trabalho em condições análogas à de escravo ... - Fabsoft - Cesupa
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272<br />
A AÇÃO DO SOFT LAW NO CONTROLE NÃO CONVENCIONAL NO BRASIL:<br />
TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO, EM ESPECIAL<br />
NAS REGIÕES RURAIS DO SUL DO PARÁ.<br />
LUCIANA PIMENTA PIRES 1<br />
Resumo: O artigo procura estabelecer a partir das <strong>condições</strong> históricas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do<br />
<strong>trabalho</strong> no Brasil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a utilização do <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong> e da cultura estabelecida <strong>em</strong> torno <strong>de</strong>le,<br />
as formas atuais <strong>de</strong> combate ao <strong>trabalho</strong> <strong>em</strong> <strong>condições</strong> <strong>análogas</strong> a <strong>de</strong> <strong>escravo</strong> no Brasil e no<br />
mundo, mas <strong>de</strong>stacando a importância dos instrumentos não convencionais <strong>de</strong> controle como<br />
aqueles classificados como soft Law. O <strong>trabalho</strong> <strong>de</strong>dica especial enfoque ao probl<strong>em</strong>a no interior<br />
do Pará, on<strong>de</strong> o <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong> também está ligado aos probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> acesso <strong>à</strong> terra.<br />
Palavras-chave: Trabalho <strong>em</strong> <strong>condições</strong> <strong>análogas</strong> <strong>à</strong> <strong>de</strong> <strong>escravo</strong>; sist<strong>em</strong>a internacional <strong>de</strong><br />
proteção; direitos humanos; Soft Law; conflitos no Pará.<br />
THE ACTION OF SOFT LAW IN NON-CONVETIONAL CONTROL IN BRAZIL:<br />
UNDER CONDITIONS SIMILAR WORK OF THE SLAVE, ESPECIALLY IN<br />
RURAL REGIONS IN SOUTH OF PARÁ<br />
Abstract: The article seeks to establish from the historical conditions of the <strong>de</strong>velopment work in<br />
Brazil on the use of slave labor and culture established around it, ways to combat current work in<br />
conditions analogous to slavery in Brazil and abroad, but highlighting the importance of<br />
unconventional instruments of control as those classified as soft Law. The paper pays particular<br />
approach to the probl<strong>em</strong> insi<strong>de</strong> of Para, where slave labor is also linked to probl<strong>em</strong>s of access to<br />
land.<br />
Key-words: Work in a position similar to that of slave, international syst<strong>em</strong> of protection, human<br />
rights, Soft Law; conflicts in Pará.<br />
1 Bacharel <strong>em</strong> Direito pelo Centro Universitário do Pará – CESUPA.
272<br />
1 INTRODUÇÃO<br />
Perceber o mundo globalizado é fundamental para compreen<strong>de</strong>r o mundo<br />
<strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>os. Nunca as relações internacionais foram tão estreitas como nos<br />
dias <strong>de</strong> hoje. A inter<strong>de</strong>pendência econômica entre os países <strong>de</strong>vido ao sist<strong>em</strong>a<br />
capitalista é fator fundamental para este acontecimento. Porém este não é o<br />
único fator que une as nações. A preocupação com o hom<strong>em</strong> também é fator <strong>de</strong><br />
união global.<br />
Os Direitos Humanos nasceram com o intuito <strong>de</strong> proteger os direitos<br />
fundamentais do hom<strong>em</strong> através dos princípios da igualda<strong>de</strong>, liberda<strong>de</strong> e<br />
dignida<strong>de</strong> da pessoa humana. Entretanto, no <strong>de</strong>correr da história e com o<br />
caminhar <strong>de</strong> sua evolução, a luta pela proteção dos direitos fundamentais<br />
adquiriu proporções internacionais e obteve gran<strong>de</strong>s conquistas através da tutela<br />
<strong>de</strong> seus princípios pelo Direito Internacional. Com a realização <strong>de</strong> inúmeros<br />
Tratados e Convenções <strong>de</strong> proteção aos Direitos Humanos, diversas nações do<br />
mundo assumiram o compromisso <strong>de</strong> proteger e assegurar aqueles direitos mais<br />
preciosos pertencentes ao hom<strong>em</strong>.<br />
Porém a socieda<strong>de</strong> caminha <strong>em</strong> direção ao futuro rapidamente e, as<br />
mudanças ocorr<strong>em</strong> <strong>em</strong> um piscar <strong>de</strong> olhos, e o direito, como mecanismo<br />
normatizador <strong>de</strong> qualquer socieda<strong>de</strong>, necessita acompanhar esse avanço para<br />
não tornar-se ultrapassado e ineficaz.<br />
Assim, a partir <strong>de</strong>stas inúmeras transformações surg<strong>em</strong> novas formas <strong>de</strong><br />
regulação que, somando-se ao direito, irão regrar e mo<strong>de</strong>lar o comportamento<br />
dos atores sociais a fim <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r aos interesses da coletivida<strong>de</strong>.<br />
Neste contexto do Direito Internacional está inserido o sist<strong>em</strong>a Soft Law.<br />
Trata-se <strong>de</strong> regras flexíveis que não são dotadas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r coercitivo ou passiveis<br />
<strong>de</strong> sanção, que surg<strong>em</strong> principalmente da ativida<strong>de</strong> diplomática entre os países,<br />
das documentações extraídas das Organizações Internacionais, e da pressão<br />
exercida pela mídia internacional, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarar ou reafirmar direitos. Sendo<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância a sua influência na proteção aos Direitos Humanos.<br />
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Des<strong>de</strong> que se t<strong>em</strong> notícia há exploração do hom<strong>em</strong> pelo hom<strong>em</strong>. O<br />
<strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong> é um dos principais ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong>ste fato, tendo-se<br />
conhecimento <strong>de</strong>sta prática <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os períodos mais r<strong>em</strong>otos da antiguida<strong>de</strong>. No<br />
Brasil, durante o período colonial, a escravidão negra perpetuou-se por três<br />
séculos e meio e, ainda hoje, no atual estágio <strong>de</strong> evolução da socieda<strong>de</strong>, ainda<br />
assim exist<strong>em</strong> pessoas submetidas <strong>à</strong>s mesmas <strong>condições</strong> <strong>de</strong> exploração e<br />
<strong>de</strong>sapropriadas <strong>de</strong> sua liberda<strong>de</strong>.<br />
Com a promulgação da Lei Áurea, <strong>em</strong> 1988, e <strong>de</strong> diversos Tratados e<br />
Convenções Internacionais, a prática do <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong> foi proibida no Brasil,<br />
sendo inadmissível sua existência. O que se conhece hoje <strong>em</strong> dia é o <strong>trabalho</strong><br />
<strong>em</strong> <strong>condições</strong> <strong>análogas</strong> <strong>à</strong> <strong>de</strong> <strong>escravo</strong>, prevista como um crime tanto pelo Direito<br />
Internacional, como pelo Código Penal Brasileiro <strong>em</strong> seu artigo. 149.<br />
O recordista nacional <strong>de</strong>sta prática ilícita é o Estado do Pará,<br />
principalmente nas regiões rurais do sul do Estado. Tal situação é beneficiada<br />
<strong>de</strong>vido ao difícil acesso da fiscalização <strong>à</strong>s localida<strong>de</strong>s, b<strong>em</strong> como pela condição<br />
sócio-econômica da região, on<strong>de</strong> há gran<strong>de</strong> disparida<strong>de</strong> social. Isto favorece que<br />
cidadãos pobres, que exist<strong>em</strong> <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> maioria, sejam ludibriados a acreditar<br />
que ao aceitar<strong>em</strong> trabalhar <strong>em</strong> fazendas irão obter um <strong>trabalho</strong> <strong>de</strong>cente, quando<br />
na verda<strong>de</strong> serão explorados e tolhidos <strong>de</strong> sua liberda<strong>de</strong>.<br />
Propõe-se neste <strong>trabalho</strong>, analisar <strong>de</strong> que forma o Soft Law, como um<br />
mecanismo do Direito Internacional, po<strong>de</strong> agir na proteção aos Direitos Humanos<br />
infringidos nos casos <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>em</strong> situação análoga <strong>à</strong> <strong>de</strong> <strong>escravo</strong> que ocorre<br />
no Brasil, b<strong>em</strong> como na sua influência sobre o comportamento e atuação do<br />
Estado frente este probl<strong>em</strong>a. Para tanto, consi<strong>de</strong>rar-se-á uma perspectiva<br />
histórica do <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong> até a forma e situação adquirida nos dias <strong>de</strong> hoje,<br />
através <strong>de</strong> um panorama dos Direitos Humanos e da Doutrina Internacional.<br />
Também será <strong>de</strong>stacado o sist<strong>em</strong>a Hard Law (Tratados e Convenções) e o<br />
sist<strong>em</strong>a Soft Law, do Direito Internacional, para uma melhor compreensão do<br />
assunto.<br />
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2 A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO<br />
