar o espaço de<br />

convivência que os moradores tinham: foram construídas churrasqueiras,<br />

chuveiros, sanitários e uma área de camping na orla da represa. Mas,<br />

conforme indicam os moradores, a nova estrutura sequer se assemelha ao<br />

antigo espaço que existia na comunidade. Os equipamentos, hoje, se<br />

encontram abandonados e não são freqüentados pelos moradores.<br />

Em observação in loco e conversas com moradores da comunidade,<br />

pudemos notar que a insatisfação com o novo local é generalizada. Além dos<br />

prejuízos citados acima, outras reclamações também foram bastante<br />

recorrentes como, por exemplo:<br />

Falta de emprego: muitos jovens e adultos têm que se deslocar<br />

até a cidade de Lavras para trabalhar. Pessoas que antes tinham<br />

a possibilidade de trabalhar na terra ou com a pesca, agora ficam<br />

dependentes de empregos formais urbanos.<br />

Falta de transporte: são poucos os ônibus que fazem o transporte<br />

de Lavras até a comunidade.<br />

O relacionamento entre os vizinhos piorou: os vizinhos passaram<br />

a morar muito perto uns dos outros, o que acaba gerando<br />

problemas de convivência, posto que houve uma mudança radical<br />

no “estilo de vida”, antes rural, agora caracterizado pela<br />

urbanidade.<br />

Localização geográfica ruim, pois, apesar de sua comunidade ter<br />

se tornado uma comunidade marcadamente urbana, os<br />

7


moradores foram realocados em um local afastado dos centros<br />

urbanos mais próximos – Lavras e Perdões – onde boa parte dos<br />

moradores trabalha, além do fato de ser nesses lugares que a<br />

comunidade busca o acesso a serviços básicos, como hospitais e<br />

escolas.<br />

Assim, os moradores de Ponte do Funil foram “encurralados” num<br />

conjunto habitacional, com pequenos quintais, e tiveram seu modo de vida e<br />

seu território completamente modificado. Segundo em ex-membro da<br />

associação de pescadores do local, é alto índice de desemprego, o que se<br />

explica pela mudança abrupta das condições do meio:<br />

“acabaram com o rio, mataram os peixes, e nem mesmo nossas plantações<br />

sobreviveram. Meu avô era pescador, meu pai era pescador, e eu também só sabia<br />

pescar (...) Acabou o peixe, não tem [mais] corredeira, o dourado, principalmente, precisa<br />

de correnteza para desovar; sem movimentação para fecundar os ovos, não reproduz. O<br />

dourado sumiu, mas onde tem não pode pescar, já piracaju acabou de vez”<br />

. Ainda de acordo com o mesmo depoente, a área em que a pesca foi<br />

proibida chega a 4 km de extensão e a Polícia Florestal aplica multa aos<br />

comerciantes que tiverem peixes guardados nas geladeiras e não tiverem a<br />

nota fiscal de compra.<br />

Enfim, o que se percebe é que a cultura, o trabalho e até mesmo o lazer<br />

não podem ser artificialmente impostos e atribuídos a um grupo social; só<br />

podem ser construídos, ao longo do tempo, por meio das relações dos homens<br />

entre si e com o território em que vivem. A ruptura desse território implica a<br />

quebra dessas relações e até mesmo as relações familiares e de amizade se<br />

modificam. No caso de Ponte do Funil, o que restou de uma comunidade e seu<br />

território foi um conjunto habitacional semi-deserto, abrigando algumas poucas<br />

famílias tristes.<br />

Além da comunidade de Ponte do Funil, a de Pedra Negra também foi<br />

removida. Inicialmente localizada no município de Bom Sucesso, a comunidade<br />

de Pedra Negra foi transferida para um terreno localizado no município de Ijaci.<br />

Assim como ocorreu com os moradores de Ponta do Funil, as 95 famílias de<br />

Pedra Negra foram assentadas em uma espécie de bairro urbano. Além da<br />

infra-estrutura urbana básica, o consórcio também construiu um campo de<br />

8


futebol, um centro cultural, cujo prédio pretende ser uma réplica da antiga<br />

estação de trens da comunidade, duas praças e uma igreja, também uma<br />

réplica da que existia no local onde a comunidade estava situada<br />

anteriormente.<br />

A população de Pedra Negra trabalhava principalmente na lavoura.<br />

Atualmente, alguns homens ainda vão para a antiga comunidade para trabalhar<br />

na parte que não foi alagada. Mas o acesso é difícil, há poucos ônibus, a<br />

estrada não possui pavimentação. Outros hoje trabalham na mineradora<br />

Camargo Corrêa, em Ijaci, ou em uma fábrica de argila localizada na “nova”<br />

Pedra Negra. Muitas mulheres agora têm de vender sua força de trabalho<br />

como empregadas domésticas no município de Lavras. De acordo com o<br />

depoimento de uma moradora de Ijaci, “o lugar era lindo e todo mundo vivia em<br />

sítios e plantava seu próprio sustento. Hoje, vivem em pequenas casas, caindo<br />

de pára-quedas na cidade. Não têm emprego e não sabem muito bem o que<br />

fazer”. Essa declaração ressalta um dos aspectos mais recorrentes e graves<br />

nos casos de deslocamento compulsório de populações rurais e seu<br />

assentamento em núcleos urbanos: os atingidos, acostumados com a vida no<br />

campo, hoje moradores urbanos, não se enquadram da noite para o dia num<br />

processo social e funcional que deveria ser construído durante toda uma vida.<br />

