09.01.2015 Views

Sobre a possibilidade de gravar a propriedade ... - BuscaLegis

Sobre a possibilidade de gravar a propriedade ... - BuscaLegis

Sobre a possibilidade de gravar a propriedade ... - BuscaLegis

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

® <strong>BuscaLegis</strong>.ccj.ufsc.br<br />

<strong>Sobre</strong> a <strong>possibilida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>gravar</strong> a proprieda<strong>de</strong> fiduciária imóvel com<br />

hipoteca<br />

Raquel Duarte Garcia*<br />

RESUMO:<br />

A proprieda<strong>de</strong> fiduciária é um direito real <strong>de</strong> garantia que provoca o <strong>de</strong>sdobramento<br />

da posse e a perda da proprieda<strong>de</strong> plena por parte do <strong>de</strong>vedor fiduciário. Este permanece na<br />

posse direta, enquanto a posse indireta e a proprieda<strong>de</strong> ficam com o credor fiduciário até o<br />

adimplemento do débito. Trata-se <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> resolúvel, o qual só se<br />

consolidará caso o <strong>de</strong>vedor, embora constituído em mora, não cumpra sua obrigação.<br />

O presente trabalho tem o objetivo <strong>de</strong> analisar, à luz do princípio registral da<br />

inscrição e da priorida<strong>de</strong>, a <strong>possibilida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> o credor fiduciário e <strong>de</strong> o <strong>de</strong>vedor fiduciante<br />

hipotecarem o bem objeto <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> fiduciária.<br />

1. LEGISLAÇÃO PERTINENTE<br />

A proprieda<strong>de</strong> fiduciária <strong>de</strong> que trata o Código Civil refere-se tão somente aos bens<br />

móveis infungíveis, conforme estabelece seu art. 1.361 e seguintes, os quais <strong>de</strong>vem ser<br />

lidos juntamente ao <strong>de</strong>creto-lei 911, <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1969. O procedimento <strong>de</strong> busca e


apreensão do bem móvel alienado fiduciariamente é regulado por este <strong>de</strong>creto-lei, o qual<br />

sofreu recentes alterações com a lei 10.913, <strong>de</strong> 2004.<br />

Esta mesma lei acrescentou o art. 1.368-A ao Código Civil, o qual <strong>de</strong>termina que as<br />

leis especiais que tratem <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> ou titularida<strong>de</strong> fiduciária continuem a ser<br />

observadas, aplicando-se o Código Civil <strong>de</strong> 2002 apenas naquilo em que ele não for<br />

incompatível com a legislação especial.<br />

Via <strong>de</strong> regra, a proprieda<strong>de</strong> fiduciária recai sobre bens móveis. Para alienação<br />

fiduciária no mercado financeiro e <strong>de</strong> capitais, tem-se a lei 4.728, <strong>de</strong> 1965. Já a proprieda<strong>de</strong><br />

fiduciária <strong>de</strong> imóveis é tratada na lei 9.514, <strong>de</strong> 1997, art. 22 e seguintes.<br />

2. CONCEITO DE PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA<br />

A proprieda<strong>de</strong> fiduciária é um direito real <strong>de</strong> garantia que surge para garantir um<br />

financiamento efetuado pelo <strong>de</strong>vedor alienante junto ao credor adquirente da proprieda<strong>de</strong><br />

fiduciária. Duas são as partes: o credor fiduciário (sujeito ativo) e o <strong>de</strong>vedor fiduciante<br />

(sujeito passivo).<br />

Estabelecida a proprieda<strong>de</strong> fiduciária, ocorre o <strong>de</strong>smembramento da posse. O<br />

<strong>de</strong>vedor fiduciante permanece na posse direta do bem; ao credor fiduciário é assegurada a<br />

posse indireta do bem. O credor adquire, também, a proprieda<strong>de</strong> resolúvel do bem alienado<br />

fiduciariamente. Sua proprieda<strong>de</strong> se resolverá se o <strong>de</strong>vedor adimplir a obrigação contraída,<br />

hipótese em que a proprieda<strong>de</strong> do bem e sua posse plena retornarão ao então <strong>de</strong>vedor.<br />

