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versão completa em PDF - Escola de Enfermagem - UFMG

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Espaço e gênero: o cotidiano <strong>de</strong> moradores <strong>de</strong> área endêmica para esquistossomose no Vale do Jequitinhonha<br />

lavar vasilhas, roupas e, às vezes, tomar banho. Várias<br />

outras utilizam apenas águas dos córregos e <strong>de</strong> minas<br />

<strong>de</strong> água para suprir as necessida<strong>de</strong>s domésticas por não<br />

ter<strong>em</strong> condições <strong>de</strong> encanar água <strong>de</strong> nascente.<br />

Foram realizadas entrevistas s<strong>em</strong>i-estruturadas sobre<br />

os hábitos e as práticas da população <strong>em</strong> relação às<br />

ativida<strong>de</strong>s domésticas, <strong>de</strong> trabalho e lazer com seis<br />

famílias (pais e crianças maiores <strong>de</strong> 12 anos) no total<br />

<strong>de</strong> 43 indivíduos. Foram incluídas no estudo famílias<br />

compostas por pai, mãe e filhos, que aceitaram<br />

participar. A coleta <strong>de</strong> informações foi consi<strong>de</strong>rada<br />

<strong>completa</strong> quando ocorreu a saturação teórica, ou seja,<br />

quando não foram mais encontrados dados novos ou<br />

adicionais <strong>em</strong> nenhum grupo. As entrevistas tiveram<br />

duração <strong>de</strong>, aproximadamente, 40 minutos e foram<br />

gravadas e transcritas na íntegra levando s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong><br />

consi<strong>de</strong>ração as expressões e regionalismos locais, além<br />

<strong>de</strong> ser<strong>em</strong> registradas também as práticas cotidianas dos<br />

moradores.<br />

Este estudo foi aprovado pelo Comitê Nacional <strong>de</strong> Ética<br />

<strong>em</strong> Pesquisa sob o nº 683/99. Todos os participantes<br />

foram esclarecidos sobre o objetivo do estudo, o<br />

anonimato e assinaram o Termo <strong>de</strong> Consentimento Livre<br />

e Esclarecido.<br />

A análise dos dados foi feita baseada nos passos da<br />

Teoria Fundamentada nos Dados 13 e realizada <strong>em</strong><br />

duas etapas. Na primeira, fez-se a i<strong>de</strong>ntificação das<br />

categorias <strong>em</strong>ergentes com base no exame do conjunto<br />

das <strong>de</strong>scrições das famílias. A segunda envolveu um<br />

processo <strong>de</strong> análise <strong>em</strong> profundida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada família,<br />

buscando compreen<strong>de</strong>r a dinâmica <strong>de</strong> funcionamento,<br />

as práticas e as representações <strong>de</strong> seus m<strong>em</strong>bros.<br />

Os dados obtidos por meio das duas abordagens<br />

permitiram que as categorias <strong>em</strong>ergentes do estudo<br />

foss<strong>em</strong> agrupadas <strong>em</strong> trabalho, lazer e aspectos ligados<br />

à educação e à formação. A coleta <strong>de</strong> informações foi<br />

consi<strong>de</strong>rada <strong>completa</strong> quando ocorreu a saturação<br />

teórica, ou seja, quando não foram mais encontrados<br />

dados novos ou adicionais <strong>em</strong> nenhum grupo.<br />

RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

A compreensão do cotidiano das famílias <strong>de</strong> Virg<strong>em</strong><br />

das Graças permitiu observar que as práticas dos sujeitos<br />

no dia-a-dia, a relação com a fase da vida na qual se<br />

encontram, com os diversos ambientes por on<strong>de</strong> circulam<br />

e com os outros <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong>-se <strong>em</strong> três dimensões<br />

inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes: o espaço, o gênero e as relações<br />

microssociais. Tais dimensões estão presentes <strong>de</strong> modo<br />

transversal nas categorias que <strong>em</strong>ergiram dos resultados<br />

relacionadas ao trabalho, ao lazer e a alguns aspectos<br />

ligados à educação e à formação <strong>de</strong>les. Ao analisá-las,<br />

<strong>de</strong>preen<strong>de</strong>-se que há representações e práticas que<br />

são comuns entre as pessoas <strong>de</strong> várias famílias e as<br />

que são singulares <strong>de</strong> uma família como instância<br />

produtora <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>. Há <strong>de</strong>terminadas práticas<br />

que, ao ser<strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvidas, tend<strong>em</strong> a modificar e a<br />

possibilitar a reinvenção <strong>de</strong> maneiras <strong>de</strong> ser no seio do<br />

casal, da família, do contexto da vida social e do trabalho.<br />

A questão é literalmente reconstruir o conjunto das<br />

modalida<strong>de</strong>s do ser <strong>em</strong> grupo, por mutações existenciais<br />

que diz<strong>em</strong> respeito à essência da subjetivida<strong>de</strong>.<br />

