reforma agrária em santana do livramento/rs - alasru
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REFORMA AGRÁRIA EM SANTANA DO LIVRAMENTO/RS:<br />
TÉCNICAS, TERRITÓRIO E O REGISTRO AUDIOVISUAL 1<br />
Julia Saldanha Aguiar<br />
Programa de Pós-graduação <strong>em</strong> Geografia<br />
Unive<strong>rs</strong>idade Federal <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul<br />
juliasva@gmail.com<br />
Rosa Maria Vieira Medeiros<br />
Programa de Pós-graduação <strong>em</strong> Geografia<br />
Unive<strong>rs</strong>idade Federal <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul<br />
rmvm@yahoo.com.br<br />
Resumo<br />
Este texto faz parte de uma pesquisa cujo t<strong>em</strong>a é o processo de construção <strong>do</strong> novo<br />
território, que se dá com a impl<strong>em</strong>entação das políticas da <strong>reforma</strong> agrária <strong>em</strong> Santana <strong>do</strong><br />
Livramento, município situa<strong>do</strong> na fronteira Oeste, Pampa gaúcho. O foco se volta para o<br />
estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s projetos produtivos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s pelos assenta<strong>do</strong>s, as técnicas utilizadas, o<br />
cotidiano e as relações sociais geradas, o impacto sobre o uso da terra, <strong>do</strong> espaço e <strong>do</strong><br />
t<strong>em</strong>po. Em nossa argumentação buscamos relacionar esses aspectos da interação<br />
material das pessoas com o novo ambiente, através <strong>do</strong>s diferentes mo<strong>do</strong>s de produção<br />
desenvolvi<strong>do</strong>s, com as determinações da legislação referente à função social da<br />
propriedade e da terra. Como ferramenta de estu<strong>do</strong> dessa realidade, serão utiliza<strong>do</strong>s<br />
técnicas de sensoriamento r<strong>em</strong>oto, combinadas com o registro audiovisual para a<br />
investigação na escala <strong>do</strong> cotidiano.<br />
Palavras-chave: Reforma agrária; Função social; Bioma Pampa; Matriz produtiva;<br />
Registro audiovisual.<br />
Apresentação<br />
O Rio Grande <strong>do</strong> Sul conta atualmente com 330 assentamentos da <strong>reforma</strong> agrária,<br />
cria<strong>do</strong>s e/ou reconheci<strong>do</strong>s pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –<br />
INCRA. São 13.428 lotes, que somam 286.125 hectares de terras. Desses, 168<br />
1 Ponencia presentada al VIII Congresso Latinoamericano de Sociología Rural, Porto de Galinhas, 2010.
assentamentos se encontram <strong>em</strong> municípios da Campanha gaúcha 2 . A chegada dessas<br />
milhares de famílias, originárias de outras partes <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, de outras culturas portanto, se<br />
agrega à progressiva dive<strong>rs</strong>ificação na matriz produtiva da região, ocupada durante<br />
séculos pelo mo<strong>do</strong> de produção e de vida da pecuária extensiva. Os assenta<strong>do</strong>s são,<br />
assim, novos atores viven<strong>do</strong>, interagin<strong>do</strong>, produzin<strong>do</strong> uma nova organização <strong>do</strong> espaço e<br />
conseqüent<strong>em</strong>ente, impactos sobre a realidade socioespacial que lhes antecedeu.<br />
Localizada no bioma Pampa 3 , <strong>em</strong> um ambiente de características morfológicas e<br />
climáticas bastante peculiares, a Campanha Gaúcha v<strong>em</strong> se manten<strong>do</strong>, por sua estrutura<br />
fundiária de grandes propriedades e pelo valor da terra, como área de interesse para<br />
<strong>reforma</strong> agrária no esta<strong>do</strong>, haven<strong>do</strong> diante de pressão social, a possibilidade de instalação<br />
de mais famílias na região.<br />
Figura 1: Mapa <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, com a bacia <strong>do</strong> rio Ibicuí e o município de Santana <strong>do</strong><br />
Livramento <strong>em</strong> destaque.<br />
2 Consideramos, com base <strong>em</strong> Haesbaert (1988), a Campanha Gaúcha como uma região de paisag<strong>em</strong><br />
relativamente homogênea, com pre<strong>do</strong>mínio de campos limpos, estrutura agrária de grandes propriedades e<br />
atividade econômica pre<strong>do</strong>minant<strong>em</strong>ente pastoril.<br />
3 O bioma Pampa caracteriza-se por planícies onduladas cobertas por vegetação herbácea, com espécies<br />
lenhosas ao longo das margens <strong>do</strong>s rios. Localiza-se entre 30º e 34º latitude Sul e 57° e 63° longitude Oeste,<br />
estenden<strong>do</strong>-se <strong>em</strong> uma área de 700 mil Km2, entre o esta<strong>do</strong> brasileiro <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, as províncias<br />
argentinas de Buenos Aires, La Pampa, Santa Fé, Entrerríos e Corrientes e a República Oriental <strong>do</strong> Uruguai.<br />
Representa cerca de 2,4% da vegetação brasileira.
Situa<strong>do</strong> na fronteira entre Brasil e Uruguai, Santana <strong>do</strong> Livramento é um <strong>do</strong>s<br />
municípios no qual esse processo de <strong>reforma</strong> agrária mais se concentrou e hoje t<strong>em</strong> 31<br />
projetos de assentamento (PAs), com cerca de 1000 famílias assentadas sobre 26.257<br />
hectares de terras, desapropriadas ou adquiridas pelo INCRA. Esses números mostram<br />
que existe hoje uma relativa concentração de agricultores familiares na área rural <strong>do</strong><br />
município. Contrastan<strong>do</strong> com essa informação, um da<strong>do</strong> forneci<strong>do</strong> pelo Conselho<br />
Municipal de Segurança Alimentar <strong>do</strong> município apresenta uma situação que nos leva a<br />
pensar a <strong>reforma</strong> agrária que v<strong>em</strong> sen<strong>do</strong> realizada na região. De acor<strong>do</strong> com o Conselho,<br />
cerca de 70% <strong>do</strong>s alimentos in natura que são consumi<strong>do</strong>s no meio urbano de Livramento<br />
são transporta<strong>do</strong>s da CEASA, com sede na região metropolitana de Porto Alegre; portanto,<br />
são muitas toneladas de batatas, tomates, cenouras, etc que viajam 500km <strong>em</strong> câmaras<br />
refrigeradas a bor<strong>do</strong> de caminhões, para abastecer uma população urbana de cerca de 80<br />
mil habitantes 4 . Dessa situação, de simultânea concentração de agricultores familiares e<br />
alta dependência na importação de alimentos, decorre o foco <strong>do</strong> trabalho no município e<br />
na situação produtiva <strong>do</strong>s assentamentos ali impl<strong>em</strong>enta<strong>do</strong>s. Observamos assim, que<br />
existe certa produção nos assentamentos, contu<strong>do</strong>, muito pouco da mesma chega até as<br />
prateleiras <strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>s na cidade.<br />
A situação acima relatada não é uma novidade. A literatura brasileira sobre<br />
assentamentos rurais registra inúmeros casos dessa natureza, conforme d<strong>em</strong>onstram<br />
Medeiros e Leite (2009). Entretanto, nas diretrizes oficiais os objetivos da política pública<br />
são mais ousa<strong>do</strong>s. Nesse senti<strong>do</strong>, o II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA, 2004)<br />
<strong>em</strong> suas primeiras linhas reafirma a importância da intervenção estatal na estrutura agrária<br />
<strong>do</strong> País e propõe, desse mo<strong>do</strong>, a <strong>reforma</strong> agrária como política de caráter estratégico para<br />
um projeto de nação moderno e soberano, ten<strong>do</strong> como objetivos a geração de trabalho,<br />
renda e a produção de alimentos, com qualidade e dive<strong>rs</strong>idade, poden<strong>do</strong> assim garantir a<br />
segurança alimentar da sociedade brasileira.<br />
Os objetivos no papel são belos e utópicos, talvez. Contu<strong>do</strong>, observan<strong>do</strong>-se a<br />
situação <strong>em</strong> nosso município de estu<strong>do</strong>, parece de fato difícil dizer que esses resulta<strong>do</strong>s<br />
não tenham de algum mo<strong>do</strong> si<strong>do</strong> cont<strong>em</strong>pla<strong>do</strong>s. Nesse senti<strong>do</strong>, dive<strong>rs</strong>os estu<strong>do</strong>s sobre<br />
assentamentos no Brasil registram melhora na renda, no acesso a alimentos de melhor<br />
qualidade nutricional e mínima condição de estabilidade para as famílias com a chegada<br />