O objetivo é garantir a obrigação assumida com o credor fiduciário. Para o credor, a<br />

proprieda<strong>de</strong> fiduciária é melhor que os <strong>de</strong>mais direitos reais <strong>de</strong> garantia (penhor, hipoteca e<br />

anticrese), pois, assim que firmado esse direito real, converte-se o credor em proprietário do<br />

bem dado em garantia, po<strong>de</strong>ndo, em caso <strong>de</strong> inadimplemento, alienar o mesmo para<br />

levantar numerário para saldar a dívida. As <strong>de</strong>mais garantias reais são ônus em coisa alheia,


<strong>de</strong> modo que o bem continua a integrar o ativo do <strong>de</strong>vedor, reduzindo a tutela do credor em<br />

confronto com outros credores.<br />

FARIAS & ROSENVALD (2006: 371) compreen<strong>de</strong>m bem esta vantagem ao<br />

salientar, por exemplo, a impenhorabilida<strong>de</strong>, por dívidas do <strong>de</strong>vedor alienante, sobre bem<br />

alienado em garantia, "pois a circunstância <strong>de</strong> ter apenas a posse direta do bem não autoriza<br />

sua constrição judicial em prol <strong>de</strong> um segundo credor." O credor fiduciário se vê, portanto,<br />

protegido pelos embargos <strong>de</strong> terceiro.<br />

Estes mesmos autores relembram que, embora a proprieda<strong>de</strong> fiduciária não venha<br />

explicitamente citada no art. 1.225 do Código Civil, ela é um direito real implícito no inciso<br />

I <strong>de</strong>ste dispositivo, sendo espécie <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> resolúvel (2006: 363). O termo "alienação<br />

fiduciária" refere-se ao tipo contratual. Já o direito real <strong>de</strong> garantia da proprieda<strong>de</strong><br />

fiduciária só se forma <strong>de</strong>pois do registro da mesma.<br />

3. DO PRINCÍPIO REGISTRAL DA INSCRIÇÃO QUANTO À PRIORIDADE<br />

GRADUAL E EXCLUDENTE<br />

AFRÂNIO DE CARVALHO (1998: 140) ensina que o princípio da inscrição<br />

"significa que a constituição, transmissão e extinção <strong>de</strong> direitos reais sobre imóveis só se<br />

operam por atos inter vivos mediante sua inscrição no registro" (grifo acrescido). Ou seja,<br />

não basta a estipulação negocial entre as partes para que surja, mu<strong>de</strong> ou se transfira um<br />

direito real: somente a inscrição terá o condão <strong>de</strong> fazer a mutação jurídico-real. Cite-se<br />

como exemplo a proprieda<strong>de</strong> imóvel, a qual não é adquirida com a celebração do contrato<br />

<strong>de</strong> compra e venda, mas tão somente com a inscrição <strong>de</strong>ste no Registro <strong>de</strong> Imóveis.<br />

A necessida<strong>de</strong> da inscrição se justifica pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar publicida<strong>de</strong> aos<br />

direitos reais sobre imóveis. Afinal, os direitos reais têm como sujeito passivo toda a<br />

coletivida<strong>de</strong>, sujeitando-a a um <strong>de</strong>ver geral <strong>de</strong> abstenção. Sendo assim, os direitos reais


transcen<strong>de</strong>m os sujeitos do negócio jurídico, sendo <strong>de</strong> interesse <strong>de</strong> todos conhecê-los para<br />

que não se corra o risco <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeitá-los.<br />

Sendo assim, a correta ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> titulares <strong>de</strong> direitos reais é imprescindível. A<br />

inscrição <strong>de</strong>verá ser feita, portanto, não só em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> ato entre vivos, mas também<br />

quando a aquisição <strong>de</strong> direitos reais se <strong>de</strong>r por força <strong>de</strong> lei – tal como no caso <strong>de</strong> herança.<br />

