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Página 12 <strong>Jornal</strong> MARANDUBA <strong>News</strong> 04 Outubro 2010<br />
Gente da nossa história: Andrelino Perez - O homem São Cruzeiro<br />
EZEQUIEL DOS SANTOS<br />
Andrelino Perez nasceu no<br />
trecho compreendido entre a<br />
Lagoinha e o Bonete em 14<br />
de fevereiro de 1906, filho de<br />
Valentim Perez, um viajante<br />
do mar e de Maria Francisca<br />
da Conceição uma lavradora e<br />
dona de casa. Desde menino<br />
souberam que ele seria diferente,<br />
e realmente foi, não só<br />
pela estatura, mas pelo coração,<br />
pela alma, pela honradez<br />
e pela educação que possuía.<br />
Casou-se com Georgina Maria<br />
de Oliveira. Deste matrimônio<br />
nasceram os filhos Manoel,<br />
Maria, Benedito, Francisca,<br />
Rosa e Edna. Muitos netos e<br />
bisnetos caminham hoje pelas<br />
estradas que Andrelino ainda<br />
viu “carreiros” e trilhas. Sua<br />
família sempre foi sua primeira<br />
paixão. Chegou a morar na<br />
Caçandoca. Os mais respeitados<br />
membros do Sapé e da<br />
<strong>Maranduba</strong> na época eram:<br />
Andrelino, Nestor, Maria Balio<br />
e João Paulo.<br />
Devoto de Nossa Senhora<br />
Aparecida, ele ajudava na<br />
acolhida do pessoal da Folia<br />
de Reis e do Divino. Para<br />
ele a chegada desta tradição<br />
religiosa e cultural era uma<br />
honra e alimentava as esperanças<br />
na lida do dia-a-dia.<br />
Na época a sua casa era pequena<br />
e não cabia a acolhida,<br />
mais ele colaborava para que<br />
os foliões ficassem na casa do<br />
compadre Nestor ou Leôncio.<br />
Andrelino trabalhou por muitos<br />
anos nos bananais em<br />
Santos, época que iam a pé<br />
e levavam em média quatro<br />
dias até o serviço.<br />
Quem o conheceu sabe que<br />
ele não era muito de pesca,<br />
mas presenciaram-no pescando<br />
nas puxadas de rede. Em<br />
Santos ele trabalhava muito,<br />
usava “Sapatão Bandarra” e<br />
ou “Colordino” (sapatos confeccionados<br />
de couro cru, costurado<br />
grosseiramente e com<br />
uma sola grossa e alta, que de<br />
tão duro machucava os pés e<br />
só depois de muito tempo ele<br />
amaciava) que duravam muito<br />
tempo, cerca de uma década<br />
de uso. Quando chegou aos<br />
bananais ele se assustou com<br />
o número de “musquitinho<br />
pórva” (mosquito<br />
pólvora), que de tanto,<br />
chegavam a “carregar”<br />
uma galinha grande em<br />
noite de lua cheia.<br />
Certa vez fez uma<br />
aposta com os camaradas<br />
dos bananais de<br />
quantos cachos de bananas<br />
cada um conseguia<br />
levantar (jogar no<br />
ombro). Muitos foram<br />
às especulações e risos,<br />
mas ela conseguiu<br />
ganhar aposta, conseguiu<br />
jogar ao ombro<br />
17 cachos de bananas.<br />
Mas este monte de cachos<br />
nos ombros às<br />
vezes o atrapalhava. É<br />
que alguns moleques<br />
da época, que hoje são<br />
avós, se escondiam nos<br />
bananais e esperavam<br />
seu Andrelino chegar<br />
perto das pinguelas que<br />
atravessavam o Rio do<br />
Boi e ao pisar no meio<br />
da pequena ponte, os<br />
moleques arteiros balançavam<br />
a ponte até<br />
Andrelino cair com os<br />
cachos e tudo na água.<br />
Pensa num homem<br />
bravo! Pensa!<br />
Quando não era isto amarravam<br />
o capim para ele, e<br />
outros caírem no caminho. Ô<br />
molecada arteira! Hoje “ralham”<br />
com os netos. Andrelino<br />
gostava mesmo é da roça.<br />
Mesmo quando sofreu o primeiro<br />
infarto ficava até a noite<br />
na roça, a esposa ia buscá-lo.<br />
Na <strong>Maranduba</strong> e no Ingá ele<br />
saía de casa no cerão da noite<br />
e voltava depois que as galinhas<br />
subiam no poleiro. No<br />
Ingá sua roça foi onde atualmente<br />
é o campo do Campo<br />