4 Soman<strong>do</strong>-se o meio urbano de Santana Livramento e Rivera, chega-se a 150 mil habitantes.
no lote (LEITE, 2003; MEDEIROS, 2007; MEDEIROS et al, 2009; CARTER, 2010). O<br />
processo de construção <strong>do</strong> novo território que daí decorre, todavia, produz uma complexa<br />
realidade nessas comunidades <strong>em</strong> formação e aponta para processos espontâneos e<br />
auto-organizativos que nos interessa registrar.<br />
Procuramos, desse mo<strong>do</strong>, observar as estratégias produtivas <strong>do</strong>s assenta<strong>do</strong>s;<br />
estratégias que são fruto, ao mesmo t<strong>em</strong>po, das dificuldades <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>em</strong> prover as<br />
condições ideais para o desenvolvimento <strong>do</strong> assentamento, e das possibilidades que<br />
grandes <strong>em</strong>presas ligadas à agricultura industrial apresentam na região. Essas relações,<br />
tanto horizontais quanto verticais (SANTOS, 1996), constitu<strong>em</strong> a dinâmica socioeconômica<br />
e espacial que se cria com a instalação <strong>do</strong>s novos habitantes. Observa-se assim que<br />
através das políticas de assentamento muitos agricultores excluí<strong>do</strong>s <strong>do</strong> circuito econômico<br />
de fato estão sen<strong>do</strong> reincorpora<strong>do</strong>s ao sist<strong>em</strong>a produtivo conforme prevê o II PNRA, no<br />
entanto, essa reincorporação acontece de mo<strong>do</strong>s dive<strong>rs</strong>os, e pode ter conseqüências<br />
também variadas, dependen<strong>do</strong> <strong>em</strong> muito da matriz produtiva a<strong>do</strong>tada pelas famílias<br />
assentadas.<br />
A <strong>reforma</strong> agrária <strong>em</strong> Santana <strong>do</strong> Livramento<br />
A situação produtiva <strong>do</strong>s projetos de assentamento (PAs) de Santana <strong>do</strong><br />
Livramento aponta para uma série de dificuldades que imped<strong>em</strong> o pleno cumprimento das<br />
metas da política pública. Na maior parte <strong>do</strong>s casos, as linhas desenvolvidas são os<br />
mo<strong>do</strong>s de produção já estabeleci<strong>do</strong>s na região, como pecuária (leite e corte), soja, arroz<br />
(INCRA, 2004-2009). Em menor quantidade, e com muitas dificuldades, ocorre a produção<br />
de alimentos para os habitantes da cidade. Segue abaixo, muito sinteticamente, as<br />
principais linhas produtivas desenvolvidas até o presente nos assentamentos de Santana<br />
<strong>do</strong> Livramento:<br />
- Produção leiteira: ocorre principalmente através da COOPERFORTE (Cooperativa<br />
Regional <strong>do</strong>s Assenta<strong>do</strong>s da Fronteira Oeste), cooperativa de assenta<strong>do</strong>s da região, com<br />
525 famílias associadas. Em geral é utilizada a pastag<strong>em</strong> nativa e melhorada associada à<br />
ração comprada. Média de produção de 6000L/família/mês. Destina<strong>do</strong> à Cosulati, <strong>em</strong><br />
Pelotas (a cerca de 300Km de distância), para processamento. O leite é vendi<strong>do</strong> in natura.<br />
Muito pouco permanece no município.
- Produção de ga<strong>do</strong> para o corte: observa<strong>do</strong> <strong>em</strong> dive<strong>rs</strong>os lotes, produção de<br />
bovinos e ovinos, vendi<strong>do</strong>s de mo<strong>do</strong> informal, para pecuaristas, atravessa<strong>do</strong>res, ou <strong>em</strong><br />
feiras. As vendas são feitas <strong>em</strong> pequenos lotes de animais.<br />
- Produção de soja: freqüente <strong>em</strong> alguns assentamentos, sen<strong>do</strong> aplica<strong>do</strong> o pacote<br />
da soja transgênica. Muitas parcerias entre assenta<strong>do</strong>s para a realização <strong>do</strong> processo<br />
produtivo.<br />
- Produção de arroz: probl<strong>em</strong>as com a exploração das áreas de várzea,<br />
principalmente relaciona<strong>do</strong>s aos altos investimentos requeri<strong>do</strong>s pela cultura. No entanto,<br />
dive<strong>rs</strong>os lotes estão produzin<strong>do</strong>, principalmente através de parcerias. Exist<strong>em</strong> também<br />
relatos de arrendamentos nas áreas baixas <strong>do</strong>s PAs.<br />
- Produção de frutas: pomares de pêssegos, peras, uvas, cítricos. Produção <strong>em</strong><br />
geral comercializada através <strong>do</strong> Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), liga<strong>do</strong> ao<br />
Projeto Fome Zero, <strong>do</strong> Governo Federal. Contu<strong>do</strong>, grande quantidade de frutas não possui<br />
destino, n<strong>em</strong> beneficiamento e acaba apodrecen<strong>do</strong> no pé.<br />
- Produção de mel: registrada <strong>em</strong> dive<strong>rs</strong>os lotes, desde poucas caixas de abelhas,<br />
apenas para autoconsumo, até a produção para comércio (informal).<br />
- Produção de hortigranjeiros: comercializa<strong>do</strong>s <strong>em</strong> merca<strong>do</strong>s da cidade ou através<br />
<strong>do</strong> PAA. Ocorre <strong>em</strong> menor quantidade, com dificuldades relacionadas ao escoamento e ao<br />
clima (bioma Pampa). Parcerias também observadas. Parece ter grande potencial devi<strong>do</strong> à<br />
carência de alimentos in natura na fronteira Oeste.<br />
- Produção de ‗miudezas‘ para autoconsumo: ocorre <strong>em</strong> muitos lotes, com o cultivo<br />
de uma variedade de plantas (cereais, tuberosas, hortaliças, t<strong>em</strong>peros, chás) e pequenos<br />
animais (galinhas, porcos) para o consumo da família.<br />
O breve relato acima apresenta uma visão geral sobre a produção nos<br />
assentamentos de Livramento, isto é, a materialização <strong>do</strong> território através <strong>do</strong> processo<br />
produtivo; uma situação na qual se observa uma variedade de usos da terra, distintas<br />
técnicas aplicadas, diferentes destinos e objetivos com a produção, e também uma<br />
variedade de formas e combinações de parcerias, relações sociais de trabalho dinâmicas e<br />
pragmáticas, voltadas para a efetivação <strong>do</strong> uso da terra. Nesse senti<strong>do</strong>, <strong>em</strong> nossas<br />
primeiras saídas a campo, registramos nos assentamentos de Livramento, uma matriz<br />
produtiva constituída por técnicas que despertam a necessidade de investigar os motivos
pela a<strong>do</strong>ção das mesmas e os efeitos dessa utilização sobre o cotidiano <strong>do</strong>s assenta<strong>do</strong>s, e<br />
sobre o ambiente <strong>do</strong> qual depend<strong>em</strong> para a sua própria reprodução no novo lugar.<br />
Pensan<strong>do</strong>-se ainda as terras <strong>do</strong>s assentamentos como áreas de interesse público,<br />
pod<strong>em</strong>os questionar se essa <strong>reforma</strong> agrária, <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> que é executada, está de fato<br />
ten<strong>do</strong> pleno êxito e cumprin<strong>do</strong> com seus objetivos de dar a função social 5 plena à<br />
propriedade da terra.<br />
Ten<strong>do</strong> como base a percepção <strong>do</strong> território como um processo complexo, recu<strong>rs</strong>o e<br />
condição para a reprodução familiar (WANDERLEY, 2009), como matriz da vida política,<br />
econômica e social (SANTOS, 2001), dive<strong>rs</strong>as questões são suscitadas a respeito <strong>do</strong><br />
mo<strong>do</strong> como esse processo de reterritorialização <strong>em</strong> larga escala v<strong>em</strong> se materializan<strong>do</strong>,<br />
são elas:<br />
- Por que os assenta<strong>do</strong>s escolh<strong>em</strong> os cultivos que a<strong>do</strong>tam<br />
- Como os assenta<strong>do</strong>s se apropriam e utilizam as técnicas disponíveis<br />
- Quais os efeitos das mesmas sobre o cotidiano, sobre o uso da terra, <strong>do</strong> espaço e<br />
<strong>do</strong> t<strong>em</strong>po<br />
- Qual o papel das parcerias nesse processo<br />
- Quais as possibilidades produtivas diante desse complexo jogo de forças que é o<br />
território<br />
- Como aproveitar os ativos naturais <strong>do</strong> bioma pampa nos sist<strong>em</strong>as de produção da<br />
agricultura familiar E quais as características <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s de produção mais<br />
resilientes e adapta<strong>do</strong>s ao bioma pampa<br />
- Quanto ao aspecto produtivo, como pode ser interpretada a função social da terra<br />
E pensan<strong>do</strong>-se <strong>em</strong> pequenas propriedades no bioma Pampa, como pode ser<br />
cumprida<br />
Essas questões serão investigadas principalmente através <strong>do</strong> registro audiovisual,<br />
combina<strong>do</strong> a bibliografia especializada.<br />
5 Na Constituição Federal de 1988, o artigo 186 dispõe sobre a função social da propriedade e estabelece<br />
que a função social é cumprida quan<strong>do</strong> a propriedade rural atende, simultaneamente, segun<strong>do</strong> critérios e<br />
graus de exigência estabeleci<strong>do</strong>s <strong>em</strong> lei, aos seguintes requisitos:<br />
I – aproveitamento racional e adequa<strong>do</strong>;<br />
II – utilização adequada <strong>do</strong>s recu<strong>rs</strong>os naturais disponíveis e preservação <strong>do</strong> meio ambiente;<br />
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;<br />
IV – exploração que favoreça o b<strong>em</strong>-estar <strong>do</strong>s proprietários e <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res.