As inscrições divi<strong>de</strong>m-se em constitutivas e <strong>de</strong>clarativas. A constitutiva constitui o<br />

direito ou sua oneração; as <strong>de</strong>clarativas apenas "divulgam direitos que ganharam existência<br />

antes <strong>de</strong>la ou riscos que pendam sobre direitos inscritos", ou seja, atestam um fato ou ato<br />

jurídico consumado, perfeito e prece<strong>de</strong>nte, conforme ensina AFRANIO DE CARVALHO<br />

(1998: 143 e 146).<br />

A inscrição teria, assim, a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer correspondência entre a<br />

realida<strong>de</strong> fática e a do registro, bem como "divulgar riscos pen<strong>de</strong>ntes sobre direitos<br />

inscritos, inclusive o <strong>de</strong> iminente constituição <strong>de</strong> um gravame" (i<strong>de</strong>m. 1998: 147), hipótese<br />

em que ocorre inscrição preventiva. Exemplo <strong>de</strong> inscrição <strong>de</strong>clarativa preventiva é a<br />

hipoteca, cuja inscrição serve <strong>de</strong> alerta para adquirentes e credores acerca da <strong>possibilida<strong>de</strong></strong><br />

<strong>de</strong> perda daquela garantia em razão <strong>de</strong> débito anterior. As preventivas são sempre<br />

provisórias, ten<strong>de</strong>ndo a dois caminhos: originar uma inscrição <strong>de</strong>finitiva ou ser cancelada<br />

(ibi<strong>de</strong>m. 1998: 147). Há outras classificações <strong>de</strong> inscrição, tal como a provisória, que<br />

fogem do escopo do presente trabalho.<br />

Para encerrar essa breve exposição sobre o princípio da inscrição, vale lembrar que<br />

a inscrição não sana qualquer vício do título que a originou, não po<strong>de</strong>ndo seu efeito<br />

constitutivo ser confundido com possível efeito saneador. Ou seja, embora <strong>de</strong>la se originem<br />

os direitos reais, a mesma não garante permanência <strong>de</strong>sses direitos: tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá da<br />

existência, valida<strong>de</strong> e eficácia dos títulos que os originaram.<br />

Vez que a hipoteca e a proprieda<strong>de</strong> fiduciária são dois direitos reais <strong>de</strong> garantia,<br />

cumpre falar sobre o princípio da priorida<strong>de</strong>, o qual anda lado a lado com a inscrição.


Seguindo a lição <strong>de</strong> AFRANIO DE CARVALHO (1998: 181), tem-se que "o princípio da<br />

priorida<strong>de</strong> significa que, num concurso <strong>de</strong> direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam<br />

todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação <strong>de</strong> precedência<br />

fundada na or<strong>de</strong>m cronológica do seu aparecimento".<br />

Trata-se da célebre máxima "prior tempore potior jure". A priorida<strong>de</strong> dirá respeito<br />

aos direitos estabelecidos sobre um mesmo imóvel, os quais po<strong>de</strong>m ser direitos <strong>de</strong> uma<br />

mesma categoria (i.e. dois direitos reais <strong>de</strong> garantia sobre um mesmo imóvel) ou <strong>de</strong><br />

categorias diversas (i.e. proprieda<strong>de</strong> X servidão).<br />

Se os direitos inscritos não são incompatíveis entre si, a priorida<strong>de</strong> estabalecerá<br />

entre eles uma gradação. Um mesmo bem po<strong>de</strong>, por exemplo, ser gravado com várias<br />

hipotecas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o valor <strong>de</strong>le cubra o valor garantido pelas mesmas (art. 1.476, CC/02).<br />

