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Gomes Coelho

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a « prender o melro por a asa » — foi a frase imaginosa, da qual João<br />

da Esquina se serviu.<br />

— O pior há-de ser o pai ; mas segura-me tu o rapaz, que eu<br />

depois tomarei a meu cargo a empresa — dizia ele.<br />

Conspirados assim os dois, sentiam-se radiosos de esperanças<br />

no futuro.<br />

João da Esquina estava de tão condescendente disposição de<br />

espírito, que a sua cara-metade aventurou um pedido :<br />

— Agora para seres bonito, João, dévias tomar arsénico.<br />

O tendeiro deu um murro no mostrador.<br />

— Não te calarás com isso, Teresa !<br />

Aí ficam expostas as razões dos sorrisos, com que o próprio João<br />

da Esquina recebeu Daniel, à segunda visita.<br />

A mãe conduziu-o aos aposentos da menina, e teve o discreto<br />

cuidado de se distrair à janela, enquanto Daniel interrogava a doente.<br />

O sistema de tratamento encetado continuou, e com igual êxito.<br />

Daniel desta vez ao retirar-se, levava já a autorização para continuar<br />

por escrito as consolações principiadas vocalmente.<br />

A Sr." Teresa não deixou sair Daniel sem que ele visse todas as<br />

obras de croché das industriosas mãos da menina, e os modelos caligráficos,<br />

que escrevera na mestra. De passagem, disse-lhe também<br />

que ela havia aprendido os verbos, coisas que pouca gente sabia na<br />

terra.<br />

A Sr.* Teresa possuía fé, quase supersticiosa, nesta ciência dos<br />

verbos.<br />

João da Esquina quis obrigar Daniel a beber um cálice de vinho,<br />

do que ele a muito custo conseguiu dispensar-se.<br />

Da rua, Daniel voltou-se para cima, e, vendo à janela a descendente<br />

dos Esquinas, cortejou-a com um sorriso cheio de amabilidade.<br />

um cotovelão da Sr." Teresa fez notar ao marido esta circunstância.<br />

O homem conseguiu arranjar um gesto de finura, e recomendou<br />

gravidade.<br />

Naquela tarde, Daniel, escrevendo a um seu antigo condiscípulo,<br />

dizia, entre outras coisas, o seguinte:<br />

«Participo-te que se está desenvolvendo em mim o gosto pelo<br />

género campestre. Principio a achar mais dignas do pincel do artista<br />

estas formosuras expressivas e, quase direi, enérgicas da aldeia, do<br />

que as sempre monòtonamente lánguidas maravilhas da cidade. Pena<br />

é que o reconhecesse um tanto tarde. Resta-me já pouco alento para<br />

empresas de rapaz, e, demais, a minha nova posição social obriga-me<br />

a uma seriedade que me tolhe a acção. Agora só devo aspirar às doçuras<br />

emolientes do lar conjugai. Não obstante, andam-me a tentar uns<br />

olhos pretos, e eu não sei se sustentarei o equilíbrio por muito tempo.<br />

Encomenda a todos os santos a manutenção da minha sisudez, se não<br />

queres ver perdida a fama do teu amigo, no ninho seu paterno.»

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