Registro audiovisual na escala <strong>do</strong> lugar<br />
Para o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> fenômeno técnico no espaço-t<strong>em</strong>po <strong>do</strong> cotidiano, na escala <strong>do</strong><br />
lugar, nos utilizar<strong>em</strong>os <strong>do</strong> registro audiovisual. A câmera de vídeo, na medida <strong>em</strong> que é<br />
capaz de realizar a gravação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>em</strong> movimento, parece ser um instrumento<br />
privilegia<strong>do</strong> para a apreensão das técnicas que faz<strong>em</strong> parte <strong>do</strong> cotidiano da produção nos<br />
assentamentos de Santana <strong>do</strong> Livramento. Assim, acompanhan<strong>do</strong> o cotidiano <strong>do</strong>s<br />
assenta<strong>do</strong>s nas suas dive<strong>rs</strong>as tarefas, a câmera pode registrar a experiência <strong>do</strong> dia-a-dia,<br />
o contato com as técnicas de produção, o uso <strong>do</strong> espaço e <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po, e esse momento<br />
crítico <strong>em</strong> que a técnica transforma o espaço, modifica a paisag<strong>em</strong> e produz o território.<br />
T<strong>em</strong>os, nesse senti<strong>do</strong>, a compreensão de que o fenômeno técnico é de alta complexidade<br />
e densidade histórica, e desse mo<strong>do</strong>, é interessante que seja observa<strong>do</strong> também na<br />
escala <strong>em</strong> que é executa<strong>do</strong> pelo corpo, vivi<strong>do</strong> pela pessoa. A vivência da técnica nos<br />
parece um ponto chave na avaliação <strong>do</strong>s efeitos <strong>do</strong>s avanços tecnológicos sobre as<br />
pessoas diretamente envolvidas com os espaços <strong>em</strong> que essas técnicas são perpetuadas.<br />
A meto<strong>do</strong>logia envolve acompanhar as atividades que compõ<strong>em</strong> dive<strong>rs</strong>os<br />
momentos <strong>do</strong> ano agrícola <strong>do</strong>s assenta<strong>do</strong>s, registran<strong>do</strong> desse mo<strong>do</strong> épocas de preparo da<br />
terra e plantio, de desenvolvimento <strong>do</strong>s cultivos, as colheitas. E nesses dive<strong>rs</strong>os<br />
momentos, através de entrevistas s<strong>em</strong>i-estruturadas (DUARTE et al, 2006), também<br />
gravadas <strong>em</strong> audiovisual, registrar a reflexão <strong>do</strong>s assenta<strong>do</strong>s sobre as técnicas utilizadas,<br />
o cotidiano produzi<strong>do</strong> pelas mesmas, os resulta<strong>do</strong>s das colheitas de acor<strong>do</strong> com o<br />
tratamento realiza<strong>do</strong>, e o planejamento <strong>do</strong> uso da terra para o ano seguinte. Junto ao<br />
registro das atividades nos assentamentos, alguns momentos <strong>do</strong> ano agrícola serão<br />
registra<strong>do</strong>s <strong>em</strong> grandes produtores <strong>do</strong> município, como por ex<strong>em</strong>plo, as colheitas de arroz<br />
e soja. As entrevistas realizadas, ao ser<strong>em</strong> transcritas, fornec<strong>em</strong> matéria-prima sobre o<br />
objeto <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>, e dev<strong>em</strong> ser analisadas utilizan<strong>do</strong>-se o referencial teórico aborda<strong>do</strong> no<br />
it<strong>em</strong> 5 <strong>do</strong> presente projeto. Com relação à técnica da descrição fílmica, de acor<strong>do</strong> com<br />
France (1998, p.90),<br />
a operação que consiste <strong>em</strong> tomar o objeto da ação como fio principal da<br />
observação é a condição necessária para tornar inteligível ao especta<strong>do</strong>r uma<br />
manifestação, cujo to<strong>do</strong>, <strong>em</strong> sua auto-mise <strong>em</strong> scéne, d<strong>em</strong>onstra que ela está
orientada <strong>em</strong> direção à obtenção de um resulta<strong>do</strong> material exterior ao corpo. É este<br />
programa da atividade filmada que a estratégia <strong>do</strong> cineasta exprime afinal.<br />
Há, desse mo<strong>do</strong>, uma busca pelas imagens a ser<strong>em</strong> produzidas a partir da<br />
observação das técnicas materiais, tanto a partir da seleção <strong>do</strong>s momentos de registro,<br />
quanto através da postura de câmera, <strong>do</strong> enquadramento, <strong>do</strong>s ângulos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s.<br />
Descrever essas técnicas implica <strong>em</strong> registrar ações, gestos, posturas <strong>do</strong> agente sobre os<br />
objetos, e por outro la<strong>do</strong>, as ações desses mesmos objetos sobre o meio, a natureza;<br />
movimentos que expressam uma intencionalidade, que é a própria transformação <strong>do</strong><br />
espaço, produzin<strong>do</strong> com isso uma nova conformação territorial. Com esse objetivo<br />
estabeleci<strong>do</strong>, de acor<strong>do</strong> com France (1998, p.66)<br />
encontram-se esclareci<strong>do</strong>s a escolha <strong>do</strong> perímetro de observação, que diz respeito à<br />
amplitude, o deslocamento, a distribuição no espaço <strong>do</strong>s enquadramentos e <strong>do</strong>s<br />
ângulos sucessivos; <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que a escolha <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> de observação,<br />
defini<strong>do</strong> pela duração da gravação e sua fragmentação eventual através de saltos no<br />
t<strong>em</strong>po. Por que é na relação <strong>do</strong> agente e <strong>do</strong>s instrumentos com o objeto que dev<strong>em</strong><br />
ser procuradas as principais razões da coerência atestada pela observação <strong>do</strong><br />
cineasta quan<strong>do</strong> deseja destacar <strong>do</strong> resto das manifestações sensíveis uma técnica<br />
material e torná-la inteligível como tal ao especta<strong>do</strong>r.<br />
A pesquisa qualitativa ten<strong>do</strong> como ferramenta básica o registro audiovisual parece,<br />
nesse senti<strong>do</strong>, apresentar uma possibilidade de avanço no complexo probl<strong>em</strong>a da<br />
observação, <strong>do</strong>s registros e da descrição da materialidade encontrada na multifacetada<br />
realidade <strong>do</strong>s territórios da <strong>reforma</strong> agrária. Martins (2004) sugere que a pesquisa<br />
qualitativa é ―aquela que privilegia a análise <strong>do</strong>s microprocessos, através <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> das<br />
ações sociais individuais e grupais, realizan<strong>do</strong> um exame intensivo <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, e que<br />
caracterizada pela hetero<strong>do</strong>xia no momento da análise‖. A pesquisa qualitativa, nesse<br />
senti<strong>do</strong>, parece ter s<strong>em</strong>pre a qualidade de ser o caminho percorri<strong>do</strong> pelo pesquisa<strong>do</strong>r<br />
através <strong>do</strong> meio-objeto de estu<strong>do</strong> e as reconstruções <strong>do</strong>s fenômenos, desse mo<strong>do</strong>,<br />
tend<strong>em</strong> a ser ―s<strong>em</strong>pre parciais, dependen<strong>do</strong> de <strong>do</strong>cumentos, observações, sensibilidades<br />
e pe<strong>rs</strong>pectivas‖ (MARTINS, 2004, p.291-292) 6 . Em nosso estu<strong>do</strong>, a pesquisa qualitativa<br />
contribui justamente com o registro desse unive<strong>rs</strong>o heterogêneo, múltiplo e cheio de<br />
6 Esse tipo de procedimento no qual o pesquisa<strong>do</strong>r - e sua subjetividade - se envolve diretamente com o<br />
objeto de estu<strong>do</strong>, na escolha das amostras, nas relações produzidas entre os da<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s, etc, é<br />
muitas vezes questiona<strong>do</strong>. Um aspecto aborda<strong>do</strong> pela crítica à meto<strong>do</strong>logia qualitativa diz respeito à questão<br />
da representatividade. Como essa meto<strong>do</strong>logia trabalha s<strong>em</strong>pre com unidades sociais, ela privilegia os<br />
estu<strong>do</strong>s de caso — entenden<strong>do</strong>-se como caso, o indivíduo, a comunidade, o grupo, a instituição (MARTINS,<br />
2004).