2.1 ESCRAVIDÃO<br />
A orig<strong>em</strong> da escravidão encontra-se muito distante <strong>de</strong> nossa era atual,<br />
sendo extr<strong>em</strong>amente difícil precisar quando e on<strong>de</strong> teve início. Nas civilizações<br />
mais antigas e nos t<strong>em</strong>pos mais r<strong>em</strong>otos, <strong>de</strong>paramo-nos com a eterna “luta” dos<br />
fortes contra os fracos, pois a gran<strong>de</strong> maioria das populações era formada por<br />
<strong>escravo</strong>s, que constituíam, <strong>de</strong>pois da terra, a principal riqueza dos povos da<br />
antiguida<strong>de</strong>.<br />
“Diante dos séculos ficaram <strong>de</strong> pé os t<strong>em</strong>plos, as pirâmi<strong>de</strong>s do Egito, a<br />
Gran<strong>de</strong> Muralha Chinesa, os palácios astecas, as estradas romanas e<br />
tantos outros edifícios majestosos atestando <strong>à</strong>s gran<strong>de</strong>s gerações que<br />
se suced<strong>em</strong>, as <strong>de</strong>sprezíveis situações criadas pela escravidão,<br />
s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>sumana <strong>em</strong> seu fundamento, s<strong>em</strong>pre bárbara nos meios <strong>de</strong><br />
que lançava mão”. 2<br />
2.1.1 Escravidão no Brasil Colônia<br />
No Brasil, a impl<strong>em</strong>entação da agricultura voltada <strong>à</strong> produção alimentícia e<br />
matérias primas tropicais, direcionadas ao mercado europeu, b<strong>em</strong> como a<br />
exploração <strong>de</strong> minerais, gerou no período colônial um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> produção<br />
conhecido por escravismo colonial. 3<br />
Com a chegada dos portugueses ao país <strong>em</strong> 1500, foi necessário<br />
impl<strong>em</strong>entar uma ativida<strong>de</strong> econômica que fixasse a população <strong>à</strong> terra com o<br />
objetivo <strong>de</strong> colonizar o território, tendo sido a cana-<strong>de</strong>-açúcar o primeiro produto a<br />
ser explorado.<br />
Como sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> montag<strong>em</strong> da economia açucareira exigia muita mão-<strong>de</strong>obra,<br />
a solução encontrada foi escravizar os índios nativos da região. 4 Porém,<br />
com o crescimento econômico a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra ampliou-se, sendo<br />
este o fator crucial que influenciou na <strong>de</strong>cisão da substituição do índio pelo negro<br />
africano.<br />
2 ARAÚJO, Luis Ivani <strong>de</strong> Amorim. Direito internacional Penal: (Delicta Iuris Gentium). Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Forense. 2000. p. 102.<br />
3 ANDRADE, Manuel Correia. Abolição e reforma agrária. São Paulo: Editora Ática, 1987.<br />
4 CÁRCERES, Florival. História Geral. São Paulo: Mo<strong>de</strong>rna, 1996.<br />
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A substituição do índio pelo negro ganhou fôlego por volta <strong>de</strong> 1570,<br />
no governo <strong>de</strong> M<strong>em</strong> <strong>de</strong> Sá, e na década <strong>de</strong> 1630 já era totalida<strong>de</strong> no Brasil. Entre<br />
1500 e 1600, os <strong>escravo</strong>s africanos não ultrapassavam 50 mil, enquanto que no<br />
século seguinte este número passou para 560 mil, tendo se elevado para<br />
1.891.400 no século XVIII.<br />
Os <strong>escravo</strong>s eram tratados como mercadorias, po<strong>de</strong>ndo ser vendidos,<br />
doados, trocados, separados <strong>de</strong> seus familiares ou até mortos. Tinham a<br />
obrigação <strong>de</strong> trabalhar para justificar o capital neles investido. Sofriam diversos<br />
tipos <strong>de</strong> maus-tratos sendo pessoas humilhadas, psicologicamente fragilizadas,<br />
com orgulho ferido, com sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus familiares, amigos e da sua terra natal.<br />
“Por toda a existência, receberiam or<strong>de</strong>ns, seriam punidos por suas<br />
faltas, proibidos <strong>de</strong> formar famílias ou ter um laço sentimental<br />
duradouro. Não podiam exercer sua vonta<strong>de</strong>: estavam subordinados <strong>à</strong><br />
vonta<strong>de</strong> do senhor. Toda a sua vida cotidiana <strong>de</strong>senrolava-se <strong>em</strong><br />
função das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>terminadas pelo senhor ou pelo feitor. Sua<br />
vida estava dividida entre o <strong>trabalho</strong> e a senzala (a habitação coletiva<br />
dos <strong>escravo</strong>s), que ficava próximo <strong>à</strong> casa-gran<strong>de</strong> (a habitação do<br />
senhor), para que foss<strong>em</strong> mais b<strong>em</strong> vigiados”. 5<br />
Restava aos <strong>escravo</strong>s como melhor opção, aceitar a escravidão como<br />
forma <strong>de</strong> preservar sua própria vida e sua integrida<strong>de</strong> física. Porém, mesmo o<br />
aparente respeito aos senhores e feitores não impediu os <strong>escravo</strong>s <strong>de</strong> rebelar<strong>em</strong>se<br />
contra o sist<strong>em</strong>a, lançando várias formas <strong>de</strong> revoltas. 6<br />
“Trabalhos historiográficos recentes confirmam que, no Brasil colonial, os<br />
negros cativos não se mostraram indiferentes ou totalmente submissos a<br />
seus donos. Ao contrário, <strong>de</strong>senvolveram as mais diversas formas <strong>de</strong><br />
resistência <strong>à</strong> escravidão. Fugas, rebeliões, violência contra os senhores<br />
ou seus representantes (capatazes, feitores, etc.), pouco <strong>em</strong>penho no<br />
<strong>trabalho</strong>, formação <strong>de</strong> quilombos, abortos, suicídios, participação das<br />
irmanda<strong>de</strong>s leigas, “acordos” entre cativos e senhores e, até mesmo, os<br />
intercursos ou procedimentos sexuais, por parte da população f<strong>em</strong>inina<br />
<strong>de</strong> cativos, tudo isso fez parte <strong>de</strong> uma estratégia para uma vida menos<br />
penosa”. . 7<br />
5 CÁRCERES, Florival. História Geral. São Paulo: Mo<strong>de</strong>rna, 1996. p.229<br />
6 Id. Ibid<strong>em</strong><br />
7 MOTA , Myriam Becho. História: das cavernas ao Terceiro Milênio. São Paulo: Mo<strong>de</strong>rna, 2002,<br />
p.235<br />
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Somente no século XIX, após três séculos <strong>de</strong> exploração colonial e<br />
escravista é que teve início a luta pela libertação dos <strong>escravo</strong>s, sendo o Brasil um<br />
dos últimos países a abolir a escravidão. 8<br />
Este movimento não ocorreu tão rapidamente. Seguiu várias etapas, que<br />
se iniciou com a proibição do tráfico <strong>de</strong> africanos até a completa libertação dos<br />
negros, com a promulgação da Lei Áurea <strong>em</strong> 08 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1988.<br />
Internacionalmente, a luta contra a escravatura apresentou diversas<br />
manifestações com a aprovação <strong>de</strong> diversos Tratados e Convenções que<br />
estabeleceram regras contra o tráfico <strong>de</strong> <strong>escravo</strong>s e a escravidão. Tais<br />
legislações vislumbravam a proteção <strong>à</strong> liberda<strong>de</strong>, igualda<strong>de</strong> e dignida<strong>de</strong> do<br />
hom<strong>em</strong>, na condição <strong>de</strong> trabalhador e ser humano.<br />
Um dos documentos mais importantes e <strong>de</strong> ampla notorieda<strong>de</strong> até os dias<br />
<strong>de</strong> hoje é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada na<br />
Ass<strong>em</strong>bléia Geral das Nações Unidas <strong>em</strong> 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1948,<br />
preconizando <strong>em</strong> seu artigo IV, que “ninguém será mantido <strong>em</strong> escravidão ou<br />
servidão; a escravidão e o tráfico <strong>de</strong> <strong>escravo</strong>s serão proibidos <strong>em</strong> todas as suas<br />
formas”.<br />
2.2 O TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO<br />
Com a abolição da escravatura o <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong> <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> existir da<br />
mesma forma que a expressão “<strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong>”. É que, <strong>em</strong> não sendo a<br />
escravidão prática admitida pelo or<strong>de</strong>namento jurídico, não se po<strong>de</strong> admitir que a<br />
pessoa humana, mesmo <strong>em</strong> razão da conduta ilícita <strong>de</strong> outr<strong>em</strong>, possa vir a ser<br />
consi<strong>de</strong>rada escrava 9 . A <strong>de</strong>nominação <strong>trabalho</strong> <strong>em</strong> <strong>condições</strong> <strong>análogas</strong> <strong>à</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>escravo</strong> é, nos dias <strong>de</strong> hoje, a expressão <strong>em</strong>pregada para caracterizar a<br />
escravidão cont<strong>em</strong>porânea.<br />
“O fator <strong>de</strong>terminante para caracterizar <strong>trabalho</strong> análogo ao <strong>de</strong> <strong>escravo</strong><br />
é a proibição, direta ou indireta, do direito <strong>de</strong> ir e vir. Nesses casos, o<br />