Esse fator contribui para o êxodo rural, levando cada vez mais famílias para as<br />

cidades, as quais passam a habitar a “cidade ilegal” e sobreviver do<br />

subemprego (MARICATO, 2001).<br />

Segundo relatos de moradores, ao longo das negociações, que duraram<br />

cerca de dois anos, não faltaram pressões e chantagens exercidas pelo<br />

consórcio. De acordo com a presidente da Associação de Moradores, o<br />

processo de mobilização foi difícil e instável, contando com a participação<br />

efetiva de poucos moradores. Isso por vários motivos: uns não acreditavam<br />

que a construção da usina realmente se concretizaria (afinal, durantes muitos<br />

anos esses boatos rondaram a comunidade); outros entraram em desacordo,<br />

por preferirem se deslocar para outros lugares, como Bom Sucesso, ou para a<br />

parte mais alta da antiga comunidade de Pedra Negra, área que não seria<br />

alagada. Existem também contradições expostas por outros moradores, os<br />

quais julgam as ações da associação duvidosas. Alguns acreditam que havia,<br />

por parte das lideranças, interesses pessoais ou até mesmo negociações à<br />

9


parte com o consórcio.<br />

Esses fatores levaram a uma significativa<br />

desmobilização da comunidade atingida, prejudicando-a nas negociações.<br />

Dessa forma, praticamente não houve ação coletiva e as negociações foram<br />

feitas entre o consórcio e cada família, sem interferência da associação de<br />

moradores.<br />

Hoje, vários moradores reclamam que a área das novas residências é<br />

bem menor que a anterior. Denunciam também o aparecimento de problemas<br />

estruturais nas casas construídas pelo consorcio, que se recusa a se<br />

responsabilizar pela situação. Assim, a comunidade se torna refém do<br />

consórcio, situação perfeitamente sintetizada pela declaração de um dos<br />

moradores da comunidade submersa: “uma vez atingido, sempre atingido”. Nas<br />

paredes trincadas das casas, construídas há não mais que oito anos, muitos<br />

moradores afixam antigas fotos do local em que viviam.<br />

Por fim, a terceira comunidade atingida foi a localidade de Macaia,<br />

também alagada, embora parcialmente. Cerca de 80 famílias que moravam na<br />

parte baixa do lugar foram removidas para a parte alta. A Associação dos<br />

Atingidos por Barragem em Macaia foi formada em 1995. Nessa data, o<br />

primeiro consórcio 11 entrou em contato com a comunidade. A associação foi<br />

desativada certo tempo depois porque o consórcio não voltou ao local para<br />

continuar a negociação. Em 2000, a associação foi reativada para negociar a<br />

implantação da usina com o novo consórcio, agora formado pela CEMIG e<br />

Vale. Segundo o relato do presidente dessa associação, há aproximadamente<br />

50 anos já existia a noticia de que seria construída uma hidrelétrica naquela<br />

região 12 .<br />

Ao contrário do que ocorreu nos casos de Ponte do Funil e Pedra Negra,<br />

e Macaia a população demonstrou grane capacidade de luta e resistência. Uma<br />

das exigências feitas pela população era a construção de uma ponte, sobre o<br />

rio Grande, ligando-a à MG-335, já que até então a travessia era feita por meio<br />

de balsa.<br />

11 Formado, então, pela Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG), Companhia Ferroligas de<br />

Minas Gerais (Minasligas), Mineração Rio Novo e Samarco Mineração.<br />

12 Diversos autores chamam a atenção para o fato de que, já nos anos 1950, fortalece-se, cada vez mais,<br />

entre as elites políticas e econômicas mineiras a convicção de que a mudança do eixo do desenvolvimento<br />

do estado na direção da industrialização e da diversificação econômica, por elas pretendidas, não se faria<br />

sem, outras coisas, a superação dos obstáculos à modernização então identificados, entre eles a falta de<br />

oferecimento de energia elétrica de forma regular e a preços razoáveis. E, já naquela época, cogitava-se a<br />

construção da hidrelétrica de Funil (DINIZ, 2002: 23-24; DULCI, 2002: 47; CARNEIRO, 2003).<br />

10


Segundo entrevista realizada com o atual presidente da Associação dos<br />

Atingidos por Barragem de Macaia, dois antigos integrantes da associação, que<br />

formavam a diretoria, negociaram com o consórcio a fim de se beneficiarem.<br />

Eles eram os donos da balsa que fazia a travessia dos moradores sobre o rio<br />

Grande e, portanto, não lhes interessava a construção da ponte. Por essa<br />

época, o consórcio propôs à comunidade desistir da reivindicação da<br />

construção da ponte, em favor do recebimento de uma balsa nova e maior. A<br />

população percebeu que estava acontecendo e depôs essa diretoria. Um outro<br />

morador assumiu a diretoria e a negociação com o consórcio. Segundo o<br />

presidente da Associação dos Atingidos por Barragem de Macaia, o consórcio<br />

pressionou bastante a população, procurando desarticular e enfraquecer a<br />

associação e a comunidade, que sempre participaram ativamente nas reuniões<br />

e em todo o processo de negociação.<br />

O presidente da associação afirmou que a mobilização foi<br />

enfraquecendo, a ponto de eles não acreditarem mais que a ponte iria ser<br />

construída. Durante vários meses, segundo seu relato, ele teria lutado<br />

praticamente sozinho. Contou com o apoio do prefeito da cidade, o que,<br />

segundo ele, representou grande ajuda, sem a qual as coisas teriam sido mais<br />

difíceis ainda.<br />

Enfim, as diversas exigências feitas ao consórcio foram cumpridas: foi<br />

respeitada, durante a transferência da população para a parte alta, a<br />

distribuição original dos moradores e seus respectivos vizinhos; foi realizado o<br />

