nulidade virtual do contrato - BuscaLegis
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O dever de informar nos <strong>contrato</strong>s e o artigo 166, VII, in fine, <strong>do</strong><br />
Código Civil – <strong>nulidade</strong> <strong>virtual</strong> <strong>do</strong> <strong>contrato</strong><br />
Loraine Maria Michalak<br />
Como citar este artigo: MICHALAK, Loraine Maria. O dever de informar nos <strong>contrato</strong>s e o<br />
artigo 166, vii, in fine, <strong>do</strong> Código Civil – <strong>nulidade</strong> <strong>virtual</strong> <strong>do</strong> <strong>contrato</strong>. Disponível em<br />
http://www.iuspedia.com.br 10 fev. 2008.<br />
Nos <strong>contrato</strong>s abrangi<strong>do</strong>s pelo Código Civil o dever de informação é instituto ainda jovem<br />
e ainda são tími<strong>do</strong>s e escassos os julga<strong>do</strong>s brasileiros que o utilizam para a solução de<br />
conflitos.<br />
No entanto, a <strong>do</strong>utrina vem lutan<strong>do</strong> para mudar esse posicionamento, pois não condiz com<br />
a nova teoria contratual. Com a positivação da cláusula geral da boa-fé objetiva no Código<br />
Civil em 2002, abriu-se espaço para aplicação nas relações contratuais brasileiras <strong>do</strong>s<br />
chama<strong>do</strong>s deveres anexos, que englobam, segun<strong>do</strong> Carlyle Popp [1] o dever de guarda e de<br />
restituição; dever de segre<strong>do</strong>; dever de clareza; dever de lealdade; dever de proteção e<br />
conservação; e dever de conselho, de informação e de recomendação.<br />
Assim as partes que celebram um <strong>contrato</strong> não mais são vistas como opostas no senti<strong>do</strong> de<br />
que cada um fará o máximo par conseguir melhor vantagem no negócio. Exige-se,<br />
hodiernamente, que os contratantes tratem-se mutuamente como parceiros, agin<strong>do</strong><br />
conforme os ditames da boa-fé, que consiste numa conduta <strong>do</strong>tada de honestidade e<br />
lealdade despendida reciprocamente pelas partes.
É nesse contexto que se questiona o dever de bem informar nas relações contratuais sujeitas<br />
à tutela <strong>do</strong> Código Civil. Verificou-se que o Código não traz expressamente esse dever, no<br />
entanto, ao positivar a boa-fé objetiva, passa a exigir o cumprimento de to<strong>do</strong>s os deveres<br />
dela decorrentes.<br />
Devi<strong>do</strong> a essa ausência de previsão expressa, quan<strong>do</strong> da análise das conseqüências<br />
acarretadas pelo seu descumprimento, é preciso analisar a situação in concreto para se<br />
chegar a uma solução permitida pelo Direito. Necessário se faz observar se essa falha de<br />
informação é pressuposta ou está englobada por algum caso já tipifica<strong>do</strong>.<br />
Dentre as hipóteses já tipificadas que englobam a falha no dever de informação, constatouse<br />
que ela pode se dar em alguns casos de vícios <strong>do</strong> consentimento. No vício <strong>do</strong> erro, ocorre<br />
quan<strong>do</strong> por não esgotar o dever de informação, mesmo que sem intenção, um contratante<br />
contribui para o erro <strong>do</strong> outro. No vício <strong>do</strong> <strong>do</strong>lo, evidente se torna o desvio de informação,<br />
ten<strong>do</strong> em vista que uma parte deixa de informar a outra ou a transmite informação<br />
inadequada porque possui o ânimus de ludibriá-la. Também no caso da lesão pode-se<br />
configurar descumprimento <strong>do</strong> dever de informar. Na lesão "usuária ou real", assim como<br />
no <strong>do</strong>lo, é manifesto o descumprimento <strong>do</strong> dever de informar, haja vista o <strong>do</strong>lo de<br />
aproveitamento da parte não lesada. Já na lesão "enorme ou especial" embora não haja máfé,<br />
