Crianças Catarinenses de Descendência Austríaca e Italiana - Unisul
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<strong>Crianças</strong> <strong>Catarinenses</strong> <strong>de</strong> <strong>Descendência</strong> <strong>Austríaca</strong> e<br />
<strong>Italiana</strong>: Valores Culturais-estéticos Predominantes<br />
Vera Lúcia Chacon Valença *<br />
Doutora em Psicologia –Université René Descartes –Sorbonne-Paris V<br />
Universida<strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina<br />
Brasil<br />
Resumo:<br />
Este artigo é o resultado <strong>de</strong> uma pesquisa que teve como objetivo estudar os<br />
valores culturais/estéticos predominantes em crianças brasileiras do Estado <strong>de</strong><br />
Santa Catarina <strong>de</strong> <strong>de</strong>scendência austríaca, italiana, <strong>de</strong> Treze Tílias e Nova<br />
Veneza.<br />
Trata-se da continuação e aprofundamento <strong>de</strong> um estudo, com a mesma<br />
temática, que vem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000, envolvendo crianças catarinenses <strong>de</strong><br />
diferentes etnias/ <strong>de</strong>scendências, perfazendo já um total <strong>de</strong> 1200 crianças.<br />
Nesta etapa, a amostra foi constituída por 104 crianças, <strong>de</strong> oito a 12 anos,<br />
que freqüentam as terceiras e quartas séries do ensino fundamental da Re<strong>de</strong><br />
Municipal <strong>de</strong> Educação.<br />
A sondagem foi realizada através <strong>de</strong> três questionários, dirigidos às crianças,<br />
versando sobre: as Tradições culturais, as Vivências culturais atuais e a<br />
<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> um Padrão Fisico <strong>de</strong> Beleza.<br />
O trabalho foi <strong>de</strong>senvolvido <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma perspectiva intercultural e seus<br />
resultados possibilitaram traçar um perfil do grupo <strong>de</strong> crianças investigado<br />
sobre o tema, permitindo <strong>de</strong>tectar um imaginário tradicional e o seu<br />
<br />
veravalenca@uol.com.br
2<br />
coadjuvante eletrônico.Os resultados subsidiarão as ativida<strong>de</strong>s do Museu das<br />
<strong>Crianças</strong> do Brasil, projeto <strong>de</strong> nossa autoria para o que serão armazenados na<br />
Re<strong>de</strong> do Imaginário Infantil , ferramenta virtual do referido espaço cultural.<br />
Palavras-chave: Tradições; Valores Culturais; Educação Intercultural.<strong>Crianças</strong><br />
catarinenses; Imaginário Infantil.<br />
Santa Catarina Children who are Austrian and Italian<br />
Descen<strong>de</strong>nts: predominant cultural-aesthetic values<br />
Vera Lúcia Chacon Valença *<br />
University of Southern Santa Catarina<br />
Brazil<br />
Abstract<br />
This article presents a profile of Santa Catarina children who are<br />
Austrian and Italian <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nts from Treze Tílias and Nova Veneza, it is the<br />
result of a survey conducted with three questionnaires about the cultural<br />
traditions, the current cultural experiences of children and the <strong>de</strong>finition of a<br />
standard of physical beauty. The purpose of the study is to <strong>de</strong>tect the<br />
predominant cultural and aesthetic values of the group.<br />
The field study was of an exploratory nature, the work will be continued<br />
through other activities, including an attempt to involve children of other<br />
ancestries and ethnicities who are resi<strong>de</strong>nts of municipalities in various regions<br />
of the State. The goal is to establish a Network of Childhood Imagination and to<br />
create The Santa Catarina Children’s Museum.<br />
Key-words: Traditions / Cultural values/ Intercultural education/ Santa Catarina<br />
Children /Chilhood Imagination.<br />
* veravalenca@uol.com.br
3<br />
1. Introdução<br />
Aqueles que se interessam por crianças costumam pesquisá-las<br />
diretamente ( Lev S.Vygotsky,Jean Piaget,Roger Perron, Francesco Tonucci,<br />
