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Página 10 <strong>Jornal</strong> MARANDUBA <strong>News</strong> 04 Outubro 2010<br />
Gente apaixonada por Ubatuba: A saga Patural (parte III)<br />
JOSE´RONALDO DOS SANTOS<br />
Na parte precedente, dona<br />
Silvia descreveu a parte emocionante<br />
de iniciar algo novo em<br />
uma realidade totalmente estranha.<br />
Logo o casal percebeu<br />
que, os seres humanos, apesar<br />
de espalharem por todo o globo<br />
e de apresentarem infinitos<br />
aspectos culturais, também têm<br />
vícios idênticos, cobiçam sempre,<br />
sentem inveja etc. Isso é<br />
tão desgastante como um vizinho<br />
que quer obrigar os demais<br />
a suportarem o mesmo “gosto”<br />
musical, no mesmo volume ignorante,<br />
algo muito frequente<br />
em nossa cidade. Dependendo<br />
do tipo de vizinho vira “caso de<br />
polícia”, pois existe uma lei a<br />
ser cumprida não só por donos<br />
de quiosques, mas por qualquer<br />
morador ou visitante deste município.<br />
Afinal, nós pagamos impostos<br />
que também incluem ter<br />
sossego em nosso próprio lar!<br />
Porém, o que nos interessa agora<br />
é a continuidade da história<br />
da família Patural. Por altivez,<br />
compreensão, sobretudo com<br />
muita paciência, Jean-Pierre<br />
ultrapassou pequenos desgastes<br />
para poder voar mais alto.<br />
Tinha urgência em suas realizações;<br />
talvez tivesse a intuição<br />
de que dispunha de um tempo<br />
exíguo a escapar como areia<br />
seca nas mãos. Vislumbrou o<br />
quanto seria útil um outro meio<br />
de transporte. Sua casa se tornou<br />
um ponto de referência aos<br />
moradores quando os recursos<br />
culturais, a sabedoria popular já<br />
se esvaía como esperança. Um<br />
morador daquelas paragens me<br />
disse em certa ocasião: “O meu<br />
filho é vivo porque o francês tinha<br />
um avião que o socorreu.<br />
Ele levou a Taubaté o menino<br />
picado de cobra”.<br />
Imaginem um avião no jundu<br />
do Ubatumirim! Com a palavra,<br />
a corajosa e fiel companheira,<br />
dona Silvia:<br />
“O barco ajudava, mas mesmo<br />
assim, devido ao gênio de<br />
praticidade do meu marido, era<br />
necessário outra alternativa de<br />
transporte que diminuísse a<br />
perda de tempo. Havia também,<br />
no caso do barco, uma dependência<br />
das condições do mar.<br />
Nesse ínterim já tínhamos construído<br />
a nossa primeira casa no<br />
Ubatumirim. Assim, Jean-Pierre<br />
resolveu adquirir um avião, ou<br />
melhor, encomendou as instruções<br />
de uma empresa francesa.<br />
Novamente o nosso quintal em<br />
Taubaté se transformou. Agora<br />
era um hangar. Logo estava<br />
pronta a fuselagem; as asas deram<br />
mais trabalho. Um serviço<br />
que mais me impressionou foi a<br />
confecção da hélice: dos pedaços<br />
de madeira marfim surgiram<br />
as pás com suas aerodinâmicas<br />
perfeitas. Depois de pronto ele<br />
saiu do nosso quintal seguindo<br />
o mesmo modo da retirada do<br />
barco.<br />
Após aprovação do Centro<br />
Técnico Aeroespacial de São<br />
José dos Campos, Jean-Pierre<br />
tirou brevê de piloto no Campo<br />
de Marte, em São Paulo. Aí<br />
foi uma maravilha!!! A partir<br />
de Pindamonhangaba, pois<br />
em Taubaté não havia campo<br />
de aviação, levávamos trinta<br />
e oito minutos até alcançarmos<br />
a nossa área de pouso<br />
no Ubatumirim, que construímos<br />
na proximidade da nossa<br />
casa. Na cabine havia espaço<br />
para duas pessoas; a Patrícia<br />
viajava no colo.<br />
Aproveitávamos as férias escolares<br />
todas na roça. Quando<br />
a Patrícia tinha quatro anos,<br />
nasceu Jean-Pierre Patural Júnior.<br />
É, pois é! Ele nasceu no<br />
Ubatumirim!<br />
Ele veio antes do previsto.<br />
Essas coisas acontecem; as<br />
mulheres entendem bem disso:<br />
as crianças não nascem no<br />
dia em que achamos que vão<br />
nascer. Estávamos no Ubatumirim,<br />
na nossa aconchegante<br />
casinha, quando comecei a<br />
sentir as contrações. Só que eu<br />
não fiquei nem um pouco preocupada,<br />
pois confiava muito<br />
no meu marido. Ele também<br />
era zootecnólogo; tinha sido o<br />
parteiro no momento do nascimento<br />
da Patrícia, em nossa<br />
casa de Taubaté. E, convenhamos,<br />
cá entre nós: não existe<br />
muita diferença entre o parto<br />
de uma mulher e o parto de<br />
uma vaca. Além do mais eu<br />
pensava: muitas mulheres já<br />
deram à luz neste lugar, com<br />
condições mínimas de higiene;<br />
seus filhos estão todos vivos.<br />
Isso sem contar que tínhamos<br />
uma farmácia bem montada<br />
para atender, em casos de<br />
emergência, a população local.<br />
Ah!!! Quantas vezes ela foi<br />
usada!!!<br />
Assim nasceu a nossa segunda<br />
criança. A única inconveniência<br />
foi a falta de roupinhas e<br />
de fraldas para protegê-lo. Um<br />
lençol, que ainda era parte do<br />
nosso enxoval, foi cortado em<br />
pedaços regulares e resultou<br />
em oito fraldas. Ah! Nós mantínhamos<br />
na praia um ponto<br />
comercial, uma “vendinha”,<br />
para atendimento, sobretudo,<br />
dos empregados. Lá tinha, inclusive,<br />
o morim, que era um<br />
tecido muito barato. Foi de lá<br />
que o meu marido trouxe os<br />
panos que eu os transformei,<br />
costurando a mão, em várias<br />
pecinhas de roupas. Um balaio<br />
serviu de berço para o bebê.<br />
(Neste momento, a entrevistada<br />
vai buscar uma peça de roupa<br />
infantil minúscula já amarelada,<br />
dizendo que era azul. É<br />
uma relíquia feita com todo o<br />
carinho que só uma mãe muito<br />
sensível é capaz de conservá-<br />
-la por meio século). É deste<br />
tempo a nossa relação com a<br />
caiçara Carmem”.