Para cada hipoteca inscrita haverá um grau <strong>de</strong> hipoteca. Primeiramente, porém, será<br />

adimplido o crédito do credor que primeiro se inscreveu. Sobrando numerário, o segundo<br />

credor hipotecário receberá e assim sucessivamente.<br />

O mesmo não ocorre se os direitos forem incompatíveis entre si. Aí a priorida<strong>de</strong><br />

será exclu<strong>de</strong>nte, ou seja, o direito que foi primeiramente inscrito impedirá a inscrição do<br />

segundo ou o segundo, quando for legitimamente inscrito, cessará ou transformará o<br />

primeiro.<br />

A priorida<strong>de</strong> se apura pelo protocolo do Registro <strong>de</strong> Imóveis, importando a or<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong> apresentação no mesmo, e não a data do título apresentado. Sendo assim, se A comprou<br />

um imóvel <strong>de</strong> B há 02 anos, mas não o registrou e, ontem, B o ven<strong>de</strong>u novamente para C,<br />

caso C efetue o registro hoje, será ele o proprietário, pois não é a compra e venda que firma<br />

a proprieda<strong>de</strong> no Brasil, mas sim o registro no Cartório <strong>de</strong> Registro <strong>de</strong> Imóveis. Como a<br />

ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser perfeita, ainda que A compareça com seu contrato <strong>de</strong> dois<br />

anos atrás, não conseguirá registrá-lo porque em sua ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong> não constará C,<br />

atual proprietário do imóvel. Como o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> é exclusivo, no exemplo em


exame, A não conseguirá registrar nada: a priorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> C excluirá o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> A.<br />

O presente trabalho visa a analisar a compatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dois direitos reais <strong>de</strong><br />

garantia: a hipoteca e a proprieda<strong>de</strong> fiduciária. Mais precisamente, será analisada a<br />

<strong>possibilida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> se <strong>gravar</strong> com hipoteca um imóvel que, anteriormente, já teve registrada a<br />

proprieda<strong>de</strong> fiduciária.<br />

4. DA IMPOSSIBILIDADE DE GRAVAR A PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA SOBRE<br />

IMÓVEL POR MEIO DE HIPOTECA<br />

Essa questão <strong>de</strong>ve ser analisada tendo-se por foco as duas partes que participam<br />

<strong>de</strong>sse negócio jurídico bilateral: o credor fiduciário, ou proprietário fiduciante, e o <strong>de</strong>vedor<br />

fiduciante.<br />

O credor fiduciário <strong>de</strong>tém tão somente proprieda<strong>de</strong> condicionada, temporária, do<br />

bem dado em garantia. Tal proprieda<strong>de</strong> contém em si o germe <strong>de</strong> seu fim, o qual ocorrerá<br />

se o evento incerto do adimplemento ocorrer. TUPINAMBÁ MIGUEL CASTRO, citado<br />

por FARIAS & ROSENVALD (2006: 370), <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que "o titular da proprieda<strong>de</strong><br />

fiduciária não po<strong>de</strong> constituir sobre o objeto da garantia qualquer direito pessoal ou real".<br />

Isso porque ele teria tão somente po<strong>de</strong>r jurídico sobre a substância da coisa, "como uma<br />

proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>snudada, sem direito a exercer qualquer utilida<strong>de</strong>" (i<strong>de</strong>m).<br />

Esse esclarecimento é <strong>de</strong> suma importância. Não se po<strong>de</strong> esquecer que a<br />

proprieda<strong>de</strong> fiduciária consiste em um direito real <strong>de</strong> garantia. Assim sendo, o credor não<br />

<strong>de</strong>tém pretensão sobre a coisa, mas sim sobre o valor <strong>de</strong>la. Prova disso é que o direito<br />

brasileiro veda a cláusula comissória, a qual estipularia a perda da coisa dada em garantia<br />

na hipótese <strong>de</strong> não pagamento da dívida, conforme o art. 1.428, caput, do Código Civil:


Art. 1.428. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou<br />

hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.<br />

Essa mesma vedação vem prevista para a proprieda<strong>de</strong> fiduciária <strong>de</strong> bens móveis<br />

infungíveis, no art. 1.365 do CC/02, fortalecendo o caráter <strong>de</strong> direito real <strong>de</strong> garantia da<br />

proprieda<strong>de</strong> fiduciária:<br />

Art. 1.365. É nula a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a<br />

coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento.<br />

Parágrafo único. O <strong>de</strong>vedor po<strong>de</strong>, com a anuência do credor, dar seu direito<br />

eventual à coisa em pagamento da dívida, após o vencimento <strong>de</strong>sta.<br />