Analice Pilar) ou conhece-las através das representações que os adultos fazem<br />
<strong>de</strong>las( Philippe Áries, Gilles Brougère, e novamente Marie José Chombart <strong>de</strong><br />
Lauwe ).<br />
Inspiradas pelos trabalhos dos autores supra mencionados temos<br />
realizado algumas pesquisas sobre a especificida<strong>de</strong> do mundo infantil e neste<br />
artigo apresentaremos alguns resultados provenientes <strong>de</strong> uma pesquisa<br />
realizada com crianças catarinenses que teve por objetivo estudar os valores<br />
culturais-estéticos predominantes em crianças catarinense <strong>de</strong> <strong>de</strong>scendência<br />
austríaca e italiana resi<strong>de</strong>ntes em Treze Tílias e Nova Veneza.<br />
Encontramos em Santa Catarina uma diversida<strong>de</strong> cultural muito rica e<br />
ao mesmo tempo i<strong>de</strong>ntificamos com facilida<strong>de</strong> redutos <strong>de</strong> imigrantes vindos <strong>de</strong><br />
vários paises do mundo. Apesar <strong>de</strong>ssas características, surpreen<strong>de</strong>ntemente,<br />
não localizamos nenhuma pesquisa sobre o tema aqui proposto. A importância<br />
do nosso trabalho consiste também no uso que faremos dos dados da<br />
pesquisa: eles subsidiarão as ativida<strong>de</strong>s do Museu das <strong>Crianças</strong> do Brasil<br />
(M.C.B.), projeto <strong>de</strong> nossa autoria e serão armazenados na Re<strong>de</strong> do Imaginário<br />
Infantil, ferramenta virtual do referido espaço cultural e assim disponibilizados<br />
aos educadores e à comunida<strong>de</strong> em geral.<br />
A amostra foi composta por um grupo <strong>de</strong> 104 crianças, <strong>de</strong> oito a doze<br />
anos , das terceiras e quartas séries do ensino fundamental , da re<strong>de</strong> municipal<br />
<strong>de</strong> Treze Tílias e <strong>de</strong> Nova Veneza. As crianças foram submetidas a três
4<br />
questionários dois dos quais foram preenchidos em sala <strong>de</strong> aula e o primeiro<br />
<strong>de</strong>les, sobre as tradições, foi completado com a ajuda dos pais em suas<br />
residências. Trata-se <strong>de</strong> uma pesquisa exploratória e a ela se segue uma outra<br />
já iniciada ,Memória da Infância, que utilizará a História Oral como método <strong>de</strong><br />
investigação.<br />
Treze Tílias é uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scendência austríaca, com cerca <strong>de</strong><br />
6000 habitantes, fundada em 1933 por Andréas Thaler, que havia sido ministro<br />
<strong>de</strong> agricultura da Áustria. O nome Tílias refere-se a uma árvore existente nos<br />
Alpes, como recorda um poema épico do monge Wilhelm Weber. A referida<br />
colônia foi o único caso <strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> colonização no Brasil realizado pela<br />
Áustria.<br />
Nova Veneza é uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colonização italiana, consi<strong>de</strong>rada a <strong>de</strong><br />
maior concentração <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>scendência no Estado. Os primeiros imigrantes<br />
chegaram em 1891, na sua maioria, agricultores. A cida<strong>de</strong> foi distrito <strong>de</strong><br />
Araranguá, pertenceu à Criciúma, havendo conquistado sua autonomia política<br />
em 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1958.<br />
2. Aportes teóricos:<br />
A criança não cria do nada. Sua imaginação é alimentada pelas<br />
experiências. Mais ricas as experiências, “mantidas as <strong>de</strong>mais circunstâncias,<br />
mais abundante <strong>de</strong>verá ser a fantasia” (Vygotsky, 2003:17). A reelaboração, a<br />
criação <strong>de</strong> novas combinações conduziriam à extrapolação do comportamento<br />
reprodutivo. E o “enlace emocional” entre as emoções, percepções e a eleição<br />
<strong>de</strong> idéias, imagens, impressões, <strong>de</strong> acordo com o estado <strong>de</strong> espírito <strong>de</strong> cada
5<br />
uma <strong>de</strong>las <strong>de</strong>corre da sua capacida<strong>de</strong> seletiva. A essa lei correspon<strong>de</strong>ria,<br />
