Conceitos e princÃpios para o ensino da LÃngua ... - Comunidades
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<strong>Conceitos</strong> e princípios<br />
<strong>para</strong> o <strong>ensino</strong> <strong>da</strong><br />
Língua Portuguesa<br />
-<br />
s conceitos e princípios que serão abor<strong>da</strong>dos neste capítulo<br />
servirão de base <strong>para</strong> as demais explanações do discurso ao longo do<br />
presente material, uma vez que a maioria <strong>da</strong>s pessoas utiliza as palavras<br />
"linguagem", "língua" e "fala" <strong>para</strong> designar a mesma reali<strong>da</strong>de. Porém,<br />
do ponto de vista linguístico, esses termos não devem ser confundidos.<br />
E evidente que a distinção que se faz entre "linguagem", "língua"<br />
e "fala" tem caráter meramente metodológico, pois esses três conceitos<br />
revelam aspectos diferentes de um processo amplo, a comunicação<br />
humana. Isso, provavelmente, explica o motivo por que as pessoas<br />
empregam essas palavras <strong>para</strong> designar a mesma reali<strong>da</strong>de. O enfoque<br />
também será <strong>da</strong>do às variações linguísticas, já que no interior de uma<br />
mesma língua, há muitas variações.<br />
No entanto, tais assuntos não têm a intenção de se esgotar aqui.<br />
Sugere-se o trabalho expansivo a que o conhecimento está subordinado:<br />
a pesquisa <strong>para</strong> complementar as leituras com textos variados sobre<br />
o conteúdo, tendo como objetivo proporcionar outras instigantes reflexões<br />
acerca do <strong>ensino</strong> <strong>da</strong> língua materna no cotidiano escolar.<br />
Linguagem<br />
•<br />
Atribui-se o nome de linguagem a todo sistema de sinais convencionais<br />
que permite a realização de atos de comunicação. E o meio pelo qual<br />
a expressão de sentimentos, ideias, desejos e pensamentos se concretiza,<br />
por isso ela está presente em to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong>des humanas. A linguagem se<br />
origina <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de do homem comunicar-se com o outro e consigo<br />
mesmo, já que é impossível transmitir informações mente a mente.
A linguagem é um fenómeno natural equivalente <strong>para</strong> todos os homens,<br />
ain<strong>da</strong> que se manifeste em línguas que se fizeram historicamente<br />
desiguais. Camara Jr. (1977, p. 159) propõe a seguinte definição:<br />
"Linguagem. Facul<strong>da</strong>de que tem o homem de exprimir seus estados<br />
mentais por meio de um sistema de sons vocais chamado língua, que os<br />
organiza numa representação compreensiva em face do mundo exterior<br />
objetivo e do mundo subjetivo interior".<br />
Assim, observa-se que são bastante estreitos os laços entre pensamento<br />
e linguagem. O homem desenvolveu sua inteligência graças à<br />
linguagem e seu aperfeiçoamento. Enquanto o animal, sem linguagem,<br />
não evolui, o homem tem imensas possibili<strong>da</strong>des de transformações.<br />
Há inúmeras linguagens: a linguagem dos surdos, a linguagem dos<br />
sinais de trânsito, etc. De acordo com o sistema dè sinais que o indiví-<br />
| duo se utiliza, costuma-se dividir a linguagem em<br />
WÊ JSÈJf i<br />
3 verbal e não verbal.<br />
10<br />
Linguagem verbal: é aquela cujos sinais<br />
utilizados <strong>para</strong> atos de comunicação são as<br />
palavras. A língua utiliza<strong>da</strong> <strong>para</strong> atos de comunicação<br />
é língua verbal. A palavra verbal<br />
provém do latim verbale, que, por sua vez,<br />
provém de verbu, que significa palavra.<br />
Semáforo, exemplo d<<br />
linguagem não verbal<br />
Linguagem não verbal: é aquela que utiliza<br />
<strong>para</strong> atos de comunicação outros sinais que<br />
não as palavras. Por exemplo: o conjunto de<br />
sinais de trânsito utilizado <strong>para</strong> orientar motoristas,<br />
as bandeiras que orientam os pilotos<br />
em corri<strong>da</strong>s de automóveis, os gestos, mímicas,<br />
desenhos, símbolos, etc.<br />
Língua<br />
Língua não se confunde, pois, com linguagem. A língua faz parte<br />
<strong>da</strong> linguagem. Segundo Saussure (1949, p. 25), "ela [a língua] é ao mesmo<br />
tempo um produto social <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de <strong>da</strong> linguagem e um conjunto<br />
de convenções necessárias, adota<strong>da</strong>s pelo corpo social <strong>para</strong> permitir<br />
o exercício dessa facul<strong>da</strong>de nos indivíduos".