trabalhador encontra-se submetido <strong>à</strong> exploração muito gran<strong>de</strong> e não<br />
t<strong>em</strong> <strong>condições</strong> <strong>de</strong> sair do local on<strong>de</strong> está sendo explorado. Sofre<br />
8 ANDRADE, Manuel Correia. Abolição e reforma agrária. São Paulo: Editora Ática, 1987.<br />
9 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro. Trabalho com redução do hom<strong>em</strong> <strong>à</strong> condição análoga <strong>à</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>escravo</strong> e dignida<strong>de</strong> da pessoa humana. Disponível <strong>em</strong>:<br />
http://www.mpt.gov.br/publicacoes/<strong>escravo</strong>/dignida<strong>de</strong>-<strong>trabalho</strong><strong>escravo</strong>.pdf. Acesso: 27 abr. 2006. 16:30:00.<br />
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gran<strong>de</strong> coação que po<strong>de</strong> ser:a) econômica - possui dívida contraída<br />
com o transporte para fazenda, compra <strong>de</strong> alimento, tenta pagar, mas<br />
não consegue, pois os preços são exorbitantes, superfaturados.<br />
Também ocorre quando o "gato compra o trabalhador", pagando suas<br />
dívidas na cida<strong>de</strong>.b) moral/psicológica – o patrão ou o responsável pela<br />
proprieda<strong>de</strong> ameaça bater na pessoa e até matá-la, além disso há o<br />
capataz que, armado, vigia o local da prestação <strong>de</strong> serviço;c) física – os<br />
responsáveis pela fazenda agrid<strong>em</strong> os trabalhadores e chegam a<br />
assassiná-los para impedir fugas ou amedrontar os d<strong>em</strong>ais. Durante as<br />
inspeções a fazendas <strong>de</strong>nunciadas por <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong> encontramos<br />
ossadas humanas; d) localização da fazenda – o fator geográfico é<br />
bastante importante na restrição do direito <strong>de</strong> ir e vir. Muitas vezes,<br />
trata-se <strong>de</strong> local tão isolado e <strong>de</strong> difícil acesso, que os trabalhadores<br />
não têm a menor condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixá-lo”. 10<br />
Tal prática é tida como um crime <strong>em</strong> nosso país <strong>de</strong> acordo com o artigo<br />
149 do Código Penal Brasileiro, que recebeu a seguinte redação pela Lei<br />
10.803/03:<br />
“Art. 149. Reduzir alguém <strong>à</strong> condição análoga <strong>à</strong> <strong>de</strong> <strong>escravo</strong>, quer<br />
submetendo–o a <strong>trabalho</strong>s forçados ou a jornada exaustiva, quer<br />
sujeitando-o <strong>à</strong> <strong>condições</strong> <strong>de</strong>gradantes <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong>, quer restringindo,<br />
por qualquer meio, sua locomoção <strong>em</strong> razão <strong>de</strong> dívida contraída com o<br />
<strong>em</strong>pregador ou preposto.<br />
Pena: reclusão, <strong>de</strong> 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena<br />
correspon<strong>de</strong>nte <strong>à</strong> violência”.<br />
2.3 A SITUAÇÃO ATUAL: O TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO<br />
Como se viu no <strong>de</strong>correr da história, o hom<strong>em</strong> procurou através <strong>de</strong> todos<br />
os meios alcançar seus <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> dominar, esmagar e explorar seu s<strong>em</strong>elhante.<br />
A submissão do hom<strong>em</strong> <strong>à</strong> vonta<strong>de</strong> e arbítrio dos <strong>de</strong>tentores do po<strong>de</strong>r, durante<br />
milênios foi prática aceita e legitimada nas mais variadas socieda<strong>de</strong>s do mundo<br />
inteiro..<br />
No entanto, atualmente, apesar <strong>de</strong> ser uma prática proibida e mesmo com<br />
todas as transformações sócio-culturais e a luta exaustiva pela <strong>de</strong>fesa dos<br />
Direitos do Hom<strong>em</strong>, os fatos exprim<strong>em</strong> uma realida<strong>de</strong> b<strong>em</strong> diferente. Ainda é<br />
perceptível a persistência <strong>de</strong> situações cujo <strong>de</strong>srespeito pelos direitos<br />
fundamentais do hom<strong>em</strong> ass<strong>em</strong>elha-se <strong>à</strong>s situações ocorridas <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos<br />
distantes. Na verda<strong>de</strong>, na prática pouca coisa mudou. Espalham-se pelo mundo<br />
inteiro homens, mulheres e até crianças que t<strong>em</strong> sua dignida<strong>de</strong> roubada pela<br />
submissão ao <strong>trabalho</strong> <strong>em</strong> condição análoga <strong>à</strong> <strong>de</strong> <strong>escravo</strong>.<br />
10<br />
PROCURADORES falam sobre o combate ao <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong>. Disponível <strong>em</strong>:<br />
http://www.mpt.gov.br/noticias2/outubro2002/noticia448-2.html. Acesso: 02 abr. 2006. 16:20:00.<br />
Saber. Ciências Sociais Aplicadas, Belém, v.7, n. 1, p.271-292, jan./jun. 2008.
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“A OIT divulgou recent<strong>em</strong>ente um relatório exaustivo sobre o t<strong>em</strong>a do<br />
<strong>trabalho</strong> forçado no mundo. Exist<strong>em</strong> 12 milhões <strong>de</strong> pessoas sujeitas ao<br />
<strong>trabalho</strong> forçado ou obrigatório, cerca <strong>de</strong> 9,5 na Ásia, 1,3 na América<br />
Latina, 600 mil <strong>em</strong> África, 260 mil no Médio Oriente, 360 mil <strong>em</strong> países<br />
industrializados e 210 mil <strong>em</strong> economias <strong>em</strong> transição. Des<strong>de</strong> 2001 que<br />
a OIT t<strong>em</strong> <strong>em</strong> curso o Programa Especial <strong>de</strong> Ação para Combater o<br />
Trabalho Forçado (SAP-FL), que v<strong>em</strong> lançando uma nova luz sobre as<br />
tendências mais recentes incluindo as formas <strong>em</strong>ergentes <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong><br />
forçado nos países industrializados”. 11<br />
Nos dias <strong>de</strong> hoje, tanto faz se a pessoa é negra, amarela ou branca. Os<br />
<strong>escravo</strong>s são miseráveis, s<strong>em</strong> distinção <strong>de</strong> cor ou credo, sendo mantida a ord<strong>em</strong><br />
por meio <strong>de</strong> ameaças, terror psicológico, coerção física, punições e assassinatos.<br />
Não há mais a figura do <strong>escravo</strong> negro, mas sim a figura do cidadão livre que é<br />
tolhido <strong>de</strong> seus direitos <strong>em</strong> uma manifestação claramente <strong>de</strong>lituosa e contrária <strong>à</strong><br />
legislação vigente tão penosamente construída. Na crescente e injusta<br />
disparida<strong>de</strong> entre as classes sociais, chegando o Brasil a alcançar um dos<br />
maiores níveis <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> renda mundial, o pobre se torna cada vez<br />
mais pobre, vendo-se obrigado a se submeter <strong>à</strong> exploração laboral por um prato<br />
<strong>de</strong> comida.<br />
No Brasil, a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> terras e as <strong>condições</strong> geo-climáticas,<br />
favorec<strong>em</strong> a produção <strong>de</strong> mercadorias <strong>de</strong> exportação <strong>em</strong> larga escala, cuja<br />
lucrativida<strong>de</strong> do <strong>em</strong>preendimento <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> diretamente da sua realização <strong>em</strong><br />
caráter permanente, pois sua interrupção aumentaria os custos ou inviabilizaria a<br />
produção. Dessa forma, o assalariamento da mão <strong>de</strong> obra numerosa reduziria os<br />
lucros e, consequent<strong>em</strong>ente, o enriquecimento dos gran<strong>de</strong>s latifundiários. O<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento nessas regiões é predatório, visando <strong>à</strong> maximização<br />
do custo-benefício através do não cumprimento das legislações trabalhista e<br />
ambiental. 12<br />
11<br />
“De 1995 até 2003, 10.726 pessoas foram libertadas <strong>em</strong> ações dos<br />
grupos móveis <strong>de</strong> fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego. No<br />
total, foram 1.011 proprieda<strong>de</strong>s fiscalizadas <strong>em</strong> 243 operações. As<br />
ações fiscais d<strong>em</strong>onstram que qu<strong>em</strong> escraviza no Brasil não são<br />
proprietários <strong>de</strong>sinformados, escondidos <strong>em</strong> proprieda<strong>de</strong>s atrasadas e<br />
arcaicas. Pelo contrário, são gran<strong>de</strong>s latifundiários, que produz<strong>em</strong> com<br />
ALIANÇA Global contra o Trabalho forçardo. Disponível <strong>em</strong>:<br />
http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/html/news_5.htm Acesso: 05 abr. 2006. 10:30:00.<br />
12 SAKAMOTO, Leonardo. Lucro alto, mão-<strong>de</strong>-obra <strong>de</strong>scartável<br />
O <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong> cont<strong>em</strong>porâneo na<br />
economia <strong>de</strong> mercado da Amazônia brasileira. Disponível <strong>em</strong>:<br />
http://www.comciencia.br/200405/reportagens/11.shtmll. Acesso: 05 abr. 2006. 11:10:00.<br />
Saber. Ciências Sociais Aplicadas, Belém, v.7, n. 1, p.271-292, jan./jun. 2008.