Em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> se pertencer a uma família<br />

que compartilha práticas com outras, mas que,<br />

simultaneamente, experimenta situações incitadoras<br />

<strong>de</strong> novas significações e vivências, é que os indivíduos<br />

acabam por se expor ao maior ou menor risco <strong>de</strong><br />

infecção pelo Shistosoma mansoni e <strong>de</strong> outras doenças.<br />

Alcança um <strong>de</strong>staque singular, aqui, as práticas marcadas<br />

pelas questões <strong>de</strong> gênero e que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser analisadas<br />

mais amplamente como relações e socializações ligadas<br />

ao po<strong>de</strong>r social.<br />

Em relação ao trabalho como modo <strong>de</strong> sobrevivência,<br />

os respon<strong>de</strong>ntes mostram formas diferenciadas <strong>de</strong> falar<br />

sobre o trabalho <strong>em</strong> si, que estabelece a geração <strong>de</strong><br />

renda familiar e constitui produto <strong>de</strong> um esforço coletivo.<br />

Para alguns, o trabalho coletivo é visto como meio, ou<br />

seja, <strong>em</strong> uma perspectiva que é primeiramente utilitária.<br />

Assim, é comum os sujeitos assumir<strong>em</strong> tarefas <strong>de</strong> que<br />

não gostam, mas que se sent<strong>em</strong> obrigados a realizar.<br />

O fato <strong>de</strong> indivíduos <strong>de</strong> área endêmica estar<strong>em</strong><br />

frequent<strong>em</strong>ente expostos à infecção pelo Shistosoma<br />

mansoni advém da falta <strong>de</strong> opção <strong>de</strong> trabalho diferenciado<br />

e da obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> executar <strong>de</strong>terminadas tarefas<br />

no lar e na agricultura para sua própria subsistência,<br />

que t<strong>em</strong> relação com contato com água. 9,10,11,12 Pelo<br />

fato <strong>de</strong> residir<strong>em</strong> <strong>em</strong> uma área endêmica, esperavase<br />

que a preocupação <strong>em</strong> relação à doença estivesse<br />

presente no cotidiano <strong>de</strong>las. Entretanto, os sintomas<br />

da doença passam <strong>de</strong>spercebidos e o adoecer só se<br />

concretiza <strong>em</strong> um estágio grave, quando há perda <strong>de</strong><br />

suas ativida<strong>de</strong>s cotidianas. De fato, estudo realizado <strong>em</strong><br />

outra área endêmica para esquistossomose, também<br />

<strong>em</strong> Minas Gerais, 14,15 mostrou que a esquistossomose,<br />

na ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s dos moradores, per<strong>de</strong> para<br />

diferentes probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong>ntre os quais a própria questão<br />

<strong>de</strong> sobrevivência e a presença <strong>de</strong> outras doenças<br />

como hipertensão, probl<strong>em</strong>as cardiovasculares e<br />

neurológicos.<br />

Pô<strong>de</strong>-se constatar que o trabalho coletivo é uma<br />

prática <strong>de</strong>terminada pelas relações objetivas materiais<br />

<strong>de</strong> produção da existência no lugarejo. Por essa razão,<br />

é vivenciado <strong>de</strong> forma s<strong>em</strong>elhante pelos moradores<br />

entrevistados. Juntos, os m<strong>em</strong>bros da família trabalham<br />

na roça, andam pelos mesmos lugares, atravessam<br />

os mesmos córregos e beb<strong>em</strong> a mesma água. Filhas<br />

trabalham com as mães nas ativida<strong>de</strong>s domésticas<br />

ajudando-as s<strong>em</strong>pre e muitas vezes levam o almoço<br />

para os que estão na roça. Filhos ajudam os pais a<br />

limpar córrego, a fazer canais e a <strong>de</strong>sentupir os canos<br />

que transportam água do córrego até as casas. Por<br />

isso, é comum que os familiares tenham contato com<br />

água, nos mesmos locais, na realização das ativida<strong>de</strong>s<br />

do cotidiano.<br />

Alguns familiares atribu<strong>em</strong> ao trabalho coletivo<br />

valores pessoais, diferent<strong>em</strong>ente da perspectiva<br />

<strong>de</strong> obrigatorieda<strong>de</strong> referida anteriormente. Nessa<br />

42 r<strong>em</strong>E – Rev. Min. Enferm.;12(1): 40-47, jan./mar., 2008

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