ainda segundo o mesmo autor, uma outra: a da representação emocional da<br />
realida<strong>de</strong>. A reciprocida<strong>de</strong> entre imaginação e emoção estaria <strong>de</strong>ssa forma<br />
garantida.<br />
Por outro lado as elaborações individuais das experiências ocorrem<br />
sob a influência do grupo cultural ao qual a criança pertence, que disponibiliza<br />
ima espécie <strong>de</strong> “banco <strong>de</strong> imagens”, expressão <strong>de</strong> Gilles Brougère (2004), e<br />
que no processo <strong>de</strong> socialização as crianças se apropriam po<strong>de</strong>ndo lhe dar<br />
novos significados. A apropriação <strong>de</strong> imagens e <strong>de</strong> representações diversas<br />
que transitam por “diversos canais” constituiria a infância. Insistimos na<br />
capacida<strong>de</strong> elaborativa e criativa das crianças como o fazem todos os que a<br />
consi<strong>de</strong>ram seres competentes e ativos.<br />
A relação criança-objeto passa por diversos canais e cada autor<br />
explorou um <strong>de</strong>les. .Brugùere, por exemplo ,lembrou a influência da televisão<br />
sobre a cultura lúdica das crianças, chamando nossa atenção para o fato <strong>de</strong><br />
que tal cultura, como as <strong>de</strong>mais,”não é só formada <strong>de</strong><br />
estruturas <strong>de</strong><br />
brinca<strong>de</strong>iras, <strong>de</strong> manipulações, mas é também simbólica, suporte <strong>de</strong><br />
representações” (2004:51).<br />
Analice Pillar (2001) por sua vez acessou outro aspecto<br />
quando<br />
estudou as imagens televisivas e a sua influência na leitura ,realizada pelas<br />
crianças ,das obras <strong>de</strong> arte.<br />
Outro componente cultural foi aprofundado por Fiorella Giacalone<br />
(1998.p.127) que estudou a importância das festas afirmando que “a festa<br />
apresenta-se como uma resposta coletiva, ritualizada, fundada em símbolos<br />
comuns e compartilhada, instituída diante dos riscos da condição humana”.
6<br />
Francesco Tonucci estudou o viés da cumplicida<strong>de</strong> entre as crianças e<br />
os velhos como seres sociais participativos em cida<strong>de</strong>s italianas <strong>de</strong> porte<br />
médio.<br />
Marie José Chombart <strong>de</strong> Lauwe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1970 vem dando<br />
uma contribuição fantástica inserindo seus trabalhos tanto na observação direta<br />
das crianças bem como sobre as representações que fazem sobre elas os<br />
adultos. Estudos as representações dos escritores sobre o personagem da<br />
criança; observou crianças brincando,estudou inclusive a influências dos<br />
aspectos sociais nas psicopatologias infantis.<br />
Roger Perron (1971) por sua vez contribuiu para a compreensão da<br />
elaboração psicogenética dos valores sociais. Muitos outros autores po<strong>de</strong>riam<br />
ser citados mas selecionamos este pela aproximação com o tema <strong>de</strong> nosso<br />
interesse que envolve a relação sujeito-objeto , individuo- grupo –cultura, e<br />
tudo o que possa estar envolvido no processo <strong>de</strong> socialização: a religião, as<br />
festas,os valores, as brinca<strong>de</strong>iras, as artes, a literatura, a interferência da<br />
televisão, o cinema, as visitas aos museus e feiras artesanais , lembrando<br />
sempre das elaborações pessoais realizadas pelas crianças com relação àquilo<br />
que lhe é transmitido ou disponibilizado pelos grupos sociais.<br />
No nosso o interesse é o <strong>de</strong> saber: quais são os valores culturalestéticos<br />
predominantes em crianças <strong>de</strong> diferentes <strong>de</strong>scendências/ etnias e<br />
como po<strong>de</strong>remos utilizar essas informações na educação formal ou informal.<br />
Este artigo apresenta apenas uma parte da amostra : 104 crianças, das 1200 já<br />
investigadas.Nos <strong>de</strong>teremos portanto nas <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes austríacas e italianas.
