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FORA da escola também se aprende<br />
Vistas da esquerda<br />
Vaticano acusa<br />
governo italiano<br />
de querer<br />
“erradicar a família”<br />
A decisão do governo italiano em legislar até ao final<br />
deste mês sobre as uniões de facto heterossexuais e<br />
homossexuais provocou protestos por parte do Vaticano,<br />
que acusa o primeiro-ministro Romano Prodi<br />
de querer “erradicar a família” da sociedade. O chamado<br />
Pacto Civil de Solidariedade, que começou a<br />
ser discutido após a chegada da esquerda ao poder<br />
em Itália em Abril do ano passado e contempla também<br />
temas como a eutanásia, a laicidade ou a presença<br />
de crucifixos nos locais públicos, tem recebido<br />
uma forte oposição por parte da igreja católica.<br />
O órgão oficial do Vaticano, o “L’Osservatore Romano“,<br />
denunciou recentemente num editorial de rara<br />
crispação a “hipocrisia e a mentira” que constitui o<br />
projecto das uniões civis. Romano Prodi, um católico<br />
praticante, recusou comentar a quente esta polémica,<br />
afirmando que, apesar de sentir com “alguma dor” o<br />
ataque do Observatore Romano, irá manter a sua linha<br />
de actuação. Tal acordo, que abre caminho ao reconhecimento<br />
dos casais homossexuais “representa<br />
um passo em frente fundamental na aplicação do<br />
programa da maioria e permitirá abordar de maneira<br />
séria e profunda um tema crucial para os direitos dos<br />
cidadãos”, disse Prodi.<br />
Numa outra frente, a igreja católica já fez saber através<br />
do papa Bento XVI, numa intervenção junto de<br />
um conjunto de juristas católicos italianos, que não<br />
vê com bons olhos a retirada de crucifixos das escolas<br />
e dos locais públicos. O papa afirmou que o<br />
“Estado não pode considerar a religião como um<br />
simples sentimento individual confinado à esfera privada”<br />
mas que esta deve ser “reconhecida como uma<br />
presença comunitária pública”. O chefe da Igreja católica<br />
afirmou ainda que “a hostilidade a toda a forma<br />
de reconhecimento da importância política e cultural<br />
da religião (…) não é um sinal de sã laicidade, mas<br />
da sua degeneração em laicismo”.<br />
A questão do crucifixo é desde há algum tempo objecto<br />
de controvérsia entre católicos e laicos, que<br />
interpretam de forma diferente o que deve ser a laicidade<br />
na República Italiana.<br />
O Vaticano tem empenhado todo o seu peso político<br />
no debate afirmando que a laicidade não impede que<br />
os símbolos religiosos estejam presentes e visíveis na<br />
sociedade já que fazem parte dos direitos do Homem.<br />
O tribunal constitucional e outros tribunais já se pronunciaram<br />
diversas vezes sobre a questão mas nunca<br />
ordenaram a retirada dos crucifixos nas escolas.<br />
O Conselho de Estado, a mais alta instância administrativa,<br />
autorizou no ano passado a manutenção deste<br />
símbolo cristão nas salas de aula porque, segundo<br />
ele, “têm uma função simbólica altamente educativa<br />
que transcende a religião abraçada pelos alunos”.<br />
RC/ Fonte: AFP<br />
O objetivo deste texto é desenvolver uma<br />
reflexão a respeito de uma ação educativa<br />
popular, em uma das maiores favelas da<br />
América Latina, situada no Rio de Janeiro,<br />
baseada na premissa filosófica de Jacques<br />
Rancière, da igualdade das inteligências e<br />
da emancipação intelectual. Acredito que<br />
esta noção apresenta indícios de uma análise<br />
crítica, subversiva à lógica da “ordem<br />
explicadora”, difundida pela sociedade capitalista<br />
moderna, que pedagogizou-se sob<br />
o discurso de que, com isso, poderia levar<br />
luzes aos que viviam na obscuridade.<br />
Aproximando a proposta de Rancière das<br />
práticas curriculares de um movimento social<br />
de Educação Popular do qual sou participante-pesquisador,<br />
o Pré-vestibular Comunitário<br />
da Rocinha (PVCR), é possível<br />
perceber que a problemática da emancipação<br />
intelectual não só se faz presente nesse<br />
cotidiano, como também, se consubstancializa<br />
nas ações dos alunos, professores<br />
EMANCIPAÇÃO INTELECTUAL E EDUCAÇÃO POPULAR<br />
Uma ação educativa na/da favela<br />
para além dos limites da escola<br />
e coordenadores, que têm se questionado<br />
bastante a respeito dos métodos de ensino.<br />
Os métodos têm sido considerados como<br />
instrumentos dos quais os “iluminados”,<br />
“sábios da ciência” se servem para elevar<br />
os indivíduos ignorantes, levando-os ao<br />
encontro do saber superior; o saber científico.<br />
São uma tentativa de implantação<br />
de mecanismos que dêem conta de um<br />
ensino universal, que possa instruir uma<br />
grande quantidade de pessoas ao mesmo<br />
tempo, homogeneizando a forma de<br />
raciocinar e funcionando como antolhos<br />
que não permitem enxergar nem percorrer<br />
outros caminhos. O risco para aqueles que<br />
ousem subverter (e os sujeitos sempre o<br />
fazem) essa lógica é o de serem acusados<br />
de levianos ou até de profanadores dos<br />
cânones científicos. No PVCR, os atores<br />
sociais envolvidos no processo de ensino<br />
e aprendizagem encontram-se num constante<br />
conflito entre esses dois pólos.<br />
Fundamentado em bases contraditórias,<br />
porém complementares, esse movimento<br />
de educação popular ao mesmo tempo em<br />
que prepara os alunos, através de alguns<br />
“treinamentos”, para os exames do vestibular,<br />
almeja que estes, a partir da reflexão-ação,<br />
construam redes de intersubjetividades<br />
emancipatórias. Através de um eixo<br />
programático criado com a intenção de<br />
integrar temas políticos e sociais para problematizar<br />
a situação existencial do grupo<br />
(que vive em contextos cuja violência urbana<br />
se faz constantemente presente) e a<br />
sociedade em geral, pretendemos desenvolver<br />
uma escolarização diferenciada, para<br />
que, ao chegarem às universidades, os<br />
alunos estejam dispostos a entrar nos embates<br />
pela democratização do acesso ao<br />
ensino superior e da própria sociedade.<br />
O resultado dessa experiência tem de-<br />
monstrado que a idéia de igualar as<br />
camadas populares da sociedade às<br />
outras pelo saber imposto não se sustenta.<br />
Ao omitir a igualdade da potência<br />
de inteligência humana, que permite<br />
a todos aprender a partir da vontade,<br />
tal concepção nega e tenta invisibilizar<br />
os saberes e as práticas dos indivíduos<br />
oriundos desses grupos sociais. A<br />
premissa da emancipação intelectual é<br />
uma possibilidade de questionamento<br />
e de subversão desse modelo.<br />
Rodrigo Torquato da Silva<br />
torquatoprof@ig.com.br<br />
Morador da Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro.<br />
Professor, mestrando do Programa de Pós-graduação<br />
em Educação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro<br />
(UERJ). Membro do grupo de pesquisa “Redes de<br />
conhecimentos e práticas emancipatórias no cotidiano<br />
escolar”, do Laboratório Educação e Imagem da UERJ<br />
a página da educação · janeiro 2007 19<br />
IE / FN<br />
IE / FN