III JORNADADISCENTE PPGMPA –<strong>USP</strong>São Paulo, 19 de outubro de 2012______________________________________________________________________manicure e uma ascensorista que trabalham em um prédio comercial no centro do Rio deJaneiro. Esses personagens (pertencentes a classes sociais mais populares) convivem lado alado com citações eruditas (de obras literárias e pinturas) e também com sambas e marchinhasde carnaval. A partir de procedimentos antropofágicos (conforme Oswald de Andrade e aTropicália), Bressane mistura estrangeiro e nacional, alta e baixa cultura, sutileza e agressão.Aproximadamente aos 44 minutos de projeção, sobre a imagem de uma rua do Rio deJaneiro, ouve-se o som de um instrumento de corda sendo afinado. Na verdade, trata-se dealguém “brincando” de afinar e desafinar apenas uma das cordas do instrumento, produzindoum efeito de glissando (som similar encontramos na abertura de outro filme de Bressane, Omandarim, dedicado à música popular brasileira).Ainda com esse mesmo som, vemos uma mulher, pernas abertas, no centro do quadro,a afinar um cavaquinho, típico instrumento do samba. Após alguns instantes, outrapersonagem feminina entra em quadro, toma-lhe o cavaquinho das mãos, dá-lhe um tapa e,ato contínuo, forma-se a imagem de um quadro de Balthus: “A lição de guitarra”.Neste momento, a trilha musical apresenta uma canção de Noel Rosa, “O maiorcastigo que eu te dou”. Um trecho da letra diz: “Eu vou contar em versos / Os teus instintosperversos / É este mais um castigo / Que eu te dou”.Os “instintos perversos” cantados na música fazem eco à situação do quadro: umaimagem de agressão e dominação sexual. Mas Bressane realiza um sutil deslocamento emrelação ao quadro de Balthus: em Filme de amor, a personagem dominada sorri.Após algumas imagens em um trem de subúrbio, Bressane faz um plano estático deum minuto e cinco segundos de uma vulva.A imagem em preto e branco, o sexo feminino totalmente desnudado, sem pêlos,apenas o sutil movimento da respiração. A permanência da imagem tenta recuperar o choquede um quadro como “A origem do mundo” (Gustave Courbet, 1866): feito sob encomendapara um diplomata otomano chamado Khalil Bey, o quadro pertenceu ao psicanalista francês4
III JORNADADISCENTE PPGMPA –<strong>USP</strong>São Paulo, 19 de outubro de 2012______________________________________________________________________Jacques Lacan antes de reaparecer na década de 1990 e ser exposto ao público pela primeiravez, no Museu d’Orsay, em Paris.Figuras 1 e 2O quadro de Balthus (“A lição de guitarra”) e a transcriação de Júlio Bressane em Filme de amor.Nos próximos minutos, Bressane ainda reconstruirá os quadros “A Maja desnuda” e“The golden days” (Balthus, 1944). Em pouco mais de seis minutos de filme, Bressane sai deBalthus e passa por Courbet, novamente Balthus e Goya – tudo isso misturado a Noel Rosa natrilha musical. Esse excesso de referências, esse museu pessoal organizado pelo cineasta,dialoga com as questões da atenção na modernidade (estudadas por Jonathan Crary) e doexcesso de informações do contemporâneo. 5Outra referência importante para Bressane é o cinema pornográfico, um dado presenteem vários de seus filmes. Cinema inocente é o título do média-metragem que Bressane realizaem 1979. Trata-se do encontro do diretor com Radar (Leovigildo Cordeiro), que fez pequenospapéis em filmes de Watson Macedo e Herbert Richers (também em Macunaíma, de Joaquim5 Ver: CRARY, Jonathan. Técnicas do observador: visão e modernidade no século XIX. tradução: VerrahChamma. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.5