7<br />
<strong>Crianças</strong> catarinenses <strong>de</strong> <strong>de</strong>scendência austríaca e italiana :<br />
tradições, vivências e padrão <strong>de</strong> beleza.<br />
Iniciamos o trabalho investigando as Tradições Culturais. O<br />
questionário foi respondido em casa com a participação dos pais. O foco <strong>de</strong>sse<br />
questionário foi i<strong>de</strong>ntificar: a <strong>de</strong>scendência, a religião praticada, as festas<br />
comemoradas em família; as boas recordações, os costumes que <strong>de</strong>sejam<br />
preservar e, finalmente, os mo<strong>de</strong>los i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> menino e menina.<br />
A maioria das crianças da amostra é <strong>de</strong>scen<strong>de</strong> italiana (em Nova<br />
Veneza a maioria 90% , e em Treze Tílias cerca <strong>de</strong> 30 %). Elas disseram que<br />
as festas mais comemoradas são o Natal e a Páscoa festas que representam a<br />
estrutura religiosa <strong>de</strong> ambas as comunida<strong>de</strong>s e simbolizam o nascer e renascer<br />
para os cristãos. Os aniversários foram também citados e são mais<br />
comemorados entre as italianas. Para o conjunto <strong>de</strong> crianças o que há <strong>de</strong> mais<br />
importante nas festas é a troca <strong>de</strong> bens simbólicos: a “reunião da família, a<br />
presença dos amigos, o todo mundo junto”. É isso que <strong>de</strong>clararam como sendo<br />
as melhores recordações das festas. A importância dada á reunião da família<br />
po<strong>de</strong> ser em parte entendida na direção apontada Zotz que afirmou que as<br />
festas italianas têm sentido “familiar, histórico e cultural.”( 2002; 93). No entanto<br />
po<strong>de</strong>mos também ressaltar a gran<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre as crianças e seus pais<br />
nessa faixa etária , <strong>de</strong> 8 a 12 anos.Inclusive<br />
Perron (1971) afirmou a<br />
conformida<strong>de</strong>, uma gran<strong>de</strong> aproximação das crianças nessa faixa etária com<br />
os valores parentais. O testemunho das crianças sobre a importância da família<br />
<strong>de</strong>veria estimular os educadores sejam eles pais ou não, a propiciar uma<br />
maior freqüência <strong>de</strong>sses encontros e além disso realizar parcerias entre os
8<br />
adultos, velhos inclusive , e crianças.Esse tipo <strong>de</strong> parceria já tem dado<br />
excelentes resultados em várias experiências na Itália<br />
que contam com o<br />
suporte <strong>de</strong> pesquisadores como Francesco Tonucci (2003) que propõe um<br />
modo novo <strong>de</strong> pensar a cida<strong>de</strong>. A experiência ali realizada estimula uma maior<br />
cumplicida<strong>de</strong> entre<br />
as crianças e os adultos em especial os velhos.As<br />
<strong>de</strong>cisões sobre o que po<strong>de</strong> ser realizado nas cida<strong>de</strong>s e que afetam os<br />
moradores , como por exemplo o uso dos espaços públicos, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
jardins, <strong>de</strong> faixas para pe<strong>de</strong>stres, etc escutam as opiniões <strong>de</strong>ssas duas<br />
categorias sociais.<br />
As nossas crianças <strong>de</strong>clararam que gostam <strong>de</strong> ouvir conversas “<strong>de</strong><br />
adultos” particularmente as piadas que são contadas durante as festas (as<br />
<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes austríacas) e as conversas das rodas <strong>de</strong> chimarrão (<br />
<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes italianas) sobre as tradições “gauchescas”( sim porque há a<br />
imigração interna também no estado). E vão aparecendo os elementos da<br />
nossa cultura hibrida como salientou Canclini (1998) cujos componentes são<br />
também encontrados nas preferências musicais das crianças das duas<br />
<strong>de</strong>scendências: elas gostam <strong>de</strong> dançar rock e pago<strong>de</strong> (em Treze Tílias) e funk<br />
(em Nova Veneza). Ao mesmo tempo participam dos corais e usam trajes<br />
típicos do pais <strong>de</strong> origem. A maioria se sente orgulhosa por usá-los, porém<br />
esse sentimento não é compartilhado por todos: existem aqueles que se<br />
sentem “fantasiados, bregas, envergonhadas, pouco à vonta<strong>de</strong> por se vestirem<br />
assim.<br />
As “italianinhas” contaram com entusiasmo os almoços dos domingos, após os<br />
quais se joga: bocha, futebol. Elas fizeram referências aos passeios e<br />
acampamentos colocando-os nas categorias <strong>de</strong> festas. (em Nova Veneza).
