ROTEIRO AFRO Pontos turísticos históricos e contemporâneos ganham espaço em roteiro que celebra a cultura afro I 50 2011 BRASIL TRAVEL NEWS
AFRO- AMOR Capital paulista volta ao passado e homenageia turistas com roteiro que reverencia as heranças deixadas pela cultura africana baseada na fé dos terreiros, na força dos abolicionistas e na ginga que nasce com a batida do tantã v POR FLÁVIA LELIS FOTO: © SXC.HU Apelidada como a cidade de todos os povos, São Paulo abre espaço para uma cultura que há séculos está inserida no dia-a-dia dos paulistanos, e anuncia a criação de um produto turístico – a Rota Turística Afro-brasileira Luiz Gama – que convida viajantes de diferentes partes do planeta a desfrutarem da história, da alegria, do gingado e da euforia das tradições africanas. Traçado sobre um mapa que inclui passagem pelas principais vias da capital, como a rua 13 de Maio e o Largo do Paissandu, o roteiro perpassa por locais que ajudaram a sedimentar a identidade do povo afro desde o período da escravidão, o que implicou incluir locais nem sempre tão alegres, como o Cemitério da Consolação, que entra no itinerário justamente por conta de Luiz Gama, que ao falecer em 1882, foi transportado, do bairro do Brás onde morava até o cemitério, por uma procissão de escravos e abolicionistas que o apoiavam. Num olhar mais atento, mesmo que de bem longe para os mais medrosos, além da lápide de Gama, é possível observar as diversas peças de arte que envolvem a eternidade de outros ilustres conhecidos e desconhecidos. NA BATIDA DO TANTÃ Contudo, como o sorriso largo de lábios carnudos é parte preponderante para quem se aventura pelo universo africano, siga no sentido da boa batucada de tambores e cuícas, para desembocar em algumas das melhores casas de samba de raiz da cidade, como o Samba da Vela, que recebe esta denominação por conta de um ritual que precede todas as apresentações: uma vela é acesa e o seu tempo de queima determina por quantas horas haverá samba! Quando ela se apaga, o público reunido na região de Santo Amaro partilha de uma deliciosa sopa. Ainda na zona sul, a música faz ferver o chão do Samba da Laje, que em clima super despojado celebra a liberdade de dançar por dançar, e incentiva que as diferenças culturais entrem ali, para serem somadas às novas descobertas. Liderado por Dona Generosa – que há mais de dez anos levanta às 3h da manhã para preparar a apetitosa feijoada que será servida enquanto se dança num espaço apertado ao som sas músicas interpretadas por Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Arlindo Cruz, Fundo de Quintal, Almir Guineto e tantos outros amantes da verdadeira raiz do samba, o evento acontece na laje, todo último domingo do mês, a partir das 13h. Antes que esta vibe se perca, os batimentos do coração são colocados à prova diante do sincronismo de uma bateria muitas vezes agraciada com a nota 10. Abrigada em um barracão, no Bixiga, o bairro mais italiano do Brasil, a escola de samba Vai Vai, que traz entre seus símbolos uma coroa para homenagear a magnitude da raça negra, rememorando quando era comum o trato carinhoso entre negros por Oi Meu Rei, Oi Minha Rainha, é um símbolo forte do carnaval paulistano com oito títulos conquistados entre 1978 e 2011. Para quem se pergunta como o samba foi parar no meio de italianos, é uma novidade saber que ali, 300 anos antes, o ambiente era endereço para o Quilombo da Saracura, repleto de escravos que haviam escapado das fazendas dos arredores. Daquela época, restou um solo sagrado, marcado pela batida de repiques e tantãs, onde durante todo o ano seguidores da mais pura alegria se reúnem para sambar até o amanhecer e participar da feijoada que contribui para a fama da escola. Quase fechando a tríade proposta por Alcântara Machado, no livro Brás, Bexiga e Barra Funda, (1927), desemboca-se do metrô nos arredores da Barra Funda, para entrar na história da velha guarda da Camisa Verde e Branco, escola de samba nascida a partir do molejo de Dionísio Barbosa, que em 1914 chamava os amigos para pularem o carnaval trajados com calças brancas e camisas verdes. Nos ensaios gerais realizados todos os sábados, a vizinhança treme com o som ácido das cuícas e tamborins. 2 BRASIL TRAVEL NEWS 2011 51