De modo geral, ca<strong>da</strong> país tem sua língua. É o que se chama língua<br />
comum ou nacional. Assim, na França, fala-se francês e, no Japão, japonês.<br />
Há, porém, países com mais de uma língua nacional - a Suíça, por<br />
exemplo, tem três línguas nacionais. Por outro lado, uma língua pode<br />
ser comum a mais de um país — é o caso do Português, língua nacional<br />
de Portugal e do Brasil.<br />
De acordo com Terra (2002, p. 13),<br />
o caráter social <strong>da</strong> língua é facilmente percebido quando levamos<br />
em conta que ela existe antes mesmo de nós nascermos:<br />
ca<strong>da</strong> um de nós já encontra a língua forma<strong>da</strong> e em funcionamento,<br />
pronta <strong>para</strong> ser usa<strong>da</strong>. E mesmo quando deixarmos de<br />
existir, a língua subsistirá independente de nós.<br />
Dessa forma, observa-se que a língua é exterior aos indivíduos e, por<br />
isso, não pode ser cria<strong>da</strong> ou modifica<strong>da</strong> por apenas um deles. Ela só existe<br />
em decorrência de uma espécie de "contrato coletivo" que se estabeleceu<br />
entre as pessoas e ao qual todos aderiram. Segundo Barthes (1999, p. 10):<br />
Como instituição social, ela [a língua] não é absolutamente<br />
um ato, escapa a qualquer premeditação; é a parte social <strong>da</strong><br />
linguagem; o indivíduo não pode, sozinho, nem criá-la nem<br />
modificá-la. Trata-se essencialmente de um contrato coletivo<br />
ao qual temos de submeter-nos em bloco se quisermos comunicar;<br />
além disso, este produto social é autónomo, à maneira<br />
de um jogo com suas regras, pois só se pode manejá-lo depois<br />
de uma aprendizagem.<br />
Nesse sentido, a língua é uma instituição social de caráter abstrato.<br />
E instituição porque é uma estrutura decorrente <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de comunicação,<br />
com um conjunto de convenções necessárias <strong>para</strong> permitir<br />
o exercício <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de <strong>da</strong> linguagem aos indivíduos; é social porque,<br />
sendo exterior aos falantes, pertence à comuni<strong>da</strong>de linguística como<br />
um todo; é abstraía porque só se realiza por meio <strong>da</strong> fala.<br />
Fala<br />
Como visto, a língua é um bem público, ou seja, pertence a to<strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong>de de falantes, que pode utilizá-la como meio de comunicação.<br />
A utilização que ca<strong>da</strong> indivíduo faz <strong>da</strong> língua, a fala, por outro<br />
lado, possui um caráter privado, pertencendo exclusivamente a ca<strong>da</strong><br />
indivíduo que a utiliza. E o aspecto individual <strong>da</strong> linguagem humana.