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alta tecnologia para o gran<strong>de</strong> mercado consumidor interno ou para o<br />
mercado internacional. Não raro, nas fazendas são i<strong>de</strong>ntificados<br />
campos <strong>de</strong> pouso <strong>de</strong> aviões dos fazen<strong>de</strong>iros. O gado recebe<br />
tratamento <strong>de</strong> primeira: rações balanceadas, vacinação com controle<br />
computadorizado, controle <strong>de</strong> natalida<strong>de</strong> com ins<strong>em</strong>inação artificial,<br />
enquanto os trabalhadores viv<strong>em</strong> <strong>em</strong> piores <strong>condições</strong> do que as dos<br />
animais” 13 (grifo meu)<br />
A obtenção do lucro torna-se o principal objetivo dos <strong>em</strong>presários, do<br />
mesmo modo que acontecia na época da cultura mercantilista do Brasil colônia.<br />
Organiza-se uma produção autônoma, <strong>de</strong> forma que assegure a reprodução do<br />
capital investido, ligando o trabalhador obrigatoriamente a esta unida<strong>de</strong><br />
econômica, <strong>de</strong>sprezando totalmente a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana e os direitos<br />
trabalhistas daqueles homens.<br />
Os Órgãos do Ministério Público e Delegacias Regionais do Trabalho,<br />
através <strong>de</strong> suas ações <strong>de</strong> fiscalização, libertam todos os anos um gran<strong>de</strong><br />
contingente <strong>de</strong> pessoas que viv<strong>em</strong> <strong>em</strong> <strong>condições</strong> <strong>de</strong>sumanas, trabalhando <strong>em</strong><br />
<strong>condições</strong> <strong>análogas</strong> <strong>à</strong> <strong>de</strong> <strong>escravo</strong>.<br />
2.3.1 A situação no Pará<br />
.<br />
Segundo levantamento feito até o mês <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004, o<br />
Ministério Público do Trabalho participou <strong>de</strong> 71 operações <strong>de</strong><br />
fiscalização com o Grupo Móvel <strong>de</strong> Combate ao Trabalho Escravo, <strong>em</strong><br />
267 propieda<strong>de</strong>s rurais, que resultaram na libertação<strong>de</strong> 2.745<br />
trabalhadores mantidos <strong>em</strong> regime <strong>de</strong> escravidão. Possui 548<br />
Procedimentos Administrativos <strong>em</strong> andamento e outros 374 foram<br />
arquivados. Firmou 167 Termos <strong>de</strong> Compromisso <strong>de</strong> Ajustamento <strong>de</strong><br />
Conduta e impetrou 22 Ações <strong>de</strong> Execução <strong>de</strong> Título Extrajudicial<br />
(TCAC). Ingressou com 111 Ações Civis Públicas, 24 Ações Civis<br />
Coletivas, quatro Ações Cautelares, quatro Reclamações Trabalhistas 14<br />
Como visto, exist<strong>em</strong> por todo o Brasil focos <strong>de</strong> exploração do <strong>trabalho</strong>.<br />
Entretanto a situação mais grave no território nacional ocorre no Pará, sendo as<br />
zonas rurais do sul do Estado as áreas mais atingidas.<br />
Dentre os motivos que favorec<strong>em</strong> o Pará a ser o lí<strong>de</strong>r nacional nas<br />
incidências <strong>de</strong> exploração trabalhista, estão: a abertura <strong>de</strong> novas fronteiras<br />
13 Id. Ibid<strong>em</strong>.<br />
14 ESTATÍSTICAS da atuação do MPT no Combate ao Trabalho Escravo no Brasil. Disponível <strong>em</strong>:<br />
http://www.mpt.gov.br/<strong>escravo</strong>/geral/estatisticas.html. Acesso <strong>em</strong>: 10 mar. 2006, 22:30:00.<br />
Saber. Ciências Sociais Aplicadas, Belém, v.7, n. 1, p.271-292, jan./jun. 2008.
280<br />
agrícolas; os gran<strong>de</strong>s latifúndios e a presença dos grileiros; a pobreza e o<br />
sub<strong>de</strong>senvolvimento nas regiões rurais; a falta <strong>de</strong> ação efetiva do Estado.<br />
“Investigação realizada pelo Greenpeace Internacional, da Holanda,<br />
sobre a expansão da indústria da soja no Brasil revela novas evidências<br />
sobre a relação entre multinacionais norte-americanas com o<br />
<strong>de</strong>smatamento, a grilag<strong>em</strong> <strong>de</strong> terras e o <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong> na Amazônia.<br />
Ao construir silos e infraestrutura no coração da floresta, financiar a<br />
abertura <strong>de</strong> estradas e comprar soja produzida <strong>em</strong> fazendas ilegais ou<br />
proveniente <strong>de</strong> <strong>de</strong>smatamento, inclusive com o uso <strong>de</strong> <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong>,<br />
Cargill, ADM e Bunge estão, ao mesmo t<strong>em</strong>po, estimulando e se<br />
beneficiando da invasão da soja na Amazônia” 15<br />
Além disso, há uma gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> impl<strong>em</strong>entação dos Programas<br />
<strong>de</strong> Governo no controle e fiscalização da exploração do trabalhador, uma vez que<br />
estas proprieda<strong>de</strong>s localizam-se <strong>em</strong> áreas <strong>de</strong> difícil acesso. Isto s<strong>em</strong> falar na<br />
insuficiência <strong>de</strong> fiscais do <strong>trabalho</strong> 16 e na violência praticada contra estes, já que<br />
muitos per<strong>de</strong>ram suas vidas durante o exercício <strong>de</strong> suas funções.<br />
3 DIREITOS HUMANOS<br />
3.1 NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NA SOCIEDADE INTERNACIONAL<br />
Todos os homens são iguais entre si. Apesar <strong>de</strong> esta afirmativa ser<br />
notória, gozando inclusive <strong>de</strong> pr<strong>em</strong>issa constitucional, n<strong>em</strong> todos os homens<br />
compartilham <strong>de</strong>sta igualda<strong>de</strong>, seja nos dias atuais, seja <strong>em</strong> qualquer t<strong>em</strong>po <strong>de</strong><br />
nossa história. Muitos são subjugados pelo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> outr<strong>em</strong>, tolhidos <strong>de</strong> direitos<br />
e <strong>de</strong>srespeitados <strong>em</strong> sua dignida<strong>de</strong>.<br />
O <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong>, como prática cerceadora <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e direitos e<br />
promotor <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s, afronta diretamente o princípio da dignida<strong>de</strong> do<br />
hom<strong>em</strong> que é tão ve<strong>em</strong>ente protegido pelos Direitos Humanos.<br />
Des<strong>de</strong> o período Axial, compreendido entre os anos 600 e 480 a.c, a partir<br />
das inúmeras i<strong>de</strong>ologias <strong>de</strong> vida formadas por Buda, Zaratustra, Lao Tsé,<br />
Pitágoras, Confúcio, foram enunciados gran<strong>de</strong>s princípios e estabelecidas novas<br />
diretrizes da vida humana, que até hoje se perpetuam. Foi o período <strong>em</strong> que<br />
15 COMENDO a Amazônia. Disponível <strong>em</strong>:<br />
http://www.greenpeace.org.br/amazonia/comendoamz_sumexec.pdf. Acesso: 07 abr. 2006. 22:30:00.<br />
16 CHIAVENTO, Júlio José, 1939 – Violência no campo: o latifúndio e a reforma agrária – São<br />
Paulo: Mo<strong>de</strong>rna. 1996<br />
Saber. Ciências Sociais Aplicadas, Belém, v.7, n. 1, p.271-292, jan./jun. 2008.