contrastes, que se evidencia na escala <strong>do</strong> corpo e <strong>do</strong> lugar; uma escala que permite<br />
visualizar a riqueza compositiva da informação visual que faz parte <strong>do</strong> espaço e <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po,<br />
das práticas e técnicas <strong>do</strong> cotidiano. O registro <strong>do</strong>cumental <strong>em</strong> audiovisual é, nesse<br />
senti<strong>do</strong>, s<strong>em</strong>pre um recorte desde a pe<strong>rs</strong>pectiva de um determina<strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r, que com<br />
base nas manifestações que se apresentam diante da lente 7 produz uma imag<strong>em</strong>, uma<br />
representação <strong>em</strong> audiovisual dessa realidade. Assim, ainda que registran<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong><br />
parcial a realidade, as técnicas <strong>do</strong> cin<strong>em</strong>a oferec<strong>em</strong> uma possibilidade de produzir com a<br />
câmera e estruturar com a montag<strong>em</strong>, crian<strong>do</strong> senti<strong>do</strong>s e relações a partir da gravação <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong> <strong>em</strong> movimento, que pod<strong>em</strong> <strong>em</strong> última análise, comunicar.<br />
Trabalhan<strong>do</strong> com noções básicas da sintaxe cin<strong>em</strong>atográfica (plano, cena,<br />
seqüência, ritmo, narrativa), é possível montar, compor, e intencionalmente posicionar la<strong>do</strong><br />
a la<strong>do</strong>, sist<strong>em</strong>as produtivos e trajetórias de reterritorialização, o trabalho com a terra e as<br />
diferentes técnicas de produção utilizadas, as relações sociais e coletivas ligadas à<br />
economia, o aprendiza<strong>do</strong> com o novo ambiente, as relações criadas com o município e<br />
seus habitantes, as oportunidades e dificuldades no processo produtivo. Assim, <strong>em</strong><br />
paralelo, acreditamos que as experiências amostradas pod<strong>em</strong> promover uma oportunidade<br />
para que sejam pensa<strong>do</strong>s e avalia<strong>do</strong>s os dive<strong>rs</strong>os projetos, que parec<strong>em</strong> apresentar<br />
lógicas, objetivos e possibilidades distintos, quan<strong>do</strong> se trata aplicá-los na pequena escala<br />
da agricultura familiar ou então <strong>em</strong> grandes propriedades capitalizadas.<br />
Como produto desta pesquisa, haverá a produção de uma reportag<strong>em</strong><br />
cin<strong>em</strong>atográfica (30min) que t<strong>em</strong> como objetivo a composição de um quadro geral da<br />
situação técnica e produtiva nos assentamentos <strong>do</strong> município de Santana <strong>do</strong> Livramento.<br />
Na medida <strong>em</strong> que a imag<strong>em</strong> é capaz de apreender uma miríade de detalhes inteligíveis<br />
ao especta<strong>do</strong>r médio, e que o próprio enquadramento da câmera pode intencionalmente<br />
agregar componentes significativos nessa imag<strong>em</strong>, o registro audiovisual pode cumprir<br />
com essa função que para nossos objetivos nesse trabalho parece essencial: comunicar,<br />
ou seja, pôr <strong>em</strong> comum, <strong>em</strong> debate, <strong>em</strong> discussão, os projetos produtivos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s nos<br />
assentamentos da <strong>reforma</strong> agrária, e os efeitos desses projetos sobre a vida das famílias<br />
envolvidas, sobre a matriz socioeconômica regional e sobre o ecossist<strong>em</strong>a da região.<br />
7 A fotografia t<strong>em</strong> ti<strong>do</strong>, ao longo da história, o papel de representação da realidade; a técnica traz no nome a<br />
sua principal característica, isto é, a capacidade de escrever com a luz (foto = luz / grafia = escrita).
Resulta<strong>do</strong>s preliminares<br />
Nossa análise <strong>do</strong> processo de formação <strong>do</strong> território inicia <strong>em</strong> uma escala mais<br />
afastada, observan<strong>do</strong> um pequeno conjunto de assentamentos. A figura 2 (abaixo)<br />
apresenta duas imagens que quan<strong>do</strong> cotejadas, mostram as mudanças no uso da terra<br />
promovidas com a instalação das famílias nas antigas fazendas.<br />
Figura 2: Assentamentos Coqueiro e Nova Santa Rita (São Joaquim); uso da terra <strong>em</strong> 1991 e 2007. A<br />
imag<strong>em</strong> à esquerda data de 1991, alguns anos antes da instalação <strong>do</strong>s assentamentos. A imag<strong>em</strong> à direita<br />
mostra o uso <strong>do</strong> solo no ano de 2007, onze anos após a instalação das famílias. Interessante observar a<br />
radical intensificação no uso da terra nesses <strong>do</strong>is assentamentos, que correspond<strong>em</strong> à área no interior <strong>do</strong>s<br />
perímetros pretos. Observa-se muitas áreas de solo exposto (ciano) e dive<strong>rs</strong>as outras com plantios de soja<br />
(laranja). Outros cultivos são também visíveis, poden<strong>do</strong> ser milho ou fruticultura (lilás). Também áreas de<br />
pastag<strong>em</strong> (verde), e mata ciliar (magenta).<br />
Impl<strong>em</strong>enta<strong>do</strong>s no ano de 1996, o PA Coqueiro e o PA Nova Santa Rita (São<br />
Joaquim), somam juntos 75 famílias assentadas <strong>em</strong> quase 2000 hectares de terras.<br />
Situa<strong>do</strong>s à beira da BR158, esses assentamentos são considera<strong>do</strong>s ‗vitrine‘ das políticas<br />
da <strong>reforma</strong> agrária na região, e de fato, <strong>em</strong> termos de uso da terra, são os que apresentam<br />
maiores mudanças 8 .<br />
8 Nesse senti<strong>do</strong>, a Divisão Ambiental <strong>do</strong> INCRA v<strong>em</strong> desenvolven<strong>do</strong> nesses PAs um programa de<br />
recuperação ambiental que t<strong>em</strong> como objetivo a adequação <strong>do</strong> assentamento à legislação ambiental vigente.<br />
Percebe-se, na fala <strong>do</strong>s assenta<strong>do</strong>s, termos e noções fruto da educação ambiental promovida pelo órgão,<br />
junto a professores da Unive<strong>rs</strong>idade Federal <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul. Esses assentamentos situam-se nas<br />
margens <strong>do</strong> rio Ibicuí d‘Armada, afluente que t<strong>em</strong> grande contribuição no volume de águas <strong>do</strong> rio Ibicuí, e<br />
que constitui a divisa com o município de Dom Pedrito. Observa-se que os assentamentos possu<strong>em</strong> uma<br />
expressiva área de preservação ambiental (APP e Reserva Legal), com densa mata nativa (na figura 2, <strong>em</strong><br />
magenta), <strong>em</strong> uma região de intenso uso das várzeas para a orizicultura.
