11.07.2015 Views

Revista do Tribunal Regional do Trabalho - 21ª Região - RN

Revista do Tribunal Regional do Trabalho - 21ª Região - RN

Revista do Tribunal Regional do Trabalho - 21ª Região - RN

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

P O D E R J U D I C I Á R I OJ U S T I Ç A D O T R A B A L H OREVISTA DOTRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHODA21ª REGIÃOvo lu me 1 7 – nú mer o 1ju n h o 2 0 1 2N a ta l/R NISSN 1981-6715R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª. R. Natal v. 17 n. 1 p. 1-469 jun. 2012


Composição <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ª regiãoPRESIDENTEDesembarga<strong>do</strong>r Ronal<strong>do</strong> Medeiros de SouzaVICE-PRESIDENTE e OUVIDOR GERALDesembarga<strong>do</strong>r José Rêgo JúniorDESEMBARGADORESDesembarga<strong>do</strong>ra Maria <strong>do</strong> Perpétuo Socorro Wanderley de CastroDesembarga<strong>do</strong>r Carlos Newton de Souza PintoDesembarga<strong>do</strong>ra Maria de Lourdes Alves LeiteDesembarga<strong>do</strong>r Eridson João Fernandes MedeirosDesembarga<strong>do</strong>r José Barbosa FilhoJUÍZAS CONVOCADOSJuíza Lygia Maria de Go<strong>do</strong>y Batista CavalcantiJuíza Simone Medeiros JalilJUÍZES-PRESIDENTES DE VARAS DO TRABALHOJuíza Maria Auxilia<strong>do</strong>ra Barros Medeiros RodriguesJuiz Bento Herculano Duarte NetoJuíza Maria Suzete Monte de HolandaJuíza Joseane Dantas <strong>do</strong>s SantosJuíza Isaura Maria Barbalho SimonettiJuiz Ricar<strong>do</strong> Luís Espín<strong>do</strong>la BorgesJuiz Hermann de Araújo HackradtJuíza Elizabeth Florentino Gabriel de AlmeidaJuiz Zéu Palmeira SobrinhoJuiz José Dario de Aguiar FilhoJuiz Manoel Medeiros Soares de SousaJuíza Tereza Cristina de Assis CarvalhoJuiz Luciano Athayde ChavesJuiz Dilner Nogueira SantosJuíza Lygia Maria de Go<strong>do</strong>y Batista CavalcantiJuíza Simone Medeiros JalilJuiz Joanilson de Paula Rêgo JúniorJuiz Antonio Soares Carneiro


JUÍZES DO TRABALHO SUBSTITUTOSJuiz Alexandre Érico Alves da SilvaJuíza Daniela Lustoza Marques de SouzaJuíza Lilian Matos Pessoa da Cunha LimaJuiz Décio Teixeira de Carvalho JúniorJuiz Hamilton Vieira SobrinhoJuiz Gustavo Muniz NunesJuiz Magno Kleiber MaiaJuíza Rachel Vilar de Oliveira VillarimJuíza Lisandra Cristina LopesJuíza Jólia Lucena da Rocha MeloJuíza Fátima Christiane Gomes de OliveiraJuíza Maria Rita Manzarra de Moura GarciaJuíza Luíza Eugênia Pereira ArraesJuíza Janaina Vasco FernandesJuíza Derliane Rêgo TapajósJuiz Carlito Antônio da CruzJuíza Aline Fabiana Campos PereiraJuíza Alessandra CasarilJuíza Nágila Nogueira GomesJuiz Cácio Oliveira ManoelJuiz George Falcão Coelho PaivaJuiz José Maurício Pontes JúniorSECRETÁRIO-GERAL DA PRESIDÊNCIAMarcos Sérgio Fonseca e Silva de SouzaDIRETORA-GERALTareja Christina Seabra de Freitas Medeiros


5SUMÁRIOAPRESENTAÇÃO...........................................................................................7DOUTRINAO raciocínio jusinterativo para uma decisão judicial justa. Notas e questionamentossobre caso concreto e exemplos determinantes da aplicabilidade e materialidade devalores a decisões judiciais justas pela interação de dimensões culturais e vetoresnaturais. .............................................................................................................13Carlos Newton PintoEducação ambiental em bases holísticas e antropolíticas: para além <strong>do</strong>s acidentes <strong>do</strong>trabalho e das <strong>do</strong>enças ocupacionais ...................................................................37Zéu Palmeira SobrinhoCNDT: efetividade <strong>do</strong>s direitos sociais e segurança nos negócios jurídicos..........65Luciano Athayde ChavesResponsabilidade patrimonial da administração pública pelos débitos trabalhistas desuas contratadas: novas premissas para uma antiga discussão – ADC 16 e novaredação da súmula 331 <strong>do</strong> TST...........................................................................72Alessandra Casaril e Aline Fabiana Campos PereiraAlcance da proteção constitucional e legal ao salário ..........................................111Ileana Neiva MousinhoA influência horizontal <strong>do</strong>s direitos humanos nos contratos de trabalho: estu<strong>do</strong> decaso ...................................................................................................................143Gustavo Borges da CostaEmpregos verdes: a nova sustentabilidade proclamada pela OrganizaçãoInternacional <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> - OIT .........................................................................163Alyane Almeida de Araújo e Renata Duarte de O. FreitasR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.5–6, jun. 2012


Da vedação ao minoramento <strong>do</strong> adicional de periculosidade mediante acor<strong>do</strong>s econvenções coletivas: a nova jurisprudência advinda da “Semana <strong>do</strong> TST” .........210Tiago Batista <strong>do</strong>s Santos6Conduta ética no serviço público: da intenção à responsabilidade........................223Yonal<strong>do</strong> Carlos Estevão da CostaForças Armadas: igualdade de gênero e profissionalização..................................235Erick Wilson PereiraA terceirização na atividade-fim, no setor de telecomunicações...........................278Luciane Borges da Costa MarcelinoJURISPRUDÊNCIAAcórdãos <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ª RegiãoRelator: Desembarga<strong>do</strong>r Carlos Newton de Souza Pinto......................................293Relatora: Desembarga<strong>do</strong>ra Maria de Lourdes Alves Leite ...................................330Relator: Desembarga<strong>do</strong>r Eridson João Fernandes Medeiros.................................344Relator: Desembarga<strong>do</strong>r José Barbosa Filho .......................................................358Relator: Desembarga<strong>do</strong>r Ronal<strong>do</strong> Medeiros de Souza .........................................379Relator: Desembarga<strong>do</strong>r José Rêgo Júnior .........................................................399Relatora: Juíza Convocada Lygia Maria de Go<strong>do</strong>y Batista Cavalcanti .................432Relatora: Juíza Convocada Juíza Simone Medeiros Jalil......................................463R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.5–6, jun. 2012


7APRESENTAÇÃO“Os sonhos não determinam o lugar onde vocês vãochegar, mas produzem a força necessária para tirá-los<strong>do</strong> lugar em que vocês estão." (Augusto Cury).Estamos publican<strong>do</strong> mais uma <strong>Revista</strong> <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong><strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ª Região, desta feita a sua 17ª edição, ecomo sempre de forma aberta e democrática, dan<strong>do</strong> oportunidade aosservi<strong>do</strong>res, magistra<strong>do</strong>s, bem como aos estudiosos das ciênciasjurídicas além <strong>Tribunal</strong>, de aqui exporem as suas teses jurídicas, umpouco <strong>do</strong>s seus conhecimentos e pensamentos que venham acontribuir para a melhoria da atividade judicante.Muito nos alegra e estimula recebermos a contribuição devárias pessoas comprometidas com o aperfeiçoamento prático,<strong>do</strong>utrinário e jurisprudencial na aplicação <strong>do</strong> direito, em especial <strong>do</strong>Direito <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, buscan<strong>do</strong> a tão sonhada rapidez e a efetividadedessa Justiça Especializada.Penso que os artigos e os acórdãos aqui publica<strong>do</strong>s em sisó não esgotam os temas adiante apresenta<strong>do</strong>s, pelo contrário, de tãopalpitantes, profun<strong>do</strong>s e desafia<strong>do</strong>res nos conduzem a uma reflexãomais apurada e nos proporcionam um incentivo no senti<strong>do</strong> demelhorarmos na árdua missão da busca pela perfeição e o fimprecípuo da paz e da justiça social.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.7–10, jun. 2012


8No entanto, é importante termos em mente que, em quepese todas as dificuldades enfrentadas no âmbito deste <strong>Tribunal</strong>,continuamos trabalhan<strong>do</strong> com o maior empenho e dedicação, visan<strong>do</strong>o aprimoramento para uma prestação jurisdicional merecida eesperada pela sociedade.Demanda contra o bom senso acreditarmos que o Esta<strong>do</strong>Democrático de Direito se assente apenas e tão somente nas atividadesjudiciais para a pacificação social, não, o problema finca raízes maisprofundas em causas diversas, mas estreme de qualquer dúvida que omesmo jamais existiria ou poderá existir sem um o Poder Judiciáriobem estrutura<strong>do</strong> e forte, como ponto equilíbrio para dirimir os litígiosque se avolumam diariamente por to<strong>do</strong> o país.Nesta <strong>Revista</strong>, gostaríamos principalmente que os olhareslança<strong>do</strong>s de fora conheçam e vejam nos trabalhos aqui publica<strong>do</strong>s queexistem pessoas preocupadas, dedicadas e trabalhan<strong>do</strong> arduamentepara a concretização da Justiça esperada e não apenas sonhada.No próximo dia 16 de junho comemoraremos vinte anosda criação <strong>do</strong> nosso <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ª Região, ede nenhuma forma poderíamos deixar essa data tão significativapassar em branco e sem qualquer registro na 17ª edição da nossa<strong>Revista</strong>. Não se trata de uma edição comemorativa e especial, mas seulançamento será apenas mais um evento na programação <strong>do</strong>aniversário que se estenderá por vários dias.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.7–10, jun. 2012


9Por esse motivo, fizemos questão de modificar a capa darevista dan<strong>do</strong> um enfoque especial ao evento, para contribuir, registrare lembrar essa data não apenas simbólica, mas verdadeiramentemarcante para os que já passaram e para os que ainda se encontramnesse <strong>Tribunal</strong>.Por oportuno, registre-se que a capa da 17ª edição danossa <strong>Revista</strong> além <strong>do</strong> brilhantismo <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> escrito peloscolabora<strong>do</strong>res, de outra forma retrata as potencialidades <strong>do</strong> nossoesta<strong>do</strong>, e cuja arte e sua criação é de uma comprometida e dedicadaservi<strong>do</strong>ra desse <strong>Tribunal</strong>.Durante as comemorações <strong>do</strong> aniversário algumas pessoasserão agraciadas, mas, gostaria e espero que to<strong>do</strong>s os servi<strong>do</strong>ressintam-se homenagea<strong>do</strong>s por esta Monumental Obra construída aolongo de duas décadas, pois sua construção não se fez e jamais seráapenas de alvenaria, mas de sonho, suor, muito esforço e até lágrimas<strong>do</strong>s que se dedicaram e ainda se dedicam à Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>do</strong> RioGrande <strong>do</strong> Norte.De coração gostaria de agradecer a to<strong>do</strong>s os que de umaforma ou de outra contribuíram para a elaboração e publicação danossa <strong>Revista</strong>, e que ela não chegue apenas aos que convivem no meiojurídico, mas vá mais além e chegue às mãos <strong>do</strong>s jurisdiciona<strong>do</strong>s edesperte neles o sentimento de confiança e fé nos que trabalham sededicam e acreditam em uma prestação jurisdicional cada dia melhorna Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.7–10, jun. 2012


10Parabéns a to<strong>do</strong>s que nesses vinte anos fizeram <strong>do</strong> sonhouma realidade construin<strong>do</strong> o Nosso <strong>Tribunal</strong>, mas levo também umapalavra de incentivo e fé a to<strong>do</strong>s que continuarão na sublime einterminável missão dessa Obra, para que as futuras geraçõespermaneçam se orgulhan<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ªRegião.Natal, junho de 2012.José Rêgo JúniorDesembarga<strong>do</strong>r e Vice-Presidente <strong>do</strong> TRT da 21ª Região/<strong>RN</strong>Presidente da Comissão da <strong>Revista</strong>R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.7–10, jun. 2012


DOUTRINATEXTOS JURÍDICOS


“O RACIOCÍNIO JUSINTERATIVO PARA UMADECISÃO JUDICIAL JUSTA. Notas e questionamentossobre caso concreto e exemplos determinantes daaplicabilidade e materialidade de valores a decisõesjudiciais justas pela interação de dimensões culturais evetores naturais.”13Carlos Newton Pinto “UM JUIZ SENTENCIA QUE DEVOLVER O APARTAMENTOAO BANCO CANCELA A HIPOTECA”:A notícia em si mesma considerada pode não chamar aatenção de ninguém, todavia provoca uma intensa mudança na ordemjurídica. A Seção Segunda de Navarra pronunciou uma sentença quemanteve a decisão de juízo da cidade de Estela que considerou quenão havia motivo para continuar com o procedimento de execuçãodepois que o Banco havia penhora<strong>do</strong> a habitação garanti<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>empréstimo e se lhe determinou anular a hasta pública que se haviaconvoca<strong>do</strong>. O acúmulo de custas e juros fez aumentar o valor <strong>do</strong>________________ Carlos Newton Pinto, Desembarga<strong>do</strong>r Federal <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>do</strong> TRT da 21ª Região.Doutoran<strong>do</strong> de la Universidad del País Vasco.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


14empréstimo relativo ao imóvel ao montante de 71.225 euros e o Bancoavaliou o imóvel em 75.900 euros, ainda que na hasta pública anuladaseu valor somente tenha chega<strong>do</strong> (valor de merca<strong>do</strong>) ao máximo de42.895 euros.Por isso, a entidade financeira quis persistir noprocedimento executivo. A Seção Segunda de Navarra reconheceu quea pretensão <strong>do</strong> Banco se ajusta à literalidade da lei e que este tem odireito de pleitear o que havia demanda<strong>do</strong>, porque não existe qualquerabuso de direito. Entretanto, aquela mesma Seção expressouclaramente a defesa <strong>do</strong> valor ético para a hipótese em análise, quan<strong>do</strong>fez questão de ressaltar que “quan<strong>do</strong> menos moralmenteintranquilizante” é que a residência praceada tenha hoje um valorinferior ao <strong>do</strong> momento da fixação <strong>do</strong> preço, ao próprio momento daobtenção <strong>do</strong> empréstimo, seja pela situação <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>, seja pelasituação econômica que se une à crise econômica mundial. Soman<strong>do</strong>sea esta consideração a crise econômica mundial – fato notóriouniversal -; a má gestão <strong>do</strong> sistema financeiro – outro fato notório -; aexistência de hipoteca podre – outro fato inegável -; fatos que o Bancojamais poderia alegar desconhecimento, entendeu a Seção Segunda deNavarra, de reconhecer que a pretensão jurídica e legal da entidadefinanceira realmente constituíra-se em um direito e não se apresentavacomo um abuso de poder, entretanto, identificava-se comoMORALMENTE REJEITÁVEL E RECUSÁVEL!R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


15O fundamento para esta decisão, ainda que se tenhautiliza<strong>do</strong> uma espécie argumentativa, em verdade, não se apresentoufunda<strong>do</strong> em texto legal, sen<strong>do</strong> mesmo desnecessária a consideração danatureza da argumentação expendida porque a aplicação <strong>do</strong> VALOR,ínsito ao FATO (ou FENÔMENO) em análise judicial se sobrepões aocoman<strong>do</strong> da NORMA!!Penso que a decisão tomada pela Seção Segunda daAudiência de Navarra foi uma decisão mais justa e interativa porquebaseada ética e exclusivamente em valores superiores ao conteú<strong>do</strong> daprópria lei, e com a assertiva de que a lei não garante aplicaçõesjustas.Neste caso expresso, se produziu uma interação harmônicacom o que denominamos de Vetores Naturais, pois a Seção Segundada Audiência de Navarra identificou no fenômeno a postulação <strong>do</strong>sAutores contrária à cobrança de valor excessivo pelo Banco, que opróprio merca<strong>do</strong> não mais sustenta ainda que o texto legal o ampare;temporalizou e localizou o fenômeno mediante sua inserção na criseeconômica atual e regional-mundial; e aplicou à hipótese a finalidade<strong>do</strong> fenômeno que era a aquisição de uma moradia pelos Autores daação judicial, ou então, que, por sua devolução, ficasse canceladatotalmente a hipoteca. Não se praticou u’a mera e simplesSUBSUNÇÃO <strong>do</strong> FATO à NORMA, da espécie ao direito,INSUFICIENTE a se fazer distribuição de JUSTIÇA!!!R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


16Assim, para que se compreenda melhor o que estouestabelecen<strong>do</strong>, neste caso, raciocínio judicial aplicou as DimensõesCulturais (FATO, VALOR e NORMA) antevistas, estas últimas porMIGUEL REALE, como manifestação, construída pelo Homem, desua expressão social, de sua ação ética, ou de seus coman<strong>do</strong>s jurídicolegais,a um fenômeno em estu<strong>do</strong>, um fato temporal, como o diziaCARLOS COSSIO, ou a um fenômeno qualquer passa<strong>do</strong> no Mun<strong>do</strong>(de conformidade com a análise de GADAMER sobre a posição deHEIDEGGER, “Die Welt weltet”, ou seja, o mun<strong>do</strong>, munda = “mudade acor<strong>do</strong> com suas relações de mun<strong>do</strong>”). Afirmo, com base nisso, queinexoravelmente teremos, como resulta<strong>do</strong>, um juízo sobre aEXPERIÊNCIA JURÍDICA, para REALE (2002, p. 539-561), a somae resumo da interação entre FATO, VALOR e NORMA, y comoconsequência um julga<strong>do</strong> mais JUSTO e com de más CERTEZAJURÍDICA, principalmente, certo dessa característica, quan<strong>do</strong> seinteragem, tais Dimensões Culturais com os VETORES NATURAIS.E, por quê assim acontece? Porque a NORMA, em simesmo considerada, de per se, comparada ao FATO, levada a aplicarseao FATO na grande maioria das vezes, não mais expressa ocoman<strong>do</strong> jurisdicional necessário a fazer uma regulamentação, umcontrole social efetivo, porque o FATO, em sua diversidade decaracterizações, relações e avanços sociais não mais está posto, porinteiro, no coman<strong>do</strong> da NORMA, e por sua vez o VALOR, cujanatureza, no passa<strong>do</strong>, sustentava a própria criação da NORMA. OR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


17nascimento da NORMA, embasa<strong>do</strong> no FATO, agora, este VALOR,pela passagem <strong>do</strong> tempo, muito semelhante ao senti<strong>do</strong> antigo, tambémse modificou, em virtude da alteração de costumes, de relaçõesinterpessoais, grupais, regionais, comunitárias, nacionais einternacionais e os próprios meios de comunicação, a rede deinformática internet, e tantos outros que permitem a celeridade decaptação de valores, EM TEMPO REAL, e de fatos no mun<strong>do</strong> e suanecessidade de regulamentação. Todavia, enquanto este VALOR semodificara no seio da sociedade ainda vamos encontrar o mesmocoman<strong>do</strong> normativo, a mesma NORMA aplicável, vigente, masanacrônica, ultrapassada em seu significa<strong>do</strong> (no Valor que ela deveriaproteger ou sustentar) e seu significante (no Texto de Lei, com limitesde linguagem, da qual deve dimanar o coman<strong>do</strong> normativo emcoerência com o Valor, todavia, AGORA, SEM ATUALIDADE)!De outro la<strong>do</strong>, cito, a bem de comprovação, <strong>do</strong>is exemplosde argumentos de decisões que NÃO se apresentam JUSTAS, e queNÃO SÃO decisões JUSTAS, ainda que o pareçam!PERGUNTA-SE: teria a Seção Segunda da Audiência deNavarra outra alternativa para construir uma argumentação decisóriaembasada simplesmente em um texto legal? RESPOSTA: Sim, claro,é a argumentação apresentada pela entidade financeira que requereu aaplicação pura e simples da lei!PERGUNTA-SE: Há uma possibilidade de que a decisãojudicial contivesse outra argumentação que não fosse aquela a<strong>do</strong>tadaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


18pela Seção Segunda da Audiência de Navarra (considerada e apontadapor mim como a interativa e justa) e tampouco a argumentaçãolegalista <strong>do</strong> Banco? RESPOSTA: Claro que sim! Por exemplo, outraideia argumentativa que, na tentativa de manter o texto legal aplica<strong>do</strong>,enquanto solução <strong>do</strong> conflito, lhe comutaria a incidência, entretantofazen<strong>do</strong> incidir à solução somente a cobrança de custas e a liquidação<strong>do</strong>s juros, sem o principal e sem quaisquer outros acréscimos,evidentemente desconsideran<strong>do</strong> a questão ética, porquanto, o Autorusou a moradia, mas por ela pagou mensalidade, não ten<strong>do</strong> que pagarjuros ou outros custos para o que não será proprietário, e muito menos,com a devolução, a deterá em sua esfera de propriedade.Observe-se, então, que o primeiro exemplo de argumentoque poderia ter si<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pela Seção Segunda da Audiência deNavarra leva à aplicação da lei e supõe, segun<strong>do</strong> PECZENIK, “umadecisão de argumentação coerente porque conforme com o texto legale a ordem jurídica. Entretanto, isso NÃO É NECESSARIAMENTEJUSTO!”O segun<strong>do</strong> exemplo de dicção de um argumento, no qualse encontra uma razão de proporcionalidade, como a justificar acobrança de custas e juros, sem o pagamento a totalidade <strong>do</strong>s débitoscontrata<strong>do</strong>s, prova uma argumentação, como o afirmou ajurisprudência americana, razoável, ou com razoabilidade. Mas, isso,também, NÃO É NECESSARIAMENTE JUSTO!R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


19A interação de elementos concretos a incidir no fenômenoem juízo para permitir uma argumentação judicial mais segura e maispróxima à ideia de JUSTO demonstra que a melhor resposta aoconflito está no RACIOCÍNIO JUSINTERATIVO, na conjugaçãointerativa das DIMENSÕES CULTURAIS <strong>do</strong> FATO, VALOR eNORMA com os VETORES NATURAIS de IDENTIDADE,TEMPO, LUGAR E FINALIDADE.Nem ao menos a ideia de que a razão (MACCORMICK,2006, p. 381, preâmbulo, X) como méto<strong>do</strong> de apreensão da realidade,por vezes a sustentar argumentos de coerência (à aplicação emcongruência com os textos legais e a ordem jurídica), por outras,argumentos de razoabilidade (à aplicação de princípios deproporcionalidade), e por algumas outras, argumentos de equidade (àaplicação da comutatividade de que falam RAWLS e ALEXY), natentativa de identificação de fatos, compreensão de valores ejustificação de decisões e normas, vêm a justificar uma decisão justa,senão como temos dito, ou coerente, ou razoável ou adequada. Poroutro la<strong>do</strong>, devemos compreender que para a formulação da razão,todas as coisas, insertas no mun<strong>do</strong>, têm valores naturais, vale dizer,valores que, ainda que se manifestem na natureza, se expressam deacor<strong>do</strong> com sua própria existência e essência, sejam coisas ou seres,anima<strong>do</strong>s ou inanima<strong>do</strong>s, corpóreos ou incorpóreos, minerais, vegetaisou animais, características apreendidas enquanto sujeito ou objeto dequalquer relação, principalmente humana, a qual faz diferir aR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


20Humanidade enquanto gênero animal, ou enquanto gênero vital.Contu<strong>do</strong>, não é da razão, enquanto ideia ou conceito, senão enquantométo<strong>do</strong> de apreensão <strong>do</strong> conhecimento, da realidade, que advém aavaliação de fenômenos naturais ou sociais.A razão se constitui em um méto<strong>do</strong> mental decompreensão de conceitos, ideias e correlações conceituais entre essespróprios elos mentais, mas o conteú<strong>do</strong> desses conceitos, vale dizer, aessência ou valoração, inerentes aos fatos experimenta<strong>do</strong>s na vida, sãoconcedi<strong>do</strong>s pela apropriação ética e valorativa que estabelecemosatravés <strong>do</strong> raciocínio, ou seja, da própria razão inicialmente toman<strong>do</strong>por base nossa própria sobrevivência, preservação, conservação devida, e posteriormente outros valores daí decorrentes. Entretanto, nãoé ela, a razão, em si mesma considerada, a provoca<strong>do</strong>ra dessamanifestação axiológica, senão a importância que damos à nossaprópria vida ou à manutenção dessa vida, ou à construção dessaprópria vida. A isso, denominamos valores éticos ou simplesmentevalores.Para melhor compreender a identificação desses valores esua aplicação prática ao direito sem que se receba, em acusaçãoinfundada a pecha de que to<strong>do</strong>s os conceitos axiológicos se constituemem abstração jusnaturalista, como a lhes impedir, em argumentaçãopositivista, eternamente, uma materialização jurídica, como se o justo,por ser valor ético, fosse imaterial por definição, como se suaapropriação mental fosse algo individualista e egoísta, dependente <strong>do</strong>R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