281<br />
surgiu a filosofia e, <strong>em</strong> que o pensamento mitológico foi substituído pelo saber<br />
lógico da razão. O hom<strong>em</strong> passou então a ser dotado <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e razão. 17<br />
Como ex<strong>em</strong>plo a doutrina filosófica <strong>de</strong> Kant que afirma que somente o<br />
hom<strong>em</strong> por ser dotado <strong>de</strong> razão possui autonomia para ditar suas próprias leis e<br />
segui-las. Partindo <strong>de</strong>ste preceito, conclui que o hom<strong>em</strong> é dotado <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> e<br />
que esta não t<strong>em</strong> preço. Uma vez que lhe é tolhida sua autonomia <strong>de</strong> escolhas<br />
como a escravidão, por ex<strong>em</strong>plo, na visão Kantiana o hom<strong>em</strong> é reduzido <strong>à</strong><br />
condição <strong>de</strong> coisa. 18<br />
O surgimento da lei escrita, como uma instituição social igualmente<br />
aplicável a todos os indivíduos <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> organizada, veio a consagrar a<br />
idéia <strong>de</strong> que todos são iguais e que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser respeitados, <strong>de</strong>vido ao simples<br />
fato <strong>de</strong> sua humanida<strong>de</strong>. 19<br />
Devido <strong>à</strong> essência evolutiva dos seres humanos, através <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong><br />
<strong>em</strong> contínua transformação, os Direitos Humanos foram sendo construídos <strong>de</strong><br />
acordo com a necessida<strong>de</strong> histórica social. Este processo evolutivo é algo<br />
contínuo.<br />
A evolução dos Direitos Humanos é dividida <strong>em</strong> etapas históricas <strong>de</strong><br />
afirmação e subdividias <strong>em</strong> gerações, tais sendo: Liberda<strong>de</strong>s Públicas; Direitos<br />
Econômicos e Sociais; e Direitos <strong>de</strong> Solidarieda<strong>de</strong>. 20 Além <strong>de</strong>stas, ainda há uma<br />
quarta geração que consagra os direitos a um Meio Ambiente Sadio, <strong>à</strong><br />
Informação, os Direitos <strong>de</strong> Reprodução Humana e outros.<br />
3.2 O CONSTITUCIONALISMO<br />
Direito Constitucional procura proteger os direitos fundamentais contra o<br />
Po<strong>de</strong>r, principalmente contra os Po<strong>de</strong>res Legislativo e Executivo, que pod<strong>em</strong><br />
violar os direitos fundamentais através <strong>de</strong> suas ações. Todas as Constituições<br />
brasileiras que existiram, s<strong>em</strong> exceção <strong>de</strong> nenhuma <strong>de</strong>las, traziam Declarações<br />
17 COMPARATO, Fábio Kon<strong>de</strong>r. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2003.<br />
18 Id. Ibid<strong>em</strong><br />
19 Id. Ibid<strong>em</strong><br />
20 FERREIRA Filho, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2002.<br />
Saber. Ciências Sociais Aplicadas, Belém, v.7, n. 1, p.271-292, jan./jun. 2008.
282<br />
<strong>de</strong> Direitos que abrangiam <strong>à</strong>queles direitos já reconhecidos <strong>em</strong> seu momento<br />
histórico.<br />
O artigo 5º, §1º da CF/88 prevê “aplicabilida<strong>de</strong> imediata” nos dispositivos<br />
legais que <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> os direitos e as garantias fundamentais. Sendo <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong> do Estado adotar as medidas necessárias para efetivar aqueles<br />
que por natureza não são executáveis, necessitando <strong>de</strong> disciplina. Já o §2º do<br />
mesmo artigo, abre espaço para que novos direitos sejam protegidos pelo nosso<br />
or<strong>de</strong>namento, através da incorporação <strong>de</strong> Tratados Internacionais.<br />
A Emenda Constitucional nº45, publicada <strong>em</strong> 31/12/2004, introduziu a este<br />
mesmo artigo dois novos parágrafos.<br />
“§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos<br />
que for<strong>em</strong> aprovados, <strong>em</strong> cada Casa do Congresso Nacional, <strong>em</strong> dois<br />
turnos, por três quintos dos votos dos respectivos m<strong>em</strong>bros, serão<br />
equivalentes <strong>à</strong>s <strong>em</strong>endas constitucionais.<br />
§ 4º O Brasil se submete <strong>à</strong> jurisdição <strong>de</strong> Tribunal Penal Internacional a<br />
cuja criação tenha manifestado a<strong>de</strong>são”<br />
Outro gran<strong>de</strong> feito na proteção aos direitos fundamentais foi a criação do<br />
Tribunal Penal Internacional, através do Tratado <strong>de</strong> Roma <strong>de</strong> 1998, ao qual o<br />
Brasil está submetido <strong>em</strong> conformida<strong>de</strong> com o §4º do artigo 5º da CF/88. Estão<br />
previstos no Tratado a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> crimes que são consi<strong>de</strong>rados uma afronta a<br />
tais direitos, como genocídio, escravização, etc. Além <strong>de</strong> estar previsto como<br />
<strong>de</strong>verá ser procedido o processo e julgamento daqueles que vier<strong>em</strong> a violá-lo.<br />
4 SISTEMAS CONVENCIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS<br />
(Hard Law).<br />
O Direito Internacional existe <strong>de</strong>vido haver uma socieda<strong>de</strong> internacional<br />
constituída <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s políticas dotadas <strong>de</strong> soberania: os Estados. O fenômeno<br />
da globalização proporcionou um inevitável convívio <strong>de</strong>stas diversas nações<br />
soberanas, motivo pelo qual os Estados passam a assumir certas obrigações<br />
internacionais através <strong>de</strong> Tratados e Convenções. Portanto, acontece uma autolimitação<br />
do po<strong>de</strong>r soberano <strong>de</strong>vido <strong>à</strong> necessida<strong>de</strong> da preservação da relação<br />
diplomática entre os Estados. 21<br />
21 SOARES, Guido Fernando Silva. Curso <strong>de</strong> direito internacional publico. São Paulo : Atlas, 2004.<br />
Saber. Ciências Sociais Aplicadas, Belém, v.7, n. 1, p.271-292, jan./jun. 2008.
283<br />
Estes Tratados e Convenções são os instrumentos normativos do sist<strong>em</strong>a<br />
Hard Law. São encontros <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s que pretend<strong>em</strong> ser obrigatórios e criar<br />
efeitos jurídicos entre as partes. A vonta<strong>de</strong> dos Estados são as únicas relevantes,<br />
daí a classificação <strong>de</strong>stes como Hard Law, que <strong>em</strong> português significa normas<br />
rígidas.<br />
O Tratado é uma das principais fontes do Direito Internacional Público,<br />
seguindo-se dos costumes e dos princípios gerais do Direito. A Convenção <strong>de</strong><br />
Viena sobre o Direito dos Tratados <strong>de</strong> 1969, <strong>em</strong> seu art. 2º, alínea a, afirma<br />
que:<br />
“tratado significa um acordo internacional celebrado por escrito entre<br />
Estados e registrado pelo direito internacional, quer conste <strong>de</strong> um<br />
instrumento único, quer <strong>de</strong> dois ou mais instrumentos conexos,<br />
qualquer que seja sua <strong>de</strong>nominação particular”.<br />
Neste sentido, po<strong>de</strong>-se dizer dos tratados internacionais:<br />
“Os tratados Internacionais originam-se <strong>de</strong> propostas <strong>de</strong> negociações<br />
<strong>de</strong> um ou mais Estados, formalizadas por um convite <strong>de</strong> um Estado a<br />
outro ou outros, e, no caso <strong>de</strong> tratados elaborados sob a égi<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<br />
organização intergorvenamental, pela <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> um órgão colegiado<br />
com po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>cisórios (por proposta encaminhada <strong>à</strong> votação <strong>em</strong><br />
plenário, por um ou vários <strong>de</strong>legados <strong>de</strong> Estado ou por órgãos técnicos<br />
da própria organização, segundo as regras <strong>de</strong> cada uma)”. 22<br />
Na Constituição Brasileira, no seu art. 5º, § 2º está previsto que os direitos<br />
e garantias expressos nesta Constituição não exclu<strong>em</strong> outros <strong>de</strong>correntes do<br />
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais <strong>em</strong> que<br />
a República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil seja parte.<br />
5 SOFT LAW<br />
5.1 NOÇÕES PRELIMINARES<br />
Verifica-se através do fenômeno da globalização, o surgimento <strong>de</strong> noções<br />
<strong>de</strong> regulação que nasc<strong>em</strong> diretamente do tecido social, não sendo noções<br />
necessariamente jurídicas e que parec<strong>em</strong> d<strong>em</strong>onstrar um relativo<br />
enfraquecimento no papel do Estado como ente regulador, através do avanço <strong>de</strong><br />
formas alternativas <strong>de</strong> regulação. Neste contexto está inserido o Soft Law.<br />
22 SOARES, Guido Fernando Silva. Curso <strong>de</strong> direito internacional público. São Paulo : Atlas, 2004. p. 66.<br />
Saber. Ciências Sociais Aplicadas, Belém, v.7, n. 1, p.271-292, jan./jun. 2008.