Como se vê, o credor fiduciário não <strong>de</strong>tém pretensão sobre a coisa, mas sim sobre o<br />

valor da mesma. Tanto é que, vencida e não paga a dívida, o bem dado em garantia será<br />

vendido para que o credor apure o valor que lhe é <strong>de</strong>vido. Além disso, veja-se que somente<br />

após o vencimento da dívida é que o <strong>de</strong>vedor po<strong>de</strong>ria oferecer o bem como forma <strong>de</strong><br />

pagamento do débito. A dação, porém, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> anuência do credor, pois lhe será dado<br />

em pagamento coisa diversa da que ele <strong>de</strong>veria receber, ou seja, em vez do valor do crédito,<br />

ele receberá o bem.<br />

O mesmo ocorre na alienação fiduciária <strong>de</strong> coisa imóvel, conforme art. 26,<br />

parágrafo 8º e art. 27, ambos da lei 9.514/97:<br />

Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o<br />

fiduciante, consolidar-se-á, nos termos <strong>de</strong>ste artigo, a proprieda<strong>de</strong> do imóvel em nome do<br />

fiduciário.<br />

8o O fiduciante po<strong>de</strong>, com a anuência do fiduciário, dar seu direito eventual ao<br />

imóvel em pagamento da dívida, dispensados os procedimentos previstos no art. 27.<br />

(Incluído pela Lei nº 10.931, <strong>de</strong> 2004)


Art. 27. Uma vez consolidada a proprieda<strong>de</strong> em seu nome, o fiduciário, no prazo <strong>de</strong><br />

trinta dias, contados da data do registro <strong>de</strong> que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá<br />

público leilão para a alienação do imóvel.<br />

FARIAS & ROSENVALD (2006: 385) esclarecem muito bem o fato <strong>de</strong> o interesse<br />

do credor ser sobre o valor emprestado e não sobre a coisa em si:<br />

O sistema (da alienação fiduciária) consiste na transmissão da proprieda<strong>de</strong> do<br />

<strong>de</strong>vedor ao credor (fiduciário) como direito <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> caráter resolúvel. Ou seja, o<br />

credor não <strong>de</strong>seja a coisa, mas se investe na condição <strong>de</strong> seu titular temporário, como forma<br />

<strong>de</strong> pressionar o <strong>de</strong>vedor a pagar o financiamento do débito.<br />

Além disso, como visto, o credor fiduciário só terá po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> alienar o imóvel dado<br />

em garantia no caso <strong>de</strong> mora não purgada, ou seja, após a consolidação da proprieda<strong>de</strong> em<br />

seu nome. Até lá, sua proprieda<strong>de</strong> é resolúvel, pen<strong>de</strong>nte do evento incerto do adimplemento<br />

do <strong>de</strong>vedor.<br />

O art. 1.420 do Código Civil diz que só os bens que po<strong>de</strong>m ser alienados po<strong>de</strong>m ser<br />

dados em penhor, anticrese ou hipoteca. No Código Civil, o único direito real <strong>de</strong> garantia<br />

que não se encontra no Título X do Livro III é a proprieda<strong>de</strong> fiduciária, a qual ficou entre<br />

os tipos especiais <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>. Mas, sendo esta um direito real <strong>de</strong> garantia, as<br />

disposições gerais <strong>de</strong>les a ela se aplicam. Além disso, o art. 1.368-A <strong>de</strong>termina que o<br />

Código Civil será aplicado naquilo que não for incompatível com as leis especiais que<br />

tratem <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> fiduciária. É o caso. Sendo assim, as disposições gerais do Código<br />