21juízo de cada um e não se pudesse ter um conceito de justo aplicávelsocialmente por meio de critérios objetivos, sustento, como vimosantecipadamente, que VALORES, quaisquer que sejam, podem, sim,ser aplicáveis a FATOS e NORMAS, sen<strong>do</strong>, por isso mesmo,passíveis de materialização, quero dizer, de comprovação prática, seutilizarmos o Raciocínio Jusinterativo conjugan<strong>do</strong> VETORESNATURAIS (Identidade, Tempo, Lugar e Finalidade) com asDIMENSÕES CULTURAIS construídas por MIGUEL REALE(FATO, VALOR e NORMA).Neste particular, para efeito de qualquer emissão de umjuízo racional de avaliação, também chama<strong>do</strong> de juízo de valor, ousuposta e contrapostamente um juízo de realidade, ou ainda de um“juízo conceitual” segun<strong>do</strong> ALEKSANDER PECZENIK, “um juízoproblemático” segun<strong>do</strong> IMMANUEL KANT,“ou um juízo deprobabilidade ou de verossimilhança” segun<strong>do</strong> KARL POPPER, ou“um juízo intuicional” segun<strong>do</strong> EDMUND HURSSEL, ou ainda “umjuízo conjetural” segun<strong>do</strong> MIGUEL REALE, sob qualquer discursoou argumento racional, ou qualquer teoria argumentativista, há sempreuma valoração, um senti<strong>do</strong> axiológico conti<strong>do</strong> no ARGUMENTOutiliza<strong>do</strong>, normalmente adequa<strong>do</strong> ao INTERESSE <strong>do</strong> interlocutor ouda CONDUTA prestada pelos agentes ativo e/ou passivo, a qual podereafirmar o VALOR, ou contradizê-lo, a qual pode ameaçá-lo, ouprotegê-lo.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


22Poder-se-ia dizer que to<strong>do</strong> o senti<strong>do</strong> axiológico, toda avaloração, é ínsita ao fenômeno em si mesmo (identidade), caben<strong>do</strong>aos discursos ou argumentos a eles pertencentes, sejam de quenatureza se apresentem, o esforço ou a tentativa de interpretá-la, com amudança da compreensão, da interpretação <strong>do</strong> fenômeno, ou tambémpela mudança de qualquer que seja o seu interlocutor ou suafinalidade, em seus tempo e lugar, bastan<strong>do</strong>-se para isso aplicar aNORMA ao FATO.Todavia, a utilização de discursos ou argumentos racionaisnão assegura a distribuição de justiça pela simples conjugação dasDimensões Culturais em sua integralidade (VALOR junto ao FATO eà NORMA), deven<strong>do</strong> o juiz aplicá-las a to<strong>do</strong> fenômeno emjulgamento e interagí-las com os Vetores Naturais (identidade, tempo,lugar e finalidade).De outro mo<strong>do</strong>, no âmbito humano e social, para asciências humanas e sociais estes elementos naturais se constituem,como se incógnitas matemáticas fossem, VETORES INVARIANTESem sua permanência e existência (identidade de seres ou coisas; tempoem que se passam; lugar <strong>do</strong>nde ocorrem; e finalidade de existência),atuan<strong>do</strong> com celeridade, magnitude, direção e senti<strong>do</strong> e que,aplicáveis à Vida, à toda evidência, são preenchidas por conteú<strong>do</strong>sVARIÁVEIS humanos e sociais (seres e/ou coisas; momentos ouépocas; lugares e/ou territórios; e objetivos sócio-psico-ontológicos)que guardam com isso a concretização, por meio de sua integraçãoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


23com a realidade nos âmbitos histórico-sociológico (culturología), ético(axiología) e normativo (epistemológico-jurídico) em aplicação dasDIMENSÕES CULTURAIS previstas sabiamente por MIGUELREALE de FATO (Eficácia), VALOR (Fundamento) e NORMA(Vigência) aos fenômenos sociais, e que assim, apontam caminhos decaracterização material de fenômenos naturais ou sociais de afetaçãodireta à Humanidade por estes indica<strong>do</strong>res de grandezas (VETORES)de identidade, tempo, lugar e finalidade, encontra<strong>do</strong>s em to<strong>do</strong>s osobjetos e seres, de maneira a fantasticamente espancar das decisõesjudiciais <strong>do</strong> século XXI e seguintes o positivismo vetusto e inservível.Aqui, a propósito, gostaria de esclarecer que, ao meusentir e para este raciocínio jusinterativo que construo, interatividade,em utilização de conceito e caracterizações defini<strong>do</strong>s por ALINEWEBER, para o ramo científico das intercomunicações, é a qualidadeda INTERAÇÃO, para mim, agora aplicável ao RACIOCÍNIOJUSINTERATIVO, e que, em meu dizer, é composta, para o processojudicial, de a) participação = para o processo judicial, partes eintervenientes se fazem imprescindíveis à composição <strong>do</strong> fenômenoem análise judicial interativa e devem estar bem apresentadas àJurisdição (ao Poder Judiciário) e de mo<strong>do</strong> multifacial; b)multidirecionalidade = a relação interativa (aplicação de VetoresNaturais) pode ser conduzida pelo juiz (o agente político <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-Juiz) destinada a simultâneas e multilaterais interrelações que incluamqualquer pessoa que esteja e possa ser considerada no fenômeno emR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


24juízo e produzin<strong>do</strong> uma criação conjunta <strong>do</strong> direito mediante aconfiguração <strong>do</strong>s argumentos mais varia<strong>do</strong>s e contrapostos,examina<strong>do</strong>s nos Vetores e nas Dimensões; e c) permutabilidade = quepermite a interação, com possibilidade de mudanças imediatas e emtempo real de distintos agentes e conexões ao FATO, ao VALOR e àNORMA, e condicionada à aplicabilidade integral <strong>do</strong>s VetoresNaturais, identidade, tempo, lugar e finalidade ao FENÔMENO emanálise judicial.Explico didática e cientificamente o entrelaçamento entreas DIMENSÕES CULTURAIS e os VETORES NATURAISproduzin<strong>do</strong> o juízo que afirmo JUSTO e, com isso, a ExperiênciaJurídica em toda a sua amplitude, segun<strong>do</strong> a tridimensionalidadeprevista por Reale, com as seguintes relações funcionais <strong>do</strong>RACIOCÍNIO JUSINTERATIVO:a) V(i.t.l.f) = VALOR é função de identidade-tempolugar-finalidade;b) F(i.t.l.f) = FATO é função de identidade-tempolugar-finalidade;c) N(i.t.l.f) = NORMA é função de identidade-tempolugar-finalidade:.<strong>do</strong>nde:d) V(i.t.l.f) + F(i.t.l.f) + N(i.t.l.f) = J (Justiça)R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


24Seguem abaixo, as dezesseis relações vetoriais-interativas,as quais, em evidente multidirecionalidade e permutabilidade, aointeragir com as dimensões culturais VALOR, FATO e NORMAproduzem, pelo menos, em relação a um FENÔMENO em estu<strong>do</strong>,cerca de quarenta e oito possibilidades de uma decisão interativa,exata, conforme e justa aos elementos de composição <strong>do</strong> conflito deinteresses, viabilizan<strong>do</strong> ao juiz a produção, pelo raciocíniojusinterativo, de uma decisão justa.RELAÇÕES VETORIAIS-INTERATIVAS1. (=i.≠t.≠l.≠f) è MESMA Identidade (=i) de sujeitose objetos; Épocas DIFERENTES (≠t); Lugares DIFERENTES(≠l); eFinalidades DIFERENTES (≠f);2. (=i.=t ≠.l. ≠f) è MESMA Identidade(=i) de sujeitose objetos; MESMA Época(=t); Lugares DIFERENTES(≠l); eFinalidades DIVERSAS(≠f);3. (=i.=t. =l.≠f) è MESMA Identidade(=i) de sujeitosy objetos; MESMA Época(=t); MESMOS Lugares(=l);Finalidades(≠f) DIFERENTES;R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


264. (=i.≠t.=l.≠f) è MESMA Identidade (=i) de sujeitose objetos; DIFERENTES épocas(≠i); MISMOS Lugares(=l); eDIFERENTES Finalidades(≠f);5. (=i.≠t.≠l.=f) è MESMA Identidade(=i) de sujeitos eobjetos; DIFERENTES Épocas(≠t); DIFERENTES Lugares(≠l); eMESMAS Finalidades(=f);6. (=i.=t.≠l.=f) è MESMA Identidade(=i) de sujeitos eobjetos; MESMA Época(=t); DIFERENTES Lugares(≠l); e MESMAFinalidade(=f);7. (=i.≠t.=l.=f) è MESMA Identidade(=i) de sujeitos eobjetos; DIFERENTES Épocas(≠t); MESMOS Lugares(=l); eMESMA Finalidade(=f);8. (=i.=t.=l. =f) è MESMA Identidade(=i) de sujeitos eobjetos; MESMA Época(=t); MESMOS Lugares(=l); e as MESMASFinalidades(=f) (IGUALDADE ABSOLUTA);9. (≠i.=t.=l.=f) è DIFERENTES Identidades(≠i) desujeitos e objetos; MESMA Época(=t); MESMOS Lugares(=l); eMESMAS Finalidades(=f);R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


2710. (≠i.≠t.=l.=f) è DIFERENTES Identidades(≠i) desujeitos e objetos; DIFERENTES Épocas(≠t); MESMOS lugares(=l);e MESMAS Finalidades(=f);11. (≠i.≠t.≠l.=f) è DIFERENTES Identidades(≠i) desujeitos e objetos; DIFERENTES Épocas(≠t); DIFERENTESLugares(≠l); e MESMAS Finalidades(=f);12. (≠i.=t.≠l.=f) è DIFERENTES Identidades (≠i) desujeitos e objetos; MESMA Época(=t); DIFERENTES lugares(≠l); eMESMA Finalidade(=f);13. (≠i.=t.=l.≠f) è DIFERENTES Identidades(≠i) desujeito e objeto; MESMA Época(=t); MESMO Lugar(=l);DIFERENTES Finalidades.14. (≠i. ≠t.=l. ≠f) è DIFERENTES Identidades(≠i) desujeito e objeto; DIFERENTES Épocas(≠t); MESMO Lugar(=l); eDIFERENTES Finalidades(≠f);15. (≠i.=t.≠l.≠f) è DIFERENTES Identidades(≠i) desujeito e objeto; MESMA Época(=t); DIFERENTES Lugares(≠l);DIFERENTES Finalidades(≠f);R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


2816. (≠i.≠t.≠l.≠f) è DIFERENTES Identidades(≠i) desujeito e de objeto; DIFERENTES Épocas(≠t); DIFERENTESLugares(≠l); e DIFERENTES Finalidades(≠f) (DIFERENÇAABSOLUTA).É certo, portanto, que este raciocínio jusinteractivo não sedá por fórmula matemática, sen<strong>do</strong> esta somente uma maneira didáticade demonstrá-lo. Porém, mantém-se a fórmula porque to<strong>do</strong> oraciocínio judicial é uma análise de fatos e valores, em que se deveobrigatoriamente, considerar a dinâmica <strong>do</strong> raciocínio e seusentrelaçamentos mentais céleres, atendidas todas as variáveis comoprovas, alegações, argumentos, embora se necessite interagir to<strong>do</strong>sestes elementos para a busca da Verdade Real no processo.Contu<strong>do</strong>, como já disse, a simples utilização deargumentos não assegura a distribuição de justiça se não se aplicam asdimensões culturais em sua integralidade, acrescentan<strong>do</strong>-se a to<strong>do</strong> ofenômeno em julgamento a dimensão <strong>do</strong> VALOR junto às dimensõesFATO e NORMA, em interação aos Vetores Naturais. Ainda quetenham, as espécies ou discursos argumentativos, suas diferenças decaracterizações ou justificações oriundas <strong>do</strong>s distintos argumentos e<strong>do</strong>s distintos interlocutores, o raciocínio jusinterativo (ou seja, ainteração <strong>do</strong> FATO, VALOR e NORMA em função de suasidentidades, tempos, lugares e finalidades), com sua completitude,permitirá a identificação <strong>do</strong> objeto correto em relação ao fenômenoem estu<strong>do</strong> (identidade), a inserção <strong>do</strong> fenômeno em sua época própriaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


29(tempo), a localização aplicável ao fenômeno (lugar) e o objetivo deocorrência <strong>do</strong> fenômeno (finalidade) para a produção <strong>do</strong> produtojudicial justo (sentença ou decisão justa).Outro exemplo se faz necessário, mas não com o propósitode cometer-se, aqui, para muitos, mais uma heresia, ou para outrosuma quebra de mito, sem querer ser presunçoso. Se o direito não seaplica ao âmbito de conhecimento <strong>do</strong> SER, mas sim ao âmbito <strong>do</strong>conhecimento e aplicação <strong>do</strong> DEVER-SER, no dizer de KELSEN,necessita, porém, ser aplica<strong>do</strong> à realidade. Mesmo com o raciocínionormativista de KELSEN de que a VALIDADE da norma jurídica seopera e se constitui em hierarquia de normas que sustenta e justifica alegitimação da norma inferior, em pirâmide vertical ascendente até anorma constitucional, e posteriormente até a GRUNDNORM (NormaFundamental) ele acabou por coonestar, em sua Teoria Pura <strong>do</strong>Direito, a utilização de clara teleologia e axiologia para constituirValores de ORDEM e OBEDIÊNCIA ao seu engendra<strong>do</strong> sistema dedireito e primou por conceder e estabelecer critérios de VALIDADEou NÃO (critérios embasa<strong>do</strong>s no conceito de VALIDADE) aoconteú<strong>do</strong> de seus institutos normativos em razão de uma verdadeiraimplementação axiológica ao seu sistema ou teoria <strong>do</strong> direito, aindaque com este argumento de natureza formal, em evidente uso éticovalorativode construção teórica para dar estrutura e significa<strong>do</strong> aocoman<strong>do</strong> jurídico inerente à norma, viesse a negar-lhes aplicação,enquanto axiológicos.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


30Sem pensar em cometimento de uma heresia, e para que secompreenda a insatisfação gerada pelas teorias vigentes sobre osistema de direito a fim de que se aplique justiça em sociedade,enten<strong>do</strong> que SETE QUESTIONAMENTOS devem ser dirigi<strong>do</strong>s àsteorias de ALEXY, DWORKIN y ATIENZA em nome <strong>do</strong> avanço dafilosofia <strong>do</strong> direito e <strong>do</strong> processo:QUESTIONAMENTO 1. O discurso racional pode existirsem valores?QUESTIONAMENTO 2. O discurso jurídico só podeocorrer com a lei, a <strong>do</strong>gmática e o precedente ou a jurisprudência ouse lhe admite a incidência de valores além e fora das normas (ultra etextra legis)?QUESTIONAMENTO 3. É possível realmentedesconectar nos discursos a questão empírica, a questão analíticoaxiológicae a questão normativa?QUESTIONAMENTO 4. Quan<strong>do</strong> o juiz dita umasentença, basea<strong>do</strong> em uma realidade, prolatan<strong>do</strong>-a com uma lógica deargumentos possíveis, estabelecen<strong>do</strong> critérios de razoabilidade, podeseafirmar que foi prolatada uma decisão JUSTA?QUESTIONAMENTO 5. Uma decisão judicial amparadana lei se apresenta necessariamente JUSTA?QUESTIONAMENTO 6. É verdade que as normastécnicas ou a fundamentação técnica para um discurso racional sóR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


31chegam ao JUSTO ou ao VERDADEIRO quan<strong>do</strong> sustentam em suaessência valores ou fins determina<strong>do</strong>s?QUESTIONAMENTO 7. Se os conceitos de Justiça ou deVerdade, ou de JUSTO ou VERDADEIRO podem ser obti<strong>do</strong>s porteorias criteriológicas ou defini<strong>do</strong>ras de suas essências, pode-seafirmar que estes conceitos são passíveis de concreção ematerialidade?As respostas a estes SETE QUESTIONAMENTOS nosDÃO CERTEZA JURÍDICA de que:1) A teoria positivista <strong>do</strong> direito é insuficiente parapraticar justiça social porque se limita a aplicar somente a lei semconsiderar valores e fatos atuais, em plena contradição e oposição àceleridade de realização das comunicações e fatos. Um discurso que seofereça racional: i) deve conter um propósito (identidad), ii) deveinserir-se em uma temporalização de molde a referir-se a uma épocarelativa a um fenômeno (tempo), iii) deve localizar-se em linguagem efato a um sítio a estabelecer relações coerentes com o lugar (lugar) eiv) deve estabelecer um objetivo a ser alcança<strong>do</strong> (finalidade), nãosimplesmente procurar justificar, com argumentos, a to<strong>do</strong> e qualquerinteresse;2) O discurso racional é incompatível com a distribuiçãode justiça porque se ampara em raciocínios coerentes ou adequa<strong>do</strong>s,limita<strong>do</strong>s pelo texto legal, ou seja, acordes exclusivamente com oR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


32sistema ou ordem jurídica vigente, sem considerar necessariamente osvalores éticos aplicáveis ao fenômeno em juízo, e assim, sem qualquerconcernência com a justiça;3) Uma eventual desconexão <strong>do</strong> discurso com a realidadeempírica produz uma justificação retórica e fundamentada porémisolada e distanciada de toda base valorativa ínsita a to<strong>do</strong>s os fatos,que pudesse lhe trazer conformação exata com a verdade e não fazconfigurar segurança às relações sociais porque descarta o significa<strong>do</strong>que se põe por detrás <strong>do</strong>s fatos, descartan<strong>do</strong> a distribuição de justiça àsociedade; uma desconexão <strong>do</strong> discurso em relação a uma visãoanalítico-valorativa, na tentativa de retirar o elemento subjetivo <strong>do</strong>raciocínio ou juízo que será efetua<strong>do</strong>, faz produzir, como resulta<strong>do</strong>, nadecisão judicial, um evidente equívoco para a configuração segura <strong>do</strong>fenômeno ou <strong>do</strong> conflito de interesses posto à jurisdição; umadesconexão <strong>do</strong> discurso com a moldura normativa – esta moldura aquipor mim entendida como um parâmetro mínimo de compreensão <strong>do</strong>controle estatal sobre os fatos sociais- só pode subsistir se o valor quese contraponha ao texto legal lhe seja superior em universalidade egeneralidade, acorde com a interação de vetores e dimensões segun<strong>do</strong>o raciocínio jusinterativo.4) Quan<strong>do</strong> uma sentença é ditada somente com base narazoabilidade, seu critério, seu fundamento, estabelece umamediedade, um equilíbrio diante de um conflito, e não uma busca paraR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


33atribuir a cada um, o que verdadeiramente seja seu (suum cuiquetribuere), não se buscan<strong>do</strong> e nem se definin<strong>do</strong> o que seja JUSTO!5) A decisão judicial amparada em argumentos legais,positivistas ou não, todavia limita<strong>do</strong>s ao texto da lei, só será justa se ofato estiver rigorosamente conti<strong>do</strong> no tipo legal, corren<strong>do</strong>-se o forterisco de ter-se um anacronismo dependente da época <strong>do</strong> advento da leiquan<strong>do</strong> fosse aplicada.6) As normas técnicas não são somente normas semsubjetividade ou puramente objetivas, avalorativas. Todas têm umavaloração inserta em sua existência, em seu conteú<strong>do</strong> que lhes dáfinalidade e valor de existência. Normas técnicas dão conformidade eaplicação a valores de ORDEM, HIERARQUIA, OBEDIÊNCIA,REGULARIDADE e tantos outros que, se quiséssemos, poderíamosidentificá-los e aplicá-los, de molde a tornar o que é aparentementesubjetivo, amplamente objetivo, com apropriação subjetivadependente da materialização de cada fenômeno ou fato.7) To<strong>do</strong>s os conceitos denomina<strong>do</strong>s de subjetivos só sãoassim entendi<strong>do</strong>s porque têm uma valoração apropriada por umcaráter individual dependente de um Eu. Todavia, não é este caráterindividual que lhe impede de se transformar em material e objetivo. Oque determina a materialidade e importância de um fenômeno, muitasvezes visto como meramente individual, singelo e irrelevante, é aimplicação, a correlação e interação que produz com outros elementosem manifestação e ocorrência multifactual, fazen<strong>do</strong> com que sejaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


34possível, em determinada correlação objetiva de fatos, sua objetivaçãoe, consequentemente, encontrar-se a Justiça aplicável e a Verdadematerializada e objetiva ao fenômeno em estu<strong>do</strong>.CONCLUSÃO:- O RACIOCÍNIO JUSINTERATIVO, ou seja, a interação<strong>do</strong> FATO, VALOR e NORMA em função de suas Identidades,Tempos, Lugares e Finalidades, com sua completitude, permitirá aprodução de uma decisão judicial JUSTA, EXATA e SEGURA emrelação ao FENÔMENO EM ESTUDO (IDENTIDADE), AINSERÇÃO DO FENÔMENO EM SUA ÉPOCA PRÓPRIA(TEMPO), A LOCALIZAÇÃO APLICÁVEL AO FENÔMENO(LUGAR) e O OBJETIVO DE OCORRÊNCIA DO FENÔMENO(FINALIDADE).- A INTERATIVIDADE DE DIMENSÕES CULTURAIS(F, V e N) COM OS VETORES NATURAIS (i, t, l, f) - ORACIOCÍNIO JUSINTERATIVO – em análise de fenômenos noprocesso, viabilizan<strong>do</strong> uma completitude mais dinâmica em relaçãoaos agentes, quaisquer que sejam, às épocas e momentos em que seinsiram, aos locais onde se encontrem e para a finalidade ou fim quedesejem para a obtenção da solução <strong>do</strong> conflito, habilita ao juizdecidir com celeridade e segurança, vale dizer, COM JUSTIÇA.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


35- O RACIOCÍNIO JUSINTERACTIVO PERMITIRÁSEMPRE UMA DECISÃO JUDICIAL JUSTA, MATERIAL ECONCRETA!REFERÊNCIASALEXY, Robert. Giustizia come correttezza (Justicia comoCorrección), trad. <strong>do</strong> italiano por Ana Inés Hoaquin; revisão técnicada tradutora e de Ro<strong>do</strong>lfo Luís Vigo, del original Gerechtigkeit alsRichtigkeit, publica<strong>do</strong> in Ragione pratica, trad. Bruno Celano, p. 103-113.COSSIO, Carlos. La teoría egológica del Derecho y el conceptojurídico de libertad. 2. ed. Buenos Aires: Abele<strong>do</strong>-Perrot Editorial,1964. 821 p.GADAMER, Hans-Georg. Hermenêutica em retrospectiva: Heideggerem retrospectiva, trad. Marco Antonio Casanova. 2. ed. Petrópolis, RJ:Vozes, 2007. 132 p. v. IGRAÇA NETO, Antonio. Uma visualização de Aleksander Peczenike da sua inserção no cenário contemporâneo da Filosofia <strong>do</strong> Direito.Rev. Videre, Doura<strong>do</strong>s-MS, ano I, n. 2, p. 135-160, 2009.UN JUEZ sentencia que devolver al piso al banco cancela la hipoteca.Diario Vasco, San Sebastián-Donostia – Gipuzkoa, España, 27 deJaneiro de 2011, p. 4.KELSEN, Hans. Teoria Pura <strong>do</strong> Direito. 3. ed. trad. por João BaptistaMacha<strong>do</strong>. Coimbra: Ed. Arménio Ama<strong>do</strong>, Editor-Sucessor, 484 p.,(Colección Studium), 1974.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria <strong>do</strong> Direito epreâmbulo, trad. de Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins Fontes,2006. 381 p.PECZENIK, Aleksander. Papers: A Coherence Theory of JuristicKnowledge y Second Thoughts on Coherence and Juristic Knowledge.Disponível em: http://peczenik.ivr2003.net/<strong>do</strong>cuments/2_papers.pdfRAWLS, John. Justiça como equidade: uma reformulação, traduçãode Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 306 p.REALE, Miguel. Cap. XXVIII - fundamento, eficácia e vigência. In:______. Filosofia <strong>do</strong> Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 586-617.WEBER, Aline. Afinal, o que é interatividade? <strong>Revista</strong>pontocom.Disponível em: http://www.revistapontocom.org.br/edicoesanteriores-artigo/afinal-o-que-e-interatividade.36R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.13–36, jun. 2012


EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM BASES HOLÍSTICASE ANTROPOLÍTICAS: PARA ALÉM DOSACIDENTES DO TRABALHO E DAS DOENÇASOCUPACIONAIS37Zéu Palmeira Sobrinho 1. A pertinência da educação ambiental em matéria de saúde esegurança <strong>do</strong> trabalho; 2. Pelo conhecimento rumo a uma práxishumana de primazia da vida; 3. A sociedade dialogal como instânciajulga<strong>do</strong>ra; 4. Propostas para uma nova antropolítica <strong>do</strong> agir solidário;5. Considerações finais; 6. Referências.No presente artigo se discutirá a formação de umaperspectiva pedagógica que instigue a sociedade a fazer-se educa<strong>do</strong>rae educanda na tarefa de promover a saúde como um bem socialcomplexo.Inicialmente é bom que se frise que não se está aqui adefender que a educação seja o remédio salvacionista diante <strong>do</strong>sproblemas enfrenta<strong>do</strong>s pelos trabalha<strong>do</strong>res e pela sociedade emmatéria de precarização da saúde e de destruição <strong>do</strong> meio ambiente.________________ Juiz titular da 1ª Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> de Natal, professor da UF<strong>RN</strong>, autor de váriasobras jurídicas e coordena<strong>do</strong>r <strong>do</strong> GESTO (Grupo de Estu<strong>do</strong>s Seguridade Social e<strong>Trabalho</strong>), da UF<strong>RN</strong>.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


38Sob esse aspecto, vale ressaltar a advertência de Freire (2001), nosenti<strong>do</strong> de que a educação faz muito, mas não faz tu<strong>do</strong>; éimprescindível, mas não é suficiente se não estiver em articulaçãocom as esferas econômicas e políticas. 1É nesse contexto que se apresenta a reflexão sobre apertinência da educação ambiental, em matéria de saúde e segurança<strong>do</strong> trabalho, e o compromisso ético de construção de uma consciênciacrítica baseada em três esferas que são o ver, o julgar e o agir. Agravitacionalidade de tais esferas envolve, sob uma perspectivaholística, três atitudes socialmente necessárias: o conhecimento rumoa uma práxis humana de primazia da vida; a emergência de umasociedade dialogal como instância julga<strong>do</strong>ra; e, por fim, a elaboraçãode propostas para uma nova antropolítica <strong>do</strong> agir solidário.________________1 “Não devemos nem aceitar o to<strong>do</strong>-poderosismo ingênuo de uma educação que faztu<strong>do</strong>, nem aceitar a negação da educação como algo que nada faz, mas assumir aeducação nas suas limitações e, portanto, fazer o que é possível, historicamente, serfeito com e através, também, da educação.” (FREIRE, 2001, p. 102). “Quan<strong>do</strong> agente reflete sobre os limites da educação e a possibilidades da educação, é precisoter cuida<strong>do</strong> para não exagerar na positividade e não exagerar na negatividade, ou emoutras palavras, não exagerar na impossibilidade e não exagerar na possibilidade.Quer dizer, a educação não pode tu<strong>do</strong>, mas a educação pode alguma coisa e deveriaser pensada com grande seriedade pela sociedade.” (FREIRE, 2001, p. 175).R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


1. A PERTINÊNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EMMATÉRIA DE SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO39A questão <strong>do</strong> acidente <strong>do</strong> trabalho, em seu senti<strong>do</strong> amplo,foi devidamente reconhecida no âmbito <strong>do</strong> direito constitucionalbrasileiro, a ponto de o tema ser considera<strong>do</strong> como elemento dapolítica de saúde pública. Não por acaso, o legisla<strong>do</strong>r atribuiu aosistema único de saúde a competência para: “I - controlar e fiscalizarprocedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde eparticipar da produção de medicamentos, equipamentos,imunobiológicos, hemoderiva<strong>do</strong>s e outros insumos; II - executar asações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r; e (...) VIII - colaborar na proteção <strong>do</strong> meio ambiente,nele compreendi<strong>do</strong> o <strong>do</strong> trabalho (art. 200, CF).A análise <strong>do</strong> acidente <strong>do</strong> trabalho, as causas e as formas desua configuração guardam relação direta, tanto com uma baseestrutural que é o mo<strong>do</strong> de produção quanto com as suas diferentesmanifestações históricas, é dizer, seus distintos modelos ou fenômenoshistóricos.Dentre as bases fenomênicas que tendem a interferirpositivamente na percepção <strong>do</strong> acidente <strong>do</strong> trabalho urge destacar-se opapel da educação ambiental, a qual pode vir a cimentar uma práticapedagógica pluriespacial, isto é, não limitada somente ao espaço daescola ou <strong>do</strong>s cursos de aprendizagem.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


40Segun<strong>do</strong> o direito positivo nacional “entendem-se poreducação ambiental os processos por meio <strong>do</strong>s quais o indivíduo e acoletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades,atitudes e competências voltadas para a conservação <strong>do</strong> meioambiente, bem de uso comum <strong>do</strong> povo, essencial à sadia qualidade devida e sua sustentabilidade.” (art. 1º, da Lei 9.795/1999). O legisla<strong>do</strong>rbrasileiro reconheceu que a educação ambiental, sen<strong>do</strong> partefundamental de qualquer processo educativo, é um direito de to<strong>do</strong>cidadão aprendente, 2 além de constituir-se como “componenteessencial e permanente da educação nacional, deven<strong>do</strong> estar presente,de forma articulada, em to<strong>do</strong>s os níveis e modalidades <strong>do</strong> processoeducativo, em caráter formal e não-formal.”________________2 Diz o art. 3º, da Lei 9.795/1999: “Como parte <strong>do</strong> processo educativo mais amplo,to<strong>do</strong>s têm direito à educação ambiental, incumbin<strong>do</strong>: I - ao Poder Público, nostermos <strong>do</strong>s arts. 205 e 225 da Constituição Federal, definir políticas públicas queincorporem a dimensão ambiental, promover a educação ambiental em to<strong>do</strong>s osníveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação emelhoria <strong>do</strong> meio ambiente; II - às instituições educativas, promover a educaçãoambiental de maneira integrada aos programas educacionais que desenvolvem; III -aos órgãos integrantes <strong>do</strong> Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA,promover ações de educação ambiental integradas aos programas de conservação,recuperação e melhoria <strong>do</strong> meio ambiente; IV - aos meios de comunicação de massa,colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de informações e práticaseducativas sobre meio ambiente e incorporar a dimensão ambiental em suaprogramação; V - às empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas,promover programas destina<strong>do</strong>s à capacitação <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, visan<strong>do</strong> à melhoriae ao controle efetivo sobre o ambiente de trabalho, bem como sobre as repercussões<strong>do</strong> processo produtivo no meio ambiente; VI - à sociedade como um to<strong>do</strong>, manteratenção permanente à formação de valores, atitudes e habilidades que propiciem aatuação individual e coletiva voltada para a prevenção, a identificação e a solução deproblemas ambientais.”R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


41Parafrasean<strong>do</strong> Bobbio, o mun<strong>do</strong> já tem em demasialegislação que trata sobre os direitos sociais, falta-lhe, porém, aefetividade das normas respectivas. Tal reflexão também urge aplicarseno campo da construção de um ethos preservacionista. As basesteóricas desse ethos foram bem sintetizadas pela Lei 9.795/1999 quetraz em seu art. 4º os princípios que inspiram a educação ambiental, asaber:I - o enfoque humanista, holístico, democrático eparticipativo;II - a concepção <strong>do</strong> meio ambiente em sua totalidade,consideran<strong>do</strong> a interdependência entre o meio natural, osocioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade;III - o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, naperspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade;IV - a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e aspráticas sociais;V - a garantia de continuidade e permanência <strong>do</strong> processoeducativo;VI - a permanente avaliação crítica <strong>do</strong> processo educativo;VII - a abordagem articulada das questões ambientaislocais, regionais, nacionais e globais;VIII - o reconhecimento e o respeito à pluralidade e àdiversidade individual e cultural.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


42Além <strong>do</strong> modelo regula<strong>do</strong>r da educação ambiental, asaúde <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res deve ser compreendida como o direitofundamental <strong>do</strong> ser humano ao bem estar físico, mental e social. Suarelevância não deve ser limitada apenas ao status de um direitoprestacional a ser exigi<strong>do</strong> ao Esta<strong>do</strong>. O seu caráter de conexidade como próprio direito à vida faz com que as condições para o pleno gozo detal bem social seja a um só tempo universal e igualitário. Issorepresenta afirmar que ao direito <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r à saúde correspondeum dever da sociedade política e da sociedade civil, não excluin<strong>do</strong> –conforme assevera a Lei 8080/90 – a obrigação das pessoas, dafamília, das empresas e da sociedade. Ademais, a reflexão sobre odireito <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r à saúde deve ser visualiza<strong>do</strong> como uma lutapermanente que gravita em torno da preservação <strong>do</strong> meio ambiente emgeral no contexto das relações socioeconômicas. Dito de outro mo<strong>do</strong>:é contraproducente discutir a saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r sem fazer a relaçãodesta com o modelo econômico que influencia e cimenta o mo<strong>do</strong> devida da sociedade.O modelo econômico, longe de ser visto como uma forçasobrenatural, é uma construção humana que na configuraçãocontemporânea serve para o enriquecimento de poucos e a miséria demuitos. Basea<strong>do</strong> na ideia de progresso e de desenvolvimento, ostandard econômico hegemônico da atualidade coincide com aproliferação da desigualdade, <strong>do</strong> produtivismo, <strong>do</strong> consumismo, daR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


43degradação da saúde <strong>do</strong> planeta e consequentemente da perda daqualidade de vida <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res e <strong>do</strong>s cidadãos.A forma como o homem se relaciona com a natureza ecom os seus semelhantes revela o mo<strong>do</strong> de sua vida econômica,moral, cultural e espiritual. Esse complexo de relações vem sen<strong>do</strong>marca<strong>do</strong> pela devastação de matas e florestas, desertificação,destruição de habitat, redução paulatina da camada de ozônio,intensificação da exploração <strong>do</strong>s recursos em busca de mais matériaprima, superprodução de lixo, erosão <strong>do</strong>s solos, assoreamento <strong>do</strong>srios, secas, inundações, etc. Esse quadro é recrudescente porque temrevela<strong>do</strong> uma violência profunda à capacidade de a natureza sereconstruir após a intensificação <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de vida <strong>do</strong>s homens noplaneta.Sob o aspecto até aqui enfoca<strong>do</strong>, é de comungar-se dareflexão de Mészáros (2005) no senti<strong>do</strong> de que a lógica capitalista éincorrigível porque está baseada na taxa crescente de descartabilidade<strong>do</strong> valor de uso da merca<strong>do</strong>ria. Por óbvio que essa sanha predatória,que se volta contra a natureza, é igualmente nociva ao ser humano.Compreender essa nocividade não será o bastante se não houver umaprática de emancipação humana.Uma prática emancipacionista, no âmbito da saúde, há queimplicar numa radicalização contra o que se denomina deexternalização <strong>do</strong>s custos. Externaliza o custo de sua produção oempresário que não respeita o direito à saúde <strong>do</strong>s seus trabalha<strong>do</strong>res.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


44Assim, se uma empresa não cuida de aparelhar-se para evitar danos ànatureza e à integridade <strong>do</strong>s seus emprega<strong>do</strong>s está, em consequência,fazen<strong>do</strong> uma poupança com o dinheiro público e com a destruição dasaúde, um bem indisponível <strong>do</strong> ser humano. É que ao evitar gastospara a preservação da saúde, o patrão transfere os custos dadegradação à sociedade, visto que é esta que – através <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> –arcará com as consequências danosas da atividade produtiva. Isso quersignificar que o lucro <strong>do</strong> empresário em tais circunstâncias embuteaquilo que ele desfalca por meio da degradação ambiental, ou seja,contempla os ganhos que terá com os gastos que ele provoca para asociedade. Um bom começo para se combater tal prática é estimularsea tríade forma<strong>do</strong>ra da consciência crítica rumo à primazia da vida,isto é, em busca da reelaboração social de um novo conhecer, julgar eagir.2. PELO CONHECIMENTO RUMO A UMA PRÁXISHUMANA DE PRIMAZIA DA VIDAA defesa da saúde como política pública há de ser aprópria defesa da primazia da vida. Do mesmo mo<strong>do</strong>, a educação paraa saúde há que ser a educação transforma<strong>do</strong>ra contra a destruição davida. Nenhuma reforma da educação será suficiente para aemancipação humana se não implicar na transformação <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> deprodução da vida e <strong>do</strong>s bens materiais. A propósito, a mera reforma daR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


45educação representa pouco menos que mudanças tópicas. Porém, semuma transformação da educação nenhuma reforma estrutural vingará.Dito de outra forma: não há como se superar uma estrutura semeducação, de sorte que embora esta não seja a peça-chave, trata-se dechave imprescindível sem a qual não se irá além da possívelreprodução <strong>do</strong> status quo.A educação somente perceberá diferentemente a questão<strong>do</strong> acidente <strong>do</strong> trabalho na medida em que contemplar o processo depolitização teórico-prática que seja capaz de transcender a esferaparticular das instruções técnicas e da ética capitalista no campo dasegurança e medicina <strong>do</strong> trabalho. Tal espécie de educação, de ín<strong>do</strong>lenitidamente ambiental, tende a objetivar uma práxis crítica,democrática, reivindicativa e construtora de um mo<strong>do</strong> de vida no qualas pessoas assumam a sua vocação de corresponsabilidade em relaçãoa um meio ambiente socialmente necessário, isto é, sustentável e justo.A educação ambiental, além de servir para se conhecer ascausas e os reflexos <strong>do</strong> acidente <strong>do</strong> trabalho, demanda a crítica de queo fenômeno acidentário é mais uma dentre tantas das expressões queseguem uma lógica incontrolável. Combater a irracionalidadecapitalista é uma tarefa difícil, principalmente porque tal sistemareproduz-se com base na difusão da crença de sua eternainevitabilidade e na desqualificação da crítica ao seu funcionamento, aponto de estigmatizar como utópica qualquer tentativa de discurso oude demonstração explicativa da sua desumanidade. Todavia, com asR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


46novas tecnologias informacionais, o poder <strong>do</strong>s fluxos tende aevidenciar a necessidade emergente de uma consciência crítica capazde estimular o VER, o JULGAR e o AGIR.O VER representa o conhecer <strong>do</strong> homem, tanto naquiloque lhe dá a compreensão da parte e <strong>do</strong> to<strong>do</strong>, quanto naquilo que lhedesperta o interesse e a motivação para reconstruir uma base imaterial,isto é, os valores e as práticas de uma construção social renova<strong>do</strong>ra.Ver ou conhecer não representa ser o homem porta<strong>do</strong>r damaior quantidade de informações acumuladas. Além <strong>do</strong> acesso àinformação, emerge a necessidade da sensibilização, da valorização dacrítica, ampliação <strong>do</strong>s espaços de educação popular e construção daaprendizagem consciente. Trata-se de o homem ser estimula<strong>do</strong> aconfrontar-se com o real e sensibilizar-se com e na realidade. Ver,portanto, representa descobrir o significa<strong>do</strong> da consciência na e para avidaComo to<strong>do</strong> processo de conhecimento implica ativação daconsciência, urge aqui diferenciar-se a consciência em si e para si.Consciência em si é a consciência sensível e passiva, construída dapercepção imediata e reativa <strong>do</strong> homem em relação ao ambiente aoseu re<strong>do</strong>r. Ela atua sobre o homem pela linguagem e não é percebidapor este nas conexões sociais. Consciência para si é a consciênciarefletida em que o homem se enxerga como um ser criativo e críticoem relação ao seu gênero. Paulo Freire (2010), no curso de suaprodução teórica, explicita que a conscientização e a ação são estágiosR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


47que não surgem separa<strong>do</strong>s, mas que estão amalgama<strong>do</strong>s. Daí eleconcluir que não existe conscientização que não seja adquirida na luta,na prática, conforme explicita em sua Pedagogia <strong>do</strong> Oprimi<strong>do</strong>. Essaluta, ressalte-se, não é feita pela mediação da violência, mas pela forçada conscientização, <strong>do</strong> exercício da liberdade e <strong>do</strong> diálogo.O ato de dialogar com o seu mun<strong>do</strong> exige <strong>do</strong> homem umapostura consciente de sua incompletude, <strong>do</strong> seu inacabamento e da suacapacidade de ser ao mesmo tempo aquele que constrói o meio que olapida. Na ótica de Freire, a consciência autêntica não brota <strong>do</strong> merodesvelar da realidade, posto que exige sempre uma prática emtransformação, na qual se des<strong>do</strong>bram dialeticamente a teoria e apráxis.No processo de consolidação <strong>do</strong> VER, o trabalha<strong>do</strong>r, oempresário, o cidadão, o estudante, enfim, todas as pessoas sãochamadas a assumirem as tarefas de educan<strong>do</strong>s e educa<strong>do</strong>res. Aoeducan<strong>do</strong> incumbe descobrir o que ele já sabe e a partir daí poderconhecer melhor o que ainda não sabe. Para isso é preciso ter sedução,motivação. É o momento da leitura <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, cuja finalidade éinteragir com a realidade e extrair desta o que é importante para avida. Daí basta a curiosidade epistemológica na qual o interesseemerge com a vontade-necessidade <strong>do</strong> conhecer. A concepçãofreireana relata muito bem que, antes de conhecer, o homem tem acuriosidade, isto é, a necessidade de conhecer para anunciar edenunciar com o conhecimento de causa. Esse ato de ver ou conhecerR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


deve ser o pressuposto para o cidadão assumir o papel complexo deeduca<strong>do</strong>r e educan<strong>do</strong> e, em consciência, transformar-se em sujeitohistórico, livran<strong>do</strong>-se, portanto de uma consciência <strong>do</strong>minada.Uma consciência <strong>do</strong>minada é a que não percebe ascondicionalidades que impedem a afirmação da humanização <strong>do</strong>homem, isto é, aquela que não percebe a situação-limite, o contexto ea totalidade. Nesse senti<strong>do</strong> é oportuno recuperar as palavras de Freire(2010, p. 111):48A questão fundamental, neste caso, está em que faltan<strong>do</strong>aos homens uma compreensão crítica da totalidade emque estão, captan<strong>do</strong>-a em pedaços nos quais nãoconhecem a interação constituinte da mesma totalidade,não podem conhecê-la. E não podem porque, paraconhecê-la seria necessário partir <strong>do</strong> ponto inverso. Istoé, lhes seria indispensável ter uma visão de totalidade <strong>do</strong>contexto para, em seguida, separarem ou isolarem oselementos ou as parcialidades <strong>do</strong> contexto, através decuja visão voltariam com mais claridade à totalidadeanalisada.Assim, a autoconsciência ou o autoconhecimento deve sersempre a possibilidade de precipitar-se a irrupção de um sujeitohistórico que nada mais é <strong>do</strong> que o ser revolucionário que deve trilharnuma perspectiva radicalmente ética, democrática, responsável ecorajosa na tarefa de anunciar e denunciar. Para Freire só se tornarevolucionário quem se dispõe a se reciclar continuamente e se dispõea ser também aprendente permanente em diálogo com as massas.Para Freire, a problematização da realidade explicita parao homem a perversão das condicionalidades sócio-históricasR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


49desumanizantes, as quais revelam a negação da vocação ontológica decada homem, isto é, evidenciam a violência da humanidade roubada.Essa violência, segun<strong>do</strong> Freire, é o que coincide contra a opressão e écontra ela que surge a reação <strong>do</strong> homem na busca de resgatar a suahumanização, o que não coincidirá com uma vingança, mas como umprocesso de superação da ordem injusta ou da falsa generosidade quereproduz o comodismo.3. A SOCIEDADE DIALOGAL COMO INSTÂNCIAJULGADORAA tarefa de JULGAR bem demanda uma problematizaçãode temas que afetam diretamente a percepção <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res e dasociedade. Não raro, são formuladas perguntas que ficam semrespostas, tais como: O que fazer para que a SST (saúde e segurançano trabalho) seja tema da agenda recorrente das relações de trabalho?Quem e o que se fez até agora para o enfrentamento <strong>do</strong> problema daSST? O que o trabalha<strong>do</strong>r pode fazer para manifestar a suainquietação em matéria de SST? De que forma a SST pode serdiscutida sem que o trabalha<strong>do</strong>r seja etiqueta<strong>do</strong> como problemático?A SST é assunto a ser debati<strong>do</strong> pelos trabalha<strong>do</strong>res ou é tema cujacomplexidade deve ser reservada aos médicos, engenheiros desegurança <strong>do</strong> trabalho ou psicólogos?R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


50A despeito de importantes as mencionadas indagações,vale ressaltar que o JULGAMENTO da questão acidentária não há deenvolver apenas o questionamento <strong>do</strong>s problemas relaciona<strong>do</strong>s aomeio ambiente <strong>do</strong> trabalho, mas a problematização <strong>do</strong> complexo sobreo qual se debruça a questão ambiental geral. Há que ser também ojulgamento na e da sociedade e não o julgamento para a sociedade.O julgamento para a sociedade não raramente estápotencializa<strong>do</strong> pela herança de uma casta de técnicos e cientistas ou,ainda, pela reserva intelectual de uma burocracia. É o decreto-mor <strong>do</strong>stécnicos, professores ou cientistas que, a pretexto de particularizareme <strong>do</strong>minarem cada ramo <strong>do</strong> saber, excluem a palavra e o saber <strong>do</strong>outro, negan<strong>do</strong> assim o valor <strong>do</strong> diálogo.O julgamento na sociedade dialogal quer significar que otema da questão ambiental, no qual se insere o problema acidentário,deve ser objeto de debate das diferentes esferas sociais, mesmo porquea sociedade é e continuará sen<strong>do</strong> o lócus <strong>do</strong> trabalho e <strong>do</strong> diálogocomo eixos que se complementam. Aos técnicos, cientistas, juristas,professores, etc incumbem estimular e testemunhar a relevância <strong>do</strong> atode conhecer e auxiliarem a sociedade no processo de codificaçãodecodificaçãoque deve marcar a dialogicidade.A dialogicidade – segun<strong>do</strong> a ótica freireana - deve ser opressuposto fundante da democracia que se expressa por meio <strong>do</strong>diálogo como um ato de amorosidade, ou seja, uma manifestaçãoprofunda <strong>do</strong> amor pelos seres humanos e pelo mun<strong>do</strong>. Afinal, aR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


50verdadeira revolução imprescinde de um ato de humildade, de amor ede abertura para o outro. A propósito, com o diálogo, e a partir dapalavra, o homem exerce a sua potencialidade criativa. Por meio dacorporeidade das palavras o homem constrói a sua referência ética.Determinar-se para fazer aquilo que diz fazer é preocupar-se em darcorpo as suas práticas e servir de exemplo positivo para o outro.Pela palavra o ser humano reconhece o mun<strong>do</strong> e pelotrabalho ele o transforma. A dialogicidade, ao contemplar a indagaçãosobre o que nos faz humanos e o que nos desumaniza no trabalho,tenderá a despertar o autoesclarecimento da sociedade, a qual –engendran<strong>do</strong> um processo de conscientização – poderá apontar parapráticas pedagógicas de enfrentamento das desumanidades e, ainda,para ações locais, institucionais, administrativas, judiciais e culturaisque repliquem os valores e práticas humanizantes.As esferas ou arenas políticas demandam a construçãoincessante de espaços dialogais nos quais se manifestam a vez e a voz<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r e <strong>do</strong> cidadão. Tais espaços só adquirem senti<strong>do</strong>enquanto forem radicalmente democráticos, de mo<strong>do</strong> a permitirpronúncia/denúncia e servir como lócus de problematização darealidade e de identificação <strong>do</strong>s seus ruí<strong>do</strong>s e distúrbios.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