9<br />
Esses resultados confirmam a informação dada por Zotz (2002) sobre a<br />
importância do almoço dos domingos para os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes italianos. Isto,<br />
porém só foi citado em Nova Veneza.Esse hábito porém não foi citado em<br />
Treze Tílias pelas <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes italianas: não sabemos se ainda persiste.<br />
Além <strong>de</strong>sses aspectos vinculados estreitamente à socialização foram também<br />
referidas a organização e a animação das festas. Da organização foram<br />
valorizadas as exposições <strong>de</strong> trabalhos manuais, as competições, e os amigos<br />
secretos. Com relação á animação foram lembradas: as musicas e os pratos<br />
típicos. Aspectos da organização ou mesmo da animação das festas tais como:<br />
as comidas típicas, chocolates, pipoca, os presentes; as brinca<strong>de</strong>iras, a música<br />
e a dança ficaram em segundo plano. Ouvir as piadas contadas nas festas e as<br />
italianas adoram participar O corpo das crianças nas festas se expan<strong>de</strong>: elas<br />
gostam <strong>de</strong> dançar, <strong>de</strong> brincar <strong>de</strong> ficar <strong>de</strong> lá pra cá!<br />
As crianças <strong>de</strong>sejam preservar as festas, as línguas alemã e italiana,<br />
o hábito <strong>de</strong> tomar a bênção antes <strong>de</strong> dormir, as orações:“rezar pela paz do<br />
mundo”. Há um misto <strong>de</strong> jogo e <strong>de</strong> religiosida<strong>de</strong> nos encontros e nas festas.<br />
Do repertório das aprendizagens com os mais velhos elas citaram:<br />
estórias, canções, jogos (vôlei, futebol, bocha, baralho), a língua, a ver<br />
televisão e, sobretudo as novelas, a festejar o Natal, a Páscoa, os aniversários,<br />
o Dia das <strong>Crianças</strong> (este mais festejado nas escolas), o Dia das Mães, o dos<br />
Pais, algumas músicas, (Capelinha <strong>de</strong> Melão,<br />
Borboletinha, Ciranda<br />
Cirandinha), brinca<strong>de</strong>iras (amarelinha, faca cega, pega-pega, caçador, Três<br />
Marias), lendas (Mula-sem-cabeça, o Saci), estórias (João e Maria,<br />
Chapeuzinho Vermelho, Branca <strong>de</strong> Neve e os Sete Anões, A Ilha Perdida),<br />
Trava línguas (O rato roeu a roupa do rei <strong>de</strong> Roma; a rainha, <strong>de</strong> raiva, roeu o
10<br />
resto). E entre as <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes italianas o ditado popular ”Chi vol far el passo<br />
piú <strong>de</strong> la gambá, se abrega al cavaleto”.<br />
Elas aproveitam o tempo livre para assistir televisão ,andar <strong>de</strong> bicicleta<br />
e moto, jogar (bola, vôlei, futebol, pingue-pongue, bay-bla<strong>de</strong>, ví<strong>de</strong>o game, no<br />
computador), brincar com os animais (, cães e gatos, andar a cavalo e laçar<br />
bois). Também brincam <strong>de</strong> casinha, <strong>de</strong> carrinho, <strong>de</strong> balanço, <strong>de</strong> caçador,<br />
peteca, <strong>de</strong> pular corda, <strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r, pega-pega, <strong>de</strong> boneca, <strong>de</strong> circo. Algumas<br />
gostam <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfilar, cantar, tocar violão, fazer <strong>de</strong>veres, ler, passear, tomar<br />
sorvete.<br />
A maioria gosta <strong>de</strong> assistir na televisão: filmes, programas<br />
<strong>de</strong> esporte e também novelas. Estas são assistidas tanto pela menina quanto<br />
pelo menino. Elas criticam na televisão os filmes pornôs, qualquer menção à<br />
violência, terrorismo e morte. Detestam os programas Big Brother Brasil e Casa<br />
dos Artistas (Realities shows), e <strong>de</strong> “brigas e baixarias”. Não se interessam por<br />
programas <strong>de</strong> auditório: Faustão (Globo) e Gugu (SBT).<br />
As crianças da nossa amostra afirmaram que os gêneros <strong>de</strong> filmes<br />
preferidos são: terror, luta (sobretudo entre os meninos), romance e também<br />
comédia (particularmente entre as meninas). Constatamos que as crianças<br />
leem pouco..<br />
Só a meta<strong>de</strong> das crianças já esteve num cinema, porém elas gostam<br />
<strong>de</strong> filmes e os assistem na telinha entre os quais citaram: Olhos famintos, Xuxa<br />