284<br />
5.2 SOCIEDADE E DIREITO INTERNACIONAL: REGULAÇÃO E<br />
TRANSFORMAÇÕES.<br />
I<strong>de</strong>ntifica-se que toda socieda<strong>de</strong>, seja ela interna ou internacional, possui<br />
regulação através <strong>de</strong> normas e regras, mas que estas não possu<strong>em</strong><br />
necessáriamente obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> constranger e organizar o comportamento<br />
dos atores sociais. O que evi<strong>de</strong>ncia a especificida<strong>de</strong> do direito com relação a<br />
outras categorias normativas.<br />
Na medida <strong>em</strong> que a socieda<strong>de</strong> passa por profundas transformações,<br />
surg<strong>em</strong> dúvidas quanto <strong>à</strong> a<strong>de</strong>quação e <strong>à</strong> legitimida<strong>de</strong> do Direito Internacional,<br />
b<strong>em</strong> como faz nascer uma série <strong>de</strong> pressões para sua mudança e adaptação. 23<br />
“O direito internacional cont<strong>em</strong>porâneo t<strong>em</strong> como marco <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> as<br />
transformações ocorridas no cenário internacional a partir do final da<br />
segunda guerra mundial, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ando uma série <strong>de</strong> fenômenos que<br />
influíram e t<strong>em</strong> influído diretamente na r<strong>em</strong>o<strong>de</strong>lação dos mecanismos<br />
<strong>de</strong> aplicação e formação do direito Internacional, até então altamente<br />
sedimentado na autonomia da vonta<strong>de</strong> dos Estados e no respeito ao<br />
po<strong>de</strong>r soberano Estatal”. 24 (grifo meu)<br />
Percebe-se então, que o direito internacional enfrentou sérias mudanças,<br />
principalmente durante o século XX, evoluindo-se e transformando-se <strong>em</strong> um<br />
direito multilateral e institucional, principalmente após o surgimento das<br />
Organizações Internacionais, da multiplicação dos atores sociais e pelas<br />
mudanças favorecidas pelo constante avanço tecnológico.<br />
Porém, diante <strong>de</strong> tantas transformações, tais questionamentos quanto <strong>à</strong><br />
a<strong>de</strong>quação e valida<strong>de</strong> do Direito Internacional acabam por gerar uma mudança<br />
<strong>de</strong> método, já que se leva mais <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração suas características materiais<br />
do que formais. Surge então uma nova forma <strong>de</strong> articulação <strong>de</strong> normas que adota<br />
regras mais flexíveis e maleáveis na relação entre os Estados, <strong>de</strong> forma que se<br />
torne aceitável <strong>à</strong> todos: o conjunto normativo do Soft Law.<br />
23 MENEZES, Wagner. “A “soft law” como fonte do Direito Internacional”. In: Direito<br />
internacional no cenário cont<strong>em</strong>porâneo. Curitiba: Juruá, 2003.<br />
24 Id.Ibid<strong>em</strong>. p. 69<br />
Saber. Ciências Sociais Aplicadas, Belém, v.7, n. 1, p.271-292, jan./jun. 2008.
285<br />
5.3 O DIREITO FLEXÍVEL<br />
De acordo com tradução mais usual dada ao termo Soft Law, este significa<br />
normas flexíveis.<br />
A enorme rapi<strong>de</strong>z com que ocorr<strong>em</strong> as transformações sociais e<br />
tecnológicas no mundo globalizado e nas relações internacionais, n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre<br />
são acompanhadas pelo mundo jurídico, que fica <strong>à</strong> parte. Vários são as normas<br />
codificadas do direito internacional que são ou brev<strong>em</strong>ente pod<strong>em</strong> vir a ser<br />
consi<strong>de</strong>radas como não adaptáveis <strong>à</strong> realida<strong>de</strong> ou <strong>à</strong>s necessida<strong>de</strong>s sociais.<br />
Tal fator é prejudicado ainda mais pela dificulda<strong>de</strong> nos mecanismos <strong>de</strong><br />
modificação do Hard Law, o que torna mais insegura e dificultosa a aceitação <strong>de</strong><br />
todas as partes interessadas <strong>em</strong> contratar sobre um <strong>de</strong>terminado assunto.<br />
Logo, é conclusivo que o próprio direito po<strong>de</strong> cometer erros. O próprio<br />
direito po<strong>de</strong> ser impreciso.<br />
“No direito internacional, i<strong>de</strong>ntificam-se a imprecisão <strong>de</strong> algumas<br />
normas, a ambigüida<strong>de</strong> da linguag<strong>em</strong>, como expressões <strong>de</strong> Soft Law.<br />
O termo é entendido aqui <strong>de</strong> modo próximo, mas não idêntico ao que<br />
ocorria nos casos dos princípios. O probl<strong>em</strong>a das normas vagas ou<br />
imprecisas é <strong>de</strong> substância e não <strong>de</strong> forma; A dúvida não resi<strong>de</strong> na sua<br />
natureza legal, que não se discute, porque estão elas inseridas <strong>em</strong><br />
tratados reconhecidamente obrigatórios, mas sim na in<strong>de</strong>terminação<br />
que cerca as obrigações especificas que se impõ<strong>em</strong> aos Estados”. 25<br />
A questão principal da imprecisão está focalizada no fato que ela permite<br />
aos Estados se abster<strong>em</strong> <strong>em</strong> contrair obrigações específicas, po<strong>de</strong>ndo aceitar a<br />
estabelecer normas flexíveis. Além do mais, a socieda<strong>de</strong> internacional ten<strong>de</strong> a<br />
uma maior necessida<strong>de</strong> por valores que possu<strong>em</strong> conteúdo variável. A<br />
incorporação <strong>de</strong>sses valores <strong>de</strong> interesse das normas produzidas pelo Estado,<br />
frequent<strong>em</strong>ente está sendo feito através <strong>de</strong> fórmulas imprecisas.<br />
O sist<strong>em</strong>a Soft Law consiste <strong>em</strong> mo<strong>de</strong>lar e padronizar o comportamento e<br />
as discussões dos Estados, através <strong>de</strong> documentos que são extraídos dos foros<br />
e conferências internacionais, não sendo obrigatório <strong>à</strong>s partes. Possu<strong>em</strong> apenas<br />
caráter <strong>de</strong>claratório, ou seja, os Estados não ficam vinculados a cumprir seus<br />
25 NASSER, Sal<strong>em</strong> Hikmat. Fontes e normas do direito internacional: um estudo sobre a soft Law. São<br />
Paulo : Atlas, 2005. p.105.<br />
Saber. Ciências Sociais Aplicadas, Belém, v.7, n. 1, p.271-292, jan./jun. 2008.