4. PROPOSTAS PARA UMA NOVA ANTROPOLÍTICA DOAGIR SOLIDÁRIO52O AGIR envolve o despertar crítico da sociedade, o queimplica numa recusa desta em continuar outorgan<strong>do</strong> ao Esta<strong>do</strong> e ou aomerca<strong>do</strong> a legitimidade para a solução <strong>do</strong>s problemas que afetam adignidade da existência social. A sociedade deve ficar atenta paraaqueles que se imiscuem nas entranhas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para albergar osinteresses <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> em detrimento da saúde e da segurança dasociedade e, em especial, <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res. A maior participação dasociedade a questionar, seja nos foros públicos seja na mídia, tende ainibir os agentes públicos incompetentes e desonestos.O agir emancipatório não vem das armas e <strong>do</strong>s conflitosbélicos, mas – conforme lembra Paulo Freire - eclode da necessidadede envolvimento histórico e das esperanças objetivas que sacodem acivilização para a prática radical e sistêmica da amorosidade.A amorosidade é aqui entendida como uma condição de asociedade atual perceber que ela não é a última geração. Por isso aamorosidade implica na percepção de que o cuidar de si é sobretu<strong>do</strong> ocuidar <strong>do</strong> outro, o cuidar com o hoje e o cuida<strong>do</strong> com o amanhã.Assim, cuidar <strong>do</strong> outro e cuidar <strong>do</strong> futuro representa o cuidar <strong>do</strong>homem genérico, isto é, da humanidade.Somente uma perspectiva radical <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> será capaz defundar uma nova socialidade de convívio fraterno, na qual a produçãoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


material da vida não represente contraditoriamente a destruição dasbalizas éticas e espirituais da humanidade. Esse aproveitamento <strong>do</strong>potencial de afirmação da vocação ontológica humana está bemexpressa na ideia de convivialidade defendida por Leonar<strong>do</strong> Boff(2008, p. 124):53O que se entende por convivialidade? Entende-se acapacidade de fazer conviver as dimensões de produçãoe de cuida<strong>do</strong>, de efetividade e de compaixão; amodelagem cuida<strong>do</strong>sa de tu<strong>do</strong> o que produzimos,usan<strong>do</strong> a criatividade, a liberdade e a fantasia; a aptidãopara manter o equilíbrio multidimensional entre asociedade e a natureza, reforçan<strong>do</strong> o senti<strong>do</strong> de mútuapertença. (...) A convivialidade visa combinar o valortécnico da produção material com o valor ético daprodução social e espiritual. Depois de termos elabora<strong>do</strong>a economia <strong>do</strong>s bens materiais, importa desenvolver,urgentemente, a economia das qualidades humanas. Ogrande capital, infinito e inesgotável, não é porventura oser humano? Os valores humanos da sensibilidade, <strong>do</strong>cuida<strong>do</strong>, da convivialidade e da veneração podem imporlimites à voracidade <strong>do</strong> poder-<strong>do</strong>minação e à produçãoexploração.Em segun<strong>do</strong> lugar, convivialidade seentende como uma derradeira resposta à crise ecológica,produzida pelo processo industrialista <strong>do</strong>s últimosquatro séculos.O agir de uma nova socialidade pode principiar pelaperspectiva holista. O holismo é pensar sem fronteiras, mas semdeixar de perceber as consequências <strong>do</strong> pensar. É um esforço para aconcretização de um diálogo que integre os humanos rumo àcompreensão de que não subsistirá a socialidade humana se nãohouver o cuida<strong>do</strong> com outro e com a diversidade que mantém asustentabilidade da natureza. Longe de fazer a apologia daR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


54simplificação <strong>do</strong> tema, os pilares de uma nova socialidade podem serapresenta<strong>do</strong>s – com efeitos de visualização didática – conforme odesign que segue:UMA NOVA SOCIALIDADE HUMANAEVENTOS E PRÁTICAS QUE CANALIZEM A PRESSÃOPOPULAR EM FAVOR DAS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS.ARTICULAÇÕES POLÍTICASINCLUSIVASMOBILIZAÇÕESARTICULADAS EM REDEDESMERCANTILIZAÇÃODOS BENS SOCIAISPREPARAÇÃO DE AGENTESMOBILIZADORESORGANIZAÇÕESDEMOCRÁTICASPLANEJAMENTOSPARTICIPATIVOSEDUCAÇÃO EMANCIPADORA DA SOCIEDADECONVIVIALIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, RESPEITO,JUSTIÇA, CUIDADO, SOLIDARIEDADE ECORRESPONSABILIDADEO agir representa a efetivação de alternativas e aobjetivação de práticas pedagógicas que levem à construção e umanova socialidade humana, isto é, que substituam ou aperfeiçoem osvalores, forjem ou incentivem condutas positivas nos indivíduos e nacoletividade. A crítica contribui para evitar que as práticas ditasemancipa<strong>do</strong>ras sejam uma mera sucessão de atos lineares. SuaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


55contribuição tende a visualizar o processo histórico como umcomplexo simultâneo de reflexões teóricas estruturadas em valores deprimazia da humanidade responsável, que podem ser sintetiza<strong>do</strong>s nosditames de convivialidade, conscientização, respeito, justiça, cuida<strong>do</strong>,solidariedade e corresponsabilidade. Tais valores estão na base de umaeducação que só poderá ser efetivamente emancipa<strong>do</strong>ra se estivercomprometida com as críticas consistentes ao processo demercantilização <strong>do</strong>s bens sociais, com a preparação de seus agentesmobiliza<strong>do</strong>res para a construção de organizações democráticas e, porfim, para a prática <strong>do</strong>s planejamentos participativos, das articulaçõespolíticas inclusivas, das mobilizações articuladas em rede e <strong>do</strong>seventos e práticas que canalizem a pressão popular em favor dastransformações sociais. A solidariedade deve ser uma prática queexige das pessoas uma comunhão, uma aproximação respeitosa,dialógica e reflexiva.O ver, julgar e o agir devem convergir para a construçãode uma prática pedagógica inclusiva que prestigie a vocaçãoontológica de todas as pessoas, notadamente a missão deresponsabilidade que deve ser assumida pelos trabalha<strong>do</strong>res. Estes –como potenciais agentes da transformação histórica – devem serestimula<strong>do</strong>s à conscientização e ao desafio de serem algo mais <strong>do</strong> queseres biológicos. Nisso consiste a vocação ontológica <strong>do</strong> homosapiens, conforme alertou Teillhard de Chardin (2006) ao sustentar oshomens não nascem livres em relação aos males que afligem aR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


56humanidade, mas nascem com uma vocação de mais-ser (ou ser-mais)a ser despertada e posta em movimento para que assim os sereshumanos se construam como seres antropológicos. São, portanto,seres chama<strong>do</strong>s a construírem uma biografia humana (individualcoletiva)e se fazerem ou se remeterem além de si mesmo, isto é, alémda sua esfera meramente biológica. 3A história de toda a civilização humana revela que desdeos seus primórdios a prática política, também chamada antropolítica, éimprescindível ao processo de explicitação da vocação humana. Emto<strong>do</strong>s os campos da vida social, o processo histórico vemevidencian<strong>do</strong> que a maior ou menor afirmação da vocação ontológicacoincide com o grau de organização e luta da sociedade, que não rarotem que enfrentar os interesses antagônicos alberga<strong>do</strong>s no espaçomacrossocial ora pelo Esta<strong>do</strong> e ora pelo Merca<strong>do</strong>.A luta política no espaço macrossocial há de ser aresistência em favor da explicitação <strong>do</strong> ser humano genérico e daabolição das estruturas que o oprimem. No espaço microssocial o________________3 Nesse senti<strong>do</strong> é a lição de Pierre Teilhard de Chardin (2006, p. 48): À nossa volta eem nós, a energia humana, ela própria sustentada pela energia universal que elacoroa, continua perseguin<strong>do</strong> sua misteriosa progressão a esta<strong>do</strong>s superiores depensamento e liberdade. Queiramos ou não, vemo-nos envolvi<strong>do</strong>s, totalmente, nessatransformação. Assim, repito minha questão: que iremos fazer? - Resistir à corrente?Seria loucura e, em to<strong>do</strong> caso, impossível. Deixar-nos passivamente levar pelacorrente? Seria covardia. E, de resto, como permanecermos neutros, nós, cujaessência é agir?R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


57esforço imediato deve resultar na interferência da regulação local queenvolve tanto a esfera contratual quanto a esfera legislativa.No âmbito da saúde e segurança <strong>do</strong> trabalho, a criação dasCPQV – Comissões de Promoção da Qualidade de Vida podemconstituir-se como espaços dialogais, nos quais os trabalha<strong>do</strong>res eemprega<strong>do</strong>res possam participar sem hierarquias, mas com aresponsabilidade ética de debater o que deve e o que pode ser feitopara melhorar o relacionamento e a saúde física e psíquica no local detrabalho e na comunidade relacionada ao estabelecimento empresarial.As CPQV não devem reeditar ser confundidas com asCIPAS (comissões internas de prevenção de acidentes), visto que estassão necessariamente voltadas para a realidade intramuros dasempresas, ao passo que a ideia das CPQV é repensar num espaçodemocrático e autônomo que se comprometa politicamente com aqualidade de vida não apenas <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, mas também dacomunidade que vive no entorno da instituição e <strong>do</strong>s usuários pessoascom os quais esta mantém relações.As CPQV devem atuar com as seguintes características: a)espaço de interação democrática, de diagnóstico ambiental e dereuniões periódicas entre os trabalha<strong>do</strong>res, emprega<strong>do</strong>res e agentes dasociedade civil e política, com ênfase para a interação com acomunidade afetada pela atuação empresarial e para utilização eficazde mecanismos comunicacionais; b) polo de estu<strong>do</strong>s e debates para odesenvolvimento de uma ética <strong>do</strong> trabalho, promoção de cuida<strong>do</strong>sR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


58com a saúde individual e coletiva no ambiente <strong>do</strong> trabalho; c) agentesde intercâmbio e de coleta de informações relaciona<strong>do</strong>s àsexperiências em matéria de saúde ocupacional; d) núcleo articula<strong>do</strong>em rede para a formação de parcerias e a capacitação de agentesmobiliza<strong>do</strong>res em matéria de saúde no trabalho; e) lócus de incentivode manifestações culturais (teatro, poesia, jornal, música, cinema,palestras, etc) compatíveis com uma ética pluralista que auxilie areprodução de valores e práticas de defesa da saúde e de justiça social;f) referência de irradiação de acompanhamento, colaboração 4 eavaliação de políticas e gestão das condições de trabalho, além deinstância de educação ambiental geral em cooperação com centros deestu<strong>do</strong>s, universidades e instituições de pesquisa; e g) foco de reflexãosobre os problemas ocupacionais e as possíveis soluções para apromoção da qualidade de vida das pessoas da comunidade afetadasem razão da atividade explorada pelo emprega<strong>do</strong>r.Nesse contexto, a CPQV constitui propostaqualitativamente superior à criação de comitê ou conselho controla<strong>do</strong>________________4 As CPQV podem colaborar com os organismos de fiscalização das condições detrabalho, solicitan<strong>do</strong>, por exemplo, a produção de lau<strong>do</strong> pericial que evidencie orisco, permitin<strong>do</strong> assim a atuação da autoridade <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>,conforme prevê o art. 161, da CLT: “art. 161 - O Delega<strong>do</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, àvista <strong>do</strong> lau<strong>do</strong> técnico <strong>do</strong> serviço competente que demonstre grave e iminente riscopara o trabalha<strong>do</strong>r, poderá interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ouequipamento, ou embargar obra, indican<strong>do</strong> na decisão, tomada com a brevidade quea ocorrência exigir, as providências que deverão ser a<strong>do</strong>tadas para prevenção deinfortúnios de trabalho.”R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


59necessariamente por um psicólogo, um representante <strong>do</strong>strabalha<strong>do</strong>res ou um representante da empresa, uma vez que estasinstitucionalidades – diferentemente da CPQV – tendem a elitizar oque deveria ser espaço dialogal e a inibir a voz de quem está na base.O poder estatal atribuiu-se a missão de contornartemporariamente a aceleração das demandas sociais. Tal desideratonão foi decorrência de mero favor <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, mas de uma prova deque a crescente pressão da sociedade civil interferiu e pode interferirmuito mais na expansão capitalista.Comprimin<strong>do</strong>-se entre as forças antagônicas <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> eda sociedade, o Esta<strong>do</strong> assimila o conflito entre capital e trabalho,estabelecen<strong>do</strong> regulamentos e escoran<strong>do</strong> as pilastras <strong>do</strong> capitalismoatravés <strong>do</strong>s investimentos em infraestrutura. Outrora o Esta<strong>do</strong>preocupou-se em conformar os trabalha<strong>do</strong>res através de um modelo deBem Estar Social, oportunidade em que o merca<strong>do</strong> pareceu ter si<strong>do</strong>controla<strong>do</strong>. Não demorou para se perceber na década de 1980 que omerca<strong>do</strong> sobrepujou definitivamente a sociedade e o Esta<strong>do</strong>,constrangen<strong>do</strong>-os a adaptarem-se ao cre<strong>do</strong> neoliberal, conformedescrito no catecismo <strong>do</strong> Consenso de Washington e que se baseia nospostula<strong>do</strong>s de desregulamentação, flexibilização, equilíbrio fiscal eprivatização.A adesão ao merca<strong>do</strong> é o reflexo das forças capitalistastransnacionais que subjugam o Esta<strong>do</strong> e as classes produtivas, através<strong>do</strong> esvaziamento da regulação interna, de modificações na gestão daR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


60produção e no incremento da economia <strong>do</strong> desejo. Desde então ostrabalha<strong>do</strong>res veem dissiparem-se os elos de solidariedade que osuniam; estilhaça-se a lealdade entre as cúpulas partidárias e sindicais ea sua base de representação; há uma pulverização <strong>do</strong> lócus produtivo;intensifica-se o setor serviços; o Esta<strong>do</strong> não dá respostas às demandassociais; emergem práticas sociais fragmentárias em busca deafirmação de novos atores e minorias, tais como os movimentossexistas, racistas, ecologistas, etc.Na base de uma antropolítica renovada está o trabalhocomo fundamento da emancipação humana. Pela compreensão <strong>do</strong>trabalho se explicita a necessidade histórica de uma culturatransdisciplinar da solidariedade planetária. É nesse contexto que aconsciência ecológica insere-se numa percepção de direitos dahumanidade e, de certo mo<strong>do</strong>, tende a dar ensejo a uma nova cultura<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> e à intensificação de novas práticas sociais, ou seja, arenovação de uma antropolítica capaz de forjar lideranças popularesque, juntamente com os trabalha<strong>do</strong>res e a sociedade, promovam oseguinte:a) o aproveitamento <strong>do</strong> grau de sofisticação atingi<strong>do</strong> pelasnovas tecnologias, inclusive em relação às ferramentascomunicacionais com o objetivo de tornar mais eficaz a política depromoção da defesa <strong>do</strong> meio ambiente <strong>do</strong> trabalho e <strong>do</strong> meio ambienteem geral;R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


) a luta histórica baseada na participação cidadã, noengajamento da sociedade civil e na interdependência entre saúdeocupacional e a política de acesso equânime aos demais bens sociais(moradia, alimentação, educação, segurança, previdência, etc); 5c) a estruturação de fóruns e centros de pesquisa,intercâmbio e produção teórica sobre a saúde e segurança <strong>do</strong> trabalhono contexto da saúde planetária;d) a análise <strong>do</strong> complexo regula<strong>do</strong>r das questões atinentesà saúde e segurança <strong>do</strong> trabalho, com ênfase para a legislaçãocomparada em contraste com as diferentes posturas <strong>do</strong>s movimentossociais;e) o incentivo à produção científica que sirva de referênciaexplicativa para orientar os recursos pedagógicos (livros, manuais,filmes, jornais, softwares, etc) e os programas curriculares nasdiferentes esferas da educação formal;f) o permanente estu<strong>do</strong> sobre os novos riscos ocupacionaise a reflexão sobre fatos que representam ameaças ao equilíbrio <strong>do</strong>ecossistema (desertificação; chuva ácida, destruição da camada deozônio, desmatamento, etc), com ênfase no debate sobre as causas de________________5 A esse respeito ressalte-se a pertinência <strong>do</strong> art. 3º, da Lei Orgânica da Saúde (L.8080/1990) ao assegurar que a “saúde tem como fatores determinantes econdicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meioambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens eserviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização sociale econômica <strong>do</strong> País.”61R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


62acidentes que marcaram simbolicamente a discussão sobre o meioambiente natural (ex: Bophal, Chernobyl; Fukushima, etc) e o meioambiente de trabalho;g) o envolvimento no planejamento democrático de umcomplexo de práticas no campo da educação ambiental,desenvolven<strong>do</strong> uma rede de interação entre os trabalha<strong>do</strong>res e associedades, tanto nas esferas interna quanto externa;h) a preparação de líderes populares para a defesa <strong>do</strong>ecossistema; difundir campanhas públicas recorrentes e informaçõespara a sensibilização da sociedade no tocante à a<strong>do</strong>ção, avaliação,aperfeiçoamento e valorização das práticas de consumo responsável<strong>do</strong>s bens naturais (água, alimentos, combustíveis, energia, etc);i) a monitoração e a denúncia de práticas hostis ou nocivasà saúde, humana e planetária, e à construção de uma sociedade justa esolidária;As pistas elencadas são a síntese de práticas rumo àexplicitação emancipacionista, a qual recusa as ideias cooptadas epervertidas no imobilismo social. No geral, as pistas apontam para odesafio de os trabalha<strong>do</strong>res assumirem a condição de atores em defesada natureza e da melhoria de suas condições de trabalho, assumin<strong>do</strong> odesafio de denunciar as práticas deletérias que estão a promover aerosão da vida social e a destruição <strong>do</strong> meio ambiente natural e <strong>do</strong>trabalho.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


635. CONSIDERAÇÕES FINAISA humanidade que se debruça sobre as novas exigênciaséticas, e sobre as suas prementes necessidades históricas, estão diantede uma nova empreitada que consiste em construir um referencial quesirva para catalisar o inconformismo vigente rumo à reconstrução denovas bases antropolíticas.Reconstruir um ambiente de trabalho e torná-lo sadio é oprincípio para a reconstrução de uma nova sociedade. Esse novoreferencial demanda união e compartilhamento. Exige, portanto, o quePaulo Freire chama de espaços de dialogicidade, que são terrenossociais <strong>do</strong> encontro com o outro, com a ideia que o outro tem darealidade, com o cotejamento e partejamento de sínteses concretas ede modelos teóricos grávi<strong>do</strong>s de uma ação liberta<strong>do</strong>ra. O espaço dedialogicidade deve ser também o tempo da dialogicidade, isto é,tempo da não violência a ser inocula<strong>do</strong> pela ousadia de esperançar-see de abrir-se amorosamente ao outro para escutá-lo no cotejamento <strong>do</strong>real em busca de alternativas de intervenção e transformação darealidade. Os critérios que cimentam o espaço eficacial dadialogicidade não estão nas urgências das respostas, mas nanecessidade <strong>do</strong>s questionamentos. Afinal: o que somos e o em que nostransformamos? O que queremos? O que devemos? O que podemos?Enfim, as novas bases não emergem sem oquestionamento da ordem injusta e sem que os homens se unam paraR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


64superar os fatores que obstaculizam o processo de humanização. Taltarefa demanda novas formas de lutas em novos espaços e exige aousadia política, sem perder a seriedade crítica e a ternuracomprometida com a possibilidade humana de transformação dasatuais relações sociais.6. REFERÊNCIASBOFF, Leonar<strong>do</strong>. Saber cuidar: ética <strong>do</strong> humano – compaixão pelaTerra. 14. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2008.CHARDIN, Pierre Teilhard de. Em outras palavras. São Paulo:Martins Fontes, 2006.FREIRE, Paulo. Pedagogia <strong>do</strong> oprimi<strong>do</strong>. 49. ed. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 2010.______. Pedagogia <strong>do</strong>s sonhos possíveis. São Paulo: UNESP, 2001.MÉSZÁROS, István. Educação para além <strong>do</strong> capital. São Paulo:Boitempo, 2005.PALMEIRA SOBRINHO, Zéu. Acidente <strong>do</strong> trabalho: crítica etendências. São Paulo: LTr, s.d. (no prelo)R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.37– 64, jun. 2012


CNDT: EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS ESEGURANÇA NOS NEGÓCIOS JURÍDICOS65Luciano Athayde Chaves *No dia 4 de janeiro de 2012, após um vacatio legis de 180dias, começou a produzir seus efeitos jurídicos a Lei Federal n.12.440, de 7 julho de 2011, que instituiu a Certidão Negativa deDébitos Trabalhistas (CNDT).Fruto da iniciativa da Magistratura <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> e delongos debates no Congresso Nacional e no Poder Executivo, a CNDTtem como principal objetivo se constituir em uma ferramenta deexecução indireta para o cumprimento de obrigações trabalhistasconstituídas em títulos judiciais ou extrajudiciais.Uma vez iniciada a fase de cumprimento da sentença ou aexecução <strong>do</strong> título extrajudicial, compete ao deve<strong>do</strong>r, após a devidaciência, providenciar o pagamento <strong>do</strong> valor correspondente àobrigação ou oferecer suficientes garantias ao Juízo <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>. Suainércia implicará a inclusão de seu nome no Banco Nacional <strong>do</strong>sDeve<strong>do</strong>res Trabalhistas (BNDT), base de da<strong>do</strong>s criada pelo <strong>Tribunal</strong>________________* Juiz Titular da 2ª. Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> de Natal (<strong>RN</strong>) e Professor da UniversidadeFederal <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.65– 71, jun. 2012


66Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> para permitir a integração de todas asinformações processuais relativas aos processos em execução quetramitação nas Varas <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> de to<strong>do</strong> o país (cf. ResoluçãoAdministrativa n. 1.470/2011).É de recordar que o conceito de inadimplência, instituí<strong>do</strong>pelo novo art. 642-A da Consolidação das Leis <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, édiferente de sua acepção geral, como procurei examinar em outroestu<strong>do</strong> sobre o mesmo tema:Apropria-se o novo art. 642-A da CLT, como vimos, <strong>do</strong>uso corrente <strong>do</strong> termo inadimplemento no Direito (nãocumprimento de uma obrigação), mas o circunscreve notempo (o <strong>do</strong> processo e, como veremos, a partir de certomomento processual) e no espaço (perante a Justiça <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong>, ainda que a obrigação já se constitua em títulode crédito extrajudicial ou mesmo já esteja à disposição<strong>do</strong> titular <strong>do</strong> direito subjetivo lesa<strong>do</strong>, em razão <strong>do</strong>fenômeno da actio nata). Essa delimitação conceitualfica evidenciada pela descrição perpetrada pelos incisosI e II <strong>do</strong> § 1º <strong>do</strong> art. 642-A da CLT [...]No caso das sentenças condenatórias, o texto normativofaz um recorte temporal para a configuração dainadimplência: o trânsito em julga<strong>do</strong> da decisão, isto é,quan<strong>do</strong> contra ela não couber mais quaisquer recursos(nos termos <strong>do</strong> § 3º, art. 6º da Lei de Introdução àsNormas <strong>do</strong> Direito Brasileiro).Desse mo<strong>do</strong>, a pendência de cumprimento provisório dasentença (art. 899 da CLT c/c art. 475-O <strong>do</strong> CPC, emsupletividade concorrente) ou mesmo a efetivação detutelas de urgência – que ostentam o mesmo caráter daprovisória - não têm o condão de configurar essainadimplência para efeito de negativação de cadastro.O texto em exame não faz essa exigência quanto aoacor<strong>do</strong> judicial porque, ex lege, o acor<strong>do</strong> judicial éequipara<strong>do</strong> a uma decisão de mérito transitada emR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.65– 71, jun. 2012


