a antecipação terapêutica de fetos anencefálicos - Fabsoft - Cesupa

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Pois bem, se um homem não pode ser forçado a ceder pequena quantidade de
sangue para realização do exame de DNA, em face de sua incolumidade corporal,
privando o filho da verdade real acerca de sua paternidade, como se poderá pretender
não ofender a incolumidade corporal de uma mãe (no parto a mãe certamente perderá
mais do que uma pequena porção de sangue), obrigá-la a prosseguir na gestação (por 9
meses) contra sua vontade e a espera de um ser sem qualquer viabilidade de vida
A Constituição da República, ainda, deixou claro que as pessoas devem gozar da
liberdade de consciência e crença (art. 5º, VI). Quanto a este aspecto, registre-se,
inicialmente, o equívoco em se convidar para serem ouvidas, nas audiências públicas
realizadas no curso da ADPF 54, algumas entidades religiosas. O convite e a pressão de
diversos grupos religiosos apenas revela a natureza religiosa que permeia todo o debate
sobre o aborto e que, em face justamente do normativo contido no art. 5º, VI da
Constituição brasileira, jamais poderá ser levada em consideração para permitir ou proibir
condutas.
O Estado laico brasileiro, enquanto não for emendada a Constituição, jamais poderá
impor uma crença aos seus cidadãos, ainda que de modo majoritário.
Isto não significa, porém, que o Estado brasileiro não possa definir alguns bens
como relevantes, atribuindo-lhes valores intrínsecos. Poderá proibir certas atividades
industriais lesivas ao meio ambiente, às espécies em risco de extinção ou às futuras
gerações. Poderá, igualmente, proibir que os proprietários destruam seus prédios, acaso
tenham valor arquitetônico histórico 32 . Não poderá, ainda assim, proibir o aborto.
Afinal, neste caso “o efeito da coerção a pessoas específicas (as mulheres grávidas)
é muito maior. Criminalizar o aborto poderá destruir a vida de uma mulher. Proteger a
arte, os edifícios históricos, [...] raramente é tão prejudicial para pessoas específicas” 33 .
Frise-se, ainda, que a atribuição de um valor intrínseco à vida depende de
convicções infinitamente mais fundamentais “para a totalidade de nossa personalidade
moral do que nossas convicções sobre a cultura ou as espécies ameaçadas, ainda que
estas também impliquem valores intrínsecos” (DWORKIN, (2009, p. 216).
Assim, se é verdade que o Estado poderá tutelar alguns bens por lhes atribuir
valores intrínsecos, é também verdade que deverão ser respeitados os limites fixados
pelas liberdades individuais, pelo que, conclui, acertadamente, Dworkin (2009, p. 220)
que não se pode restringir a liberdade individual, ainda que se pretenda a proteção de um
valor intrínseco, quando:
32 Os exemplos são fornecidos por Dworkin (2009, p. 208).