Beira Rio, sua casa de farinha<br />
ficava onde é a nascente. Certa<br />
vez comprou um cavalo do<br />
compadre Mané Belo para ajudá-lo<br />
a carregar os cachos de<br />
bananas. O cavalo na realidade<br />
o deixava furioso, é que o<br />
cavalo era velho demais para<br />
carregar peso e segundo o<br />
próprio Andrelino ele carregava<br />
bananas por dez metros e<br />
caía no chão, “arriava”. Andrelino<br />
dizia que já teve reumatismo,<br />
cansaço, mas o cavalo ia<br />
matá-lo, de raiva. Nesta roça<br />
no Ingá ele plantava de tudo.<br />
Tinha milho, feijão, arroz, batata,<br />
cana, mandioca, cará,<br />
mamão, não faltava nada.<br />
Andrelino foi um homem acima<br />
da média de estatura para<br />
os homens da época,<br />
tinha ainda uma força<br />
física invejável e uma<br />
força de vontade que<br />
sempre utilizava como<br />
exemplo para o bem,<br />
para a união e a construção<br />
da comunidade.<br />
Sua estatura rendeu-<br />
-lhe o apelido de São<br />
Cruzeiro, quando ele<br />
vinha pela praia da<br />
Lagoinha até o Sapé,<br />
todos sabiam quem<br />
era, diziam: “Lá vem o<br />
São Cruzeiro no meio<br />
daqueles homens.”<br />
Na <strong>Maranduba</strong>, por<br />
volta de 1952, na<br />
Rua do Eixo existia<br />
a “venda” do Hipólito<br />
Alexandre da Cruz.<br />
Num dado momento<br />
os compadres Xico Pinhai<br />
estranhou Élcio<br />
Salomão. Começou a<br />
briga dentro da venda,<br />
derrubaram tudo que<br />
estava de pé. Vendo<br />
a situação Andrelino<br />
calmamente entrou no<br />
recinto, catou o Chico<br />
pelo “cóis” da calça<br />
e o lançou por cima<br />
do balcão que caiu na<br />
entrada do estabelecimento.<br />
O outro viu a cena,<br />
se levantou e caminhou para<br />
fora, ficou com medo de ser<br />
lançado por cima do balcão<br />
por Andrelino. A briga acabou<br />
ali como se não tivesse começado.<br />
“Que pôca vergonha,<br />
lhéi só, á mode!”.<br />
Seu Andrelino por fora era<br />
assim fisicamente: magro, alto<br />
e muito forte, mas dentro de<br />
toda esta rigidez escondia um<br />
homem bom que tinha como<br />
segunda paixão a roça. Justo,<br />
sério, calmo, gostava das coisas<br />
certas, não levava desaforo<br />
pra casa, tirava a camisa<br />
para oferecer a quem não tinha.<br />
Homem de passos largos<br />
e firmes não tinha ninguém<br />
melhor para cobrir uma casa<br />
de sapé, o acabamento não<br />
tinha igual. Trazia nos ombros<br />
cargas de lenha que um homem<br />
comum não conseguia<br />
carregar.<br />
Contador de histórias, que<br />
mesmo não sabendo ler pedia<br />
aos amigos que compravam livros<br />
de cordel em Santos para<br />
que contasse a ele a história.<br />
Ele repetia a todos da rua os<br />
contos que ouvia naquela cidade.<br />
Não eram poucas histórias,<br />
ele lembrava de todas.<br />
Mas infelizmente a sua própria<br />
história não conseguiu contar.<br />
Seus contos da vida real cessaram<br />
no dia 25 de setembro<br />
de 1987. Aqueles olhos que<br />
viram tanto sofrimento, mas<br />
também tanta alegria fecharam-se<br />
para sempre. Parece<br />
que até os bananais, as roças<br />
sentiram o trágico dia. Um infarto<br />
levou este homem de fé<br />
e de muita coragem, que nos<br />
dias mais difíceis não fez faltar<br />
o essencial, carinho e muito<br />
amor em tudo que fazia.<br />
Não tive o privilégio de tê-lo<br />
conhecido, mas a emoção de<br />
quem contou parte de sua história<br />
me fez refletir sobre os<br />
homens bons que aqui existiram<br />
e que merecem todo o<br />
nosso respeito e carinho. Neste<br />
final, tomo agora a liberdade<br />
de pedir a sua benção seu<br />
Andrelino e muito obrigado<br />
por contribuir na formação de<br />
nossa história e de nossas vidas.<br />
Que Deus o abençoe.