De acordo com Dubois (1993, p. 261),<br />
A fala c uma função não instintiva, mas adquiri<strong>da</strong>, uma função<br />
de cultura. Sc o indivíduo fala, comunica sua experiência, suas<br />
ideias, suas emoções, ele deve esta facul<strong>da</strong>de ao fato de ter nascido<br />
no seio de uma socie<strong>da</strong>de. Eliminemos a socie<strong>da</strong>de, e o homem<br />
terá to<strong>da</strong>s as possibili<strong>da</strong>des de an<strong>da</strong>r; ele jamais aprenderá a<br />
falar. [...] A fala é um ato individual de vontade e inteligência.<br />
Saiba mais<br />
Psicofísico: correlação entre os fenómenos<br />
mentais e corporais.<br />
Linguística: estudo científico <strong>da</strong> linguagem.<br />
Em geral, define-se a linguística como a ciência<br />
<strong>da</strong> linguagem ou como estudo científico <strong>da</strong><br />
linguagem (SAUSSURE, 1949).<br />
Assim, Dubois confere que<br />
a fala é um ato de vontade e inteligência<br />
no qual se distinguem<br />
as combinações pelas quais o falante<br />
realiza o código <strong>da</strong> língua,<br />
com o objetivo de exprimir seu<br />
pensamento pessoal e o mecanismo<br />
psicofísico que lhe permite<br />
exteriorizar essas combinações.<br />
Variações linguísticas<br />
Os inúmeros atos de fala que se verificam numa comuni<strong>da</strong>de são,<br />
indubitavelmente, variados. Pode-se afirmar que nenhuma língua se<br />
apresenta como enti<strong>da</strong>de homogénea; ela é representa<strong>da</strong> por um conjunto<br />
de varie<strong>da</strong>des, que são, segundo Marote e Ferro, na obra Diddtica<br />
<strong>da</strong> Língua Portuguesa (1994):<br />
a) varie<strong>da</strong>des espaciais ou dialetos geográficos. Ex: o dialeto gaúcho,<br />
carioca, <strong>para</strong>naense, etc.<br />
b) varie<strong>da</strong>des de classe social ou dialetos sociais. Ex: a língua especial<br />
dos médicos, dos diferentes tipos de gíria, etc.<br />
c) varie<strong>da</strong>des de grupos de i<strong>da</strong>des ou dialetos etários. Ex: a linguagem<br />
infantil, dos jovens, etc.<br />
d) varie<strong>da</strong>des de sexo ou dialetos masculino e feminino. Ex: a linguagem<br />
específica <strong>da</strong>s mulheres, etc.<br />
e) as variações de gerações ou varie<strong>da</strong>des diacrônicas. Ex: o português<br />
arcaico, etc.<br />
De acordo com Brito (1989, p. 106), na escola é preciso salientar as<br />
varie<strong>da</strong>des linguísticas, pois a sociolinguística argumenta que "nenhuma
varie<strong>da</strong>de linguística é melhor ou pior que outra". O que existe por trás<br />
dessa ideia é um equívoco acerca <strong>da</strong>s noções de certo e errado, já que a<br />
escola de hoje não recebe apenas alunos provenientes <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s mais<br />
beneficia<strong>da</strong>s <strong>da</strong> população. A democratização <strong>da</strong> escola, ain<strong>da</strong> que falsa,<br />
trouxe em seu interior outra clientela e com ela diferenças dialetais bastante<br />
acentua<strong>da</strong>s. Assim, os professores não ministram aulas só <strong>para</strong> aqueles<br />
que pertencem a um determinado grupo social. Representantes de outros<br />
grupos estão sentados nos bancos escolares e eles falam diferente.<br />
A língua culta ou padrão não deve ser considera<strong>da</strong> a única forma de<br />
expressão do nosso idioma, principalmente pelo motivo de nossa nação ter<br />
sido construí<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> mistura entre diversos povos, com varia<strong>da</strong>s línguas,<br />
como também pela imensa extensão territorial. A distância geográfica<br />
e a ausência ou dificul<strong>da</strong>de de comunicação entre os habitantes de regiões<br />
distintas faz com que, ao fim de um período, as falas <strong>da</strong>s regiões estejam<br />
bem diferentes. Há casos em que a diferenciação regional chega a ser tanta<br />
que leva à mútua incompreensão. Um exemplo disso são os variados nomes<br />
<strong>da</strong>dos a certas coisas, de acordo com o estado do país em que se está. A<br />
abóbora (nos estados do sul do país) cha.ma.-se jerimum, no norte e nordeste;<br />
do mesmo modo, a mandioca (em São Paulo) recebe o nome de aipim,<br />
no Rio de Janeiro, e de macaxeira, nos estados do norte e nordeste. O mapa<br />
linguístico de um país dá o aspecto de uma colcha de retalhos, como afirma<br />