asfaltamento das ruas e construídos posto de saúde, campo de futebol, escola,<br />

posto dos correios, entre outros. E a ponte, principal reivindicação, foi também<br />

construída. O consórcio relutou bastante, devido ao que considerava alto custo<br />

do empreendimento. Nas palavras de um líder local, “pra eles, a gente ficava<br />

aqui, água por todos os lados, e só atravessava quando a balsa passasse, e<br />

olha que pra eles concordarem com a construção da ponte levou uns dois<br />

anos...”. Mas os empreendedores acabaram capitulando, pressionado pela<br />

população e pelo prazo da Licença Prévia concedida, em vias de expirar.<br />

De acordo com o consórcio,<br />

Inicialmente foi prevista a adaptação da ponte ferroviária existente, entretanto, esta<br />

hipótese foi descartada por questões técnicas e de segurança. Foi então proposta e<br />

aprovada, pela comunidade, a construção de uma ponte rodoviária para passagem de<br />

11


um só veículo que seria totalmente construída pelo Consórcio. Posteriormente, através<br />

do convênio PJU-15.001/02 firmado entre o <strong>DE</strong>R/MG e o Consórcio AHE Funil, foi<br />

construída uma ponte rodoviária com extensão de 134,2 m, sete vãos, classe 45<br />

toneladas e largura de 10,0 m que permite a passagem de dois veículos. Neste convênio<br />

coube ao Consórcio a elaboração do projeto e construção da infra e meso-estruturas, o<br />

lançamento das vigas e a concretagem da laje do tabuleiro, cabendo ao <strong>DE</strong>R/MG o<br />

fornecimento das vigas, projeto e execução dos aterros para o encabeçamento da ponte,<br />

a pavimentação do tabuleiro da ponte, drenagem e acabamentos 13 .<br />

Assim, a comunidade de Macaia foi a última a assinar o acordo com o<br />

consórcio, após dois anos de negociação. Segundo depoimento do presidente<br />

da Associação dos Atingidos por Barragem de Macaia, as condicionantes da<br />

Licença de Operação do COPAM vêm sendo cumpridas.<br />

<strong>ATIVIDA<strong>DE</strong>S</strong> INDUSTRIAIS - MINERAÇÃO <strong>DE</strong> BAUXITA - RUPTURA <strong>DE</strong><br />

BARRAGEM <strong>DE</strong> CONTENÇÃO <strong>DE</strong> REJEITOS DA EMPRESA RIO POMBA<br />

CATAGUASES LTDA.<br />

Durante a oficina com movimentos sociais envolvidos em conflitos<br />

ambientais na Zona da Mata, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores<br />

Rurais de Muriaé relatou a ocorrência de dois rompimentos de barragem de<br />

contenção de rejeitos provenientes da mineração de bauxita realizada pela<br />

empresa Rio Pomba Cataguases Ltda. Esses eventos trouxeram enormes<br />

prejuízos às populações atingidas. Também presente à oficina, o advogado<br />

que assessorou os atingidos pelos rompimentos da barragem informou que o<br />

conflito se expressou, entre outras formas, por meio do ajuizamento de cerca<br />

de 4.000 ações judiciais reclamando ressarcimento de danos. Contudo,<br />

segundo o advogado, até novembro de 2009, ainda não havia decisões<br />

judiciais sobre esses processos.<br />

O primeiro rompimento da barragem ocorreu no dia 1º de março de<br />

2006, que provocou o lançamento de cerca de 400 milhões de litros de<br />

efluentes de uma mineradora de bauxita na sub-bacia do rio Muriaé (RANGEL<br />

et al, 2007). A segunda ruptura de barragem de rejeitos da mineradora Rio<br />

Pomba Cataguases, mais grave que a anterior, ocorreu no dia 10 de janeiro de<br />

2007, menos de um ano depois da primeira. O noticiário da época é muito<br />

impreciso a respeito da magnitude do derramamento de lama. O informativo da<br />

13 www.ahefunil.com.br. Acesso em 12/12/2009.<br />

12


Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica, em<br />

sua edição de número 24, de 1º de março de 2007, fala no despejo de “400<br />

milhões de litros de lama de argila, misturada com óxido de ferro e sulfato de<br />

alumínio, no Rio Fubá, que é um subafluente do Paraíba do Sul” 14 . Já o jornal<br />

O globo, em sua edição on line de 11 de janeiro de 2007 15 , mencionava o<br />

“derramamento de 2 bilhões de litros de lama”. Seja como for, os impactos do<br />

desastre foram enormes. O informativo da Associação Brasileira de Mecânica<br />

dos Solos e Engenharia Geotécnica supracitado menciona que “o fornecimento<br />

de água para os municípios da região ficou interrompido por vários dias”. Na<br />

página eletrônica do Jornal da Globo, de 11 de janeiro de 2007, lê-se que o<br />

desastre “provocou a inundação das cidades de Miraí e Muriaé. Mais de 4 mil<br />

moradores de Miraí estão desalojados (...) Miraí tem cerca de 12,5 mil<br />

habitantes. Em Muriaé, o rio também transbordou. O nível da água subiu até<br />

quatro metros. Sete bairros ficaram alagados. Segundo a prefeitura, 1.200<br />

casas foram atingidas” 16 . De acordo com Rangel et al (2007), foram afetadas<br />

“65 propriedades rurais apenas no município de Mirai. A lama proveniente da<br />

barragem atingiu a cidade próxima de Muriaé, e outras do Estado de Minas e<br />

do Rio de Janeiro, chegando até a foz do rio no Estado do Rio”. Em vários<br />

municípios mineiros (Miraí, Muriaé e Patrocínio do Muriaé) e fluminenses (Laje<br />

do Muriaé, Itaperuna, São José de Ubá, Italva, Cardoso Moreira e Campos dos<br />