Pop Star, Rei Leão, A Noviça Rebel<strong>de</strong>, Jack Cham, Esqueceram <strong>de</strong> mim, Nem<br />
que a vaca tussa, Senhor dos anéis, 101 dálmatas, As meninas Super<br />
Po<strong>de</strong>rosas, Parque dos Dinossauros, O professor bugiganga, Polícia da<br />
pesada, Homem Aranha, Didi em confusão, Batman e Robin, Jesus filho <strong>de</strong>
11<br />
Maria, O lago dos cisnes, Titanic, Lagoa Azul. Entre os filmes <strong>de</strong> ação, os<br />
preferidos são os <strong>de</strong> Jean Clau<strong>de</strong> van Damme e Matrix. Interessante observar<br />
que elas já não mais se interessam tanto pelos <strong>de</strong>senhos animados que são<br />
os preferidos pelos pré-escolares e foram tão minuciosamente analisados por<br />
Maria Felisminda <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong> e Fusari(1985)..<br />
No que diz respeito á hierarquia <strong>de</strong> valores pessoais é possível dizer<br />
que o menino <strong>de</strong>ve ser: “bonzinho, alegre, feliz, bonito e responsável”; as<br />
meninas “legais, carinhosas, lindas, fofinhas, calmas, dançarinas, bonitas,<br />
responsáveis”. Entre nós se espera também das meninas que sejam “calmas,<br />
carinhosas e dançarinas”! Na busca dos valores pessoais foi <strong>de</strong>stacada a<br />
“educação”, porém entre as <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes italianas ser educado é” respeitar os<br />
mais velhos”, enquanto que para as <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes austríacas significa “ser<br />
reservado”. Verificamos a gran<strong>de</strong> similitu<strong>de</strong> nos valores dos dois municípios<br />
bem como entre os atributos dos dois gêneros. Recorremos aos resultados<br />
encontrados por Perron (1971) na França e percebemos que a beleza entre as<br />
francesas era um valor atribuído aos meninos, entre nós ela é fundamental<br />
para ambos os sexos. O poeta Vinicius <strong>de</strong> Moraes já afirmava “Me <strong>de</strong>sculpem<br />
as feias, mas a beleza é fundamental”.. .<br />
Mas <strong>de</strong> qual beleza estariam elas falando? A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> um padrão<br />
<strong>de</strong> beleza física foi realizada a partir do que chamamos <strong>de</strong> corpo estético. A<br />
beleza tem: “pele branca, olhos azuis, cabelos loiros, lisos, curtos ou<br />
compridos, estatura média ou alta.” O padrão <strong>de</strong> beleza é <strong>de</strong>terminado pela cor<br />
da pele, seguida da cor dos olhos e do tipo <strong>de</strong> cabelo. Trata-se do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
beleza <strong>de</strong> consumo especialmente o divulgado peça televisão. Porém<br />
diferentemente do que prevê Umberto Eco (2004) o mo<strong>de</strong>lo proposto não
12<br />
chega a ser generoso... Pobres ou ricos <strong>de</strong>vem se parecer, se comportar e se<br />
vestir como os atores das novelas e cantores.<br />
A beleza é personificada por Kelly Kee; Débora Secco, Sandy, e Jr.<br />
Vanessa Camargo. Caroline Dickman, Sheila Carvalho, Juliana Paes,Scheila<br />
Mello, Xuxa, Cláudia Raia Felipe Dylon e Jr da dupla Sandy e Jr ,Letícia (da<br />
série Malhação) todos <strong>de</strong> pele clara , a maioria <strong>de</strong> cabelos lisos. Cabelos loiros<br />
ou não. A única exceção a esse tipo <strong>de</strong> beleza foi Thais Araújo, atriz <strong>de</strong><br />
televisão, negra. Não é <strong>de</strong> se estranhar que nesse clima a criança negra tenha<br />
sua auto-estima muito abalada.<br />
Entre crianças o racismo po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>tectado como o <strong>de</strong>monstra tão<br />
bem Rita <strong>de</strong> Cássia Fazzi (2004) .E nos o observamos.Faz-se urgente que<br />
utilizemos ações educativas eficazes para evitar o preconceito e suas<br />
conseqüências nefastas .<br />
Vejamos as respostas <strong>de</strong> algumas crianças a<br />
respeito.<br />
As crianças se acham bonitas: “porque faço topete”, “venho limpo à<br />
escola”,,” sou o menino das meninas”,”Deus me fez assim”,<br />
”eu sou<br />
inteligente”. Porém alguns se acham feios por “terem as orelhas abertas”, “por<br />
terem pintinhas no rosto”, “porque “queriam ser brancos”. Nas alternativas para<br />
se tornar mais bonito elas reafirmaram o mo<strong>de</strong>lo consumista <strong>de</strong> beleza.Fariam:<br />
