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Nº28 - FEVEREIRO/2010 43<br />
particulares. Cria, também, naqueles que a vivem ou tentam<br />
geri-la, um leque de tensões contraditórias, num contexto<br />
de completa alteração.<br />
Solicitado por uma modernidade global, na qual, muitas<br />
vezes, não tem meios de realmente participar e que<br />
pode contrariar em parte, seu engajamento pessoal em<br />
diversas comunidades de base a que pertence, o indivíduo<br />
sente-se confuso perante a complexidade do mundo moderno,<br />
que altera suas referências habituais. Muitos fatores<br />
reforçam esta sensação de vertigem: o medo das catástrofes<br />
e conflitos que podem atingir a sua integridade;<br />
um sentimento de vulnerabilidade perante fenômenos como<br />
o desemprego, devido à alteração das estruturas laborais;<br />
ou a impotência generalizada, perante uma mundialização<br />
em que podem participar, apenas, alguns privilegiados.<br />
Abalado por ver, assim, postas em causa as bases da sua<br />
existência, o homem contemporâneo corre o risco de encarar<br />
como ameaças as evoluções que se operam além<br />
das fronteiras do seu grupo imediato e de, paradoxalmente,<br />
ser tentado, por um sentimento ilusório de segurança,<br />
a fechar-se sobre si mesmo, com a eventual consequência<br />
de rejeição do outro.<br />
Os dirigentes incumbidos de decisões cruciais enfrentam<br />
uma perplexidade diferente, mas de origem idêntica<br />
numa altura em que as estruturas de organização do Estado-Nação<br />
estão, de algum modo, na ordem do dia, sujeitos<br />
aos imperativos da globalização e, em sentido inverso,<br />
às exigências das comunidades de base.<br />
Desarmados pela rápida sucessão dos acontecimentos,<br />
que parecem por vezes ultrapassar ou frustrar todas as análises,<br />
privados, devido à falta de distanciamento, de critérios<br />
confiáveis para agir, os tomadores de decisões políticas parecem,<br />
muitas vezes hesitar entre posições contraditórias<br />
para justificar seus interesses, muitas vezes não tão claros.<br />
CAPÍTULO 2<br />
DA COESÃO SOCIAL À PARTICIPAÇÃO<br />
DEMOCRÁTICA<br />
Qualquer sociedade humana retira a sua coesão de um<br />
conjunto de atividades e projetos comuns, mas também,<br />
de valores partilhados, que constituem outros tantos aspectos<br />
da vontade de viver juntos. Com o decorrer do tempo,<br />
estes laços materiais e espirituais enriquecem-se e tornam-se,<br />
na memória individual e coletiva, uma herança<br />
cultural, no sentido mais lato do termo, que serve de base<br />
aos sentimentos de pertencer àquela comunidade, e de<br />
solidariedade.<br />
Em todo o mundo, a educação, sob as suas diversas<br />
formas, tem por missão criar, entre as pessoas, vínculos<br />
sociais que tenham a sua origem em referências comuns.<br />
Os meios utilizados abrangem as culturas e as circunstâncias<br />
mais diversas; em todos os casos, a educação tem como<br />
objetivo essencial o desenvolvimento do ser humano na sua<br />
dimensão social. Define-se como veículo de culturas e de<br />
valores, como construção de um espaço de socialização, e<br />
como caminho de preparação de um projeto comum.<br />
Atualmente, os diferentes modos de socialização estão<br />
sujeitos a duras provas, em sociedades ameaçadas pela<br />
desorganização e a ruptura dos laços sociais. Os sistemas<br />
educativos encontram-se, assim, submetidos a um conjunto<br />
de tensões, dado que se trata, concretamente, de<br />
respeitar a diversidade dos indivíduos e dos grupos humanos,<br />
mantendo, contudo, o princípio da homogeneidade<br />
que implica a necessidade de observar regras comuns. Neste<br />
aspecto, a educação enfrenta enormes desafios, e se depara<br />
com uma contradição quase impossível de resolver:<br />
por um lado, é acusada de estar na origem de muitas exclusões<br />
sociais e de agravar o desmantelamento do tecido<br />
social, mas por outro, é a ela que se faz apelo, quando se<br />
pretende restabelecer algumas das “semelhanças essenciais<br />
à vida coletiva”, de que falava o sociólogo francês Emile<br />
Durkheim, no início deste século.<br />
Confrontada com a crise das relações sociais, a educação<br />
deve, pois, assumir a difícil tarefa que consiste em fazer<br />
da diversidade um fator positivo de compreensão mútua<br />
entre indivíduos e grupos humanos. A sua maior ambição<br />
passa a ser dar a todos os meios necessários a uma<br />
cidadania consciente e ativa, que só pode se realizar, plenamente,<br />
num contexto de sociedades democráticas.<br />
Uma educação à prova da crise<br />
das relações sociais<br />
Desde sempre, as sociedades foram abaladas por conflitos<br />
suscetíveis de, nos casos extremos, pôrem em perigo<br />
a sua coesão.<br />
Hoje, contudo, não se pode deixar de dar importância<br />
a um conjunto de fenômenos que, na maior parte dos países<br />
do mundo, surgem como outros tantos índices de uma<br />
crise aguda das relações sociais.<br />
Uma primeira verificação relaciona-se com o agravamento<br />
das desigualdades, ligado ao aumento dos fenômenos de<br />
pobreza e de exclusão. Não se trata, apenas, das disparidades<br />
já mencionadas entre países ou regiões do mundo, mas sim<br />
de fraturas profundas entre grupos sociais, tanto no interior<br />
dos países desenvolvidos como no dos países em desenvolvimento.<br />
A Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social<br />
realizada em Copenhague de 6 a 12 de março de 1995 traçou<br />
um quadro alarmante da situação social atual, recordando<br />
em particular que “no mundo, mais de um bilhão de<br />
seres humanos vivem numa pobreza abjeta, passando a maior<br />
parte deles fome todos os dias”, e que “mais de 120 milhões<br />
de pessoas no mundo estão oficialmente no desemprego<br />
e muitas mais ainda no subemprego”.<br />
Se, nos países em desenvolvimento, o crescimento da<br />
população compromete a possibilidade de se alcançar níveis<br />
de vida mais elevados, outros fenômenos vêm acentuar<br />
o sentimento de uma crise social que atinge a maior<br />
parte dos países do mundo.<br />
O desenraizamento ligado às migrações e ao êxodo rural,<br />
o desmembramento das famílias, a urbanização<br />
desordenada, a ruptura das solidariedades tradicionais de<br />
vizinhança, lançam muitos grupos e indivíduos no isolamento<br />
e na marginalização, tanto nos países desenvolvidos como