Goytacazes), o abastecimento residencial realizado pelas redes públicas de<br />

distribuição de água potável teve que ser interrompido por vários dias, afetando<br />

centenas de milhares de pessoas. Lavouras e pastos foram ficaram<br />

inutilizados. A elevada turbidez da água dos corpos hídricos afetados provocou<br />

enorme mortandade de peixes.<br />

Num balanço recente, estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz<br />

(Fiocruz) e Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional<br />

(FASE), afirma que<br />

Cerca de 60 pessoas ficaram desabrigadas e 765 desalojadas com o rompimento da<br />

barragem de rejeitos da Rio Pomba Mineração. Pelo menos 2 mil pessoas foram<br />

14 Disponível em http://www.emtermos.com.br/eABMS/news_nota3.htm (acesso em 21/12/2009).<br />

15 O GLOBO. Vazamento em Mineradora não é tóxico, dizem IBRAM e órgãos de Minas. M1/10/2007.<br />

Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/mat/2007/01/11/287374422.asp (acesso em 21/12/2009).<br />

16<br />

“Rompimento de barragem deixa 30% de cidade desalojada”, disponível em<br />

http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,AA1417258-5598,00.html. (acesso em 21/12/2009).<br />

13


afetadas pelo vazamento e 35 casas destruídas. Outras 235 moradias precisaram ser<br />

reformadas. Duas indústrias também foram danificadas pela mistura de água e argila,<br />

que destruiu ainda três pontes urbanas, uma na área rural e interditou 15 ruas, em sete<br />

bairros de Miraí. No total, cerca de 150 mil pessoas de municípios da bacia do rio<br />

Paraíba do Sul foram afetadas pelo corte no abastecimento de água. A população<br />

também sofreu com a falta de informações sobre os riscos de contaminação que os<br />

rejeitos poderiam provocar. O alumínio presente na argila aumenta a acidez do solo e,<br />

com isso, limita a produção agrícola 17 .<br />

O mesmo estudo alerta, ainda, para o fato de que os impactos da<br />

ruptura de barragem se estendem, ao longo do tempo, para muito depois do<br />

evento, posto que<br />

a deposição da argila no leito dos rios provocou o assoreamento dos cursos d´água,<br />

facilitando a ocorrência de inundações com as chuvas regulares que caem na região e<br />

provocando desastres recorrentes na vida da população local e, diretamente, para as<br />

famílias localizadas nas áreas de risco. Esse seria o caso das enchentes ocorridas na<br />

região, em dezembro de 2008 18 .<br />

O sítio eletrônico do Jornal da Globo supracitado informava, já no dia 12<br />

de janeiro de 2007, que, “de acordo com a análise preliminar do Sistema<br />

Estadual de Meio Ambiente (Sisema), a lama que invadiu a cidade de Miraí é<br />

composta apenas por água e argila e não é tóxica”. A mesma opinião era então<br />

expressa pela mineradora Rio Pomba Cataguases Ltda., pela CE<strong>DE</strong>C e pelo<br />

Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM). Entretanto, o laudo do Sisema<br />

foi contestado pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Estado do Rio<br />

de Janeiro (CEDAE) (GANDRA, 2008), que afirmava o caráter tóxico da lama,<br />

opinião que era, como se viu acima, compartilhada pelo supracitado informativo<br />

da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica, que<br />

identificava a presença de óxido de ferro e sulfato de alumínio misturados à<br />

lama. E, de acordo com informações da indústria química Bandeirante Brazmo,<br />

produtora de sulfato de alumínio, a substância traz vários prejuízos à saúde<br />

humana e ao meio ambiente, já que é “altamente corrosivo e reage com<br />

substâncias alcalinas”, podendo causar, nas pessoas, “irritação da pele, dos<br />

17<br />

Fiocruz e FASE. Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. 2008. Disponível em<br />

http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/index.php?pag=ficha&cod=234. (acesso em 15/05/2010).<br />

18 Idem.<br />

14


olhos e da mucosa das vias respiratórias”, assim como “danos à vegetação e<br />

contaminação de águas pluviais” 19 .<br />

Em relação à ação dos órgãos públicos no episódio, de imediato, de<br />

acordo com o sítio do Jornal da Globo supracitado, trabalhavam na prestação<br />

de socorro e assistência às vítimas centenas de técnicos e funcionários<br />

pertencentes a vários órgãos públicos, tais como a Secretaria de Estado da<br />

Saúde do Estado de Minas Gerais, a Companhia de Saneamento de Minas<br />

Gerais (COPASA), Departamento de Estradas e Rodagem do Estado de Minas<br />

Gerais (<strong>DE</strong>R-MG), Coordenadoria de Defesa Civil do Estado de Minas Gerais<br />

(CE<strong>DE</strong>C). Tratava-se de providenciar o conserto de estradas e o acesso a<br />

água potável, alimentação, colchões e alojamento para milhares de pessoas.<br />

Além disso, a Secretaria do Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento<br />

