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A ESCOLA que (a) prende<br />
Golpe de vista<br />
Relatório da UNICEF<br />
garante que<br />
a igualdade<br />
de género promove<br />
o bem-estar infantil<br />
A melhoria do nível de vida das crianças dos países<br />
em desenvolvimento passa em grande medida<br />
pela eliminação das discriminações contra a mulher<br />
e pelo seu acesso a um maior grau de autonomia,<br />
assegura a UNICEF no seu relatório anual, divulgado<br />
por altura da comemoração do 60º aniversário desta<br />
organização. “A igualdade de género e o bem-estar<br />
juvenil estão implicitamente relacionados”, sublinha<br />
a directora da UNICEF, Ann Veneman, sublinhando<br />
que “quando as mulheres podem dispor da sua vida,<br />
as crianças e as famílias vivem melhor”.<br />
O relatório de 2007 desta organização das Nações<br />
Unidas, baseado em dados de trinta países em vias<br />
de desenvolvimento, é dedicado integralmente ao<br />
lugar da mulher no mundo e no ambiente familiar,<br />
económico e político, e o seu reflexo nas crianças e<br />
nos jovens. Nele se refere que, apesar dos avanços<br />
conseguidos nos últimos anos, “a vida de milhões<br />
de raparigas e mulheres está ainda dominada pela<br />
discriminação, a dependência e a pobreza”. Nas famílias<br />
onde as mulheres têm capacidade de decisão,<br />
a proporção de recursos consagrados às crianças é<br />
muito superior àquelas onde elas têm um papel de<br />
menor importância.<br />
Assim, de acordo com o documento, em apenas<br />
um terço dos países analisados mais de metade<br />
das mulheres participa nas decisões familiares. Se<br />
a igualdade entre o casal fosse regra, a subnutrição<br />
das crianças menores de três anos no sul da Ásia,<br />
por exemplo, baixaria 13 por cento, o que equivale<br />
a 13,4 milhões de crianças melhor alimentadas.<br />
Na África sub-sahariana, onde um terço das crianças<br />
menores de cinco anos sofre de subnutrição, a<br />
igualdade entre os sexos beneficiaria cerca de 1,7<br />
milhões de crianças.<br />
As crianças beneficiariam ainda se as mulheres tivessem<br />
salários iguais aos homens (actualmente são<br />
em média 20 por cento mais baixos) e trabalhassem<br />
o mesmo número de horas, o que não acontece na<br />
Índia, por exemplo, onde trabalham mais uma hora,<br />
ou no Benin (mais 2,5 horas).<br />
O compromisso político das mulheres poderia igualmente<br />
ter benefícios na vida das crianças e jovens,<br />
já que actualmente apenas 17 por cento delas ocupa<br />
lugares em parlamentos.<br />
Para lutar contra as discriminações, o documento da<br />
UNICEF recomenda a gratuidade do acesso à escola,<br />
a reforma do direito de propriedade e herança e a discriminação<br />
positiva na política através de um sistema<br />
de quotas.<br />
RC/ Fonte: AFP<br />
“Foi você que pediu...” uma escola moderna?<br />
Recentemente, fui entrevistado para dar uma contribuição<br />
para o Debate Nacional sobre Educação<br />
promovido pelo Conselho Nacional de Educação.<br />
Todas as questões que me colocaram eram interessantes,<br />
mas a uma delas tive mais dificuldade em<br />
responder. Era a seguinte: “Como gostaria que fosse<br />
a escola portuguesa num horizonte de dez anos?”.<br />
Num ápice, cruzei o que podia responder, com uma<br />
comunicação que semanas antes tinha assistido na<br />
Fundação Calouste Gulbenkian proferida pelo Prof.<br />
Edward Lorenz na Conferência sobre “Educação,<br />
Inovação e Desenvolvimento”. Na sua conferência<br />
este professor de Economia afirmava que uma das<br />
dificuldades da Educação em Portugal consistia<br />
no facto dos valores presentes no nosso aparelho<br />
produtivo serem ainda muito tradicionais. Usou<br />
mesmo o termo “tayloristas” para significar que em<br />
Portugal ainda damos uma importância anacrónica<br />
à hierarquia, à parcelização do trabalho e ao formalismo<br />
que permite que cada trabalhador se sinta<br />
desresponsabilizado de intervir fora da esfera estrita<br />
e limitada da sua competência. Com estruturas<br />
assim, a Educação em Portugal não pode ir muito<br />
longe, dizia o professor, porque um aparelho de produção<br />
“taylorista” clama por uma escola tradicional<br />
e desta forma se cria um ciclo vicioso de conservadorismo<br />
em que a Educação é sub estimulada para<br />
a inovação, para a mudança e para encontrar novas<br />
formas e conteúdos de aprendizagem.<br />
“Como gostaria que fosse a escola daqui a dez<br />