Civil referentes aos direitos reais <strong>de</strong> garantia aplicam-se tanto à proprieda<strong>de</strong> fiduciária <strong>de</strong><br />

bens móveis quanto <strong>de</strong> imóveis.<br />

Quanto à <strong>possibilida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> alienar, já foi visto anteriormente que o credor fiduciário<br />

não tem po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> alienar o bem imóvel dado em garantia enquanto a proprieda<strong>de</strong> não se<br />

consolidar em seu nome. Sendo assim, não po<strong>de</strong>ria ele <strong>gravar</strong> o bem com hipoteca. Uma


vez registrada a proprieda<strong>de</strong> fiduciária sobre o imóvel, essa inscrição estabelece uma<br />

priorida<strong>de</strong> exclu<strong>de</strong>nte da <strong>possibilida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> gravá-lo com a hipoteca.<br />

Vale trazer a lume, ainda, o conceito <strong>de</strong> PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO, ou seja,<br />

uma massa patrimonial diferenciada do restante do patrimônio do titular por permanecer<br />

imune às instabilida<strong>de</strong>s que o patrimônio não afetado possa vir a sofrer.<br />

Reforçando a idéia <strong>de</strong> inalienabilida<strong>de</strong> do bem dado em proprieda<strong>de</strong> fiduciária, temse<br />

o fato <strong>de</strong> que embora a proprieda<strong>de</strong> do bem seja do credor fiduciário, trata-se <strong>de</strong><br />

patrimônio imune à ação <strong>de</strong> terceiros. Fica ele reservado ao fim que lhe originou: satisfazer<br />

seu direito <strong>de</strong> crédito, caso não ocorra o adimplemento. Sendo assim, ainda que o credor<br />

fiduciário venha a falir, não po<strong>de</strong>rão seus credores penhorar o bem objeto <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong><br />

fiduciária. Nesse sentido, tem-se a Súmula 242 do Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos:<br />

O bem alienado fiduciariamente não po<strong>de</strong> ser objeto <strong>de</strong> penhora nas execuções<br />

ajuizadas contra o fiduciário.<br />

Como bem salientam FARIAS & ROSENVALD (2006:373), os créditos<br />

<strong>de</strong>positados pelo fiduciante até po<strong>de</strong>m ser atingidos pelas dívidas do fiduciário. Basta que<br />

os credores <strong>de</strong>ste intimem o <strong>de</strong>vedor fiduciante para que não mais pague as prestações para<br />

o credor originário (art. 671, CPC). O que não lhes assiste é direito sobre o bem dado em<br />

proprieda<strong>de</strong> fiduciária.<br />

Esses mesmos autores divi<strong>de</strong>m essa opinião, <strong>de</strong>finindo afetação patrimonial como<br />

uma "restrição pela qual <strong>de</strong>terminados bens que se encontram no patrimônio <strong>de</strong> uma pessoa<br />

serão tratados como bens in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do patrimônio geral da pessoa" (2006: 372). É o<br />

que ocorre na proprieda<strong>de</strong> fiduciária, reforçando a im<strong>possibilida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> o credor fiduciário<br />

hipotecar o imóvel.


Uma vez vista a im<strong>possibilida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> o credor fiduciário <strong>gravar</strong> com hipoteca o bem<br />

registrado com proprieda<strong>de</strong> fiduciária, tem-se que estudar a <strong>possibilida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> o <strong>de</strong>vedor<br />

fiduciante fazê-lo. A resposta, porém, é igualmente negativa, conforme se explica a seguir.<br />

Ao <strong>gravar</strong> um bem com a proprieda<strong>de</strong> fiduciária, o <strong>de</strong>vedor fiduciante transfere para<br />

o credor fiduciário a proprieda<strong>de</strong>, permanecendo com a posse direta. Per<strong>de</strong><br />

temporariamente, portanto, a plenitu<strong>de</strong> da proprieda<strong>de</strong>, até adimplir sua dívida.<br />

Não po<strong>de</strong> o <strong>de</strong>vedor, portanto, <strong>gravar</strong> o bem com hipoteca, enquanto perdurar a<br />

proprieda<strong>de</strong> fiduciária do credor fiduciante. Isso porque não se po<strong>de</strong> dar em hipoteca – ônus<br />

real que implica <strong>possibilida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> perda da proprieda<strong>de</strong> – <strong>de</strong> bem que pertence a terceiro<br />