Sustentável (SEMAD) interditou a continuidade das operações da mineradora<br />

Rio Pomba Cataguases Ltda. e aplicou-lhe multa de R$ 75 milhões, a maior<br />

multa ambiental na história de Minas Gerais.. Contudo, a empresa apresentou<br />

recurso à Câmara Normativa Recursal do Conselho Estadual de Política<br />

Ambiental, que, até hoje, ainda não tomou sua decisão. Segundo o Secretário<br />

de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável,<br />

“todo o processo está sendo conduzido na Câmara do Copam (...) Já nos reunimos<br />

diversas vezes, sem acordo. Em outubro [de 2009], a questão voltou para a pauta, mas<br />

foi retirada para novos esclarecimentos (...) Hoje, a sociedade é mais atenta aos temas<br />

ambientais, tem ONG, tem promotoria de Justiça, as leis estão mais complexas, as<br />

discussões mais ricas e, com isso, há mais controvérsias também.” 20 .<br />

A aplicação da multa baseou-se em laudos técnicos que apontaram a<br />

culpa da mineradora Rio Pomba Cataguases pelo acidente. Um desses laudos<br />

foi realizado pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de<br />

Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Urbanismo e Habitação (CAO-<br />

MA), do Ministério Público do Estado de Minas Gerais e afirma que a ruptura<br />

da barragem ocorreu devido a um rebaixamento feito para facultar a passagem<br />

de veículos da empresa, formando-se um ponto frágil que não resistiu às<br />

19 Cf. http://www.bbquimica.com.br/bbq/produtos/content/sulfato_aluminio.pdf.<br />

20 PORTAL UAI. Após três anos, mineradora ainda não pagou multa por crime ambiental, 15/01/2010.<br />

Disponível em:<br />

http://www.uai.com.br/htmls/app/noticia173/2010/01/15/noticia_minas,i=143870/APOS+TRES+ANOS+<br />

MINERADORA+AINDA+NAO+PAGOU+MULTA+POR+CRIME+AMBIENTAL.shtml (acesso em<br />

18/01/2010)<br />

15


chuvas intensas, originando o processo de erosão da barragem 21 . Essa<br />

conclusão é reafirmada por laudo da FEAM, expedido em 19 de março de<br />

2007, que acrescenta que “um dos instrumentos para sustentação da barragem<br />

não possuía um revestimento adequado à passagem do fluxo de água (...) por<br />

isso, a parede lateral de terra, próxima à estrada, não resistiu às chuvas<br />

intensas do período” 22 .<br />

Entretanto, em que pesem os laudos técnicos que atestam a culpa da<br />

mineradora, decorridos três anos e meio desde o último rompimento de<br />

barragem, a ação do Estado tem sido criticada pelos atingidos e por outros<br />

atores envolvidos. Para o deputado Padre João, já teria havido “ausência do<br />

Estado entre o primeiro e o segundo acidente, em implementar ações que<br />

poderiam evitar a nova tragédia” 23 .<br />

Além disso, apesar de haver embargado as atividades da mineradora e<br />

aplicado a multa, o COPAM “em junho de 2007 (...) decidiu suspender o<br />

embargo e aprovou a Licença de Instalação de uma outra barragem para<br />

extração e lavagem de bauxita, no mesmo curso d‟água da represa rompida<br />

em janeiro daquele ano. A decisão causou a revolta da população de Miraí, que<br />

não havia sido totalmente indenizada pela empresa” 24 . Em relação às<br />

indenizações da população prejudicada, a empresa comunicou, à época, que<br />

iria “ressarcir os prejuízos às populações atingidas” e já teria celebrado “290<br />

acordos com moradores de Miraí. O valor mínimo para as famílias atingidas foi<br />

estipulado em R$ 5 mil” 25 . Entretanto, esse valor mínimo não foi respeitado, de<br />

forma que, em novembro de 2009 a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça<br />

21 ATLAS DAS ÁGUAS-UFV, 2008. Impacto ambiental relevante na bacia do rio Paraíba do Sul em<br />

Minas Gerais. Disponível em<br />

http://www.atlasdasaguas.ufv.br/paraiba/impacto_ambiental_relevante_na_bacia_do_rio_paraib<br />

a_do_sul_em_minas_gerais.html (acesso em 18/01/2010).<br />

22 JORNAL VALE DO AÇO. Mineradora é culpada por rompimento de<br />

barragem, diz laudo. 20 de março de 2007. Disponível em:<br />

http://www.jvaonline.com.br/novo_site/ler_noticia.php?id=7929. (Acesso em 18/01/2010).<br />

23<br />

Fiocruz e FASE. Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. 2008. Disponível em<br />

http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/index.php?pag=ficha&cod=234. (acesso em 15/05/2010).<br />

24 Idem.<br />

25 O GLOBO. Vazamento em Mineradora não é tóxico, dizem IBRAM e órgãos de Minas. M1/10/2007.<br />

Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/mat/2007/01/11/287374422.asp (acesso em 21/12/2009).<br />

16


de Minas Gerais (TJMG) aumentou o valor da indenização para uma dona de<br />

casa de Muriaé (...) de R$ 3 mil para R$ 8 mil” 26 .<br />

A Rio Pomba Cataguases assinou um Termo de Ajustamento de<br />

Conduta (TAC) junto ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais, “cujo<br />

conteúdo, no entanto, não foi discutido com a população, sob a justificativa de<br />

que „a discussão foi eminentemente técnica e jurídica‟” 27 . Além disso, o TAC<br />

não foi cumprido pela empresa o que provocou a<br />

mobilização da população e organização das famílias atingidas para cobrar indenizações,<br />

pleitear a suspensão de processos de licenciamento ambiental na região até que os<br />

danos sofridos pela comunidade fossem reparados, tomar conhecimento e denunciar o<br />

descumprimento do termo de ajustamento de conduta (...) e para pressionar as<br />

autoridades estaduais para que façam cumprir as obrigações assumidas pela Rio Pomba<br />

