2.2 Atores, estratégias e a nova dinâmica do conflitoMesmo que o caráter conflitivo do caso seja muito localizado, <strong>de</strong>termina<strong>dos</strong>aspectos fizeram com que, após o seu início, o conflito repercutisse entre outrascomunida<strong>de</strong>s e bairros da região. As reuniões da associação <strong>dos</strong> moradores doCamargos e a realização <strong>de</strong> ações comunitárias ligadas à Igreja do bairro, entendidascomo formas <strong>de</strong> associativismo local (SCHERER-WARREN, 2006), bem como o usocomum <strong>de</strong> serviços públicos - especialmente a utilização do Centro <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do bairroSanta Maria 22 - possibilitou a discussão e a transmissão das experiências, entãorecentes, vivenciadas pelos moradores do Camargos. De fato, na visão <strong>dos</strong> moradores, ocentro <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> fornecia uma “medida” do índice <strong>de</strong> doenças no bairro através doaumento do número <strong>de</strong> visitas e consultas médicas. Da mesma forma, houve adivulgação do caso em sítios eletrônicos e em jornais <strong>de</strong> bairro vizinhos. Contudo,po<strong>de</strong>-se consi<strong>de</strong>rar que o envolvimento positivo <strong>de</strong> outros atores no conflito engendroualgumas mudanças significativas referentes ao enfrentamento <strong>dos</strong> problemas pelosmoradores do Camargos.No ano <strong>de</strong> 2007, o movimento obteve contato com a Associação <strong>de</strong> Combate aosPoluentes Orgânicos Permanentes (ACPO), entida<strong>de</strong> que tem sua história ligada à<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos trabalhistas relaciona<strong>dos</strong> à contaminação química em função daativida<strong>de</strong> profissional 23 . A experiência da entida<strong>de</strong> na luta contra os POP’s levou à suainserção em diversas re<strong>de</strong>s sociais a nível internacional a nacional, entre elas a GAIA –Global Alliance for Incinerator Alternatives – e a Re<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> JustiçaAmbiental.A articulação inicial do movimento do bairro Camargos à ACPO seconstituiu principalmente na troca <strong>de</strong> informações sobre a questão da incineração e <strong>dos</strong>problemas que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>rivam, do ponto <strong>de</strong> vista do risco a que a comunida<strong>de</strong> doCamargos estava exposta.Os argumentos científicos sobre os riscos da exposição aos POP’s, assim comoos acor<strong>dos</strong> e marcos legais formula<strong>dos</strong> para a erradicação da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incineração aoredor do mundo, foram sendo utiliza<strong>dos</strong> discursivamente nas manifestações domovimento ao expressarem - para o próprio movimento - a legitimida<strong>de</strong> da sua luta. Na22 Gerido pela PBH, o atendimento do centro abrange alguns bairros da região noroeste, incluindo oCamargos.23 Surgida precisamente em 1994, na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> trabalhadores contamina<strong>dos</strong> da empresa Rhodia,localizada em Cubatão/SP (sobre o caso Rhodia, cf. Gomes, 2004). Em 1999, a entida<strong>de</strong> incorpora em seuestatuto a questão ambiental como área <strong>de</strong> atuação (Cf.: < http://www.acpo.org.br/quem_somos.htm>.Data <strong>de</strong> acesso: 23/07/2010).22
medida em que o discurso científico, enquanto discurso da verda<strong>de</strong> (FOUCAULT,2008a: 13), reconhecia os riscos da ativida<strong>de</strong> à saú<strong>de</strong> humana e ao meio ambiente, bemcomo atestava a ilegalida<strong>de</strong> da localização <strong>de</strong> incineradores em áreas resi<strong>de</strong>nciais, omovimento se apropriava <strong>dos</strong> aspectos técnicos e científicos que agregavam valor <strong>de</strong>verda<strong>de</strong> à sua causa 24 . E quanto mais se mobilizava para provar a ilegalida<strong>de</strong> nalocalização da SERQUIP no bairro ou os perigos representa<strong>dos</strong> pelas dioxinas e outroselementos químicos gera<strong>dos</strong> na queima do “lixo”, a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se fazeremreconheci<strong>dos</strong> ativava uma dimensão <strong>de</strong> injustiça crescente no conflito 25 que po<strong>de</strong> serapreendida nas passagens abaixo:(...) É <strong>de</strong>plorável como o po<strong>de</strong>r público ainda insiste em licenciar umaempresa que não tem o mínimo <strong>de</strong> respeito pelas comunida<strong>de</strong>s locais.Emitindo <strong>de</strong>scaradamente fumaça pela chaminé gerada pela "incineração"<strong>de</strong> lixo hospitalar e industrial, principalmente em época <strong>de</strong> seca! É umavergonha <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública! (...). 26(...) A causa <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> os males e que levam o homem à <strong>de</strong>struição são aavareza, ira e a estupi<strong>de</strong>z. Aqueles que <strong>de</strong>têm o po<strong>de</strong>r passam por cima<strong>dos</strong> menos favoreci<strong>dos</strong> como "rolos compressores", sem perceberem, atéem cima <strong>de</strong> si mesmos. E é, exatamente, o que os moradores do bairroCamargos têm sentido frágeis em relação aos fatos, pela fumaça que élançada diariamente a olho nu. (...). 27Em outubro <strong>de</strong> 2007, foi realizada uma reunião na promotoria <strong>de</strong> justiça <strong>de</strong><strong>Minas</strong> Gerais com a participação <strong>de</strong> representantes do movimento, da SERQUIP e daSMAMA, que resultou apenas na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> um acordo entre a empresa e o MPEsobre medidas técnicas e procedimentais relaciona<strong>dos</strong> ao funcionamento da empresa nobairro (MINAS GERAIS, 2006). No entanto, os relatos obti<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> moradores presentesnessa reunião afirmam ter havido um tratamento diferenciado por parte do promotor,dando mais atenção ao diretor da SERQUIP e amenizando o teor das <strong>de</strong>núncias domovimento. No mesmo mês, ocorreu na CMBH uma audiência com o objetivo <strong>de</strong> ouvir24 Aspecto percebido na fala <strong>de</strong> uma das li<strong>de</strong>ranças do movimento do bairro Camargos: “se a ciência falaque é perigoso é porque é perigoso”. Fonte: Relatório da audiência pública na Câmara Municipal <strong>de</strong> BeloHorizonte, 30/10/2007. GESTA/UFMG, 200725 Ao tratar da dimensão moral do conflito, Car<strong>dos</strong>o <strong>de</strong> Oliveira (2004) afirma que a inexistência ou ineficácia dastrocas discursivas/simbólicas produz a negação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do outro e, <strong>de</strong>sse modo, o seu não-reconhecimento, quepo<strong>de</strong> aparecer como ato <strong>de</strong> injustiça.26 Trecho retirado do sitio eletrônico do MDDUMA (data: 31/08/2008). Disponível em:.Acesso em: 02/11/2010.27Trecho <strong>de</strong> ofício enviado a autorida<strong>de</strong>s, reproduzido no sítio eletrônico do MDDUMA(data:10/01/2008). Disponível em: .Acesso em: 02/11/2010.23
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