67julga<strong>do</strong>, não caben<strong>do</strong> recursos contra ela, mas somente aação rescisória (cf. art. 831, parágrafo único, da CLT).Esse quadro, como se pode concluir, não subverte alógica jurídica de considerar inadimplente aquele quedeixa de cumprir uma obrigação legal, ou aquele que,compeli<strong>do</strong> judicialmente a atender a uma prestaçãoobrigacional, abstém-se sem justo motivo.Nessas hipóteses, tenho que estamos diante deinadimplência, mas que não foi, por questões deoperacionalidade e de escolha política na elaboração dalei, tomada como pressuposto para a restrição deobtenção da certidão.É dizer: o conceito de inadimplência toma<strong>do</strong> pela lei é,<strong>do</strong> ponto de vista jurídico, mais restrito. No entanto,creio que razões de ordem prática justificam, pelomenos nesse primeiro momento, essa restrição(CHAVES, Luciano Athayde. Certidão negativa dedébitos trabalhistas (CNDT): reflexões sobre a Lei n.12.440/2011. R. Dir. Trab. (RDT), ano 37, v. 144, p.237-289, out./dez. 2011).Houve um grande esforço institucional para viabilizar ocumprimento <strong>do</strong> cronograma indica<strong>do</strong> na Lei, asseguran<strong>do</strong>-se, a partirde 4 de janeiro de 2012, a expedição eletrônica e gratuita da CNDT,por meio <strong>do</strong> acesso <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong> aos portais <strong>do</strong>s tribunais <strong>do</strong>trabalho brasileiros.A Lei 12.440/11 estabeleceu que a CNDT é exigida <strong>do</strong>sinteressa<strong>do</strong>s em participar de licitações públicas. Para tanto, promoveualteração na Lei 8.666/93, em ordem a acrescer o conceito de“regularidade trabalhista” ao la<strong>do</strong> da regularidade fiscal, exigin<strong>do</strong> aapresentação da CNDT como forma de demonstrar a inexistência deinadimplência de obrigações trabalhistas, elemento agoraR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.65– 71, jun. 2012


68indispensável para a habilitação da pessoa física ou jurídica nosprocedimentos administrativos de licitação.Apesar de se apresentar, no plano positivo da Lei12.440/11, como a única hipótese de exigência da CNDT, nada indicaque ela, <strong>do</strong>ravante, apenas esse papel.É certo que a demonstração de regularidade trabalhista naslicitações públicas é medida que pode melhorar o perfil <strong>do</strong>cumprimento das obrigações sociais por parte, por exemplo, deempresas de fornecimento de mão de obra terceirizada àAdministração Pública, setor que ocupa importante espaço nasestatísticas processuais da Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> e que apresenta, comgrande frequência, dificuldades na efetivação <strong>do</strong>s títulos.Trata-se de um aspecto que contribui com as altas taxas decongestionamento da execução trabalhista (67,8%, em 2010, segun<strong>do</strong>o Relatório Justiça em Números <strong>do</strong> Conselho Nacional de Justiça), epara cuja redução pode colaborar decisivamente a CNDT.Mais que isso: os primeiros momentos de vigência <strong>do</strong>instrumento já revelam os bons resulta<strong>do</strong>s, com uma afluência dedeve<strong>do</strong>res procuran<strong>do</strong> saldar seus débitos junto aos Juízos trabalhistas,de mo<strong>do</strong> a assegurar-lhes a obtenção <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento para fins dehabilitação em concorrências públicas.Notícia publicada no portal da Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> revelaesse fenômeno, a partir da experiência <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong> <strong>do</strong> Rio de Janeiro:R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.65– 71, jun. 2012


69Em ofício encaminha<strong>do</strong> ao presidente <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong>Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, ministro João Oreste Dalazen, apresidente <strong>do</strong> TRT-RJ, desembarga<strong>do</strong>ra Maria deLourdes Salaberry, informou que, no perío<strong>do</strong>, foramrealiza<strong>do</strong>s 486 atendimentos de deve<strong>do</strong>res interessa<strong>do</strong>sem regularizar sua situação perante a Justiça <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong> antes <strong>do</strong> dia 4 de janeiro, quan<strong>do</strong> entrou emvigor a Lei 12.440/2011. As alterações realizadas noBanco Nacional de Deve<strong>do</strong>res Trabalhistas em funçãodesses atendimentos representaram uma movimentaçãono valor de R$ 20.417.332 em débitos quita<strong>do</strong>s.Durante o plantão especial, as Varas <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>emitiram diariamente para a Presidência relatóriosreferente às demandas decorrentes da alimentação <strong>do</strong>Banco Nacional de Deve<strong>do</strong>res Trabalhistas, cominformações como: número <strong>do</strong> processo, nome <strong>do</strong>deve<strong>do</strong>r, somatório <strong>do</strong>s valores <strong>do</strong>s pagamentosefetua<strong>do</strong>s, natureza <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> (exclusão, retificação,alteração <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s no cadastro de deve<strong>do</strong>res, etc) eindicação de deferimento ou não, pelo juiz, <strong>do</strong>requerimento. Em ofício, o presidente <strong>do</strong> TSTparabenizou juízes e servi<strong>do</strong>res pelos resulta<strong>do</strong>salcança<strong>do</strong>s. "Deno<strong>do</strong> e dedicação, reconheço, nãofaltaram aos responsáveis pela implementação desseimportante instrumento de efetividade da execuçãotrabalhista", afirmou.A emissão da CNDT é feita a partir das informaçõescontidas no Banco Nacional de Deve<strong>do</strong>res Trabalhistas(BNDT), cuja regulamentação considera obrigatória ainclusão <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r que, devidamente cientifica<strong>do</strong>, nãopagar o débito ou descumprir obrigações determinadasjudicialmente no prazo previsto em lei. Uma vezinscrito, o deve<strong>do</strong>r integra um pré-cadastro e tem prazoimprorrogável de 30 dias para cumprir a obrigação ouregularizar a situação. Termina<strong>do</strong> esse perío<strong>do</strong>, ainclusão <strong>do</strong> inadimplente acarreta, conforme o caso, aemissão da certidão positiva ou de certidão positiva comefeito de negativa. Paga a dívida ou satisfeita aobrigação, o deve<strong>do</strong>r é excluí<strong>do</strong> <strong>do</strong> BNDT (Disponívelno site: www.tst.jus.br. Acesso em 14.2.2012).R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.65– 71, jun. 2012


70Nada obstante, a CNDT também deverá cumprir umestratégico papel de <strong>do</strong>cumento complementar à Certidão Negativa deDébito (CND), prevista no art. 47 da Lei n. 8.212/91, e que se refere àinadimplência das contribuições sociais.Como se sabe, a CND não contempla informações sobreos valores devi<strong>do</strong>s e executa<strong>do</strong>s pela Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, em razão dacompetência inscrita no art. 114, inciso VIII da Constituição Federal,que lhe atribui o encargo de cobrar, de ofício, as contribuições sociaisincidentes sobre as suas decisões condenatórias.De outra parte, a certidão também pode ser extremamenteútil nos negócios de alienação e oneração de bens móveis ou imóveis,com possibilidade de serem afeta<strong>do</strong>s pelo fenômeno da evicção (arts.447 e seguintes <strong>do</strong> Código Civil), decorrente da jurisdição executivasobre o patrimônio de um <strong>do</strong>s contratantes, que figura no polo passivode uma ou mais ações judiciais.Nesses casos, como se sabe, é possível a decretação defraude à execução (art. 593, Código de Processo Civil), perpetran<strong>do</strong>-sea constrição sobre o patrimônio <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>r, ainda que seja este objetode ulterior negócio, responden<strong>do</strong> o alienante pela evicção, mas comgrandes transtornos para a parte adquirente.Desse mo<strong>do</strong>, antes da compra de um imóvel, de umautomóvel e outro bem de maior valor, pode o adquirente obterinformações <strong>do</strong> alienante, por meio da obtenção da CNDT.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.65– 71, jun. 2012


71Também nada obsta, por exemplo, que bancos, no rol desuas medidas acautela<strong>do</strong>ras para a concessão de créditos, tambémsolicite <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong> em firmar contrato de financiamento (com ousem garantia real) a apresentação da CNDT. Afinal, estabelecer operfil <strong>do</strong> seu cliente, e, portanto, a sua capacidade de pagamento daobrigação assumida, é aspecto de avaliação <strong>do</strong> risco <strong>do</strong>s negóciosbancários, com direta relação na fixação das taxas de juros.Para essas hipóteses e outras afins, a exigência da CNDT,antes da celebração <strong>do</strong> contrato ou <strong>do</strong> negócio, é medida que se traduzde grande utilidade prática para <strong>do</strong>tar o pacto de maior segurançajurídica, em ordem a reduzir os riscos da evicção.Mais adiante, de lege ferenda, imagino que o êxito daexpedição da CNDT estimule também o Poder Público a utilizá-la emuma escala maior, como hoje sucede com a CND, reforçan<strong>do</strong>-se,assim, seu caráter instrumental de garanti<strong>do</strong>r da efetividade <strong>do</strong>sdireitos sociais e das tutelas <strong>do</strong> trabalho.REFERÊNCIASCHAVES, Luciano Athayde. Certidão negativa de débitos trabalhistas(CNDT): reflexões sobre a Lei n. 12.440/2011. R. Dir. Trab. (RDT).ISSN 0102-8774. Ano 37, v. 144, p. 237-289, out./dez. 2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.65– 71, jun. 2012


RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DAADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PELOS DÉBITOSTRABALHISTAS DE SUAS CONTRATADAS: novaspremissas para uma antiga discussão – ADC 16 e novaredação da súmula 331 <strong>do</strong> TST.72Alessandra Casaril Aline Fabiana Campos Pereira 1. INTRODUÇÃOAs discussões acerca <strong>do</strong> tema da terceirização de serviçosnão são novas. Pelo contrário, desde as primeiras manifestaçõesfáticas desse “novo” mo<strong>do</strong> de prestação laboral – no qual a clássicarelação bilateral entre emprega<strong>do</strong> e emprega<strong>do</strong>r foi substituída poruma vinculação triangular entre trabalha<strong>do</strong>r, emprega<strong>do</strong>r e toma<strong>do</strong>r deserviços – com o consequente surgimento <strong>do</strong>s primeiros conflitosjurídicos, o assunto vem sen<strong>do</strong> objeto de incessantes debates no meio________________ Juíza <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>do</strong> TRT da 21ª Região. Formada pela Universidade Federal <strong>do</strong>Rio Grande <strong>do</strong> Sul. Especialista em Direito Público pela Escola Superior <strong>do</strong>Ministério Público <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul.Juíza <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>do</strong> TRT 21ª Região, com especialização em DireitoContemporâneo pelo Instituto Brasileiro de Estu<strong>do</strong>s Jurídicos.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


73acadêmico e nos foros trabalhistas. Ainda no ano de 1986 o TST haviaedita<strong>do</strong> o Enuncia<strong>do</strong> nº 256, que consolidava o entendimento da Cortea respeito <strong>do</strong> assunto, o qual foi revisa<strong>do</strong> no ano de 1993, com aedição da Súmula 331, que teve altera<strong>do</strong> seu item IV no ano 2000.Desde então, o panorama da terceirização não havia sofri<strong>do</strong> profundasalterações quanto ao tratamento legislativo e jurisprudencial.Todavia, recentemente, a discussão ganhou novo fôlegocom a decisão proferida pelo STF nos autos da ADC nº 16, na qualessa Corte declarou a constitucionalidade <strong>do</strong> art. 71, §1º, da lei8.666/93. Por consequência, o TST, premi<strong>do</strong> diante <strong>do</strong> provimento dereclamações constitucionais nas quais se alegava que a Súmula 331afrontava a autoridade da decisão proferida pelo STF, alterou oconteú<strong>do</strong> desse verbete, crian<strong>do</strong> novo paradigma jurisprudencial pararesponsabilização da Administração Pública em casos de terceirizaçãode serviços.A reflexão que se propõe, <strong>do</strong>ravante, radica em perquirirse a declaração da constitucionalidade <strong>do</strong> art. 71, §1º, da lei 8.666/93isenta a Administração Pública de qualquer responsabilidade pelosdébitos trabalhistas de suas contratadas. Questiona-se, ainda, se a novaredação da súmula 331 <strong>do</strong> TST mostra-se adequada a partir de umainterpretação sistemática <strong>do</strong> ordenamento jurídico pátrio. Esses são ospontos a serem discuti<strong>do</strong>s nas próximas linhas.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


742. O FENÔMENO DA TERCEIRIZAÇÃO – ORIGEM NOBRASIL VINCULADA À PRÓPRIA ADMINISTRAÇÃOPÚBLICAO mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho se acha em fase de crescente,inexorável e dinâmica transformação, ten<strong>do</strong> por um <strong>do</strong>s vértices oremodelamento <strong>do</strong>s paradigmas de produção capitalista.O delineamento construí<strong>do</strong> no contexto da produçãotaylorista <strong>do</strong> início <strong>do</strong> século XX era basea<strong>do</strong> na divisão de trabalhoem níveis e revelava produção fortemente hierarquizada e segmentada.Posteriormente, este modelo foi suplanta<strong>do</strong> pelo fordismo,caracteriza<strong>do</strong> pela linha de produção em série (compartimentalização).No início <strong>do</strong>s anos 1970, contu<strong>do</strong>, a redução da produtividade e a crise<strong>do</strong> consumo em massa nos países desenvolvi<strong>do</strong>s, frutos de estratégiasneoliberais, redundaram em crise <strong>do</strong> modelo fordista. Este cenário foimanancial para o surgimento de um novo paradigma econômico – otoyotismo - intensivo em capital, tecnologia, informações econhecimento, caracteriza<strong>do</strong> pela racionalização <strong>do</strong>s maquinários eaumento <strong>do</strong> controle sobre o trabalho. Com o sistema toyotista,surgiram novas técnicas de administração, dentre as quais o<strong>do</strong>wnsizing (salário individualiza<strong>do</strong> por produtividade), a diminuiçãocom controle <strong>do</strong> estoque (kan-ban) e a produção em tempo real (justin time). Neste cenário, multiplicou-se a prática administrativa daterceirização.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


75Regra geral, a existência de relação de emprego é aferida apartir da constatação da presença <strong>do</strong>s elementos fático-jurídicosformais sobre os quais se assenta: pessoalidade, onerosidade,subordinação, não eventualidade e assunção <strong>do</strong>s riscos da atividadepelo emprega<strong>do</strong>r. Trata-se de um liame bilateral, que tem comoprotagonistas emprega<strong>do</strong> e emprega<strong>do</strong>r.A terceirização é um instrumento anima<strong>do</strong> pela busca deeficiência na gestão, pelo qual a dinâmica empresarial formulamecanismos de contratação de força de trabalho retiran<strong>do</strong>a singularidade da relação de emprego bilateral clássica. A partir de talfenômeno, atividades periféricas <strong>do</strong> empreendimento são transferidasa terceiros, surgin<strong>do</strong> uma relação jurídica triangular. A terceirização,assim, revela existência de outro ator que, com competência,especialidade e qualidade, em condição de parceria, presta serviços ouproduz bens para empresa contratante. 1As vantagens da terceirização podem ser sintetizadas naespecialização da empresa contratada, na possibilidade de o entetoma<strong>do</strong>r dedicar-se exclusivamente à sua atividade-fim, na diminuiçãode encargos trabalhistas e previdenciários, na redução <strong>do</strong> custo damão-de-obra, e no enxugamento estrutural <strong>do</strong> empreendimento. 2________________1 ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno direito <strong>do</strong> trabalho. São Paulo:LTr, 1994. p. 236.2 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. 6. ed. SãoPaulo: Atlas, 2008. p. 212.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


A terceirização surgiu inicialmente como fenômeno social,e só posteriormente passou a ter tratamento legislativo, ainda assim deforma insuficiente. No âmbito da Administração Pública, embora jáfosse praticada há muito tempo, a transferência da execução de tarefasauxiliares para a iniciativa privada passou a contar com o respal<strong>do</strong> denorma federal em 1967, com a edição <strong>do</strong> Decreto-Lei nº 200 3 .Posteriormente, foram publicadas a Lei n. 5645/70, queelencava áreas em que a terceirização seria cabível na esfera da Uniãoe das autarquias federais; a Lei n. 6019/74, que regulamentou otrabalho temporário no setor priva<strong>do</strong>; a Lei 7.102/83, que disciplinavaa contratação de pessoal de vigilância ostensiva e de transportes devalores por intermédio de empresa especializada; e a Lei 8.863/94,que ampliou a hipótese de terceirização para toda área de vigilânciapatrimonial, pública ou privada, inclusive para pessoa física.Cabe lembrar, ainda, das Leis n. 8.987/95 e n. 9.472/97,que versam, respectivamente, sobre concessões públicas e sobreserviços de telecomunicações. Ambas prevêem a possibilidade de queas concessionárias <strong>do</strong> serviço público contratem com terceiros odesenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou________________3 O art. 10, § 7º, <strong>do</strong> Decreto-Lei 200/67 preconiza que “§ 7º Para melhordesincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle ecom o objetivo de impedir o crescimento desmesura<strong>do</strong> da máquina administrativa, aAdministração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas,recorren<strong>do</strong>, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde queexista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada adesempenhar os encargos de execução76R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


77complementares ao serviço. Essa redação legislativa deu azo à defesa,por alguns, da tese de possibilidade de terceirização das atividades-fimnesses <strong>do</strong>is campos de atuação empresarial.A importância para o presente estu<strong>do</strong> dessa discussão, queserá oportunamente abordada, reside na constatação de que asprincipais hipóteses de terceirização de serviços previstas noordenamento jurídico pátrio, bem como as grandes discussões atuaisreferentes ao tema, estão intimamente ligadas à AdministraçãoPública.Ora, os primeiros diplomas legais sobre a matéria – odecreto-lei 200/67 e a Lei n. 5645/70 – tiveram por objeto exatamentea regulação da terceirização de serviços no âmbito da AdministraçãoPública. As Leis n. 7.102/83 e n. 8.863/94, que disciplinam acontratação de pessoal de vigilância ostensiva e de transportes devalores por intermédio de empresa especializada, visam a suprir aprópria falha estatal na prestação <strong>do</strong> serviço de segurança pública,dever constitucionalmente previsto no art. 144 da CF/88 4 . Como bemobservou Wagner Giglio a respeito <strong>do</strong> assunto:________________4 Art. 144. A segurança pública, dever <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, direito e responsabilidade deto<strong>do</strong>s, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade daspessoas e <strong>do</strong> patrimônio, através <strong>do</strong>s seguintes órgãos:I - polícia federal;II - polícia ro<strong>do</strong>viária federal;III - polícia ferroviária federal;IV - polícias civis;V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. (...)R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


78Talvez mais relevante na época, <strong>do</strong> ponto de vista <strong>do</strong>sdirigentes militares <strong>do</strong> país, tenha si<strong>do</strong> a onda deassaltos a bancos de grupos guerrilheiros, para sustentaras atividades subversivas, que obrigavam osestabelecimentos de crédito a manter uma equipeespecializada em oferecer segurança. Taiscircunstâncias levaram o legisla<strong>do</strong>r a regular oscontratos de trabalho temporário e de vigilânciabancária. 5Por fim, as Leis n. 8.987/95 e n. 9.472/97 têm por objeto aregulação de concessões de serviços públicos, autorizan<strong>do</strong> não apenasa entrega da prestação de serviços públicos a particulares, mastambém o des<strong>do</strong>bramento dessa concessão por meio da contratação deterceiros para o desenvolvimento de atividades inerentes, acessóriasou complementares ao serviço – poderíamos arriscar falar dequarteirização da prestação <strong>do</strong> serviço público, transmitin<strong>do</strong>-a de suatitular, a Administração Pública, para a empresa concessionária, edesta para pessoal subcontrata<strong>do</strong>.A partir dessa verificação, a conclusão que se impõe é nosenti<strong>do</strong> de que a maioria da legislação acerca da terceirização está, dealguma forma, relacionada aos interesses da Administração Pública,objetivan<strong>do</strong> a redução de gastos com a máquina estatal, ou mesmo aconcretização de tarefas que o ente público não foi capaz de cumprir.De fato, a terceirização é fenômeno inexorável, e não apenas <strong>do</strong> setor________________5 GIGLIO, Wagner D. Terceirização. R. LTr, São Paulo, v. 75, n. 4, p.392, abril2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


79priva<strong>do</strong>. A partir dessa premissa é que devemos ler e compreender ofenômeno da responsabilização da Administração Pública pelosdébitos trabalhistas de suas contratadas.3. A AUSÊNCIA DA REGULAÇÃO GERAL E ANECESSIDADE DE COLMATAÇÃO DAS LACUNAS PELAATIVIDADE JURISPRUDENCIAL – A SÚMULA 331 DOTSTTodas essas normatizações até aqui mencionadas, porém,caracterizam diplomas esparsos, que tratam da questão de maneirasuperficial, fragmentária e insuficiente, de mo<strong>do</strong> que a terceirizaçãonunca recebeu a devida atenção <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r ordinário.Motiva<strong>do</strong> pela inércia <strong>do</strong> Poder Legislativo, em evidentemanifestação legiferante e de questionável constitucionalidade, o TSTeditou a Súmula 256 em 1986, com o fito de conduzir a interpretaçãojudicial da questão, proclaman<strong>do</strong> a ilegalidade da contratação detrabalha<strong>do</strong>res por empresa interposta e a formação <strong>do</strong> vínculoempregatício diretamente com o toma<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s serviços salvo os casosde trabalho temporário e de serviço de vigilância.Ante as severas críticas de que foi objeto a Súmula 256,em 1993 foi editada a Súmula 331, que durante mais de 17 anosespelhou o entendimento consolida<strong>do</strong> pela Suprema Corte Trabalhistae norteou a atuação <strong>do</strong>s magistra<strong>do</strong>s na solução <strong>do</strong>s casos concretos.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


80No mesmo ano em que editada a Súmula 331, foipublicada a lei de licitações (Lei 8.666/1993), que tem por objeto acontratação de obras e serviços, incluí<strong>do</strong>s os contratos de prestação deserviços terceiriza<strong>do</strong>s, no âmbito da Administração Pública Direta eIndireta federal, estadual, distrital e municipal. O artigo 71, caput eparágrafo 1º, da aludida lei, versa sobre a responsabilidade <strong>do</strong> PoderPúblico nas licitações, in verbis:Art. 71. O contrata<strong>do</strong> é responsável pelos encargostrabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciaisresultantes da execução <strong>do</strong> contrato.§1º A inadimplência <strong>do</strong> contrata<strong>do</strong>, com referência aosencargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfereà Administração Pública a responsabilidade por seupagamento, nem poderá onerar o objeto <strong>do</strong> contrato ourestringir a regularização e o uso das obras eedificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.(...)Pois foi exatamente esta a norma que provocou a recenterevisão da jurisprudência consolidada <strong>do</strong> TST acerca daresponsabilidade da Administração Pública quanto aos débitostrabalhistas das empresas por ela contratadas.Isso porque, incessantemente, a regra <strong>do</strong> art. 71, §1º, daLei n. 8666/93 vinha sen<strong>do</strong> invocada pelos diversos entes daAdministração Pública quan<strong>do</strong> estes figuravam no pólo passivo deações trabalhistas movidas pelos trabalha<strong>do</strong>res terceiriza<strong>do</strong>s, nas quaisestes buscavam o reconhecimento de seus direitos sociais, bem comoda responsabilidade da Administração como toma<strong>do</strong>ra de serviçosR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