(art. 1.420, CC/02). Sendo assim, enquanto perdurar o ônus da proprieda<strong>de</strong> fiduciária, não<br />

po<strong>de</strong>rá o credor fiduciante hipotecar um bem que não está em sua proprieda<strong>de</strong>.<br />

5. CONCLUSÃO<br />

Como se vê, uma vez inscrita a proprieda<strong>de</strong> fiduciária, esta estabelece uma<br />

priorida<strong>de</strong> exclu<strong>de</strong>nte do direito <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> hipoteca. Ou seja: embora ambas – hipoteca<br />

e proprieda<strong>de</strong> fiduciária – sejam direitos reais <strong>de</strong> garantia, a prévia inscrição da proprieda<strong>de</strong><br />

fiduciária impe<strong>de</strong> que o mesmo imóvel seja gravado posteriormente com hipoteca.<br />

Isso vale tanto para o credor fiduciário quanto para o <strong>de</strong>vedor fiduciante. Registrada<br />

a proprieda<strong>de</strong> fiduciária, ambos não chegam a <strong>de</strong>ter po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> alienação do imóvel. O<br />

<strong>de</strong>vedor fiduciante porque transfere, no curso da duração da obrigação a ser adimplida, a<br />

proprieda<strong>de</strong> do imóvel para o credor fiduciário. O credor fiduciário porque, embora<br />

proprietário, não po<strong>de</strong> dispor do bem até que se consoli<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitivamente a proprieda<strong>de</strong> em<br />

seu nome. Isso só ocorrerá se o <strong>de</strong>vedor não cumprir a obrigação. Sendo assim, o imóvel<br />

dado em proprieda<strong>de</strong> fiduciária integra seu patrimônio, mas <strong>de</strong> forma afetada.


O art. 1.420 do Código Civil estipula que só bens alienáveis po<strong>de</strong>m ser gravados<br />

por direitos reais <strong>de</strong> garantia e que só quem po<strong>de</strong> alienar po<strong>de</strong> <strong>gravar</strong> um bem com tais<br />

direitos. O art. 1.420, embora só trate do penhor, da anticrese e da hipoteca, é disposição<br />

geral sobre os direitos reais <strong>de</strong> garantia, entre os quais se inclui a proprieda<strong>de</strong> fiduciária.<br />

Sendo assim, a ela se aplica, tendo sido recepcionado pelo art. 1.368-A do Código Civil no<br />

que ser refere tanto a bens móveis quanto imóveis.<br />

Conclui-se, com isso, que, uma vez registrada a proprieda<strong>de</strong> fiduciária sobre um<br />

imóvel, nem o credor fiduciário nem o <strong>de</strong>vedor fiduciante po<strong>de</strong>m hipotecar o mesmo bem,<br />

enquanto perdurar a proprieda<strong>de</strong> fiduciária.<br />

5. BIBLIOGRAFIA<br />

BRASIL, Lei 6.015, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1973. Dispõe sobre os registros públicos e dá<br />

outras providências. Disponível em: . Acesso em: 04 abr. 2007.<br />

BRASIL, Lei 9.514, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1997. Dispõe sobre o Sistema Financeiro<br />

Imobiliário, institui a alienação fiduciária <strong>de</strong> coisa imóvel e dá outras providências.<br />

BRASIL, Lei 10.406, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002. Código Civil Brasileiro. Disponível em: .<br />

Acesso em: 16 out. 2007.<br />

CARVALHO, Afrânio <strong>de</strong>. Registro <strong>de</strong> Imóveis. 4ª ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1998.<br />

FARIAS, Cristiano Chaves <strong>de</strong>. ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 3ª ed. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Lumen Iuris, 2006.<br />

MONTES, Angel Cristóbal Montes. Direito Imobiliário Registral. Porto Alegre: Sergio<br />

Antonio Fabris, 2005.


Elaborado em 10.2007.<br />

* advogada em Belo Horizonte (MG).<br />

Disponível em:< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.aspid=10609><br />

Acesso em.: 08 nov 2007

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!