286<br />
dispositivos, n<strong>em</strong> sofrerão sanções caso <strong>de</strong>scumpram ou viol<strong>em</strong> o que foi<br />
previsto<br />
“Po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>finir a soft law como sendo documentos solenes <strong>de</strong>rivados<br />
<strong>de</strong> foros internacionais, que t<strong>em</strong> fundamento no princípio da boa-fé,<br />
com conteúdo variável e não obrigatório, que não vinculam seus<br />
signatários sua observância, mas que por seu caráter e importância<br />
para o or<strong>de</strong>namento da socieda<strong>de</strong> global, por refletir<strong>em</strong> princípios e<br />
concepções éticas e i<strong>de</strong>ais, acabam por produzir repercussões no<br />
campo do direito internacional e também para o direito interno dos<br />
Estados”. 26<br />
Sendo assim, discussão <strong>em</strong> torno da Soft Law está ligada <strong>à</strong> sua<br />
flexibilida<strong>de</strong>, ou seja, <strong>à</strong> sua normativida<strong>de</strong> relativa.<br />
“Quando, no entanto, se t<strong>em</strong> a normativida<strong>de</strong> relativa como algo<br />
inerente ao direito internacional, está se falando, na verda<strong>de</strong>, da<br />
relativida<strong>de</strong> da força constringente das normas <strong>de</strong>sse direito, <strong>de</strong> seu<br />
alcance variável, do maior ou menor grau <strong>de</strong> certeza quanto a<br />
obrigações e direitos <strong>de</strong>las <strong>de</strong>correntes, da existência e dos tipos <strong>de</strong><br />
conseqüências previstas para o caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento das mesmas.<br />
Não se está falando, portanto, do probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas normas<br />
entendida esta como o seu pertencimento ao or<strong>de</strong>namento jurídico”. 27<br />
Então, a gran<strong>de</strong> preocupação dos Estados <strong>em</strong> resolver ou encontrar<br />
soluções rápidas <strong>à</strong>s questões <strong>em</strong>ergentes, pouco importando a “roupag<strong>em</strong>”<br />
jurídica que estas soluções possam ter, facilitou o surgimento do Soft Law, <strong>de</strong>ntro<br />
dos <strong>de</strong>bates nos foros <strong>de</strong> negociações multilaterais, Com o gran<strong>de</strong> espaço ganho<br />
pela ativida<strong>de</strong> diplomática <strong>de</strong>ntro das relações internacionais. Os produtos da<br />
diplomacia são vários tipos <strong>de</strong> documentos gerados tanto pelos Estados, como<br />
por entes não estatais, tal como as organizações não governamentais e interestatais.<br />
O objetivo básico <strong>de</strong>sses instrumentos é meramente <strong>de</strong>clarar direitos já<br />
existentes através <strong>de</strong> instrumentos soft, mas que sua anteriorida<strong>de</strong> foi dada<br />
através <strong>de</strong> instrumentos hard, ou seja, reafirmam direitos já consagrados.<br />
Outros objetivos pod<strong>em</strong> ser <strong>de</strong>stacados, tais quais: compromissos <strong>de</strong><br />
natureza política e não jurídica que os Estados pretend<strong>em</strong> cumprir; orientação <strong>de</strong><br />
26 MENEZES, Wagner (org). Direito internacional no cenário cont<strong>em</strong>porâneo. Curitiba: Juruá,<br />
2003. p.76.<br />
27 NASSER, Sal<strong>em</strong> Hikmat. Fontes e normas do direito internacional: um estudo sobre a soft Law. São<br />
Paulo : Atlas, 2005. p. 96.<br />
Saber. Ciências Sociais Aplicadas, Belém, v.7, n. 1, p.271-292, jan./jun. 2008.
287<br />
comportamentos futuros dos Estados <strong>em</strong> matérias que resguardam incertezas<br />
científicas e factuais ou resistências políticas; busca no avanço da harmonização<br />
dos direitos internos <strong>em</strong> áreas específicas, através da influência no<br />
comportamento dos Estados; b<strong>em</strong> como a regulação ou influência no<br />
comportamento dos entes privados. 28<br />
5.4 INSTRUMENTOS<br />
Os instrumentos do Soft Law pod<strong>em</strong> ser:<br />
Criados pelos Estados, que são acordos e instrumentos produzidos pelos<br />
Estados, que possu<strong>em</strong> nomes e objetivos variados, mas que não geram<br />
obrigações jurídicas, motivo pelo qual não são tratados, mas sim concertados.<br />
Como ex<strong>em</strong>plo o Gentl<strong>em</strong>en’s Agre<strong>em</strong>ent,: M<strong>em</strong>orandos <strong>de</strong> Entendimento,<br />
Declarações, Atas Finais, Agendas e Programas <strong>de</strong> ação, Recomendações<br />
Produzidos nas ou pelas Organizações Internacionais, que <strong>de</strong>rivam dos<br />
atos unilaterais realizados pelas Organizações Internacionais. Devendo-se<br />
consi<strong>de</strong>rar, entretanto, o valor normativo <strong>de</strong>stes atos, já que para este estudo<br />
interessam os que não criam normativida<strong>de</strong> jurídica. Como ex<strong>em</strong>plo as<br />
Resoluções e Decisões, as Recomendações, os Códigos <strong>de</strong> Conduta,<br />
Declarações.<br />
Produzidos por entes não estatais, que participam <strong>de</strong> forma incontestável<br />
da construção da ord<strong>em</strong> internacional e da governança, que foram anteriormente<br />
discutidos. Alguns se <strong>de</strong>stinam a influenciar o comportamento dos Estados e das<br />
organizações internacionais, inspirando inclusive a sua produção normativa,<br />
outros regulam o comportamento dos diversos atores <strong>em</strong> áreas novas das<br />
relações sociais e outros ainda reg<strong>em</strong> as atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seus próprios produtores.<br />
Não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> falar da Mídia Internacional como instrumento da<br />
Soft Law. A mídia é formadora <strong>de</strong> opinião pública, através da gran<strong>de</strong> repercussão<br />
internacional que alcança com a divulgação <strong>de</strong> t<strong>em</strong>as importantes e na <strong>de</strong>núncia<br />
<strong>de</strong> eventuais crimes que afront<strong>em</strong> os direitos humanos. Tal influência se <strong>de</strong>ve ao<br />
sentimento <strong>de</strong> justiça <strong>em</strong>anado sobre a opinião pública e nas Organizações<br />
28 Id. Ibid<strong>em</strong>.<br />
Saber. Ciências Sociais Aplicadas, Belém, v.7, n. 1, p.271-292, jan./jun. 2008.
288<br />
Internacionais, que cobram soluções rápidas e eficientes dos governantes cujas<br />
nações sofr<strong>em</strong> com probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong>ste tipo.<br />
5.5 O CONTROLE NÃO CONVENCIONAL DO SOFT LAW NO BRASIL, NOS<br />
CASOS DE INCIDÊNCIA DE TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE<br />
ESCRAVO<br />
O Soft Law é uma inovação do Direito Internacional. Seus instrumentos<br />
não são fontes <strong>de</strong> direito. A mera efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma norma <strong>de</strong> Soft Law não faz<br />
<strong>de</strong>la uma norma jurídica <strong>em</strong> si. Sabe-se porém, que os instrumentos do Soft Law<br />
não pretend<strong>em</strong> uma criação imediata <strong>de</strong> normas jurídicas. Apesar <strong>de</strong> não ser<strong>em</strong><br />
obrigatórios, passam a funcionar como provocadores e aceleradores da<br />
generalização da prática, tornando mais plausível (mo<strong>de</strong>rnamente)o fenômeno do<br />
costume instantâneo 29 “E possível concluir, <strong>à</strong> luz do exposto, que os instrumentos da soft law<br />
participam da formação do direito internacional, sobretudo, pelas<br />
influencias que operam sobre fonte costumeira, cujo “mistério contínuo<br />
inteiro”. Eles <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penham um papel na aceleração do processo e na<br />
gradativa prepon<strong>de</strong>rância da opino jures sobre a prática. O mais<br />
importante, talvez, é que ensejam uma transformação no processo<br />
costumeiro que, <strong>de</strong> espontâneo, se transforma <strong>em</strong> procedimento<br />
negociado <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> documentos. O direito costumeiro, <strong>em</strong><br />
outras palavras, passa a ser construído, e por escrito, ao invés <strong>de</strong><br />
surgir do tecido e das práticas sociais”. 30<br />
Ou seja, os instrumentos do Soft Law atuam como participantes da<br />
formação do direito, da construção da prática, b<strong>em</strong> como da construção ou<br />
confirmação da opinio juris. 31<br />
No caso <strong>de</strong> trabalhadores <strong>em</strong> <strong>condições</strong> <strong>análogas</strong> <strong>à</strong> <strong>de</strong> <strong>escravo</strong> que ainda<br />
persist<strong>em</strong> no Brasil e <strong>em</strong> especial no Pará, os instrumentos do Soft Law pod<strong>em</strong><br />
influenciar <strong>de</strong> maneira direta ou indireta nas tomadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões do governo <strong>em</strong><br />
seus programas <strong>de</strong> combate e repressão aos praticantes <strong>de</strong>sta ação criminosa.<br />
Além disso, reflet<strong>em</strong> influência na opinião pública, que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser outra<br />
fonte <strong>de</strong> pressão <strong>à</strong>s medidas necessárias para a erradicação da exploração<br />
laboral.<br />
29 NASSER, Sal<strong>em</strong> Hikmat. Fontes e normas do direito internacional: um estudo sobre a soft<br />
Law. São Paulo : Atlas, 2005. p.156.<br />
30 Id. Ibid<strong>em</strong>. p.157<br />
31 NASSER, Sal<strong>em</strong> Hikmat. Fontes e normas do direito internacional: um estudo sobre a soft Law. São<br />
Paulo : Atlas, 2005.<br />
Saber. Ciências Sociais Aplicadas, Belém, v.7, n. 1, p.271-292, jan./jun. 2008.