“plástica, tratamento para retirar as sardas da pele, freqüentariam aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong><br />
ginástica, emagreceriam, iriam ao salão <strong>de</strong> beleza, pintariam os cabelos,<br />
usariam gel, fariam topete; comprariam roupa <strong>de</strong> grife, usariam jóias e<br />
comprariam limusine”. Muitas já freqüentaram salão <strong>de</strong> beleza, on<strong>de</strong> fazem<br />
trancinhas, topete, rabicó, chapa, elas já tingem os cabelos, fazem penteados<br />
<strong>de</strong> “cantor <strong>de</strong> rock” e <strong>de</strong> “surfista”. E para os que se sentem feios a solução
13<br />
apontada foi “se vestir <strong>de</strong> máscara”...ou “jogar um bal<strong>de</strong> <strong>de</strong> tinta branca em<br />
mim”!. A chamada “beleza interior “entre as crianças não convence, apenas<br />
uma vez foi refererida.A beleza nórdica que reina ,tropicalizada com o uso <strong>de</strong><br />
roupas <strong>de</strong>spojadas , coloridas e leves. O corpo como objeto <strong>de</strong> arte, o próprio<br />
ou o <strong>de</strong> alguém <strong>de</strong> alguém <strong>de</strong> quem gostam( particularmente o da mãe)está<br />
sujeito na vida cotidiana à<br />
transformar-se em um objeto que <strong>de</strong>ve ser<br />
encoberto com uma máscara,( “criança que se acha feia”) “pintado com tinta<br />
branca”( criança negra da nossa amostra) ou ainda “esculpido” com silicone<br />
porque as aca<strong>de</strong>mias <strong>de</strong> ginástica já não seriam suficientes para molda-los<br />
aos padrões <strong>de</strong> beleza vigentes. A estética corporal é <strong>de</strong>terminada pelas<br />
representações sobre o corpo belo passado pela mídia. Para além das<br />
percepções as crianças constituem a partir das imagens corporais o corpo belo:<br />
o seu e o dos outros. È assim que ele po<strong>de</strong> se tornar , como afirma Jeudi<br />
(2002,p. 16) tanto uma “fonte <strong>de</strong> prazeres como manifestação <strong>de</strong> dor”. É disso<br />
também que os educadores precisam cuidar.
14<br />
Inquiridas sobre suas preferências quanto ás formas <strong>de</strong> expressão elas<br />
citaram à música, <strong>de</strong>pois a dança e finalmente a pintura.<br />
Indagadas sobre se <strong>de</strong>senvolviam alguma ativida<strong>de</strong> artística, elas<br />
respon<strong>de</strong>ram afirmativamente: <strong>de</strong>senham/ pintam, cantam , dançam. Ainda<br />
afirmaram que tocam gaita e violão. Alguns jogam futebol, fazem piruetas,<br />
estrela, sobem em postes e árvores, bordam e montam bichinhos. Elas<br />
consi<strong>de</strong>ram tudo isso como sendo arte. As crianças transitam muito à vonta<strong>de</strong><br />
entre os artistas clássicos, os locais e os televisivos. Entre os clássicos citaram<br />
Van Gogh, Tarsila do Amaral e Portinari.<br />
Nas telas as temáticas escolhidas por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> preferência são:<br />
paisagens, figuras <strong>de</strong> animais, frutas, flores e finalmente as também pessoas.<br />
Elas gostam <strong>de</strong> quadros bem coloridos. Os temas citados e a interpretação que<br />
<strong>de</strong>ram ao que consi<strong>de</strong>raram como sendo obras <strong>de</strong> arte estão <strong>de</strong>ntro do<br />
esperado para a faixa etária: fase esquemática.<br />
Quando lhes perguntamos se conheciam pessoalmente algum artista,<br />
embora tenhamos explicado o termo ‘pessoalmente’, elas citaram os<br />
televisivos. E em especial os da novela e os cantores.<br />
Há apenas uma aparente incoerência com o que foi afirmado antes: o terror, a<br />
violência só é aceitável em filmes, ajudando inclusive à resolução simbólica dos<br />
seus conflitos. Na vida real elas dizem que não os suportam, rejeitam
15<br />
programas do tipo Linha Direta e os jornais falados que exploram temas <strong>de</strong><br />
violência<br />
Meninos e meninas brasileiros:<br />
As crianças investigadas apresentaram características comuns a<br />
quaisquer crianças da mesma faixa etária. São crianças espontâneas, alegres,<br />
que não gostam <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> sexo explícito, <strong>de</strong> fofocas e “baixarias”. Entre<br />