Bizzocchi (2006, p. 56).<br />
E evidente, segundo Cagliari, na obra Alfabetização<br />
e linguística<br />
(1991), que a variação é, de fato, uma questão mais complexa. Ela não<br />
provém apenas <strong>da</strong> evolução histórica <strong>da</strong>s línguas e de suas raízes locais, não<br />
é geograficamente delimita<strong>da</strong>, nem só aparece na socie<strong>da</strong>de estratifica<strong>da</strong><br />
à maneira <strong>da</strong>s classes e grupos ét-<br />
Sâíbâ MlâlS<br />
nicos. Ela é encontra<strong>da</strong> também<br />
i. . . Língua padrão: essa varie<strong>da</strong>de é<br />
no comportamento linguistico . , , , ...<br />
pratica<strong>da</strong> pela classe social de prestígio, segue<br />
de um indivíduo, em diferentes<br />
as regras <strong>da</strong> gramática normativa<br />
circunstâncias de sua vi<strong>da</strong>, inde- e é t i d a c o m o p a r â m e t r o p a r a a s<br />
pendentemente <strong>da</strong> classe social o u t r a s varie<strong>da</strong>des. Foi eleita como o padrão<br />
ou região a que pertença.<br />
em decorrência <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de uniformiza-<br />
„ . r , r cão de uma linguagem na qual serão registra-<br />
Para ratificar tal afirmação, .<br />
c T /onna x\s os documentos<br />
Faraco e Tezza (2003, p. 25) ex- e Q s f a t Q $ d a s o c i e d a d e<br />
põem que "ca<strong>da</strong> um de nós, na
ver<strong>da</strong>de, fala muitas línguas". A conversa com os amigos de todo dia não<br />
tem a mesma gramática <strong>da</strong> conversa com os desconhecidos; o bate-papo<br />
de uma festa não tem a mesma estrutura do bate-papo em sala de aula, o<br />
vocabulário no campo de futebol é diferente do vocabulário pedindo um<br />
emprego, e assim por diante. Segundo os referidos autores, "ca<strong>da</strong> indivíduo<br />
é assim um processador de linguagens: de acordo com o momento,<br />
com as intenções, com a pessoa com quem se fala, mu<strong>da</strong>-se a linguagem"<br />
(FARACO; TEZZA, 2003, p. 25).<br />
Diante dessa discussão, considera-se que os modos diferentes de<br />
falar acontecem porque a Língua Portuguesa, como qualquer outra língua,<br />
tem caráter dinâmico, em outras palavras, está sempre em transformação.<br />
Pelos usos diferenciados ao longo do tempo e nos mais diversos<br />
grupos sociais, as línguas passam a existir como um conjunto de falares<br />
diferentes ou dialetos, ca<strong>da</strong> qual apresentando suas peculiari<strong>da</strong>des com<br />
relação a alguns aspectos linguísticos.<br />
Assim, <strong>para</strong> Possenti (1996, p. 10), "impor a um grupo social os<br />
valores de outro grupo, <strong>da</strong>do que a língua padrão é de fato o dialeto<br />
14 çlos grupos sociais mais favorecidos, tornar seu <strong>ensino</strong> obrigatório <strong>para</strong><br />
os grupos sociais menos favorecidos, como se fosse o único dialeto válido,<br />
seria uma violência cultural". Também Massini-Cagliari, na obra<br />
O texto na alfabetização (2001), coloca que o <strong>ensino</strong> <strong>da</strong> norma culta,<br />
por si só, não assume um caráter discriminador dos outros dialetos <strong>da</strong><br />
língua. Entretanto, o desconhecimento <strong>da</strong> norma culta pode funcionar<br />
como um fator gerador de discriminação, pois esta não é somente um<br />
dialeto <strong>da</strong> língua, mas é um modo de falar prestigioso. Por esse motivo,<br />
é de fun<strong>da</strong>mental importância que a norma culta seja apresenta<strong>da</strong> aos<br />
falantes <strong>da</strong> língua, principalmente aos dialetos estigmatizados. E importante<br />
que ela seja mostra<strong>da</strong> como um dialeto real <strong>da</strong> língua, que tem<br />
estruturas e usos específicos, e não a partir de regras e exercícios que não<br />
ensinam nem descrevem a ver<strong>da</strong>deira estrutura linguística dessa varie<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> língua, como ocorre na gramática normativa escolar.<br />
Na sala de aula, sugere-se que o professor trabalhe prioritariamente<br />
com ativi<strong>da</strong>des de linguagem em que o aluno possa fazer ações com<br />
a linguagem, jogando com interlocutores, levando o outro em consideração<br />
no momento de tecer o seu discurso, <strong>para</strong> adequá-lo a ele e à<br />
situação no processo de interlocução. E o domínio <strong>da</strong> linguagem que<br />
deve ser priorizado.