289<br />
Como ex<strong>em</strong>plo prático, po<strong>de</strong> ser citado um levantamento feito pela<br />
Organização Internacional do Trabalho, que constatou que gran<strong>de</strong>s <strong>em</strong>presas<br />
brasileiras fiscalizadas pelo Ministério do Trabalho, mantinham trabalhadores <strong>em</strong><br />
<strong>condições</strong> <strong>análogas</strong> a <strong>de</strong> <strong>escravo</strong>. A partir <strong>de</strong>ste levantamento, foi lançado pelo<br />
Presi<strong>de</strong>nte da República um Pacto Nacional contra o <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong>.<br />
“A Organização Internacional do Trabalho (OIT) fez um levantamento da<br />
ca<strong>de</strong>ia produtiva <strong>de</strong> 111 <strong>em</strong>presas presentes na lista suja do Ministério<br />
do Trabalho e constatou que gran<strong>de</strong>s grupos brasileiros compravam, s<strong>em</strong><br />
saber, produtos <strong>de</strong> fornecedores flagrados mantendo trabalhadores <strong>em</strong><br />
<strong>condições</strong> <strong>análogas</strong> <strong>à</strong> escravidão.<br />
Com base neste estudo, o presi<strong>de</strong>nte da República, Luiz Inácio Lula da<br />
Silva, lançará, durante reunião do Conselho <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />
Econômico e Social (CDES) no dia 19 <strong>de</strong> maio, um Pacto Nacional contra<br />
<strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong>, no qual as <strong>em</strong>presas vão se comprometer a não<br />
comprar <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> estiver na lista. O lançamento contará com a presença<br />
<strong>de</strong> ministros, <strong>em</strong>presários, todos os integrantes do CDES, entre outros.<br />
Além da pesquisa, outro estimulo importante partiu do Instituto Ethos, que<br />
procurou as <strong>em</strong>presas para fazer um <strong>trabalho</strong> <strong>de</strong> conscientização a<br />
respeito do assunto e obteve como resposta inclusão <strong>de</strong> cláusulas - nos<br />
contratos com os fornecedores - contrárias <strong>à</strong> compra <strong>de</strong> produtos <strong>de</strong><br />
<strong>em</strong>presa que estiver na lista suja”. 32 (grifo meu)<br />
Percebe-se claramente a influência do instrumento do Soft Law, tal qual<br />
sendo a documentação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na<br />
formação e construção do Direito Interno do país, mesmo que <strong>de</strong> forma não<br />
obrigatória. Baseando-se no levantamento feito pela OIT, foi elaborado pelo<br />
governo um Pacto Nacional contra o <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong>, lançado <strong>em</strong> 19 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong><br />
2005. Tão gran<strong>de</strong> é a importância <strong>de</strong> tal programa, que já se po<strong>de</strong> sentir seus<br />
resultados como visto a seguir:<br />
“O Brasil é consi<strong>de</strong>rado um ex<strong>em</strong>plo a ser seguido, porque evoluiu muito<br />
no combate ao <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong>, afirmou Patrícia Audi, coor<strong>de</strong>nadora<br />
nacional do projeto <strong>de</strong> Combate ao Trabalho Escravo no Brasil, da OIT<br />
(Organização Internacional do Trabalho). Durante s<strong>em</strong>inário<br />
realizado nesta segunda-feira (17) pelo I<strong>de</strong>c (Instituto <strong>de</strong> Defesa do<br />
Consumidor), ela acrescentou que o probl<strong>em</strong>a ainda existe <strong>em</strong> vários<br />
setores produtivos, como o da pecuária, o do algodão e da soja.(...) De<br />
acordo com a coor<strong>de</strong>nadora, o setor privado avançou quando assinou,<br />
<strong>em</strong> maio <strong>de</strong> 2005, o Pacto Nacional contra o Trabalho Escravo, no qual<br />
se compromete a não adquirir produtos com orig<strong>em</strong> no <strong>trabalho</strong><br />
<strong>escravo</strong>”. 33<br />
32 GRANDES Grupos também fomentam a escravidão. Disponível <strong>em</strong>: http://www.onubrasil.org.br/view_news.phpid=2118.<br />
Acesso <strong>em</strong>: 13 abr. 2006, 21:30:00.<br />
33 OIT: Brasil é ex<strong>em</strong>plo contra <strong>trabalho</strong> <strong>escravo</strong> Disponível <strong>em</strong>:<br />
http://www.pt.org.br/site/secretarias_<strong>de</strong>f/secretarias_int_box.aspcod=843&cod_sis=20&cat=201. Acesso<br />
<strong>em</strong>: 12 mai. 2006, 08:30:00.<br />
Saber. Ciências Sociais Aplicadas, Belém, v.7, n. 1, p.271-292, jan./jun. 2008.
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A própria mídia internacional, quando oferece <strong>de</strong>staque <strong>em</strong> seus<br />
noticiários sobre a real situação <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong> milhares <strong>de</strong> trabalhadores no<br />
Brasil, cria uma má reputação do país com os d<strong>em</strong>ais Estados. Este é outro meio<br />
<strong>de</strong> forçar o país a adotar medidas a fim <strong>de</strong> extinguir o probl<strong>em</strong>a. Vejamos uma<br />
passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> um artigo publicado na página virtual do jornal Guardian, da<br />
Inglaterra.<br />
6 CONCLUSÃO<br />
“More than 4,000 slaves were freed by the Brazilian authorities last year,<br />
according to new government figures. But campaigners fear hundreds of<br />
thousands more still live and work in near-slavery.<br />
The Brazilian <strong>em</strong>ployment ministry said its officials rai<strong>de</strong>d 183 farms, the<br />
highest number since Swat-style teams were introduced 10 years ago. In<br />
total 4,133 workers were freed, with R$7.4m (£1.8m) paid to victims, the<br />
ministry said” 34<br />
Conclui-se, portanto, <strong>de</strong> suma importância a ação do Soft Law e seus<br />
instrumentos na proteção aos direitos fundamentais da liberda<strong>de</strong>, <strong>trabalho</strong> e<br />
dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, violados no Brasil pela prática ilícita da submissão<br />
<strong>de</strong> trabalhadores <strong>à</strong> condição análoga <strong>à</strong> <strong>de</strong> <strong>escravo</strong>, mesmo que <strong>de</strong> forma nãoconvencional.<br />
O que importa é perceber a importância que possu<strong>em</strong> os instrumentos do<br />
Soft Law na formação do direito, agindo <strong>de</strong> uma forma não convencional, uma<br />
vez que não possui a garantia obrigatória, mas que pauta o comportamento dos<br />
Estados através <strong>de</strong> uma efusiva reafirmação <strong>de</strong> direitos já consagrados, ou da<br />
criação <strong>de</strong> novas práticas que possam vir a ser consi<strong>de</strong>radas como direitos.<br />
Através <strong>de</strong> documentos <strong>de</strong>claratórios <strong>de</strong> direitos extraídos dos foros e<br />
conferências internacionais, b<strong>em</strong> como através da mídia internacional, por mais<br />
que s<strong>em</strong> força coercitiva, o comportamento dos Estados direciona-se a uma<br />
mo<strong>de</strong>lag<strong>em</strong> e padronização <strong>de</strong> modo que ajudam na construção do Direito<br />
Internacional e do Direito Interno dos países.<br />
Mesmo que ainda existam discussões e dúvidas <strong>em</strong> torno <strong>de</strong>ste novo<br />
direito, não se sabendo ao certo qual a sua verda<strong>de</strong>ira repercussão no direito<br />
34 RAIDS across Brazil free 4,000 slaves. Disponível <strong>em</strong>:<br />
http://www.guardian.co.uk/brazil/story/0,,1687150,00.html. Acesso <strong>em</strong>: 13 abr. 2006, 21:30:00.<br />
Saber. Ciências Sociais Aplicadas, Belém, v.7, n. 1, p.271-292, jan./jun. 2008.
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interno dos Estados, sua existência é inegável, assim como a sua influência<br />
sobre a formação e reafirmação <strong>de</strong> direitos <strong>de</strong>ntro dos or<strong>de</strong>namentos jurídicos <strong>de</strong><br />
cada país.<br />
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