os <strong>de</strong>senhos e os romances das novelas e dos filmes, buscam seus<br />
namoradinhos (as) e, ao mesmo tempo, se cuidam para se tornarem mais<br />
bonitas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo bem consumista.<br />
As brinca<strong>de</strong>iras universais predominam. Passeiam entre estórias,<br />
salões <strong>de</strong> beleza, novelas. Caminham <strong>de</strong> tênis ou plataformas, um pouco<br />
crianças, um pouco adultos, com cabelos tingidos, trançados, arrepiados, <strong>de</strong><br />
surfista. Gostam <strong>de</strong> música e dança pipoca e chocolate, almoços italianos,<br />
comidas alemãs, orações e, particularmente, <strong>de</strong> participar dos grupos<br />
folclóricos <strong>de</strong> danças ou música. Os trajes típicos são motivo <strong>de</strong> orgulho só<br />
para algumas, outros se sentem “fantasiados” ou “bregas. ao usa-los.<br />
Valorizam a família e a união da família nas festas. Entre uma comemoração e<br />
outra , um tempo e outro, as tradições gaúchas parecem representar, ao<br />
mesmo tempo, a “tranqüilida<strong>de</strong>” das festas tradicionais dos paises <strong>de</strong> origem e<br />
a possibilida<strong>de</strong> da juventu<strong>de</strong> “dançar” se constituindo numa boa alternativa <strong>de</strong><br />
confraternização. O Natal e a Páscoa são muito comemorados e nessas festas<br />
o que importa são as trocas simbólicas: a união da família e a presença <strong>de</strong><br />
amigos. Regados á musicas, comidas típicas, piadas, brinca<strong>de</strong>iras e orações<br />
as crianças se i<strong>de</strong>ntificam com as tradições dos antepassados e participam das
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transformações orquestradas sobretudo pela influência da televisão que<br />
aproximou muito as respostas entre os dois grupos investigados: <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes<br />
italianos e austríacos.<br />
Com relação à hierarquia <strong>de</strong> valores sociais elas <strong>de</strong>clararam que as<br />
crianças <strong>de</strong>vem ser educadas, responsáveis e bonitas. A menina, também,<br />
precisa também ser “carinhosa”, “calma” e “dançarina”<br />
surgindo, assim,<br />
características <strong>de</strong> gênero.. Diferentemente dos resultados <strong>de</strong> Perron, que<br />
constatou que a beleza era fundamental só para a menina francesa entre nós<br />
meninos e meninas precisam ser bonitos. A beleza tem pele clara, cabelos<br />
lisos, olhos azuis. A plástica, com uso do silicone já é apontada como<br />
alternativa para os que <strong>de</strong>sejam se tornar ainda mais bonitos.<br />
O conceito <strong>de</strong> obra-<strong>de</strong>-arte é abrangente: inclui artesanato, tudo que a<br />
criança gosta e todos <strong>de</strong> quem gosta inclusive pessoas e animais. Jogos<br />
(futebol em particular), ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> costura, bordado e tricô, são vistos como<br />
obras <strong>de</strong> arte.<br />
Fomos surpreendidos por uma postura crítica da maioria das crianças<br />
face aos programas <strong>de</strong> televisão; elas não gostam <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> “baixarias”,<br />
<strong>de</strong> “violência”, e acham que eles <strong>de</strong>veriam ser proibidos.<br />
Observamos que é necessário ampliar o mundo das crianças,<br />
particularmente no que diz respeito à por leitura, arte e inovações tecnológicas.<br />
Usar melhor seu potencial para música e dança e particularmente minimizar os<br />
efeitos dramáticos dos mo<strong>de</strong>los transmitidos pela mídia sobre o padrão físico<br />
<strong>de</strong> beleza. Agindo assim estaríamos trabalhando contra os preconceitos raciais<br />
e evitando sofrimentos <strong>de</strong>snecessários.
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.Esperamos com Reinaldo Fleuri (1998) que a partir <strong>de</strong> uma educação<br />
intercultural, aqui consi<strong>de</strong>rada num sentido amplo, possamos enfrentar os<br />
estereótipos e as “disparida<strong>de</strong>s econômico-sociais abrindo caminhos para a<br />
relação <strong>de</strong> cooperação”, que “significa a articulação criativa entre sujeitos<br />
diferentes e autônomos” (1998:49).<br />
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