torna-se possível a ocorrência <strong>do</strong> descumprimento <strong>do</strong> dever de informar à medida que o<br />
contratante tenha deixa<strong>do</strong> de esclarecer as condições essenciais <strong>do</strong> negócio.<br />
Observa-se que outra hipótese já prevista pelo Código Civil em que se enquadra o<br />
descumprimento <strong>do</strong> dever de informar é a <strong>do</strong>s vícios redibitórios, quan<strong>do</strong> o vício oculto já<br />
era conheci<strong>do</strong> pela pessoa que oferece a coisa e esta não o informa ao interessa<strong>do</strong>. Neste<br />
caso, descumpriu dever de lealdade e dever de informar, poden<strong>do</strong> o adquirente pleitear,<br />
além das garantias normais <strong>do</strong> vício redibitório, indenização por perdas e danos.<br />
Verifica-se que, caso o dever de informação não encontre sanção já englobada por qualquer<br />
dispositivo <strong>do</strong> Código, há possibilidade de ser considerada a <strong>nulidade</strong> <strong>virtual</strong> <strong>do</strong> <strong>contrato</strong>,
com fundamento no artigo 166[2], VII, <strong>do</strong> Código Civil, eis que o descumprimento <strong>do</strong><br />
dever de informar configura quebra da boa-fé objetiva, mandamento legal cujo<br />
descumprimento não encontra na lei sanção expressa.<br />
Assim, não haven<strong>do</strong> nenhuma das situações anteriores, ou seja, para os casos em que se<br />
constate falha no dever de informação que não encontre enquadramento em hipóteses já<br />
tipificadas, considera-se, como regra geral, a ocorrência de <strong>nulidade</strong> <strong>do</strong> negócio fundada no<br />
artigo 166 , inciso VII, in fine, <strong>do</strong> Código Civil. Ocorre a chamada "<strong>nulidade</strong> <strong>virtual</strong> <strong>do</strong><br />
<strong>contrato</strong>", citada, a exemplo <strong>do</strong> professor Paulo Nalin [3], como conseqüência para o<br />
<strong>contrato</strong> que não cumpre a sua função social, eis que não encontra na lei sanção explícita.<br />
Para melhor compreensão <strong>do</strong> objetivo proposto, vale expor algumas considerações feitas<br />
por Paulo Nalin acerca dessa forma de <strong>nulidade</strong>.<br />
O autor explica que o empenho da <strong>do</strong>utrina em construir uma teoria a respeito da <strong>nulidade</strong><br />
<strong>virtual</strong> encontra sua justificação na existência de um <strong>do</strong>gma de que não há <strong>nulidade</strong> sem<br />
previsão. Esse <strong>do</strong>gma, segun<strong>do</strong> Paulo Nalin [4], foi recepciona<strong>do</strong> pelo ordenamento<br />
jurídico brasileiro, concluin<strong>do</strong>-se que no Brasil a <strong>nulidade</strong> é textual.<br />
No entanto, o autor afirma que na <strong>do</strong>utrina brasileira especializada há aceitação da<br />
ocorrência de <strong>nulidade</strong> <strong>virtual</strong>. Explica que Orlan<strong>do</strong> Gomes [5] ao diferenciar a <strong>nulidade</strong><br />
<strong>virtual</strong> da textual, assegura ser a <strong>nulidade</strong> <strong>virtual</strong> "implícita, decorrente da função da norma<br />
jurídica e não <strong>do</strong> texto sancionatório expresso", e deixa claro que este autor não ignora a<br />
dificuldade de sua determinação pela falta de previsão legal que a ampare.<br />
Paulo Nalin também recorre ao direito compara<strong>do</strong>, abordan<strong>do</strong> o sistema italiano, cujo<br />
Código Civil, em seu artigo 1418, dispõe: "Il <strong>contrato</strong> é nullo quan<strong>do</strong> è contrario a norme<br />
imperative, salvo che la legge disponga diversamente"[6] . Cita, ainda, regra semelhante<br />
encontrada no § 134 <strong>do</strong> BGB [7]em que "un negocio jurídico que vaya contra uma<br />
prohibición legal es nulo, si outra cosa no se deduce de la ley" [8].