81pelos créditos declara<strong>do</strong>s em sentença. Argumentavam os entespúblicos, em regra, que a norma inserida na lei de licitações isentavaosde qualquer responsabilidade pelos débitos trabalhistas de suascontratadas, e que a posição jurisprudencial espelhada pela súmula331 significava afronta ao referi<strong>do</strong> dispositivo. Aduziam, ainda, queao editar a súmula 331 e ao julgar os casos concretos pauta<strong>do</strong>s peloentendimento sumula<strong>do</strong>, o TST estaria declaran<strong>do</strong> ainconstitucionalidade <strong>do</strong> art. 71, §1º, da Lei n. 8666/93 sem, contu<strong>do</strong>,observar a cláusula de reserva de plenário, exigência contida no art. 97da Constituição Federal e ratificada pela Súmula Vinculante nº 10 <strong>do</strong>STF.Cabe referir que desde há muito esses argumentos eramrebati<strong>do</strong>s. Em relação à alegação de inobservância da cláusula dereserva de plenário, argumentava-se que a edição de súmula exigiu amanifestação <strong>do</strong> plenário <strong>do</strong> TST. Ademais, não teria havi<strong>do</strong>declaração de inconstitucionalidade <strong>do</strong> art. 71, §1º, da Lei n. 8666/93,pois a responsabilização da Administração Pública por débitostrabalhistas adviria da falha na fiscalização exercida sobre suascontratadas.Com muita propriedade, Ro<strong>do</strong>lfo Pamplona Filho, aindaem 2001, chamava a atenção para a situação anômala estabelecidapelo art. 71 da Lei de Licitações. Isso porque em seu parágrafoprimeiro essa norma declara que “inadimplência <strong>do</strong> contrata<strong>do</strong>, comreferência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfereR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento”.Todavia, em seu parágrafo segun<strong>do</strong> estabelece: “A administraçãopública responde solidariamente com o contrata<strong>do</strong> pelos encargosprevidenciários resultantes da execução <strong>do</strong> contrato (...)”.Ora, quanto aos encargos previdenciários – que causamimpacto não apenas na vida <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, mas nos cofres <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>– há solidariedade <strong>do</strong> ente público toma<strong>do</strong>r de serviços. Todavia, emrelação aos débitos trabalhistas, a legislação pretende concederisenção de responsabilidade à toma<strong>do</strong>ra pública. Com perspicácia,adverte o autor que:82Por outro la<strong>do</strong>, imagine-se a situação surreal quepoderia ser vivenciada em um processo trabalhista, como advento da emenda constitucional 20/98, que inseriu oparágrafo 3º ao artigo 114. Isto por que, pela suaaplicação, seria afastada a responsabilidade daadministração no que diz respeito às verbas decorrentes<strong>do</strong> contrato de trabalho, mas se admitiria a sua execuçãopelas verbas acessórias de natureza previdenciária. 6Essa discussão se estendeu por anos, e em 2007 o STF foiprovoca<strong>do</strong> a manifestar-se em Ação Declaratória deConstitucionalidade ajuizada pelo Distrito Federal (ADC 16-DF)________________6 PAMPLONA FILHO, Ro<strong>do</strong>lfo. Terceirização e responsabilidade patrimonial daAdministração Pública. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001.Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


83julgan<strong>do</strong>-a em 24/11/2010, a Corte declarou a constitucionalidade <strong>do</strong>dispositivo em questão (art. 71, §1º, da Lei n. 8666/93) 7 .Proferida essa decisão, começaram a obter êxito no STFReclamações Constitucionais ajuizadas em face de decisões <strong>do</strong> TST e<strong>do</strong>s Tribunais Regionais <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> nas quais era a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> oentendimento esposa<strong>do</strong> pela Súmula 331. Frente à declaração deconstitucionalidade <strong>do</strong> art. 71, §1º, da Lei n. 8666/93, ganharam forçaos antigos argumentos de afronta à lei federal, e de desobediência àcláusula de reserva de plenário. Esse cenário foi bem descrito porIvani Contini Bramante, magistrada <strong>do</strong> TRT da 2ª Região:O Colen<strong>do</strong> Supremo <strong>Tribunal</strong> Federal, em sessãoplenária ocorrida em 24/11/2010, na Ação Declaratóriade Constitucionalidade (ADC 16-DF) ajuizada peloDistrito Federal, em relação a qual ingressaram comoAmicus Curiae a União e diversos outros entes daFederação, entendeu pela constitucionalidade <strong>do</strong> artigo71, § 1º, da Lei 8.666/93.O entendimento fixa<strong>do</strong> na ADC 16-DF culminou noprovimento das inúmeras Reclamações Constitucionais(dentre elas as Rcls 7517 e 8150) contra decisões <strong>do</strong>TST e de Tribunais Regionais <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> fundadas naSúmula 331/TST, objeto da controvérsia, ao espequeque o verbete nega vigência ao preceito da Lei deLicitações. Deste mo<strong>do</strong>, foi afastada a aplicação <strong>do</strong>verbete, que trata da responsabilidade subsidiária pelosdébitos trabalhistas na terceirização, em relação àAdministração Pública Direta e Indireta.________________7 Até o momento de finalização deste artigo, o Supremo <strong>Tribunal</strong> Federal não haviapublica<strong>do</strong> o acórdão da ADC nº16.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


84Ainda, as Rcl 7901 ; Rcl 7711; Rcl 7712 e Rcl 7868foram providas, com cassação de quatro decisões <strong>do</strong><strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> (TST), baseadas naSúmula 331 (inciso IV), por conta de outro fundamento:a Súmula, indiretamente, reconhece ainconstitucionalidade <strong>do</strong> artigo 71, § 1º, da Lei 8666/93,sem a observância da cláusula da reserva de plenário,em ofensa ao art. 97, CF, e à autoridade da SúmulaVinculante n. 10 <strong>do</strong> STF. 8Frente a tais circunstâncias, evidenciava-se insustentável amanutenção <strong>do</strong> antigo entendimento jurisprudencial. O TST, então,revisou a redação da súmula 331, incluin<strong>do</strong> <strong>do</strong>is novos itens, a qualpassou a expressar:SÚMULA Nº 331. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DESERVIÇOS. LEGALIDADE. (nova redação <strong>do</strong> item IVe inseri<strong>do</strong>s os itens V e VI)I - A contratação de trabalha<strong>do</strong>res por empresainterposta é ilegal, forman<strong>do</strong>-se o vínculo diretamentecom o toma<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s serviços, salvo no caso de trabalhotemporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).II - A contratação irregular de trabalha<strong>do</strong>r, medianteempresa interposta, não gera vínculo de emprego comos órgãos da Administração Pública direta, indireta oufundacional (art. 37, II, da CF/1988).III - Não forma vínculo de emprego com o toma<strong>do</strong>r acontratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a deserviços especializa<strong>do</strong>s liga<strong>do</strong>s à atividade-meio <strong>do</strong>________________8BRAMANTE, Ivani Contini. A aparente derrota da Súmula 331/TST e aresponsabilidade <strong>do</strong> poder público na terceirização. Jus Navigandi, Teresina, ano 16,n. 2784, 14 fev. 2011. Disponível em: .Acesso em: 20 jun. 2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


85toma<strong>do</strong>r, desde que inexistente a pessoalidade e asubordinação direta.IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, porparte <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r, implica a responsabilidadesubsidiária <strong>do</strong> toma<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s serviços quanto àquelasobrigações, desde que haja participa<strong>do</strong> da relaçãoprocessual e conste também <strong>do</strong> título executivo judicial.V - Os entes integrantes da Administração Públicadireta e indireta respondem subsidiariamente, nasmesmas condições <strong>do</strong> item IV, caso evidenciada a suaconduta culposa no cumprimento das obrigações da Lein.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização<strong>do</strong> cumprimento das obrigações contratuais e legais dapresta<strong>do</strong>ra de serviço como emprega<strong>do</strong>ra. A aludidaresponsabilidade não decorre de mero inadimplementodas obrigações trabalhistas assumidas pela empresaregularmente contratada.VI – A responsabilidade subsidiária <strong>do</strong> toma<strong>do</strong>r deserviços abrange todas as verbas decorrentes dacondenação referentes ao perío<strong>do</strong> da prestação laboral.É desse contexto que se surgem as questões que dão causaa este estu<strong>do</strong>: a declaração da constitucionalidade <strong>do</strong> art. 71, §1º, dalei 8.666/93 isenta a Administração Pública de qualquerresponsabilidade pelos débitos trabalhistas de suas contratadas? Anova redação da súmula 331 <strong>do</strong> TST se mostra adequada a partir deuma interpretação sistemática <strong>do</strong> ordenamento jurídico pátrio?4. REFLEXÕES SOBRE OS FUNDAMENTOS DARESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAPELOS DÉBITOS TRABALHISTAS DE SUASCONTRATADASR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


86O primeiro questionamento proposto foi respondi<strong>do</strong> pelopróprio STF e en<strong>do</strong>ssa<strong>do</strong> pelo TST ao moldar a nova redação daSúmula 331. Não obstante a declaração de constitucionalidade <strong>do</strong> art.71, §1º, da Lei n. 8666/93, não está suplantada a responsabilização <strong>do</strong>sentes públicos toma<strong>do</strong>res de serviços pelos débitos trabalhistas de suascontratadas. Se a decisão proferida pela Corte Suprema nos autos daADC nº 16-DF, por um la<strong>do</strong>, deixou claro que a responsabilização daAdministração Pública pelos débitos trabalhistas de suas contratadasnão poderia advir de forma automática <strong>do</strong> mero inadimplemento porparte da real emprega<strong>do</strong>ra, de outro la<strong>do</strong> reconheceu a possibilidadede atribuir-se responsabilidade aos entes públicos pela omissãoadministrativa.Na própria sessão de julgamento da ADC nº16-DF opresidente <strong>do</strong> STF manifestou que o TST e os demais órgãos daJustiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> não ficam impedi<strong>do</strong>s de reconhecer aresponsabilidade <strong>do</strong> ente púbico pelos débitos trabalhistas com basenos fatos da causa. De acor<strong>do</strong> com declaração atribuída ao Presidente<strong>do</strong> STF, essa Corte “não pode impedir o TST de, à base de outrasnormas, dependen<strong>do</strong> das causas, reconhecer a responsabilidade <strong>do</strong>poder público” 9 . A esse entendimento adequou-se o <strong>Tribunal</strong> Superior<strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, ao incluir o item V na Súmula 331 de sua jurisprudência.________________9 Notícia veiculada no sítio <strong>do</strong> STF em 24/11/2010, sob o título “TST deve analisarcaso a caso ações contra a União que tratem de responsabilidade subsidiária, decideR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


87Em outros termos, significa dizer que, não obstante aconstitucionalidade <strong>do</strong> disposto no art. 71, §1º, da lei 8666/93 –aplicável às relações contratuais mantidas pela Administração –, aesse dispositivo legal se sobrepõe a norma constitucional expressa noart. 37, §6º, da Carta Fundamental, que trata da responsabilidadeextracontratual da Administração Pública. Não é demais lembrar queno ordenamento jurídico vigente, as normas constitucionaisencontram-se no ápice da pirâmide legislativa, e irradiam seus efeitossobre todas as normas de hierarquia inferior.Partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> entendimento expresso pelo STF, no senti<strong>do</strong>de que os órgãos da Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> não ficam impedi<strong>do</strong>s dereconhecer a responsabilidade <strong>do</strong> ente público pelos débitostrabalhistas com base nos fatos da causa, duas linhas de raciocínio,complementares uma a outra, podem ser seguidas. Ambas levariam àresponsabilização <strong>do</strong> ente público.4.1. A terceirização ilícita como suporte fático parareconhecimento da responsabilidade extracontratualA primeira linha de raciocínio parte da constatação de queapenas três formas de contratação pessoal no setor público encontramSTF”. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteu<strong>do</strong>=166785&caixaBusca=N. Acesso em: 01/07/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


88albergue constitucional: por concurso (inciso II <strong>do</strong> artigo 37 daConstituição Federal) 10 , por nomeação para cargo em comissão e portempo determina<strong>do</strong>, para suprir necessidade temporária deexcepcional interesse público (inciso IX, art. 37). Assim, emboraamplamente praticada, a terceirização no âmbito da AdministraçãoPública não tem estofo constitucional.A normatização infraconstitucional, entrementes, amparatão somente a terceirização de serviços – e não a terceirização de mãode obra. Não obstante, não é raro encontrar, sob a denominação deprestação de serviços técnicos especializa<strong>do</strong>s, casos de fornecimentode mão-de-obra ao Esta<strong>do</strong> sem concurso público. Este cenário dáensejo à burla aos direitos trabalhistas, mascaran<strong>do</strong> verdadeira relaçãojurídica de emprego própria da atividade estatal, violan<strong>do</strong> o interessepúblico e favorecen<strong>do</strong> o clientelismo político e a corrupção.A Administração Pública é norteada pelo princípio daestrita legalidade, que “implica subordinação completa <strong>do</strong>administra<strong>do</strong>r à lei. To<strong>do</strong>s os agentes públicos, desde o que lhe ocupea cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e________________10 Baseia-se o concurso em três postula<strong>do</strong>s fundamentais: princípio da igualdade, oprincípio da moralidade administrativa e o princípio da competitividade(CARVALHO FILHO, José <strong>do</strong>s Santos. Manual de direito administrativo. 19. ed.Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008. p. 563)R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


dócil realização das finalidades normativas”, 11 ou seja, há um dever deconformação de to<strong>do</strong>s os atos da administração com o ordenamentojurídico vigente. Outrossim, ao contrário <strong>do</strong> que ocorre no âmbitopriva<strong>do</strong>, a ausência de disciplinamento da terceirização no âmbitopúblico a desautoriza.Atualmente, o artigo 37, inciso XXI, da ConstituiçãoFederal inclui a contratação de serviços dentre os contratosdependentes <strong>do</strong> processo de licitação, o que é estendi<strong>do</strong>, inclusive, aentidades da Administração Pública Indireta. Regulamentan<strong>do</strong> estedispositivo, a Lei n. 8666/93 institui normas para licitações e contratosda Administração Pública, permitin<strong>do</strong> a execução direta ou indireta deobras e serviços.Assim, no concernente a serviços públicos, a terceirizaçãonão encontra respal<strong>do</strong> legal, à luz da distinção entre a locação deserviços prevista na Lei n. 8666/93 e a concessão regida pela Lei n.8987/95 ou pela Lei n. 11079/04. É a ilação que se extrai <strong>do</strong> art. 175da Constituição Federal, que preconiza que “incumbe ao PoderPúblico, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão oupermissão, sempre através de licitação, a prestação de serviçospúblicos”. Destarte, não possui amparo na ordem jurídica aintermediação de mão-de-obra, em que a empresa contratada fornece________________11 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Legalidade, motivo e motivação <strong>do</strong> atoadministrativo. R. Dir. Públ., n. 90. São Paulo: Ed. <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais, 1989. p.57-58.89R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


90pessoal diretamente para a máquina administrativa, e não meramenteserviços, forman<strong>do</strong> um quadro de pessoal paralelo ao contrata<strong>do</strong>mediante prévia aprovação em concurso público.Todavia, constata-se, não raras vezes, ainstitucionalização da pura e simples intermediação de mão de obra,transmudan<strong>do</strong> o trabalho, ínsito à pessoa <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, em objeto <strong>do</strong>contrato triangular, apto a propiciar vultosos lucros para o agencia<strong>do</strong>rintermediário12 . Este cenário é denuncia<strong>do</strong> por Maria Sylvia Zanelladi Pietro, que leciona queTais contratos têm si<strong>do</strong> celebra<strong>do</strong>s sob a fórmula deprestação de serviços especializa<strong>do</strong>s, de tal mo<strong>do</strong> aassegurar uma aparência de legalidade. No entanto, nãohá, de fato, essa prestação de serviços por parte daempresa contratada, já que esta se limita, na realidade, afornecer mão-de-obra para o Esta<strong>do</strong>; ou seja, elacontrata pessoas sem concurso público, para queprestem serviços em órgãos da Administração direta eindireta <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Tais pessoas não têm qualquervínculo com a entidade onde prestam serviços, nãoassumem cargos, empregos ou funções e não sesubmetem às normas constitucionais sobre servi<strong>do</strong>respúblicos. Na realidade, a terceirização, nesses casos,normalmente se enquadra nas referidas modalidades deterceirização tradicional ou com risco, porque mascara arelação de emprego que seria própria da AdministraçãoPública; não protege o interesse público, mas, aocontrário, favorece o apadrinhamento político; burla aexigência constitucional de concurso público; escapa às________________12 FERREIRA, Simone Rodrigues; SALVINO, Marcos Ribeiro. Terceirização deserviços na administração pública e responsabilidade trabalhista. R. Novatio Iuris,ano II, n. 3. Disponível em: .Acesso em: 29 jun. 2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


91normas constitucionais sobre servi<strong>do</strong>res públicos; cobrataxas de administração incompatíveis com os custosoperacionais, com os salários pagos e com os encargossociais; não observa as regras das contrataçõestemporárias (...) 13Contu<strong>do</strong>, à medida que o padrão genérico da contrataçãocontinua seguin<strong>do</strong> a fórmula bilateral clássica, que tem porprotagonistas o emprega<strong>do</strong> e o emprega<strong>do</strong>r, são exceptivas asintermediações através <strong>do</strong> fenômeno da terceirização 14 . Outrossim,apenas quan<strong>do</strong> o objeto da terceirização for a prestação de serviços – enão a mão de obra – é que se pode admitir sua validade. Nos demaiscasos, sen<strong>do</strong> ilícita a terceirização, é inexorável a responsabilidade <strong>do</strong>ente público, ainda que não se possa reconhecer o vínculoempregatício com o toma<strong>do</strong>r, ante o óbice <strong>do</strong> art. 37, II, daConstituição.Outra hipótese de terceirização ilícita é a contratação deatividade-fim <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r através de empresa interposta.As Leis n. 8.987/95 15 e n. 9.472/97 16 , que versam,________________13 DI PIETRO, op cit., p. 217-218.14 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito <strong>do</strong> trabalho. 6. ed. São Paulo,LTr, 2007. p. 440-441.15 Lei 8.987/95, Art. 25. Incumbe à concessionária a execução <strong>do</strong> serviço concedi<strong>do</strong>,caben<strong>do</strong>-lhe responder por to<strong>do</strong>s os prejuízos causa<strong>do</strong>s ao poder concedente, aosusuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competenteexclua ou atenue sua responsabilidade.§ 1º Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionáriapoderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessóriasou complementares ao serviço concedi<strong>do</strong>, bem como a implementação de projetosR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


92respectivamente, sobre concessões públicas e sobre serviços detelecomunicações, prevêem a possibilidade de que as concessionárias<strong>do</strong> serviço público contratem com terceiros o desenvolvimento de“atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço”. Essaredação legislativa deu azo à defesa, por alguns, da tese depossibilidade de terceirização das atividades-fim nesses <strong>do</strong>is camposde atuação empresarial.A diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim foium <strong>do</strong>s critérios utiliza<strong>do</strong>s pelo TST ao cunhar a súmula 331, com ofito de identificar as atividades passíveis de terceirização lícita. Daí avoracidade de certos segmentos em tratar como sinônimos os termos“atividade-fim” e “atividade inerente”. 17associa<strong>do</strong>s.(...)16 Lei n. 9.472/97, Art. 94.Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas ascondições e limites estabeleci<strong>do</strong>s pela Agência:I - empregar, na execução <strong>do</strong>s serviços, equipamentos e infra-estrutura que não lhepertençam;II - contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias oucomplementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associa<strong>do</strong>s.(...)17 O TST, em decisão recente proferida pela Primeira Seção de Dissídios Individuaisnos autos <strong>do</strong> RR 134640-23.2008.5.03.0010, considerou ilícita a terceirização daatividade de “call center” em empresa de telefonia. A notícia veiculada no sítio <strong>do</strong><strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> em 29/06/2011 registra que “a ministra Maria deAssis Calsing concluiu que, não haven<strong>do</strong> autorização legislativa para aterceirização ampla e irrestrita, as empresas de telecomunicações devem observar odisposto na Súmula 331, itens I e III, <strong>do</strong> TST. Sen<strong>do</strong> assim, votou no senti<strong>do</strong> de darprovimento ao recurso <strong>do</strong> atendente de call center e restabelecer a decisão regionalque reconheceu seu vínculo de emprego diretamente com a TIM.”R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


93No entanto, atividades inerentes não podem serconfundidas com atividade-fim da empresa. Atividade-fim é aquelaessencial à consecução <strong>do</strong> objeto social da empresa. Nas palavras damagistrada carioca Vólia Bomfim Cassar, “a atividade-fim é aquelaem que os serviços subcontrata<strong>do</strong>s se inserem na atividade principalda empresa toma<strong>do</strong>ra, como, por exemplo, para substituição depessoal regular e permanente previsto na lei 6.019/74.” 18 .Contu<strong>do</strong>, atividade inerente é aquela necessária àrealização da atividade, mas em relação à qual a própria legislaçãoespecífica – art. 26 da lei 8.987/95 – estabelece condições especiais detransferências <strong>do</strong> serviço concedi<strong>do</strong> (autorização prévia e processolicitatório) restan<strong>do</strong> afastada a hipótese de transferência dessasatividades mediante simples contrato de terceirização. A normacontida no artigo 25, da Lei 8.987/95, portanto, traz em si conceitoaberto, permitin<strong>do</strong> que o intérprete, ao aplicá-la, o concilie aos valoresdemocráticos da livre iniciativa e aos princípios da proteção (art. 7º,caput, CF) e <strong>do</strong> valor-social <strong>do</strong> trabalho (art. 1º e art. 170, CF). Esseentendimento, que diferencia os termos “atividade fim” e “atividadeinerente”, é o que vem sen<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelo TST. 1918 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>. 4. ed. Niterói: Impetus, 2010.p.486.19 Pela clareza e pertinência <strong>do</strong>s argumentos expendi<strong>do</strong>s, pedimos vênia paratranscrever trecho <strong>do</strong> acórdão proferi<strong>do</strong> nos autos TST-RR-195-94.2010.5.03.0011,de lavra <strong>do</strong> Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, publica<strong>do</strong> emR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


94Destarte, sempre que se estiver diante de terceirizaçãoilícita pela Administração Pública – seja através de intermediação demão-de-obra, seja através de contrato que recaia sobre a atividade-fim<strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r, há ilicitude e, via de consequência, é inarredável aresponsabilidade <strong>do</strong> ente.25.03.2011: “1.2 – MÉRITO. Discute-se, nos autos, a licitude da terceirização deserviços provida pela Recorrente.Conforme o quadro fático delinea<strong>do</strong> pelo <strong>Regional</strong>, o Reclamante, por intermédioda segunda Ré, prestou serviços à primeira Reclamada, exercen<strong>do</strong> as atividades deopera<strong>do</strong>r de telemarketing, na função de -call center-.A teor da Súmula 331, I, <strong>do</strong> TST, a contratação de trabalha<strong>do</strong>res por empresainterposta é ilegal, forman<strong>do</strong>-se o vínculo diretamente com o toma<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s serviços.O serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta detelecomunicações, por intermédio de transmissão, emissão ou recepção, por fio,radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, desímbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquernatureza (art. 60, § 1º, da Lei nº 9.472/97).Já o § 1º <strong>do</strong> art. 25 da Lei nº 8.987/95/95, bem como o inciso II <strong>do</strong> art. 94 da Lei nº9.472/97 autorizam as empresas de telecomunicações a terceirizar as atividadesmeio(respeita<strong>do</strong>s os limites da Súmula 331, III, <strong>do</strong> TST), não se enquadran<strong>do</strong> emtal categoria os técnicos em telecomunicações que fazem a verificação da regularqualidade <strong>do</strong> sinal, eis que atividade essencial para o funcionamento daempresa.(...)Portanto, ao contrário <strong>do</strong> que sustenta a Parte reclamada, a atividade deatendimento telefônico presta<strong>do</strong> aos consumi<strong>do</strong>res (sistema -call center-) estáligada à sua atividade-fim, sen<strong>do</strong> vedada a terceirização, sob pena de se permitirque empresa <strong>do</strong> ramo de telecomunicações funcione sem a presença de emprega<strong>do</strong>s,mas apenas presta<strong>do</strong>res de serviços. Estar-se-ia promoven<strong>do</strong> a precarização <strong>do</strong>sdireitos <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, em confronto com os princípios constitucionais dadignidade da pessoa humana e da busca <strong>do</strong> pleno emprego, previstos nos arts. 1º,III, e 170, VIII, da Carta Magna, respectivamente, e com o objetivo fundamental daRepública Federativa <strong>do</strong> Brasil de erradicar a pobreza e a marginalização eredução das desigualdades sociais e regionais, insculpi<strong>do</strong> no item III <strong>do</strong> art. 3º daConstituição Federal.”R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