anos?”. Bom, já vimos que a escola não funciona<br />
impermeabilizada do funcionamento da comunidade<br />
e da sociedade que está à sua volta. Portanto, uma<br />
primeira aproximação à resposta é que espero que<br />
a sociedade se desenvolva de tal maneira que também<br />
influencie a mudança da escola. A escola não<br />
é o navio almirante da mudança é só um dos barcos<br />
que integra esta grande armada dos factores de inovação.<br />
E se assim é porque será que tantas pessoas<br />
culpam a escola de ser só ela ineficaz? Parece<br />
que, afinal, a escola não pode ser eficaz se o resto<br />
da sociedade não o for também. Talvez, muitos empresários,<br />
gestores, políticos, etc. quando culpam e<br />
querem dar lições à Educação se devessem prevenir<br />
destes “telhados de vidro”. Talvez a empresas<br />
que dirigem sejam deficitárias e medíocres, talvez<br />
os debates e as leis que fazem sejam ineficazes, talvez<br />
os modelos de gestão que adoptam sejam anacrónicos,<br />
talvez estas pessoas se devam convencer<br />
que não é só à escola que se devem pedir contas:<br />
todos temos contas a prestar. Frequentemente as<br />
pessoas que pedem contas à escola não são capazes<br />
de prestar boas contas do que andam a fazer<br />
em termos das suas profissões. Precisamos que<br />
todos façam o seu trabalho eficiente e competentemente<br />
para que a escola também possa assumir<br />
com coerência o seu papel de inovação.<br />
Um outro aspecto sobre a escola que quero daqui<br />
a dez anos diz respeito às formas de trabalho que<br />
se podem desenvolver. Hoje, as empresas bem<br />
sucedidas, que conseguem ser inovadoras e sustentar<br />
uma política de inovação, usam formas de<br />
trabalho muito diferentes do que as que se usavam<br />
há algumas décadas atrás. O conceito de equipa<br />
de trabalho, de hierarquia pela competência,<br />
de trabalho em equipa, de grupos de projecto, etc.<br />
são hoje as formas que as empresas de primeira linha<br />
encontraram para serem competitivas e inovadoras.<br />
E a escola? Será que o trabalho de equipa, a<br />
cooperação, o trabalho por projectos, a diversidade<br />
de perspectivas, etc. são boas para as empresas<br />
e más para as escolas? É que por vezes parece<br />
que recomendamos inovação para as empresas<br />
mas destinamos para as escolas os métodos mais<br />
retrógrados. Em casos limite seriam até esses métodos<br />
mais retrógrados (a obsessão<br />
com a disciplina, com os conteúdos,<br />
com a uniformização, os exames nacionais,<br />
com a memorização, etc.) que<br />
salvariam a escola e tornariam os alunos<br />
capazes de inovação (realço a palavra<br />
“obsessão”). Seria como querer<br />
ensinar alguém a nadar sem nunca ter<br />
contacto com a água: o que se aprende<br />
não teria nada a ver com o que se<br />
vai fazer em termos profissionais.<br />
“Como quero a escola daqui a 10 anos”?<br />
Quero certamente uma escola que se<br />
desenvolva sem os fantasmas de um<br />
passado que, na verdade, não interessa<br />
a ninguém. Este passado não é educacionalmente<br />
sustentável (seria impossível<br />
usar estratégias semelhantes às da<br />
escola “para alguns” numa perspectiva<br />
de “escola para todos”) nem socialmente<br />
viável em termos de contribuição para<br />
a dinamização e inovação da sociedade.<br />
Como vimos para melhorar o aparelho<br />
produtivo não precisamos de uma escola<br />
esclerosada e rígida: pelo contrário<br />
precisamos de estruturas em que cada<br />
aluno aprenda a dar um contributo, que<br />
aprenda com os outros, se habitue a negociar<br />
com pessoas com opiniões diferentes,<br />
que tenha autonomia para criar as<br />
suas próprias ferramentas para aprender<br />
e se modificar ao longo da vida, que seja<br />
ético, solidário e cidadão. Ao fim e ao<br />
cabo, que tenha uma Educação em que<br />
esteja incluído com toda uma comunidade<br />
e que se torne interdependente dela.<br />
Como tenho repetidamente afirmado, a<br />
educação de qualidade é a Educação<br />
Inclusiva porque é a que permite que “a<br />
escola de daqui a 10 anos” acompanhe<br />
e dinamize as empresas e as sociedades<br />
mais dinâmicas, igualitárias e solidárias.<br />
Cá estamos daqui a dez anos para ver<br />
o que fizemos para a promoção desta<br />
escola e desta sociedade...<br />
David Rodrigues<br />
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do<br />
Fórum de Estudos de Educação Inclusiva<br />
a página da educação · janeiro 2007 39