Mineração 28 .<br />

Essa mobilização levou, também, à realização, em abril de 2007, de<br />

audiência pública conjunta das comissões de Meio Ambiente e Recursos<br />

Naturais e de Participação Popular da Assembléia Legislativa do Estado de<br />

Minas Gerais. Na ocasião, uma moradora de Mirai registrou depoimento,<br />

dizendo que “o que mais doeu foi a perda da minha história. É humilhante para<br />

os atingidos a forma como estamos sendo tratados” 29 . O sofrimento psíquico<br />

das vítimas da ruptura da barragem, em geral, pessoas de baixa renda que<br />

habitam ou habitavam áreas próximas a cursos d‟água, é também expresso em<br />

depoimento prestado pela dona de casa, supracitada, que teve o valor de sua<br />

ação indenizatória aumentado, pela justiça, de R$ 3 mil para R$ 8 mil”. Como<br />

ela afirma nos autos do processo em que pede a revisão do valor da<br />

indenização,<br />

“o rompimento da barragem causou muitos prejuízos à sua moradia, com a perda de<br />

todos os móveis, eletrodomésticos e guarda-roupas. A casa também foi danificada,<br />

apresentando infiltrações e rachaduras. A vítima alegou ainda que se viu subitamente<br />

26 PORTAL UAI. Após três anos, mineradora ainda não pagou multa por crime ambiental, 15/01/2010.<br />

Disponível em:<br />

http://www.uai.com.br/htmls/app/noticia173/2010/01/15/noticia_minas,i=143870/APOS+TRES+ANOS+<br />

MINERADORA+AINDA+NAO+PAGOU+MULTA+POR+CRIME+AMBIENTAL.shtml (acesso em<br />

18/01/2010)<br />

27<br />

Fiocruz e FASE. Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. 2008. Disponível em<br />

http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/index.php?pag=ficha&cod=234. (acesso em 15/05/2010).<br />

28 Idem.<br />

29 Idem.<br />

17


desalojada com a família, o que lhe provocou „dor, revolta, desespero e sentimento de<br />

baixa auto-estima‟” 30<br />

<strong>ATIVIDA<strong>DE</strong>S</strong> <strong>DE</strong> <strong>INFRA</strong>-<strong>ESTRUTURA</strong> – GERAÇÃO <strong>DE</strong> ENERGIA<br />

HIDRELÉTRICA<br />

Durante a realização da oficina com movimentos sociais envolvidos em<br />

conflitos ambientais na Zona da Mata, ouvimos vários depoimentos de pessoas<br />

diretamente atingidas pela construção de barragens de usinas hidrelétricas na<br />

sub-bacia do Alto Rio Doce. Há uma forte concentração de empreendimentos<br />

hidrelétricos na sub-bacia do Alto Rio Doce, principalmente na microrregião de<br />

Ponte Nova. Aqui, ao longo do rio Piranga, num segmento de não mais que 90<br />

km, localizam-se, na seqüência, a UHE Porto Firme, no município de mesmo<br />

nome; PCH Brecha, UHE Pilar, UHE Pilar, somente no trecho de cerca de 20<br />

km entre Guaraciaba e Ponte Nova; AHE Pontal, UHE Baú e UHE Candonga,<br />

entre Ponte Nova e Santa Cruz do Escalvado. Nos cerca de 50 km que<br />

separam Guaraciaba e Santa Cruz do Escalvado, há seis usinas em operação.<br />

Há, já, um conjunto de estudos bem fundamentados sobre casos de conflitos<br />

ambientais envolvendo a construção de usinas e populações atingidas e/ou<br />

compulsoriamente deslocadas de seus territórios na Zona da Mata 31 . A seguir,<br />

nos concentraremos sobre dois casos, evocados e discutidos na oficina da<br />

Zona da Mata, que podem ser considerados emblemáticos.<br />

O CASO DA UHE BARRA DO BRAÚNA<br />

Durante a oficina na Zona da Mata, ouvimos o relato de um membro do<br />

MAB e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), cujas terras foram alagadas pelo<br />

enchimento da UHE Barra do Braúna, localizada, no rio Pomba, nos municípios<br />

de Laranjal, Recreio, Leopoldina e Cataguases.. O depoente encontrava-se<br />

30 PORTAL UAI. Após três anos, mineradora ainda não pagou multa por crime ambiental, 15/01/2010.<br />

Disponível em:<br />

http://www.uai.com.br/htmls/app/noticia173/2010/01/15/noticia_minas,i=143870/APOS+TRES+ANOS+<br />

MINERADORA+AINDA+NAO+PAGOU+MULTA+POR+CRIME+AMBIENTAL.shtml (acesso em<br />

18/01/2010)<br />

31 Para uma obra de referência sobre conflitos envolvendo a construção de barragens de usinas<br />

hidrelétricas na sub-bacia do Alto Rio Doce, ver Rothman (2008).<br />

18


profundamente abalado em suas emoções. Disse que a Licença de Operação<br />

(LO) da UHE foi concedida, no dia 4 de setembro de 2009, pelo titular da<br />

Superintendência Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável<br />

de Ubá, ad referendum do plenário da correspondente Unidade Regional<br />

Colegiada (URC) do COPAM. A empresa responsável pelo empreendimento<br />

denominava-se BRASCAN, atualmente Brookfield Energia Renovável,<br />

subordinada à Brookfield Renewable Power Inc., que, por sua vez, é uma<br />

subsidiária da Brookfield Incorporações. Trata-se de um dos maiores grupos<br />

empresariais do mundo, presente em todos os continentes, nos setores de<br />

produção de energia, imobiliário, de infra-estrutura, agropecuário e monocultura<br />

florestal. O grupo realiza investimento de mais de US$ 100 bilhões, dos quais<br />