Por outro la<strong>do</strong>, a figura 3 (abaixo) mostra um segun<strong>do</strong> conjunto de assentamentos,<br />
localiza<strong>do</strong>s <strong>em</strong> uma área mais afastada <strong>do</strong> centro urbano de Livramento. São<br />
assentamentos com acesso mais difícil, que chegam a ficar isola<strong>do</strong>s <strong>em</strong> certos perío<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong> ano, quan<strong>do</strong> há maior intensidade de chuvas. Essa situação parece explicar a a<strong>do</strong>ção,<br />
por grande parte <strong>do</strong>s assenta<strong>do</strong>s, de uma matriz produtiva centrada na pecuária leiteira. A<br />
expressão espacial dessa atividade está nas áreas <strong>do</strong>s lotes destina<strong>do</strong>s à pastag<strong>em</strong>, tanto<br />
a nativa quanto aquela melhorada 9 , e também nas porções de terra dedicadas ao cultivo<br />
de milho, soja e outros grãos para alimentar o ga<strong>do</strong>.<br />
Figura 3: Assentamentos Cerro <strong>do</strong>s Munhoz, Bom Será, Santo Ângelo, Santa Rita, Capivara e 31 de março;<br />
uso da terra <strong>em</strong> 1991 e 2007. Com o cotejo das imagens, percebe-se a presença, nesses assentamentos de<br />
maior quantidade de área de pastag<strong>em</strong>, utilizadas principalmente para a produção de leite, e para ga<strong>do</strong> de<br />
corte, tanto bovinos quanto ovinos. Já as áreas de solo exposto pod<strong>em</strong> ser utilizadas para o plantio de uma<br />
variedade de cultivos. Observa-se nesses assentamentos, menor incidência no plantio de soja; apenas<br />
espa<strong>rs</strong>os pontos <strong>em</strong> cor de laranja aí aparec<strong>em</strong>.<br />
Interessante aqui observar que os padrões de uso da terra constata<strong>do</strong>s através das<br />
imagens de satélite não pod<strong>em</strong> ser explica<strong>do</strong>s apenas pela análise nessa escala afastada.<br />
Daí a necessidade de conjugar as ferramentas de leitura, utilizan<strong>do</strong> o sensoriamento<br />
r<strong>em</strong>oto para constatar as mudanças e visualiza-las como um to<strong>do</strong>, e compl<strong>em</strong>entan<strong>do</strong> o<br />
estu<strong>do</strong> com o registro audiovisual, para investigar os processos subjacentes à<br />
materialização verificada.<br />
9 Melhorada com aveia e/ou azevém no inverno e milheto no verão
Nesse senti<strong>do</strong>, observa-se que os projetos produtivos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s pelos assenta<strong>do</strong>s<br />
parec<strong>em</strong> ter forte relação com as possibilidades de escoamento da produção. A imag<strong>em</strong><br />
de satélite mostra (Figura 3) a presença freqüente da pecuária leiteira e de corte, a<br />
fruticultura, e <strong>em</strong> menor quantidade a produção de hortigranjeiros 10 , no conjunto de<br />
assentamentos mais isola<strong>do</strong>. Essa situação foi confirmada <strong>em</strong> saída de campo,<br />
conve<strong>rs</strong>an<strong>do</strong> com os agricultores, como Seu Rade e Dona Fátima. O casal está assenta<strong>do</strong><br />
desde 1992 no PA Cerro <strong>do</strong> Munhoz, o mais antigo <strong>do</strong> município. Além da produção de<br />
leite, o casal dedica-se à fruticultura, sofren<strong>do</strong>, no entanto, bastante dificuldade no<br />
momento de escoar as frutas. Seu Rade explica a opção pela fruticultura:<br />
Foi uma idéia de dive<strong>rs</strong>ificar a produção, com mais uma alternativa. No início a gente<br />
plantava milho e outras culturas e não estava dan<strong>do</strong> certo. Aí surgiu a fruticultura, e a gente<br />
começou a plantar. E a pêra produz b<strong>em</strong>, mas o probl<strong>em</strong>a é o comércio. É difícil. Na cidade<br />
aqui, não t<strong>em</strong> comércio para a pêra, muito pouco.<br />
A pêra asiática é a variedade de pêra plantada pelos assenta<strong>do</strong>s, foi desenvolvida<br />
pela Embrapa, e não é comumente encontrada no comércio. Seu Rade conta que já<br />
aban<strong>do</strong>nou um pomar de uva de vinho, por ficar duas safras s<strong>em</strong> ter para onde destinar a<br />
produção. O PAA é compra<strong>do</strong>r de uma parte de sua produção, mas tal como a situação<br />
com grande parte <strong>do</strong>s assenta<strong>do</strong>s fruticultores de Livramento, a incapacidade de<br />
processar as frutas inviabiliza a conservação das mesmas por mais t<strong>em</strong>po, e acaba<br />
deixan<strong>do</strong> que toneladas de frutas sejam desperdiçadas. Para superar as dificuldades,<br />
coletivos, associações, cooperativas, tend<strong>em</strong> a se formar. Dona Fátima explica a<br />
necessidade de organizar as famílias para conseguir dar um destino aos produtos da terra.<br />
Nós aqui tiv<strong>em</strong>os que formar a cooperativa. Foi começa<strong>do</strong> com a produção <strong>do</strong> leite, e agora<br />
a cooperativa está compran<strong>do</strong> também a produção de frutas. Só que foi tenta<strong>do</strong> fazer a<br />
cooperativa para a fruticultura e não deu certo. Um puxava para um la<strong>do</strong>, o outro para o<br />
outro. Agora estamos tentan<strong>do</strong> uma agroindústria pro assentamento. Assim sai melhor a<br />
fruta.<br />
10 Os hortigranjeiros são <strong>em</strong> geral entregues para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), uma das<br />
ações <strong>do</strong> Fome Zero. O PAA t<strong>em</strong> objetivo de garantir o acesso aos alimentos <strong>em</strong> quantidade, qualidade e<br />
regularidade necessárias às pessoas <strong>em</strong> situação de insegurança alimentar e nutricional, sob a pe<strong>rs</strong>pectiva<br />
<strong>do</strong> direito humano à alimentação adequada; promover a inclusão social no campo por meio <strong>do</strong> fortalecimento<br />
da agricultura familiar; promover o abastecimento institucional com alimentos, que compreende as compras<br />
governamentais de gêneros alimentícios para fins dive<strong>rs</strong>os, incluída a alimentação escolar e constituir<br />
estoques estratégicos de alimentos produzi<strong>do</strong>s pela agricultura familiar. Valor R$8000 por ano. (Fonte:<br />
www.mds.gov.br, acesso <strong>em</strong> 10/06/2010)
explica:<br />
Nesse contexto, a opção pela atividade <strong>do</strong> leite é a mais freqüente. Seu Rade<br />
A gente começou com umas vaquinhas para o consumo, começamos a vender queijo na<br />
cidade, e depois fomos aumentan<strong>do</strong> a produção. Aí já foi mais difícil de vender queijo, por<br />
que tinha mais produção, então não tinha como fazer queijo. Começamos então a vender<br />
para uma firma que vinha pegar aí na cidade, até que chegamos à conclusão que era melhor<br />
fundar uma cooperativa <strong>do</strong> próprio movimento <strong>do</strong>s assenta<strong>do</strong>s [a COOPERFORTE]. Hoje<br />
aumentou a produção e os associa<strong>do</strong>s também. E é a alternativa que deu mais certo, a<br />
produção de leite. Se chove, ou falta chuva, é mais garantida a produção <strong>do</strong> que plantar para<br />
os assenta<strong>do</strong>s. (Sr Rade, 2010)<br />
A coleta <strong>do</strong> leite é realizada através <strong>do</strong>s caminhões da COOPERFORTE,<br />
cooperativa formada por assenta<strong>do</strong>s da região. Contu<strong>do</strong>, conforme já cita<strong>do</strong>, uma das<br />
grandes dificuldades no escoamento da produção <strong>do</strong>s assentamentos da <strong>reforma</strong> agrária é<br />