Da intelecção <strong>do</strong>s dispositivos cita<strong>do</strong>s, o autor coloca que, "há <strong>nulidade</strong>, se outra não for a<br />
sanção prevista pela lei"[9] . Mais adiante afirma que a interpretação que se refere à<br />
<strong>nulidade</strong> <strong>virtual</strong>, dentro das relações contratuais, no sistema italiano, encontra sua razão na<br />
desobediência à norma imperativa, cuja sanção não esteja expressa, sen<strong>do</strong> integrada na<br />
aplicabilidade da <strong>nulidade</strong>.<br />
Do que expôs, Paulo Nalin conclui ser:<br />
[...] adequada uma a<strong>do</strong>ção mais prática e efetiva da <strong>nulidade</strong> <strong>virtual</strong>, pois inexiste a<br />
previsão sancionatória, quan<strong>do</strong> não cumprir o <strong>contrato</strong>, ou a autonomia de vontade nos<br />
termos <strong>do</strong> Projeto, sua função social. E assim se mostra oportuna a <strong>nulidade</strong> <strong>virtual</strong>, seja<br />
porque de ordem pública as regras pertinentes ao tema, tanto na esfera constitucional<br />
quanto na ordinária (in casu no Projeto – art. 420), seja porque inderrogáveis e absolutas,<br />
seja porque encerram uma tutela que supera o mero fato <strong>do</strong> contratante débil (técnico,<br />
fático ou jurídico), mas sobretu<strong>do</strong> em razão de sua função mais justa, intrínseca ou<br />
extrinsecamente.<br />
Extrai-se da explanação <strong>do</strong> autor que, a desobediência ao dever de informar poderá enseja<br />
<strong>nulidade</strong> <strong>virtual</strong> <strong>do</strong> <strong>contrato</strong> por tratar-se de contrariedade a disposição legal, cuja sanção<br />
não está explicita.<br />
Observe-se que, o Código Civil, em seu artigo 422, obriga os contratantes a agirem de boafé,<br />
assim, a contrario sensu, os proíbe de agir em desconformidade com esta. Deste mo<strong>do</strong>,<br />
se o contratante descumprir os mandamentos da boa-fé, neste momento importan<strong>do</strong> o dever<br />
de informar, estará fazen<strong>do</strong> algo que a lei proíbe a prática sem cominar sanção. Isso<br />
significa o descumprimento <strong>do</strong> dever de informar nos <strong>contrato</strong>s paritários amolda-se à<br />
hipótese <strong>do</strong> artigo 166, VII, in fine, <strong>do</strong> Código Civil, por configurar quebra da boa-fé<br />
objetiva.<br />
Ademais, conforme já anota<strong>do</strong>, o descumprimento <strong>do</strong> dever de informação importa também<br />
em infringência à cláusula geral da função social <strong>do</strong> <strong>contrato</strong> cuja conseqüência sugerida
por Paulo Nalin [10] consiste na <strong>nulidade</strong> <strong>virtual</strong> <strong>do</strong> <strong>contrato</strong>. É evidente que o <strong>contrato</strong><br />
vicia<strong>do</strong> por desvios de informação não cumpriu a sua função social, pois o contratante ao<br />
qual não foram transmitidas informações relevantes acerca <strong>do</strong> negócio teve atingida esfera<br />
de sua liberdade, uma vez que, se soubesse das reais condições <strong>do</strong> negócio poderia ter<br />
opta<strong>do</strong> por não contratar.<br />
Portanto, perfeitamente possível a possibilidade de configurar a <strong>nulidade</strong> <strong>virtual</strong> <strong>do</strong> <strong>contrato</strong><br />
pela quebra <strong>do</strong> dever de informação.<br />
1. POPP, C. A formação <strong>do</strong> negócio jurídico..., p. 35.<br />
2. Art. 166. É nulo o negócio jurídico quan<strong>do</strong>:<br />
[...]<br />
VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática sem cominar sanção.<br />
3.NALIN, P. Do <strong>contrato</strong>: conceito pós-moderno..., p. 242.<br />
4.NALIN, P. Idem, p. 237.<br />
5.GOMES, Orlan<strong>do</strong>. Introdução ao direito civil. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p.<br />
473. apud NALIN, P. Op. cit., p. 238.<br />
6.Livre tradução: "o <strong>contrato</strong> é nulo quan<strong>do</strong> é contrário a norma imperativa, salvo que a lei<br />
disponha diversamente." (NALIN, P. Op. cit., p. 239)<br />
7. BGB: Código Civil Alemão
8. Livre tradução: "um negócio jurídico que vá contra uma proibição legal é nulo, se outra<br />
coisa não se deduz da lei" (Tradução para o espanhol de Carlos Melon INFANTE, da obra<br />
de Ludwig ENECCERUS, Theo<strong>do</strong>r KIPP e Martín WOLF, Trata<strong>do</strong> de derecho civil, no seu<br />
apêncide Código civil alemán (BGB), p. 134. apud NALIN, P. Op. cit., p. 239)<br />
9.NALIN, P. Op. cit., p. 239.<br />
10.NALIN, P. Op. cit., p. 242.<br />
REFERÊNCIAS<br />
NALIN, Paulo. Do <strong>contrato</strong>: conceito pós-moderno. Em busca de sua formulação na<br />
perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2003.<br />
POPP, Carlyle. A formação <strong>do</strong> negócio jurídico e os deveres laterais no novo código civil.<br />
Revista da Academia Paranaense de Letras Jurídicas. Curitiba: Juruá, n. 2, pp. 31-53, 2003.<br />
Disponível em:<br />
http://www.wiki-iuspedia.com.br/article.php?story=20080207165121396 .<br />
Acesso em: 09 junho 2008.