US$ 41 bilhões na produção de energia elétrica. Apenas na Brasil, o grupo<br />

possui R$ 14 bilhões em investimentos 32 . Individualmente ou em consórcio com<br />

outras empresas, tem participação em 35 usinas hidrelétricas no país, 19 das<br />

quais localizadas em Minas Gerais 33 .<br />

A construção da UHE Braúna fez parte da primeira edição do Programa<br />

de Aceleração do Crescimento, do governo federal, e teve como seu principal<br />

financiador o BN<strong>DE</strong>S, que desembolsou cerca de R$ 15 milhões 34 .<br />

No dia 10 de setembro, a Brookfield deu início ao enchimento do<br />

reservatório da UHE Barra do Braúna. Contudo, segundo depoimento do<br />

advogado do MAB presente à oficina da Zona da Mata, somente na véspera,<br />

os atingidos ficaram sabendo que a LO havia sido concedida ad referendum e<br />

que no dia seguinte teria início o enchimento do reservatório. Cerca de 180<br />

famílias foram diretamente atingidas e submetidas ao deslocamento<br />

compulsório. Por ocasião da oficina da Zona da Mata, o membro do MAB e da<br />

CPT apresentou fotos de suas terras, com as respectivas benfeitorias, todas<br />

inundadas. Segundo o depoente, seu pai foi retirado de suas terras mediante o<br />

uso de forças policiais e seu vizinho não foi indenizado pela perda de um<br />

grande arrozal. Ao todo, foram deslocadas cerca de 180 famílias.<br />

32 Cf. http://br.brookfield.com/brookfieldbr/v2/a-brookfield/default.aspx (acesso em 21/05/2010).<br />

33 http://www.brookfieldenergia.com.br/operacoes/operacoes.htm (acesso em 21/05/2010).<br />

34<br />

UHE “Barra do Braúna inicia operação comercial”, 11 de janeiro de 2010, disponível em<br />

http://www.nuca.ie.ufrj.br/blogs/gesel-ufrj/index.php?/archives/7454-UHE-Barra-do-Brauna-iniciaoperaco-comercial.html.<br />

19


O depoente argumentava que, caso o plenário da URC de Ubá não<br />

aprovasse a decisão ad referendum de concessão da LO, de nada adiantaria o<br />

posterior esvaziamento do reservatório, já que os danos provocados pelo<br />

alagamento seriam irreparáveis. Considerava, pois, absurda a concessão de<br />

Licenças de Operação ad referendum, por definição, reversíveis pelo plenário,<br />

quando a entrada em operação do empreendimento provocasse impactos<br />

irreversíveis.<br />

Além disso, o depoente disse que a LO foi concedida de forma ilegal, já<br />

que não haviam sido cumpridas todas as condicionantes impostas quando da<br />

concessão, pela URC de Ubá, da Licença de Instalação (etapa prévia e prérequisito<br />

para a obtenção da LO). Com efeito, o artigo 9º do Decreto Estadual<br />

nº 44.844, de 25 de junho de 2008, diz que<br />

“O COPAM, no exercício de sua competência de controle, poderá expedir as seguintes<br />

licenças: I - Licença Prévia - LP: concedida na fase preliminar de planejamento do<br />

empreendimento (...) atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos<br />

básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua<br />

implementação (...); II - Licença de Instalação - LI: autoriza a instalação de<br />

empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos,<br />

programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais<br />

condicionantes, da qual constituem motivo determinante; e III - Licença de<br />

Operação - LO: autoriza a operação de empreendimento ou atividade, após a<br />

verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as<br />

medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação”.<br />

(grifos nossos).<br />

Mais especificamente, entre as condicionantes à concessão da LO não<br />

cumpridas, merece destaque a não observância do disposto na lei 12.812, de<br />

24 de abril de 1998, que, regulamentando o Parágrafo Único do Artigo 194 da<br />

Constituição do Estado de Minas Gerais, “dispõe sobre a assistência social às<br />

populações de áreas inundadas por reservatórios, e dá outras providências”. 35 .<br />

Diz a norma legal, em seu Artigo 5º e Parágrafos:<br />

“Art. 5º - A concessão de licenciamento ambiental aos empreendimentos públicos<br />

ou privados de aproveitamento hídrico de que trata esta lei depende da<br />

apresentação de estudos ambientais que inclua plano de assistência social<br />

aprovado pelo CEAS. § 1º - A licença de instalação - LI - fica condicionada à<br />

aprovação do plano de assistência Social apresentado Pelo empreendedor. § 2º -<br />

A licença de operação - LO - fica condicionada à comprovação, pelo CEAS, da<br />

implantação do plano de assistência social”. (grifos nossos)<br />

35 Cf. http://www.siam.mg.gov.br/sla/download.pdf?idNorma=805.<br />

20


Segundo Nota de Repúdio da Comissão Pastoral da Terra, datada de 4 de<br />

fevereiro de 2010 36 , em agosto de 2009, o Conselho Estadual de Assistência<br />

Social – CEAS desaprovou o “Plano de Assistência Social apresentado pelo<br />

empreendimento”, devido à “falta de instalação do Posto de Atendimento Social<br />

e de execução de projetos e cursos de capacitação para geração de renda e<br />

melhoria de qualidade de vida” dos atingidos. Contudo, ainda segundo a Nota<br />

da CPT, em setembro de 2009 o presidente do CEAS aprovou, ad referendum,<br />

o Plano de Assistência Social. E foi com base nessa aprovação ad referendum<br />

que o Superintendente Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento<br />