a condição das estradas que ligam os PAs aos centros urbanos. Nas épocas de maior<br />
quantidade de chuvas, partes da Campanha santanense ficam inundadas, com<br />
significativas porções de terra praticamente transforman<strong>do</strong>-se <strong>em</strong> ilhas, com acesso muito<br />
restrito por estradas. Em dez<strong>em</strong>bro de 2009, por ex<strong>em</strong>plo, diante de uma situação desse<br />
tipo, e s<strong>em</strong> possibilidade <strong>do</strong> caminhão <strong>do</strong> leite chegar aos lotes, muitos assenta<strong>do</strong>s<br />
relatam ter ―joga<strong>do</strong> fora‖ o leite por não ter como utilizá-lo; n<strong>em</strong> fazen<strong>do</strong> mais queijo e n<strong>em</strong><br />
fornecen<strong>do</strong> o mesmo para outros animais.<br />
Devi<strong>do</strong> à área relativamente restrita <strong>do</strong>s lotes, a alimentação <strong>do</strong> ga<strong>do</strong> leiteiro é<br />
freqüent<strong>em</strong>ente supl<strong>em</strong>entada com ração e/ou silag<strong>em</strong> 11 . Observamos <strong>em</strong> nosso trabalho<br />
de campo, dive<strong>rs</strong>os casos <strong>em</strong> que há, supl<strong>em</strong>entação da alimentação <strong>do</strong>s animais com<br />
ração de soja transgênica, além da produção de soja no próprio lote para alimentar os<br />
animais. Transpon<strong>do</strong> essa matriz produtiva <strong>em</strong> espaço transforma<strong>do</strong>, território construí<strong>do</strong>,<br />
a expressão espacial da pecuária leiteira pode ser descrita <strong>em</strong> uma combinação de áreas<br />
de pastag<strong>em</strong> e lavouras, tal como apresenta a figura 4 (abaixo).<br />
11 De acor<strong>do</strong> com estu<strong>do</strong> conduzi<strong>do</strong> por Mello (2006), seriam necessários lotes de 35ha nessa região da<br />
fronteira Oeste para ser<strong>em</strong> asseguradas as condições de segurança e progresso da unidade familiar. Os<br />
lotes de Livramento têm <strong>em</strong> média 28 hectares.
Figura 4: Lote no Pampa. Situação espacial característica <strong>do</strong>s assentamentos de Santana <strong>do</strong> Livramento, <strong>em</strong><br />
que a pastag<strong>em</strong> nativa é incorporada ao sist<strong>em</strong>a de produção como um ativo natural. No primeiro plano, uma<br />
lavoura de soja, ao fun<strong>do</strong> a pastag<strong>em</strong>, à esquerda o grande quebra-vento. / PA Bom Será<br />
No lote acima, situa<strong>do</strong> no assentamento Bom Será, observamos a presença de um<br />
grande quebra-vento, dentro <strong>do</strong> qual se abrigam casas, galpões, pomares, hortas. Esses<br />
pequenos complexos são circunda<strong>do</strong>s, naturalmente por pastag<strong>em</strong> nativa e, dependen<strong>do</strong><br />
das opções de cada família, por outros cultivos. Em virtude desse ativo natural <strong>do</strong> Pampa<br />
(abundância de pastagens), muitas famílias assentadas, ao longo <strong>do</strong>s últimos anos têm se<br />
dedica<strong>do</strong> à produção leiteira, mesmo não ten<strong>do</strong> tradição nesse tipo de atividade. O leite é<br />
uma oportunidade <strong>do</strong>s assenta<strong>do</strong>s obter<strong>em</strong> uma renda monetária mensal. De qualquer<br />
mo<strong>do</strong>, a necessidade de dive<strong>rs</strong>ificar a produção e as fontes de renda esbarra <strong>em</strong><br />
dificuldades ligadas, por ex<strong>em</strong>plo, a precariedade <strong>do</strong>s meios de produção <strong>do</strong>s assenta<strong>do</strong>s.<br />
A condição de agricultor familiar camponês assim se evidencia, com a carência de<br />
infraestrutura básica para completar o ciclo produtivo:<br />
O que nós mais tínhamos que ter agora, seria uma caminhoneta, ou um caminhãozinho para<br />
carregar as frutas. Por que de momento nós depend<strong>em</strong>os <strong>do</strong> ônibus para levar para a cidade<br />
ainda. Tu vê, o frete encarece muito, não é Aí t<strong>em</strong> outras coisas, que a gente pensa <strong>em</strong> ter<br />
e dar para os filhos. Mas eu penso, que a primeira coisa que eu ainda gostaria de fazer, não<br />
só eu, o José também t<strong>em</strong> vontade, era de ter mais estu<strong>do</strong>. Por que o estu<strong>do</strong> que nós<br />
tiv<strong>em</strong>os foi uma miséria, foi muito pouco. (Dona Fátima, 2010)<br />
Por outro la<strong>do</strong>, a soja aparece como um cultivo com compra garantida, sen<strong>do</strong><br />
a<strong>do</strong>tada por dive<strong>rs</strong>as famílias assentadas. Em recente saída a campo fomos investigar<br />
essa situação, conve<strong>rs</strong>an<strong>do</strong> com oito produtores assenta<strong>do</strong>s <strong>em</strong> dive<strong>rs</strong>as partes <strong>do</strong><br />
município. Em todas as lavouras visitadas foi constata<strong>do</strong> o uso de maquinário para o<br />
preparo da terra, s<strong>em</strong>entes de soja transgênica nos plantios, e alta quantidade de insumos<br />
químicos no tratamento da lavoura (o assim denomina<strong>do</strong> pacote <strong>do</strong> agronegócio). Poucos
assenta<strong>do</strong>s possu<strong>em</strong> os meios de produção, por isso, frequent<strong>em</strong>ente, o mo<strong>do</strong> de efetivar<br />
a lavoura de soja é através das parcerias. Seu Atílio, assenta<strong>do</strong> no PA Bom Será (mora<strong>do</strong>r<br />
<strong>do</strong> lote da figura 4), explica a a<strong>do</strong>ção dessa cultura nos assentamentos de Santana <strong>do</strong><br />
Livramento:<br />
No começo, nós chegamos aqui e começamos a querer plantar soja. Mas na época não<br />
existia a soja transgênica, e nós não sabíamos que esse solo aqui, apesar de ser campo, é<br />
um solo que v<strong>em</strong> muitas ervas daninhas, e a gente começou a plantar soja e não deu certo.<br />
No fim paramos, começamos a plantar um pouco de milho, e daí que a gente começou a<br />
lidar com o ga<strong>do</strong> de leite por que é o que dava mais. Mas hoje mu<strong>do</strong>u. Hoje nós estamos<br />
plantan<strong>do</strong> soja, eu mesmo plantei 20 hectares, e está muito bonita. E eu acho que daqui<br />
para frente, o resto <strong>do</strong> pessoal também vai começar a produzir soja por que ela produz b<strong>em</strong><br />
aqui. Não produzia na época que não tinha soja transgênica, que era difícil de limpar, é uma<br />
capinzeira <strong>do</strong> diacho. E é um solo que se tu mexer com ele, se tu tombar com o ara<strong>do</strong>, pode<br />
passar a grade, plantar, que no ano que v<strong>em</strong> ele tá <strong>do</strong> mesmo jeito. Tá grama<strong>do</strong> de novo.<br />
Para capim, para produzir capim de tu<strong>do</strong> quanto é tipo, é especial o solo. (Sr Atílio, 2010)<br />
A superação das dificuldades na produção acontece <strong>em</strong> geral através de uma<br />
combinação de conhecimentos vin<strong>do</strong>s de uma agricultura camponesa tradicional com as<br />
possibilidades e promessas apresentadas pelos pacotes tecnológicos da agricultura<br />
capitalista convencional; uma estratégia híbrida portanto. Ex<strong>em</strong>plo dessa complexa<br />
combinação é o generaliza<strong>do</strong> uso <strong>do</strong> herbicida Glifosato no momento <strong>do</strong> preparo da terra.<br />
O Glifosato é parte <strong>do</strong> pacote da soja transgênica mas acaba sen<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong> pelos<br />