Sustentável de Ubá aprovou, também ad referendum, a concessão da LO para<br />

a UHE Barra do Braúna.<br />

Na seqüência, os atingidos acionaram a assessoria jurídica da CPT, que,<br />

por sua vez, encaminhou denúncia ao CEAS, o qual, após vistoria nos locais<br />

atingidos pela UHE, anulou a aprovação ad referendum do Plano de<br />

Assistência Social. Ao mesmo tempo, a assessoria jurídica da CPT requereu e<br />

obteve, junto à Justiça, liminar de suspensão da LO do empreendimento<br />

aprovada ad referendum. Assim, o enchimento do reservatório foi suspenso e<br />

as famílias atingidas viveram, por alguns dias, a esperança de que o processo<br />

fosse revertido. Contudo, logo em seguida, a liminar foi revogada pelo<br />

Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sob a alegação de “que a<br />

liminar lesava a ordem pública, econômica e que o judiciário não tem o controle<br />

sobre o mérito do ato administrativo”. 37 E o enchimento do reservatório foi<br />

retomado, imediatamente, inundando uma área de de 12 km².<br />

Ainda de acordo com a Nota de Repúdio da CPT, “a Comissão dos<br />

Direitos Humanos da ALMG foi acionada e realizou Audiência Pública em<br />

36 Além da CPT, assinavam a Nota de Repúdio as seguintes instituições: Comissão dos Atingidos pela<br />

Barragem Barra da Braúna; CÁRITAS Diocesana de Leopoldina; CTA-ZM – Centro de Tecnologias<br />

Alternativas da Zona da Mata; MAB – Movimento dos Atingidos por Barragem; Pólo FETAEMG – Zona<br />

da Mata; CEIFAR-ZM – Centro de Estudo Integração Formação e assessoria Rural da zona da Mata;<br />

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Palma e Laranjal; Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Muriaé,<br />

Barão do Monte Alto e Rosário da Limeira;.Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Miradouro; Mandato<br />

Popular e Participativo do Dep. Estadual Padre João. (disponível em<br />

http://www.cedefes.org.br/index.php?p=politica_detalhe&id_afro=1878).<br />

37 “Nota de Repúdio da Comissão Pastoral da Terra”, 4 de fevereiro de 2010, disponível em disponível<br />

em http://www.cedefes.org.br/index.php?p=politica_detalhe&id_afro=1878.<br />

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Dezembro de 2.009, onde ouviu o clamor da população. São cento e uma<br />

pendências levantadas pela Comissão dos Atingidos”.<br />

Segundo o depoimento do atingido pela UHE Barra do Braúna<br />

apresentado à oficina da Zona da Mata, os atingidos pelo enchimento do<br />

reservatório, assessorados pelo MAB, CPT e NACAB, organizaram passeatas<br />

e ingressaram na Justiça com pedidos de reintegração de posse dos terrenos<br />

desapropriados. O depoente disse que conseguiu, em primeira instância, a<br />

reintegração de posse de suas terras, mas questão tramita agora em outras<br />

instâncias. Um advogado do MAB, também presente à oficina, interveio e<br />

afirmou que, em sua longa experiência de assessoria a atingidos por<br />

barragens, jamais presenciou um caso em que direitos humanos fossem tão<br />

desrespeitados quanto no processo da UHE Barra do Braúna. Afirmou que<br />

vários proprietários foram constrangidos a vender seus terrenos à Brookfield<br />

sob a ameaçada de que, se não o fizessem, receberiam, como indenização, os<br />

valores estipulados pela Justiça, que seriam inferiores aos propostos pela<br />

empresa. Vários proprietários que se sentiram ameaçados recorreram à Polícia<br />

Militar, que, entretanto, se recusava a lavrar os boletins de ocorrência.<br />

Fontes(s)<br />

- CARNEIRO, Eder Jurandir (2010), Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas<br />

Gerais. Mesorregiões Zona da Mata e Campo das Vertentes, Relatório Geral,<br />

Etapa 3, São João Del-Rei, mimeo. 53-63; 206-211; 229-230 e 233-236.<br />

- GANDRA, A. (2008). Companhia de água do Rio contesta laudo sobre lama e<br />

pede indenização a empresa. Agência Brasil. Disponível em:<br />

htpp://www.agenciabrasil.gov.br (acesso em 21/12/2009).<br />

- MARICATO, Ermínia (2001), “As idéias fora do lugar e o lugar fora das<br />

idéias”, in: ARANTES, Otília et al., A cidade do pensamento único:<br />

desmanchando consensos, Petrópolis: Vozes, pp. 121-188.<br />

22


- RANGEL, T.P. et al (2007). Metais pesados nos sedimentos da região da<br />

mineradora de Miraí/MG, após rompimento da barragem de rejeitos de<br />

mineração de bauxita. Disponível em<br />

http://www.institutomilenioestuarios.com.br/pdfs/Paticipacao_Eventos/4_Congre<br />

sso_Geoquimica/04_Rangel_et_al.pdf.<br />

- ROTHMAN, Franklin Daniel (2008), “A expansão dos projetos de barragens e<br />

mineração na Zona da Mata - MG: articulando as lutas de resistência a favor da<br />

agricultura familiar”, trabalho apresentado ao I Seminário Nacional sobre<br />

Desenvolvimento e Conflitos Ambientais, Universidade Federal de Minas<br />

Gerais, 2 a 4 de abril.<br />

- ZHOURI, Andréa M. e OLIVEIRA, Raquel (2005), “Paisagens industriais e<br />

desterritorialização de populações locais: conflitos socioambientais e projetos<br />

hidrelétricos”, in: ZHOURI, Andréa M., LASCHEFSKI, Klemens A. e PEREIRA,<br />

Doralice B., A insustentável leveza da política ambiental: desenvolvimento e<br />

conflitos sócio-ambientais, Belo Horizonte: Autêntica, 2005, pp.49-64.<br />

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