assenta<strong>do</strong>s nas mais dive<strong>rs</strong>as situações inclusive para pequenos serviços ao re<strong>do</strong>r das<br />
casas. Em dive<strong>rs</strong>os casos, após essa etapa de ‗limpeza‘ e preparo da terra, o cultivo das<br />
diferentes espécies pode se dar s<strong>em</strong> a utilização de outros insumos químicos, apenas com<br />
adubo orgânico e/ou outros recu<strong>rs</strong>os encontra<strong>do</strong>s no lote, principalmente, o esterco <strong>do</strong><br />
ga<strong>do</strong>. Assim, por falta de mão-de-obra disponível, os agricultores terminam optan<strong>do</strong> por<br />
aplicar o produto, reduzin<strong>do</strong> drasticamente o t<strong>em</strong>po e o desgaste físico necessários à<br />
realização da atividade.<br />
O uso dessa, assim denominada, capina química, parece ser de fato muito comum<br />
entre os assenta<strong>do</strong>s da <strong>reforma</strong> agrária <strong>em</strong> Santana <strong>do</strong> Livramento. A figura 5, <strong>do</strong> lote de<br />
Seu Atílio, no assentamento Bom Será, mostra um campo trata<strong>do</strong> pelo Glifosato, produto<br />
também conheci<strong>do</strong> como ‗secante‘ pelos agricultores. Essa forma de queimar a vegetação<br />
torna possível a técnica <strong>do</strong> plantio direto. Contu<strong>do</strong>, a substância utilizada na ‗queima‘ da<br />
vegetação t<strong>em</strong> efeitos nocivos, tanto para a saúde humana, quanto para a água e para a<br />
terra. Praticamente toda a produção de soja é destinada para a Agrosoja Santana
Comércio de Produtos Agrícolas Ltda., <strong>em</strong>presa que compra a colheita <strong>do</strong>s assenta<strong>do</strong>s,<br />
encaminha<strong>do</strong>-a para a exportação.<br />
Figura 5: Pastag<strong>em</strong> após a aplicação <strong>do</strong> secante (Glifosato). À esquerda, a pastag<strong>em</strong> seca resultante da<br />
aplicação <strong>do</strong> herbicida. Ela contrasta com a área imediatamente vizinha que é coberta por soja, muito verde<br />
e aparent<strong>em</strong>ente sadia. Na mesma imag<strong>em</strong>, <strong>em</strong> meio ao capão posiciona<strong>do</strong> ao fun<strong>do</strong>, está a a comunidadeterritório<br />
construída pelo conjunto de quatro famílias assentadas que ali reside. O micro-clima cria<strong>do</strong> por esse<br />
quebra-vento possibilita o cultivo de grande variedade de espécies vegetais e animais no interior de seu<br />
perímetro. / PA Bom Será<br />
Nos assentamentos Coqueiro e Nova Santa Rita (figura 2), o assenta<strong>do</strong> Rogério e<br />
sua família também estão envolvi<strong>do</strong>s na atividade da soja. O pequeno coletivo que<br />
formaram é representativo de um fenômeno de reorganização espontânea <strong>do</strong>s lotes,<br />
processo que se desencadeia com a instalação <strong>do</strong>s assentamentos. Nessa intensa<br />
movimentação, <strong>em</strong> alguns PAs chegam-se a trocar a quase totalidade <strong>do</strong>s lotes, de mo<strong>do</strong><br />
informal, reunin<strong>do</strong> famílias com integrantes assenta<strong>do</strong>s <strong>em</strong> diferentes partes <strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />
novamente <strong>em</strong> uma mesma área 12 . Esse processo, de reconfiguração social das<br />
comunidades, tende após um perío<strong>do</strong> de acomodação, a formar coletivos menores e mais<br />
estáveis (Mello, 2006). Conforme explica Rogério:<br />
Quan<strong>do</strong> vi<strong>em</strong>os para cá, <strong>em</strong> 1996, estava só eu. O meu pai já era assenta<strong>do</strong> <strong>em</strong> Júlio de<br />
Castilhos. Com o passar <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po, o meu irmão também foi para o acampamento e adquiriu<br />
um lote aqui na região. Aí nós fiz<strong>em</strong>os a permuta de lote, trocamos o lote dele para cá e o <strong>do</strong><br />
pai também para cá, para nós nos juntarmos para facilitar de comprar os equipamentos para<br />
produzir. Por que com os recu<strong>rs</strong>os que a gente tinha, a gente não conseguiria adquirir os<br />
impl<strong>em</strong>entos. Aí com o passar <strong>do</strong>s t<strong>em</strong>pos, nós nos envolv<strong>em</strong>os plantan<strong>do</strong> soja, milho e tu<strong>do</strong><br />
mais. Aí devi<strong>do</strong> à necessidade de adquirir to<strong>do</strong> o equipamento, por que se tu planta tu t<strong>em</strong><br />
12 Mello (2006) registra no PA Apolo, de um total de 35 lotes, 34 foram troca<strong>do</strong>s. Leite (2003) também relata<br />
processo s<strong>em</strong>elhante <strong>em</strong> assentamentos de outras regiões brasileiras.
que colher, e para plantar tu t<strong>em</strong> que ter o equipamento, tu não pode depender de outras<br />
pessoas para fazer para ti. Então fomos adquirin<strong>do</strong>, adquirimos a plantadeira, conseguimos<br />
uma colheitadeirinha usada, t<strong>em</strong>os caminhão também, t<strong>em</strong>os <strong>do</strong>is tratores, e basicamente<br />
foi <strong>em</strong> cima <strong>do</strong> pouco financiamento que vinha, a gente foi pegan<strong>do</strong> eles e botan<strong>do</strong> mais <strong>em</strong><br />
cima. Comprava a plantadeira <strong>em</strong> <strong>do</strong>is anos, colheitadeira <strong>em</strong> três anos. Dava uma entrada<br />
com o financiamento que a gente adquiria <strong>do</strong> banco e assim foi in<strong>do</strong>, passan<strong>do</strong>, já faz 13<br />
anos que estamos aí produzin<strong>do</strong>. E t<strong>em</strong>os passa<strong>do</strong> por alguns anos de crise, situação de<br />
seca e tu<strong>do</strong> mais. Então fica um pouco difícil para a gente adquirir, mas se tu levar meio<br />
aperta<strong>do</strong> tu consegue adquirir alguma coisa. Hoje, nós três aqui, a gente consegue dizer que<br />
o investimento que a gente recebe <strong>do</strong> INCRA, a gente consegue transformar <strong>em</strong> mais valor.<br />
Se tu somar o capital que nós t<strong>em</strong>os hoje e a dívida que t<strong>em</strong>, dá b<strong>em</strong> para conseguir pagar<br />
os financiamentos, e t<strong>em</strong> mais capital <strong>do</strong> que dívida. Então, valeu, um sal<strong>do</strong> positivo. Mas<br />
poderia ser melhor, se tivéss<strong>em</strong>os ti<strong>do</strong> anos melhores de produção. (Rogério, 2010)<br />
Percebe-se que através de variadas estratégias, como os coletivos familiares e as<br />
parcerias, os assenta<strong>do</strong>s parec<strong>em</strong> estar conseguin<strong>do</strong> superar muitas dificuldades no<br />
processo de construção de uma base de recu<strong>rs</strong>os capaz de sustentar a s<strong>em</strong>pre tão<br />
ambicionada unidade familiar. Seu Joaquim, assenta<strong>do</strong> no PA Sepé Tiarajú, oriun<strong>do</strong> da<br />
região norte <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> explica a importância das parcerias na história da sua família. A sua<br />
experiência parece falar pela assim denominada agricultura familiar camponesa:<br />
É, apesar d‘a gente sentir essa necessidade, de que t<strong>em</strong> que se fazer uma parceria, com<br />
certeza a gente encontra dificuldades, certas barreiras, inclusive na própria família mesmo<br />
t<strong>em</strong> barreiras, né. As pessoas acham que cada um t<strong>em</strong> que cuidar <strong>do</strong> seu, mas a gente v<strong>em</strong><br />
insistin<strong>do</strong>. Eu particularmente estou insistin<strong>do</strong> nessa tecla de parceria, é uma coisa que eu<br />
trago <strong>do</strong> meu pai, que tenho de herança. O pai já procurou, s<strong>em</strong>pre, que os filhos<br />
trabalhass<strong>em</strong> <strong>em</strong> parceria. Então é uma coisa que a gente trouxe de casa, já de família, e a<br />
gente v<strong>em</strong> insistin<strong>do</strong>. Mas eu, particularmente, acho uma coisa boa. Que v<strong>em</strong> a se somar<br />
né. Como diz o outro, a união faz a força e a força faz o poder. Mas que t<strong>em</strong> dificuldade,<br />
t<strong>em</strong>, assim como t<strong>em</strong> no individual t<strong>em</strong> no coletivo. Só são dificuldades diferenciadas. Eu vivi<br />
também muitos anos no individual, também encontrei dificuldades na vida, muitas. Precisava<br />
de uma ferramenta, uma coisa, tinha que correr no vizinho, buscar. E hoje pela parceria, a<br />
gente tá conseguin<strong>do</strong> ter as ferramentas necessárias, uma carroça, uma trilhadeira, ter os<br />
meios para tu trabalhar. O mais importante, as ferramentas, é o mais importante que a gente<br />
tenha na propriedade. Mas para adquirir isso é muito difícil né. Então esse é um <strong>do</strong>s motivos<br />
que nos leva a trabalhar <strong>em</strong> parceria. (Seu Joaquim, 2010)<br />
Seu Joaquim e os <strong>do</strong>is filhos formam um conjunto de três lotes e faz<strong>em</strong> parcerias<br />
com outros assenta<strong>do</strong>s para efetivar uma produção dive<strong>rs</strong>ificada. Eles não possu<strong>em</strong><br />
máquinas para fazer os trabalhos na terra, por isso faz<strong>em</strong> uma parceria para realizar os<br />
serviços de mo<strong>do</strong> mecaniza<strong>do</strong>. Trocam, assim, com o presta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> serviço, um pedaço de<br />
8 hectares de seus lotes, no qual o presta<strong>do</strong>r de serviços cultiva soja. Pagam desse mo<strong>do</strong><br />
as horas de trator necessárias para a lavoura, e os d<strong>em</strong>ais trabalhos no lote. Do mesmo<br />
mo<strong>do</strong>, Seu Joaquim e seus filhos, faz<strong>em</strong> outra parceria com Cabelo, assenta<strong>do</strong> vizinho,
para produzir aipim <strong>em</strong> sua terra. Cabelo t<strong>em</strong> família pequena, e pouca mão de obra <strong>em</strong><br />
casa. Seu Joaquim e seus filhos tentaram dive<strong>rs</strong>as vezes plantar aipim <strong>em</strong> seus lotes, mas<br />
o solo não permitiu. Já no lote de Cabelo, há uma mancha de solo suficient<strong>em</strong>ente<br />
drena<strong>do</strong>, onde é possível desenvolver este plantio. Assim sen<strong>do</strong> as famílias fizeram uma<br />
parceria onde Seu Joaquim e seus filhos entram com mão de obra, ferramentas e carroça,<br />
e Cabelo, com a terra, a água e a mandioca.<br />
Deco, <strong>do</strong> PA Nova Santa Rita (figura 2), é um <strong>do</strong>s assenta<strong>do</strong>s de Livramento que<br />
mais produziu soja na safra de 2010. Ele possui maquinário que lhe permite realizar<br />
inúmeras parcerias, produzin<strong>do</strong> inclusive <strong>em</strong> áreas de outros PAs. Ele comenta a matriz<br />
produtiva encontrada nos assentamentos de Santana <strong>do</strong> Livramento:<br />
Eu acredito que o pequeno agricultor pode conciliar as coisas. Eu e meu irmão trabalhamos<br />
juntos, e nós produzimos soja, produzimos leite e produzimos frutas. Então dá para conciliar<br />
as três coisas juntas. E estamos ten<strong>do</strong> um excelente resulta<strong>do</strong>. Apesar que deu várias<br />
secas, mas aí não foi só nós, o conjunto to<strong>do</strong> sofreu com isso, com o fator climático. Mas<br />
quan<strong>do</strong> você adquire um pedaço de terra, você t<strong>em</strong> que aproveitá-lo da melhor forma<br />
possível. (Deco, 2010)<br />
Nessa linha, a figura 6, mostra uma situação na qual o assenta<strong>do</strong>, aproveitan<strong>do</strong> os<br />
diferentes espaços <strong>do</strong> lote, ocupa o mesmo com um conjunto de instalações que abrigam<br />
as diferentes atividades implantadas na gleba. Trata-se de um lote no assentamento<br />
Roseli Nunes, localiza<strong>do</strong> ao longo da linha de fronteira com o Uruguai, junto a uma<br />
extensão de 9.000ha de eucaliptos existentes no la<strong>do</strong> uruguaio.<br />
Figura 6: Nicho cria<strong>do</strong> pela família assentada / PA Roseli Nunes
Fica evidente nos ex<strong>em</strong>plos acima o quanto a presença <strong>do</strong>s assentamentos de<br />
<strong>reforma</strong> agrária na região da Campanha modifica a paisag<strong>em</strong> e a organização territorial <strong>do</strong><br />
Pampa. Nesse mesmo campo onde um dia, de tão vasto, perdeu-se a vista, criam-se<br />
agora nichos, quebra-ventos, galpões, cercas, pomares, lavouras, hortas, e pátios com<br />
animais <strong>do</strong>mésticos ao re<strong>do</strong>r das casas, materializan<strong>do</strong> assim o recente processo de<br />
reterritorialização <strong>em</strong> grande escala, pelo qual passa a Campanha gaúcha.<br />
Considerações finais<br />
No recorte espacial e t<strong>em</strong>poral aqui mostra<strong>do</strong>, percebe-se uma expressiva mudança<br />
no uso da terra dentro <strong>do</strong>s perímetros <strong>do</strong>s assentamentos, com a recorrente substituição<br />
das pastagens por lavouras e conseqüent<strong>em</strong>ente, pela presença <strong>do</strong> conjunto de<br />
instalações relaciona<strong>do</strong>s a esse novo uso. Esse processo, mostram as descrições feitas,<br />
parece ser <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de naturalidade, na medida <strong>em</strong> que essa nova territorialização <strong>do</strong><br />
espaço através da produção agrícola se apresenta como uma das poucas possibilidades,<br />
senão a única, de sobrevivência e reprodução para a grande maioria das famílias<br />
assentadas. Nessa linha, nos assentamentos de Santana <strong>do</strong> Livramento perceb<strong>em</strong>os um<br />
processo de reterritorialização <strong>em</strong> larga escala, no qual parece ficar clara uma nova<br />
dinâmica <strong>do</strong> espaço agrário, objetivo que tanto se almeja alcançar com as políticas<br />
públicas destinadas para a Campanha Gaúcha. Contu<strong>do</strong>, diante <strong>do</strong> quadro atual, parece<br />
ser necessário melhor estudar essa intensificação no uso da terra pois, ao mesmo t<strong>em</strong>po<br />
<strong>em</strong> que esse tipo de assentamento e seus sist<strong>em</strong>as produtivos pod<strong>em</strong> dinamizar a<br />
economia de um determina<strong>do</strong> município ou região - na medida <strong>em</strong> que tend<strong>em</strong> a a<strong>do</strong>tar<br />
práticas da agricultura convencional - também pode ocorrer, <strong>em</strong> um bioma já <strong>em</strong> estágio<br />
avança<strong>do</strong> de transformação, impactos ambientais cujos efeitos dev<strong>em</strong> ser adequadamente<br />
avalia<strong>do</strong>s. Na avaliação desses impactos, tanto ambientais quanto socioeconômicos, estão<br />
localizadas as principais questões a ser<strong>em</strong> aprofundadas nas próximas etapas deste<br />
trabalho e as técnicas de sensoriamento r<strong>em</strong>oto, compl<strong>em</strong>entadas com o registro<br />
audiovisual, parec<strong>em</strong> ter um importante papel no esclarecimento desses tópicos.
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