954.2.Críticas à nova redação da súmula 331 <strong>do</strong> TST – Fundamentosconstitucionais que autorizam a responsabilização <strong>do</strong> entepúblico independentemente da demonstração de falha nafiscalização – A dignidade da pessoa humana e os princípios damáxima efetividade da prestação jurisdicional e da vedação <strong>do</strong>retrocesso social.A segunda linha de raciocínio a ser seguida ao refletir-seacerca da adequação <strong>do</strong> entendimento a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> pelo STF e pelo TSTquanto à responsabilidade da Administração Pública em casos deterceirização de serviços parte justamente <strong>do</strong> pressuposto dasupremacia das normas constitucionais 20 . Diante de uma interpretaçãosistemática <strong>do</strong> ordenamento jurídico pátrio, consideran<strong>do</strong> que asnormas constitucionais se sobrepõem às demais regras <strong>do</strong>ordenamento, e ten<strong>do</strong> em conta a dignidade da pessoa humana e ovalor social <strong>do</strong> trabalho como fundamentos da República, bem como________________20 O conceito de supremacia constitucional é assim explica<strong>do</strong> por Inocêncio MártiresCoelho: Noutras palavras, pela sua própria localização na base da pirâmidenormativa, é a Constituição a instância de transformação da normatividade,puramente hipotética, da norma fundamental, em normatividade concreta, <strong>do</strong>spreceitos de direito positivo – coman<strong>do</strong>s postos em vigos – cuja forma e conteú<strong>do</strong>,por isso mesmo, subordinam-se aos ditames constitucionais. Daí se falar emsupremacia constitucional formal e material, no senti<strong>do</strong> de que qualquer ato jurídico– seja ele normativo ou de efeito concreto –, para ingressar ou permanecer,validamente, no ordenamento, há se mostrar conforme aos preceitos daConstituição.” (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires;BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. ed. rev. e atual.São Paulo: Saraiva, 2010. p.58.)R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


os princípios da máxima efetividade <strong>do</strong>s direitos fundamentais e davedação de retrocesso social, é viável limitar a responsabilização <strong>do</strong>sentes públicos pelos débitos trabalhistas de suas contratadas àshipóteses de demonstrada falha na fiscalização?Inicialmente, parece claro que tomar por regra geral que otoma<strong>do</strong>r público de serviços – real beneficiário da mão-de-obra <strong>do</strong>trabalha<strong>do</strong>r – é isento de qualquer responsabilidade trabalhistacorresponderia a negar eficácia aos direitos sociaisconstitucionalmente assegura<strong>do</strong>s. Há que se reconhecer que aRepública se constitui em Esta<strong>do</strong> de Direito, e tem como um de seusfundamentos o valor social <strong>do</strong> trabalho, ao la<strong>do</strong> da dignidade dapessoa humana. Consoante <strong>do</strong>utrina de José Afonso da Silva 21 ,relembran<strong>do</strong> o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho para os antigos – que oconsideravam algo degradante e inferior – e para os modernos – quechegaram a divinizar o trabalho, consideran<strong>do</strong>-o fim em si mesmo – otrabalho como valor social é:96O trabalho ‘como atividade humana destinada atransformar ou adaptar recursos naturais com o fim deproduzir bens e serviços que satisfaçam as necessidadesindividuais e coletivas’, atividade social por excelência.É esse o trabalho cuja valorização constitui fundamentoda ordem econômica (art. 170), cujo prima<strong>do</strong> é a baseda ordem social (art.193) e que merece a proteçãoconstitucional como matéria-prima <strong>do</strong>s direitos sociais(arts. 6º e 7º). Os valores sociais <strong>do</strong> trabalho estão________________21 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo:Malheiros, 2007. p. 39.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


97precisamente na sua função de criar riquezas, de provera sociedade de bens e serviços e, enquanto atividadesocial, fornecer à pessoa humana bases de suaautonomia e condições de vida digna.Ora, ten<strong>do</strong> em conta o destaque constitucional da<strong>do</strong> aovalor social <strong>do</strong> trabalho, isentar o próprio Esta<strong>do</strong> – seja representa<strong>do</strong>por um de seus entes federa<strong>do</strong>s, seja por uma das pessoas daAdministração indireta – de qualquer responsabilidade pelo corretoadimplemento das verbas devidas àqueles que lhe prestam serviços –mesmo que denomina<strong>do</strong>s de “terceiriza<strong>do</strong>s” – significa negar nãoapenas este fundamento da República, mas a própria submissão <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> à Constituição e à ordem jurídica, admitin<strong>do</strong> que o entepúblico se sobreponha ao indivíduo, em um retorno à racionalidadeadequada aos Esta<strong>do</strong>s absolutistas.Esse raciocínio segun<strong>do</strong> o qual, por força de uma normainfraconstitucional, o interesse da Administração Pública se elevasobre os direitos e interesses fundamentais <strong>do</strong> indivíduo-trabalha<strong>do</strong>rafronta, ainda, o princípio da dignidade da pessoa humana,reconheci<strong>do</strong> constitucionalmente como elemento fundante daRepública. A dignidade da pessoa humana é definida por IngoWolfgang Sarlet comoa qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humanoque o faz merece<strong>do</strong>r <strong>do</strong> mesmo respeito e consideraçãopor parte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e da comunidade, implican<strong>do</strong>, nestesenti<strong>do</strong>, um complexo de direitos e deveresfundamentais que assegurem a pessoa tanto contra to<strong>do</strong>R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


98e qualquer ato de cunho degradante e desumano, comovenham a lhe garantir as condições existenciais mínimaspara uma vida saudável, além de propiciar e promoversua participação ativa e corresponsável nos destinos daprópria existência e da vida em comunhão com osdemais seres humanos. 22Lembra José Afonso da Silva que não foi a Constituiçãode 1988 que criou a dignidade da pessoa humana, pois ela é um da<strong>do</strong>preexistente, ea Constituição, reconhecen<strong>do</strong> sua existência e suaeminência, transformou-a num valor supremo da ordemjurídica, quan<strong>do</strong> a declara como um <strong>do</strong>s fundamentos daRepública Federativa <strong>do</strong> Brasil constituída em esta<strong>do</strong>Democrático de Direito. 23Os direitos fundamentais e o princípio da dignidade dapessoa humana entrelaçam-se umbilicalmente. Consagra<strong>do</strong> no art. 1º,inciso III, da Constituição, o princípio da dignidade da pessoa humanaé fundamento e catalisa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> feixe de direitos fundamentais e umadas vigas mestras <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Democrático de Direito. É, ademais,baliza hermenêutica que deve nortear o processo de interpretação,integração e aplicação das normas que compõem o ordenamentojurídico.________________22 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentaisna Constituição Federal de 1988. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria <strong>do</strong>Advoga<strong>do</strong>, 2002. p. 62.23 SILVA, op.cit., p. 38.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


99A Constituição Federal compreende uma extensa gama dedireitos fundamentais, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de imperatividade e auto-aplicabilidade(art. 5º, § 1º), o que elide seu caráter meramente programático. Taisdireitos foram alberga<strong>do</strong>s pelo artigo 60, da Constituição, que oselevou à condição de cláusulas pétreas e que contingência de mo<strong>do</strong>quase absoluto sua possibilidade de supressão da ordem jurídica.Dentre os direitos fundamentais, traduzin<strong>do</strong> princípionortea<strong>do</strong>r de to<strong>do</strong> o processo, está a máxima efetividade da prestaçãojurisdicional. Ao consagrá-la, a Constituição assume o atributo deinstrumento formal e processual de garantia. 24O princípio da máxima efetividade da prestaçãojurisdicional tem várias facetas. Uma delas é a duração razoável <strong>do</strong>processo. Não basta, contu<strong>do</strong>, que o processo seja célere. Aludi<strong>do</strong>direito fundamental engloba não apenas o direito de provocar aatuação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, mas também – e principalmente – o de obter umadecisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano <strong>do</strong>s fatos.Outrossim, é preciso que a prestação jurisdicional culmine com aefetiva entrega <strong>do</strong> bem da vida a quem de direito.(...) Nos tempos atuais, não basta mais ao processualista<strong>do</strong>minar os conceitos e categoriais básicos <strong>do</strong> direitoprocessual, como a ação, o processo e a jurisdição, emseu esta<strong>do</strong> de inércia. O processo tem, sobretu<strong>do</strong>,função política no Esta<strong>do</strong> Social de Direito. Deve ser,________________24CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria daConstituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2007. p. 95.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


100destarte, organiza<strong>do</strong>, entendi<strong>do</strong> e aplica<strong>do</strong> comoinstrumento de efetivação de uma garantiaconstitucional, asseguran<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s o pleno acesso àtutela jurisdicional, que há de se manifestar semprecomo atributo de uma tutela justa. 25Ao consagrar a tese de impossibilidade deresponsabilização da Administração Pública na hipótese de ausênciade comprovação de culpa na contratação (in eligen<strong>do</strong>) ou nafiscalização (in vigilan<strong>do</strong>) de contratos de terceirização, em últimaanálise o que faz a nova redação da Súmula 331, <strong>do</strong> TST, éobstaculizar a máxima efetividade da prestação jurisdicional.A responsabilização subsidiária é um instituto jurídico quetem por escopo assegurar, na hipótese de inadimplemento <strong>do</strong> deve<strong>do</strong>rprincipal, o cumprimento da obrigação pelo deve<strong>do</strong>r subsidiário. Agarantia de entrega <strong>do</strong> bem da vida a quem de direito, outrossim, éreforçada pela responsabilidade subsidiária.Ao contingenciá-la, destarte, a nova redação da Súmula331 acabou por retirar da ordem jurídica um instrumento de garantiada efetiva entrega <strong>do</strong> bem da vida. Outrossim, a limitação deresponsabilidade obstaculiza o resulta<strong>do</strong> útil <strong>do</strong> processo e não resisteao confronto com a garantia constitucional insculpida no artigo 5º,________________25THEODORO JUNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestaçãojurisdicional: insuficiência da reforma das leis processuais. R. Síntese Dir. Civ. Proc.Civ., Porto Alegre: Síntese, v. 6, n. 36, p. 19-37, jul./ago 2005.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


101XVIII, da Constituição, que traduz o princípio da máxima efetividade<strong>do</strong> processo.Intrinsecamente relacionada à intangibilidade <strong>do</strong>s direitosfundamentais encontra-se, também, a cláusula da vedação <strong>do</strong>retrocesso social. 26Os direitos humanos e os direitos fundamentais assumemfeições de suporte e essência da ordem constitucional, ante oreconhecimento de sua intrínseca relação com a proteção da dignidadeda pessoa humana. Daí deflui que devem ser potencializa<strong>do</strong>s, o quedecorre tanto da sua caracterização como cláusulas pétreas (art. 60,parágrafo 4º, da Constituição) quanto da vedação <strong>do</strong> retrocesso social,que obstaculiza sua supressão ou redução indiscriminada.A garantia de intangibilidade desse núcleo de direitos,além de reafirmar a prevalência <strong>do</strong>s princípios que fundamentam oregime democrático, resguarda a Constituição Federal <strong>do</strong>s ‘casuísmosda política e <strong>do</strong> absolutismo das maiorias parlamentares’. 27No âmbito <strong>do</strong> Direito <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, a cláusula de vedação<strong>do</strong> retrocesso social pode ser extraída <strong>do</strong> caput <strong>do</strong> art. 7º, daConstituição, que além de elencar o rol de direitos <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>surbanos e rurais faz expressa alusão a “outros que visem à melhoria de________________26 Canotilho atribui a esta cláusula a denominação de vedação da contrarrevoluçãosocial ou da evolução reacionária (CANOTILHO, op. cit., p. 338).27 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia <strong>do</strong>s direitos fundamentais. 5. ed. PortoAlegre: Livraria <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>, 2003. p. 354.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


102sua condição social”. A interpretação teleológica de aludi<strong>do</strong> preceitoconduz ao irrefragável entendimento de que a ordem jurídicaconstitucional desautoriza a minoração <strong>do</strong> patamar já consagra<strong>do</strong>.A aludida cláusula também exsurge <strong>do</strong> fundamentoconstitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, daConstituição), <strong>do</strong> princípio da máxima efetividade das normasconsagra<strong>do</strong>ras de direitos fundamentais (art. 5º, parágrafo 1º, daConstituição), <strong>do</strong> princípio da proteção da confiança, <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> democrático e social de direito e <strong>do</strong>s objetivos republicanosdispostos no art. 3º, I, III e IV, da Constituição. Apontam para oreconhecimento de tal postula<strong>do</strong>, ademais, o art. 11, parágrafo 11º, <strong>do</strong>Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, bemassim o art. 26, <strong>do</strong> Pacto de San José da Costa Rica. 28Cristina M.M. Queiroz, citada por Christiana D’Arc,preleciona que a referida cláusula assenta-se em duas premissas: a) avedação da reversibilidade normativa: pretende impedir a a<strong>do</strong>ção deprovidências restritivas ou supressivas que atinjam categoriasnormativas relacionadas de mo<strong>do</strong> direto a direitos fundamentais;objetiva afastar o retrocesso sem o fornecimento de alternativas oucompensações, exigin<strong>do</strong> a ponderação <strong>do</strong>s bens por meio das máximasda proporcionalidade e da razoabilidade, atentan<strong>do</strong> para a dignidade________________28OLIVEIRA, Christiana D’Arc Damasceno. (O) Direito <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>Contemporâneo: efetividade <strong>do</strong>s direitos fundamentais e dignidade da pessoahumana no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho. São Paulo: LTr, 2010. p. 313.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


103da pessoa humana; e b) vedação da reversibilidade <strong>do</strong> grau derealização:tem em conta o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>s bens concretamenteconsidera<strong>do</strong>s, no senti<strong>do</strong> de obstar providências denatureza restritiva ou supressiva que atinjam o grau jáobti<strong>do</strong> de realização <strong>do</strong>s direitos no plano concreto,inclusive pela Administração. 29Leciona Luiz Roberto Barroso, que, ainda que o princípio<strong>do</strong> não-retrocesso social não esteja explícito detém plenaaplicabilidade, porquanto consiste em consequência <strong>do</strong> sistemajurídico-constitucional. Destarte, a criação ou ampliação de direito deín<strong>do</strong>le constitucional se incorpora ao patrimônio de cidadania e nãopode ser validamente suprimida. 30A mudança <strong>do</strong> paradigma hermenêutico daresponsabilização da Administração Pública implica violação aoprincípio da vedação <strong>do</strong> retrocesso social. A responsabilizaçãosubsidiária <strong>do</strong> ente público nos casos de terceirização de serviços,ainda que não tenha jamais encontra<strong>do</strong> satisfatório albergue nalegislação, foi objeto de construção jurisprudencial e passou a integrara ordem jurídica. A antiga redação da Súmula 331, <strong>do</strong> TST eraexpressão disso. Com efeito, em vasta gama de situações o PoderJudiciário passou a pronunciar a responsabilidade da Administração________________29 OLIVEIRA, op. cit., p. 314.30 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suasnormas. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 158.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


104Pública, independentemente da existência de culpa <strong>do</strong> toma<strong>do</strong>r <strong>do</strong>sserviços. O resulta<strong>do</strong> mediato desta possibilidade de responsabilização<strong>do</strong> toma<strong>do</strong>r era a potencialização da possibilidade real de entrega <strong>do</strong>bem da vida ao cre<strong>do</strong>r.A alteração na redação da Súmula 331, que passou aimpor a comprovação da culpa da administração pública, implicouafunilamento das hipóteses de responsabilização subsidiária <strong>do</strong> entepúblico e, via de consequência, a exclusão, da ordem jurídica, de uminstrumento já consagra<strong>do</strong> de garantia de satisfação <strong>do</strong> crédito e,assim, <strong>do</strong> princípio constitucional da máxima eficácia da prestaçãojurisdicional. Ao fazê-lo, outrossim, impôs retrocesso no grau derealização <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res tutela<strong>do</strong>s pelo art. 7º, caput,da Constituição.5. CONSIDERAÇÕES FINAISAnte os argumentos até aqui debati<strong>do</strong>s, mostra-senecessário ponderar, com a devida vênia, que é imperfeita a conclusãono senti<strong>do</strong> de que, à exceção <strong>do</strong>s casos em que demonstrada a falha nafiscalização, a declaração de constitucionalidade <strong>do</strong> art. 71. §1º, da Lei8666/93 impede o reconhecimento da responsabilidade civil daAdministração Pública enquanto toma<strong>do</strong>ra de serviços. Isso porque, avingar tal posicionamento, está-se admitin<strong>do</strong> que, diante de umconflito entre regra infraconstitucional e princípios constitucionais,R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


105prevaleça a primeira, em clara e perigosa inversão da pirâmide <strong>do</strong>ordenamento. Há que se considerar, ainda, que os valores que dãolastro à Constituição não estão disponíveis ao legisla<strong>do</strong>rinfraconstitucional, a quem, pelo contrário, incumbe o dever de zelarpelo respeito e observância fiel aos mandamentos constitucionais, aíincluí<strong>do</strong>s os direitos sociais.A posição a<strong>do</strong>tada pelo STF – sinalizan<strong>do</strong> não ser possívela aplicação das regras da responsabilidade objetiva ao ente públicotoma<strong>do</strong>r de serviços, tampouco a responsabilização fundada na merapresunção de culpa in vigilan<strong>do</strong> – teve por consequência odeslocamento <strong>do</strong> núcleo da questão para o caso concreto,privilegian<strong>do</strong> o raciocínio tópico, focaliza<strong>do</strong> no problema a serresolvi<strong>do</strong> e legitiman<strong>do</strong> a solução da lide a partir da argumentaçãofundamentaçãoadequada (art. 93, IX, CF).A declaração abstrata de constitucionalidade, no controleconcentra<strong>do</strong>, não impede a pronúncia de inconstitucionalidade damesma lei ou ato normativo pela via <strong>do</strong> controle difuso. Isso porque anorma infraconstitucional pode ser cotejada, no caso concreto, comprincípios e outros dispositivos da Constituição que não foram objetode controle concentra<strong>do</strong>. Assim, o confronto abstrato entre a norma ea Constituição não confere à lei declarada constitucional umaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


106blindagem contra pronúncia de inconstitucionalidade. 31 Deste mo<strong>do</strong>,mesmo ten<strong>do</strong> o STF declara<strong>do</strong> a constitucionalidade <strong>do</strong> art. 71, § 1º,da Lei 8666/93, nada obstava que os Pretórios Trabalhistas, à luz <strong>do</strong>caso concreto, com amparo em normas e princípios, continuassem apronunciar a responsabilidade da Administração Pública pelo passivotrabalhista gera<strong>do</strong> pelas suas presta<strong>do</strong>ras de serviços. Era, outrossim,desnecessária a alteração da redação da Súmula 331, <strong>do</strong> TST. 32________________31 "No plano hermenêutico, há uma nítida diferença entre declarar a nulidade deuma lei, isto é, retirá-la <strong>do</strong> ordenamento, e declarar que essa mesma lei é válida. Osâmbitos são distintos. A expunção da lei impedirá a reconstrução, de qualquermo<strong>do</strong>, <strong>do</strong> texto nulifica<strong>do</strong>. (...) Nada resta da lei no sistema. O mesmo não acontecena decisão que rejeita a inconstitucionalidade. (...) Quan<strong>do</strong> o <strong>Tribunal</strong> rejeita ainconstitucionalidade, recusa um determina<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> atribuí<strong>do</strong> na ação pelo autor.É cediço que um texto normativo admite vários senti<strong>do</strong>s, que surgem em contextosdiversos. Afastar esse senti<strong>do</strong> significa dizer, tão-somente, que a lei não éinconstitucional por aquele fundamento. (...) Esse fundamento não pode abarcar,automaticamente, de forma vinculativa, (...) os demais senti<strong>do</strong>s que esse textopossui, até porque o texto normativo infraconstitucional pode ser confronta<strong>do</strong> comoutros dispositivos da Constituição." (STRECK, Lenio Luiz, apud BRAMANTE,Ivani Contini. A aparente derrota da Súmula 331/TST e a responsabilidade <strong>do</strong> poderpúblico na terceirização. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2784, 14 fev. 2011.Disponível em: . Acesso em: 29 jun.2011).32 Por este motivo é que sustenta Lênio Streck que a decisão que acolhe ainconstitucionalidade faz coisa julgada material, não poden<strong>do</strong> ser reapreciada emnenhum outro processo. Entretanto, a decisão que acolhe a constitucionalidade temforça de coisa julgada formal, não impedin<strong>do</strong> que um juiz entenda, ao apreciar umcaso determina<strong>do</strong>, que certa lei é inconstitucional e, julgan<strong>do</strong> outro caso, diante deoutras circunstâncias, decida que a mesma lei é constitucional. No mesmo esteio,Ivani Contini Bramante prefere falar em "coisa julgada normativo-abstrato” e"coisa julgada in concreto,” concluin<strong>do</strong> que “os efeitos vinculantes da açãodeclaratória de constitucionalidade estão adstritos aos fundamentos determinantesda decisão proferida em sede de controle abstrato, em um da<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> da norma.Ainda, deve ser leva<strong>do</strong> em conta as razões de excepcionalidade e as circunstânciasparticulares não previstas pela própria norma. (...) A vinculatividade das decisõesR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


107Não obstante, em vista da decisão proferida na ADC Nº16, em mais uma demonstração de atividade legiferante, dequestionável constitucionalidade diante <strong>do</strong>s princípios da reserva legale da separação de poderes, motiva<strong>do</strong> pela omissão <strong>do</strong> PoderLegislativo, o Poder Judiciário introduziu no ordenamento jurídiconova exigência para a responsabilização subsidiária da AdministraçãoPública: a culpa. Para tanto, apressadamente, o TST alterou a redaçãoda Súmula 331, para reconhecer aquilo que os Tribunais já vinhampronuncian<strong>do</strong> alberga<strong>do</strong>s na redação anterior, sem que sequer tivessesi<strong>do</strong> dada publicidade às razões que nortearam a decisão <strong>do</strong> STF,porquanto até a conclusão <strong>do</strong> presente artigo o acórdão <strong>do</strong> ADC nãohavia sequer si<strong>do</strong> publica<strong>do</strong>.A se admitir a necessidade de alteração da Súmula 331, <strong>do</strong>TST, para fazer frente aos novos contornos hermenêuticos impostospelo entendimento delinea<strong>do</strong> pelo STF na decisão da ADC Nº 16,então, é forçoso reconhecer que a Corte Trabalhista perdeu aoportunidade de contemplar no rol de hipóteses de responsabilização<strong>do</strong> ente público, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s casos de demonstração de culpa ineligen<strong>do</strong> e in vigilan<strong>do</strong>, as situações de terceirização ilícita, emespecial os casos de terceirização de atividade-fim <strong>do</strong> toma<strong>do</strong>r e deterceirização de mão-de-obra.no controle de constitucionalidade, num da<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> da norma, não descarta outrossenti<strong>do</strong>s, à luz <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> final de aplicação <strong>do</strong> direito, no caso concreto.”(BRAMANTE, op cit.).R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


1086. REFERÊNCIASBARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade desuas normas. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.BRAMANTE, Ivani Contini. A aparente derrota da Súmula 331/TSTe a responsabilidade <strong>do</strong> poder público na terceirização. Jus Navigandi,Teresina, ano 16, n. 2784, 14 fev. 2011. Disponível em:. Acesso em: 29 jun. 2011.CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoriada constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2007.CARVALHO FILHO, José <strong>do</strong>s Santos. Manual de direitoadministrativo. 19. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.CASSAR, Vólia Bomfim. Direito <strong>do</strong> trabalho. 4. ed. Niterói: Impetus,2010.DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito <strong>do</strong> trabalho. 6. ed.São Paulo: LTr, 2007.DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administraçãopública. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.FERREIRA, Simone Rodrigues; SALVINO, Marcos Ribeiro.Terceirização de serviços na administração pública e responsabilidadetrabalhista. Rev. Novatio Iuris, ano II, n. 3. Disponível em:. Acesso em:29 jun. 2011.GIGLIO, Wagner D. Terceirização. <strong>Revista</strong> LTr, São Paulo, vol.75,nº4, p. 391-394, abril 2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


109MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Legalidade, motivo e motivação<strong>do</strong> ato administrativo. R. Dir. Públ., Coimbra, n. 90, 1989.MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires;BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.OLIVEIRA, Christiana D’Arc Damasceno. (O) Direito <strong>do</strong> trabalhocontemporâneo: efetividade <strong>do</strong>s direitos fundamentais e dignidade dapessoa humana no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho. São Paulo: LTr, 2010.PAMPLONA FILHO, Ro<strong>do</strong>lfo. Terceirização e responsabilidadepatrimonial da administração pública. Jus Navigandi, Teresina, ano 6,n. 51, 1 out. 2001. Disponível em:. Acesso em: 20 jun. 2011.ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno direito <strong>do</strong>trabalho. São Paulo: LTr, 1994.______. A eficácia <strong>do</strong>s direitos fundamentais. 5. ed. Porto Alegre:Livraria <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>, 2003.SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitosfundamentais na Constituição Federal de 1988. 2. ed., rev. e ampl.Porto Alegre: Livraria <strong>do</strong> Advoga<strong>do</strong>, 2002.SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 4. ed.São Paulo: Malheiros, 2007.THEODORO JUNIOR, Humberto. R. Síntese Dir. Civ. Proc. Civ.,São Paulo, ano 6, n. 36, jul-ago 2005.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


110WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liminares: alguns aspectos polêmicos.In: Repertório de Jurisprudência e Doutrina sobre Liminares.Coordenação de Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: <strong>Revista</strong><strong>do</strong>s Tribunais, 1995.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.72– 110, jun. 2012


ALCANCE DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL ELEGAL AO SALÁRIO111Ileana Neiva Mousinho 1. INTRODUÇÃOA Constituição Federal de 1988 enumera, em seu artigo 7º,direitos fundamentais <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res rurais e urbanos. Entre essesdireitos, se destaca a proteção especial que a Carta Magna confere aosalário <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r:Art. 7º São direitos <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res urbanos e rurais,além de outros que visem à melhoria de sua condiçãosocial:(...)VI – irredutibilidade <strong>do</strong> salário, salvo disposto emconvenção ou acor<strong>do</strong> coletivo.A integridade salarial é um direito fundamental, positiva<strong>do</strong>na Constituição da República porque, nas escorreitas palavras <strong>do</strong>Ministro <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, Maurício GodinhoDelga<strong>do</strong>:________________ Procura<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>do</strong> Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ª Região.Procura<strong>do</strong>ra-Chefe <strong>do</strong> biênio 2007/2009.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


112A essencialidade <strong>do</strong>s bens a que se destina o salário <strong>do</strong>emprega<strong>do</strong>, por suposto, é que induz à criação degarantias fortes e diversificadas em torno da figuraeconômico-jurídica. 1A garantia constitucional da irredutibilidade salarialconjuga-se com norma internacional integrada ao ordenamentojurídico brasileiro há muitos anos, qual seja, a Convenção nº 95, daOrganização Internacional <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> – OIT, ratificada pelo Brasilatravés <strong>do</strong> Decreto n.º 41.721/57, que é expressa:,Artigo 81 – Não serão autoriza<strong>do</strong>s descontos sobre o salário,a não ser em condições e limites prescritos paralegislação nacional ou fixa<strong>do</strong>s por uma convençãocoletiva ou uma sentença arbitral.Artigo 9É proibi<strong>do</strong> to<strong>do</strong> e qualquer desconto sobre ossalários cujo fim seja assegurar pagamento direto ouindireto a uma entidade patronal, ao seurepresentante ou a qualquer outro intermediário (comoum agente encarrega<strong>do</strong> de recrutar a mão-de-obra) a fimde obter ou conservar um emprego. (sem destaquesno original)A Convenção nº 95 integra-se perfeitamente à norma <strong>do</strong>art. 462, da CLT:Art. 462 – Ao emprega<strong>do</strong>r é veda<strong>do</strong> efetuar qualquerdesconto nos salários <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>, salvo quan<strong>do</strong> esteresultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou decontrato coletivo.________________1 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito <strong>do</strong> trabalho. 8. ed. São Paulo:LTr, 2009. p.191.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


113§ 1º - Em caso de dano causa<strong>do</strong> pelo emprega<strong>do</strong>, odesconto será lícito, desde de que esta possibilidadetenha si<strong>do</strong> acordada ou na ocorrência de <strong>do</strong>lo <strong>do</strong>emprega<strong>do</strong>.§ 2º - É veda<strong>do</strong> à empresa que mantiver armazém para avenda de merca<strong>do</strong>rias aos emprega<strong>do</strong>s ou serviçosestima<strong>do</strong>s a proporcionar-lhes prestações “in natura”exercer qualquer coação ou induzimento no senti<strong>do</strong> deque os emprega<strong>do</strong>s se utilizem <strong>do</strong> armazém ou <strong>do</strong>sserviços.§ 3º - Sempre que não for possível o acesso <strong>do</strong>semprega<strong>do</strong>s a armazéns ou serviços não manti<strong>do</strong>s pelaEmpresa, é lícito à autoridade competente determinar aa<strong>do</strong>ção de medidas adequadas, visan<strong>do</strong> a que asmerca<strong>do</strong>rias sejam vendidas e os serviços presta<strong>do</strong>s apreços razoáveis, sem intuito de lucro e sempre embenefício <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s.§ 4º - Observa<strong>do</strong> o disposto neste Capítulo, é veda<strong>do</strong> àsempresas limitar, por qualquer forma, a liberdade <strong>do</strong>semprega<strong>do</strong>s de dispor <strong>do</strong> seu salário.Portanto, há um conjunto de normas de proteção aosalário, que, com maior ou menor detalhamento, encerram uma ideiabásica: o salário pertence ao emprega<strong>do</strong> e, como consequência,cabe a ele a liberdade de dispor <strong>do</strong> seu salário.Não obstante a clareza <strong>do</strong> art. 462 da CLT, em especial <strong>do</strong>parágrafo 4º, ao enunciar o princípio básico <strong>do</strong> sistema de proteção aosalário – a impossibilidade jurídica <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r limitar a liberdade<strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s de dispor <strong>do</strong> seu salário – a conduta abusiva deempresas, de efetuar descontos nos salários <strong>do</strong>s seus emprega<strong>do</strong>s, temsi<strong>do</strong> constantemente denunciada ao Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> echega<strong>do</strong> à Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, quer por intermédio das ações civisR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


114públicas, quer por ações individuais ajuizadas pelos própriosemprega<strong>do</strong>s.O tema, portanto, reclama estu<strong>do</strong> detalha<strong>do</strong> pelarecorrência <strong>do</strong> seu debate nos Juízos e Tribunais <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>.2. O DIREITO FUNDAMENTAL À IRREDUTIBILIDADESALARIAL. ALCANCE DO ART. 7º, INCISO VI, DACONSTITUIÇÃO FEDERAL. EFICÁCIA HORIZONTALDOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.O art. 7º, inciso VI, da Constituição Federal elevou aonível de direito fundamental social a irredutibilidade <strong>do</strong>s salários,direito exigível <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiro e <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>res, a revelar adimensão objetiva e horizontal desse direito fundamental.Com efeito, no Esta<strong>do</strong> Democrático de Direito emergiuuma nova dimensão <strong>do</strong>s direitos fundamentais – a dimensão objetiva,que passou a ver naqueles direitos não apenas a possibilidade deexigência, diante <strong>do</strong>s poderes estatais, de prestações, mas a entendêloscomo direitos que consagram os valores mais importantes de umacomunidade jurídica, e, por isso:a dimensão objetiva catapulta os direitosfundamentais para o âmbito priva<strong>do</strong>, permitin<strong>do</strong> queestes transcendam o <strong>do</strong>mínio das relações entre cidadãoe Esta<strong>do</strong>, às quais estavam confinadas pela teoria liberalclássica. Reconhece-se então que tais direitos limitamR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


115a autonomia <strong>do</strong>s atores priva<strong>do</strong>s e protegem a pessoahumana da opressão exercida pelos poderes sociaisnão estatais, difusamente presentes na sociedadecontemporânea. 2Assim, o fato da Constituição Federal ter alça<strong>do</strong> airredutibilidade salarial ao nível de direito fundamental condiciona ainterpretação <strong>do</strong> direito infraconstitucional, e conduz a que seinterprete as regras atinentes às hipóteses de descontos nos salários deacor<strong>do</strong> com a lógica <strong>do</strong> sistema constitucional e a forma deinterpretação <strong>do</strong>s direitos fundamentais.Em feliz síntese, Daniel Sarmento afirma que “os valoresque dão lastro aos direitos fundamentais penetram por to<strong>do</strong> oordenamento jurídico, condicionan<strong>do</strong> a interpretação das normaslegais e atuan<strong>do</strong> como impulsos e diretrizes para o legisla<strong>do</strong>r, para oadministra<strong>do</strong>r e para o Judiciário”. 3Referin<strong>do</strong>-se à eficácia horizontal <strong>do</strong>s direitosfundamentais, mais uma vez são dignas de transcrição as palavras deDaniel Sarmento:A Constituição de 1988, mais <strong>do</strong> que compatível,reclama uma vinculação direta <strong>do</strong>s particulares aosdireitos fundamentais, sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> se tratar deentidades que exerçam posições de poder e autoridade________________2 SARMENTO, Daniel. A dimensão objetiva <strong>do</strong>s direitos fundamentais: Fragmentosde uma teoria. In: SAMPAIO, José Adércio Leite. Jurisdição constitucional edireitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 255.3Ibidem, p. 292.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


116na sociedade (e.g. o emprega<strong>do</strong>r, ou o fornece<strong>do</strong>r narelação de consumo). Na verdade, a concepção dedireitos fundamentais a<strong>do</strong>tada deve conformar-secom o perfil axiológico da Constituição, e a nossa,goste-se disso ou não, é uma Constituição social, quenão aposta todas as suas fichas na autonomiaprivada e no merca<strong>do</strong>, mas antes preocupa-se com ocombate à exploração <strong>do</strong> homem pelo homem (vejasea importância dada aos direitos trabalhistas na Cartade 88). 4O direito à integridade <strong>do</strong> salário pactua<strong>do</strong> é um direitofundamental <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, e como tal, deve ser interpreta<strong>do</strong> deacor<strong>do</strong> com as regras próprias de interpretação <strong>do</strong>s direitosfundamentais e reclama “proteção contra limitações e retrocessos detoda ordem” 5 .Assim, os méto<strong>do</strong>s de interpretação que devem serutiliza<strong>do</strong>s para aferir-se o alcance <strong>do</strong> art. 7º, VI, da ConstituiçãoFederal, são aqueles próprios da interpretação <strong>do</strong>s direitosfundamentais, entre os quais destacam-se: a) o princípio daconcretização, segun<strong>do</strong> o qual o intérprete não deve fixar-se naliteralidade <strong>do</strong> texto, mas completá-lo, a fim de fazê-lo aplicável emconcreto; b) o princípio da interpretação sistemática, isto é, ointérprete deve identificar o campo ou âmbito normativo no qual seinsere o problema proposto; c) o princípio da harmonização________________4 SARMENTO, op. cit., p. 292.5 SARLET, Ingo Wolfgang, A abertura material <strong>do</strong> catálogo constitucional <strong>do</strong>sdireitos fundamentais e os trata<strong>do</strong>s internacionais em matéria de direitos humanos.In: SHÄFER, Jairo. Temas polêmicos de direito constitucional contemporâneo.Florianópolis: Conceito Ed., 2007. p. 220R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


117funcional, que determina que o intérprete deve inspirar-se nosprincípios maiores consagra<strong>do</strong>s na Constituição. 6Como leciona a juíza federal Jane Reis Gonçalves Pereira,“as pessoas privadas que se encontram em posição de supremacia,porque mais intenso é o seu poder, devem ter suas ações limitadaspelos direitos fundamentais”. 7É justamente a hipótese <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r, que, por oferecero emprego e poder demitir o emprega<strong>do</strong>, posta-se em situação desupremacia, o que leva o emprega<strong>do</strong> a abdicar de seus direitosfundamentais e aceitar as condições de trabalho impostas e osdescontos salariais efetua<strong>do</strong>s para manter o emprego.Assim, diante da natureza de direito fundamental danorma <strong>do</strong> inciso VI <strong>do</strong> art. 7º da Constituição Federal, não é corretointerpretar-se de forma literal e limitada o direito à irredutibilidadesalarial.Não é verdade que a proteção ali prevista é apenas aatinente ao valor nominal <strong>do</strong> salário. A norma que determina airredutibilidade salarial deve ser interpretada sistematicamente com osdemais princípios constitucionais, notadamente o vetor interpretativoque é o princípio da dignidade da pessoa humana.________________6VELLOSO, Carlos Mário da Silva. A evolução da interpretação <strong>do</strong>s direitosfundamentais no Supremo <strong>Tribunal</strong> Federal. In: Jurisdição constitucional e direitosfundamentais. Del Rey: Belo Horizonte, 2003. p. 382-383.7PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitosfundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 494.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


118Reconhecen<strong>do</strong> que a questão atinente aos descontos nossalários integram o alcance <strong>do</strong> princípio da integridade ouintangibilidade salarial, veja-se as autorizadas palavras de AliceMonteiro de Barros:Integra o rol das medidas de proteção ao salário <strong>do</strong>emprega<strong>do</strong> a proibição <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> truck system(pagamento por meio de vales, bônus ou equivalentepara aquisição de merca<strong>do</strong>ria no estabelecimento <strong>do</strong>emprega<strong>do</strong>r), da imposição de descontos provenientesde multas criadas pelo emprega<strong>do</strong>r ou de descontos quenão encontram respal<strong>do</strong> na lei, em norma coletiva(sentença normativa, convenção ou acor<strong>do</strong> coletivo) ouem contrato individual de trabalho. Estas proibições[de desconto] são um corolário <strong>do</strong> princípio daintegralidade ou da intangibilidade salarial. 8Afronta a própria noção de dignidade humana – da qualdeflui o direito que to<strong>do</strong> ser humano tem à autodeterminação de suaconduta – a efetuação de descontos que limitem o poder de disposição<strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> sobre o seu salário, que afinal constitui o seupatrimônio e meio material de aquisição <strong>do</strong>s bens da vida. E ressaltese,que na maioria das vezes, o valor <strong>do</strong> salário é apenas o bastantepara assegurar aquele núcleo mínimo de necessidades vitais <strong>do</strong> serhumano (mínimo existencial), motivo pelo qual a sua integridade deveser preservada.________________8 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito <strong>do</strong> trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr,2010. p. 822.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


119Quan<strong>do</strong> um emprega<strong>do</strong>r insere, por exemplo, cláusula emcontrato de trabalho preven<strong>do</strong> que o valor das compras efetuadas pelosemprega<strong>do</strong>s, na própria loja emprega<strong>do</strong>ra, serão desconta<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s seussalários, interfere no direito <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> de dispor livremente <strong>do</strong> seusalário, atenden<strong>do</strong>, em determina<strong>do</strong> mês a outras necessidades vitais, esubmeten<strong>do</strong>-se, como qualquer cliente ao pagamento de multa e jurospor sua mora no pagamento.Afronta a ordem jurídica que o emprega<strong>do</strong>r, valen<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>fato <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> precisar <strong>do</strong> emprego, inserir cláusula dessanatureza no contrato de trabalho, limitan<strong>do</strong> a liberdade de disposição<strong>do</strong> salário pelo emprega<strong>do</strong> e fazen<strong>do</strong> indevida compensação dedívidas de natureza civil, com dívidas de natureza trabalhista, o que érepudia<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>utrina e jurisprudência (Súmula 18/TST).Analisan<strong>do</strong> o tema, o <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da21ª Região exarou, nos autos <strong>do</strong> RO 80400-84.2011.5.21.0008, oAcórdão 113.264, relata<strong>do</strong> pelo Desembarga<strong>do</strong>r Federal <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>José Barbosa Filho e publica<strong>do</strong> no DEJT nº862. De 25/11/2011:O que deve ser ressalta<strong>do</strong> e enfatiza<strong>do</strong> que quemadministra o salário é o emprega<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> este o espírito<strong>do</strong> artigo 462 da CLT.(...)De toda forma, deve ser ressalta<strong>do</strong> que o reclamanteadquiriu o cartão de crédito junto às Lojas Riachueloantes de ser contrata<strong>do</strong> pela Guararapes, portanto nacondição de consumi<strong>do</strong>r e não de emprega<strong>do</strong>, de formaque, qualquer cobrança a ser realizada por falta depagamento da fatura deve seguir os trâmites legaisR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


120atinentes à relação de consumo existente entre oreclamante e as Lojas Riachuelo.(…)No caso <strong>do</strong>s autos, a conduta da empresa contraria alegislação trabalhista(art. 462 da CLT) que protege osalário <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, fonte de sua subsistência, dedescontos sem a sua autorização, ou seja, foi umaconduta ilícita que causou inegável constrangimento aoreclamante quan<strong>do</strong> recebeu sal<strong>do</strong> de salário inferior aoefetivamente espera<strong>do</strong>, além de cercear-lhe o direito deadministrar o próprio salário, estan<strong>do</strong>, pois, configura<strong>do</strong>o dano moral, até porque os valores desconta<strong>do</strong>s serãodevolvi<strong>do</strong>s, conforme acertadamente determinou o juízode origem.Dessa forma, deve ser confirmada a sentença tambémquanto a esse ponto, manten<strong>do</strong>-se a condenação naindenização por danos morais, cujo valor fixa<strong>do</strong> atendeaos princípios leais, principalmente a sua naturezapedagógica, com vistas a evitar a repetição <strong>do</strong> ato.Destarte, observan<strong>do</strong>-se os valores maiores consagra<strong>do</strong>sna Constituição Federal – respeito à dignidade da pessoa humana evalor social <strong>do</strong> trabalho - não se pode realizar interpretação limitada<strong>do</strong> art. 7º, inciso VI da Constituição Federal para dizer que ashipóteses de descontos nos salários não se confundem com a previsãolegal de irredutibilidade salarial.Há redução salarial sempre que descontos ilícitos sãoefetua<strong>do</strong>s, e as balizas para a definição da ilicitude <strong>do</strong> desconto estãono art. 9º, da Convenção n. 95/OIT e no parágrafo 4º <strong>do</strong> art. 462/CLT.Uma interpretação sistemática e atenta à funcionalidade <strong>do</strong> sistemajurídico empresta a necessária eficácia ao art. 7º, inciso VI, daR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


121Constituição Federal, estabelecen<strong>do</strong> a sua verdadeira extensão ealcance.3. OS DESCONTOS PREVISTOS EM ACORDOS ECONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO. ANECESSÁRIA CONFORMAÇÃO DAS DISPOSIÇÕESCONVENCIONAIS AO PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO AOSALÁRIO E AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DAAMPLA DEFESA.Os descontos nos salários <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s obedecem auma cláusula de reserva legal. Em outras palavras, somente podem serefetua<strong>do</strong>s os descontos previstos em lei ou autoriza<strong>do</strong>s em acor<strong>do</strong> ouconvenção coletiva de trabalho, nos casos de culpa <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>, enão meramente em contrato individual (art. 462 da CLT, e <strong>do</strong> art. 8ºda Convenção nº 95, da OIT).É a previsão em lei que torna lícitos os descontosdecorrentes de adiantamentos, de impostos e contribuições sociais nossalários. É a reserva da jurisdição, ou a determinação que só pode serimposta judicialmente, que torna lícito o desconto nos saláriosdecorrentes de pagamento de prestações alimentícias.É claro que nenhum desses descontos legais atinge aintegridade salarial <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>, pois, ou o valor já foi entreguepreviamente ao próprio titular <strong>do</strong> direito ao salário, ou trata-se deR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


122cumprimento de obrigações legais. A pedra de toque na definição dalicitude desses descontos está em que os descontos decorrem deobrigações legais <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> cuja forma de cobrança –desconto no salário – tem previsão legal.Descontos sem previsão legal são proibi<strong>do</strong>s. A exceção –que não é exceção realmente – é a “delegação” que o art. 462 confereaos acor<strong>do</strong>s ou convenções coletivas de trabalho, para prever os casos,em que, em decorrência da culpa <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> em causar prejuízos àempresa, é possível a realização de descontos nos salários, de mo<strong>do</strong> aressarcir o emprega<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s danos que lhe foram causa<strong>do</strong>s.Mas essa hipótese de desconto lícito (ato danoso por culpa<strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>) deve ser examinada com cautela, ensejan<strong>do</strong> onecessário exame se a disposição convencional não implica emlimitação à liberdade de disposição <strong>do</strong> salário pelos emprega<strong>do</strong>s, ese a cláusula convencional prevê um procedimento para apuraçãoda culpa <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>, com direito ao contraditório e à ampladefesa.Esses <strong>do</strong>is elementos – a) não limitar a liberdade dedisposição <strong>do</strong> salário pelos emprega<strong>do</strong>s (parágrafo 4º <strong>do</strong> art.462/CLT); b) garantia <strong>do</strong> contraditório e da ampla defesa na aferiçãoda culpa – uma vez ausentes, tornam ilícitos os descontos efetua<strong>do</strong>s.Assim, se o desconto efetua<strong>do</strong> no salário corresponde aovalor de um produto adquiri<strong>do</strong> pelo emprega<strong>do</strong> diretamente aoemprega<strong>do</strong>r, ainda que haja previsão convencional, o desconto seráR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


123ilícito, por violação ao parágrafo 4º <strong>do</strong> art. 462/CLT e ao art. 9º daConvenção n. 95/OIT.Se a quebra de uma peça de máquina da empresa pode serressarcida mediante a entrega de uma peça nova, semelhante àquebrada, pelo emprega<strong>do</strong>, que a pode comprar em qualquer lugar, einclusive negociar a forma de pagamento, não há motivo para que seconsidere lícito o desconto em seu salário <strong>do</strong> valor da peça adquiridapela empresa em substituição à peça usada. Assim, como é regra noprocesso civil que a execução deve ocorrer de mo<strong>do</strong> menosgravoso para o deve<strong>do</strong>r, deve-se admitir que o ressarcimento pordanos causa<strong>do</strong>s ao emprega<strong>do</strong>r, por culpa <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>, deveocorrer da forma menos gravosa para o emprega<strong>do</strong>.Esse exemplo demonstra que é preciso muito cuida<strong>do</strong> comas cláusulas convencionais que preveem descontos nos salários, poiselas podem, pela sua generalidade, não observar que, em alguns casos,ao emprega<strong>do</strong> pode restar outra forma de quitar a dívida com oemprega<strong>do</strong>r, sem o desconto no seu salário.Em outros casos de descontos autoriza<strong>do</strong>s em acor<strong>do</strong>s econvenções coletivas de trabalho, o problema não está no fato dehaver uma outra forma de quitar a dívida, mas na ausência decontraditório e ampla defesa no procedimento interno instaura<strong>do</strong> pelaempresa para averiguar a culpa <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> no evento danoso aoseu patrimônio.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


124Cita-se como exemplo o caso de descontos por chequesdevolvi<strong>do</strong>s de clientes, quan<strong>do</strong> o emprega<strong>do</strong> não observou as normasinternas expedidas pela empresa para o recebimento de cheques.Essa previsão convencional deve vir acompanhada deregras claras sobre a ciência <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> das normas internas, arazoabilidade dessas normas associada à possibilidade <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>solicitar essas informações <strong>do</strong> cliente e, principalmente, definir umprocedimento de aferição da culpa <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>, em que sejaassegura<strong>do</strong> o contraditório e ampla defesa, e a comunicação dainstauração da investigação interna ao sindicato da categoriaprofissional, para que o emprega<strong>do</strong> possa ter assistência jurídica <strong>do</strong>seu sindicato.A Orientação Jurisprudencial 251, da SDI1, que consideralícito o desconto quan<strong>do</strong> o frentista não observa as recomendaçõespara recebimento de cheques, previstas nos instrumentos coletivos,deve ser interpretada consideran<strong>do</strong>-se que os instrumentos coletivosdevem permitir o contraditório e ampla defesa, para que o emprega<strong>do</strong>possa demonstrar que não deixou de observar as recomendações daempresa, por um ato de indisciplina ou desídia, mas porque o clienteacelerou o carro e não prestou as informações, por que havia muitomovimento de clientes e poucos frentistas para atendê-los, etc., tu<strong>do</strong>isso hoje de possível comprovação, inclusive, com as câmaras defilmagens instaladas em postos de combustíveis.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


125Enfim, a simples previsão das cautelas a ser seguidas narecepção de cheques de clientes, em instrumentos coletivos não é, porsi, motivo para caracterizar a culpa <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> e tornar lícito odesconto.Com efeito, a aplicação <strong>do</strong> princípio <strong>do</strong> contraditório eda ampla defesa nas relações privadas já é matéria pacífica noSupremo <strong>Tribunal</strong> Federal (RE nº 201.819-8, 2ª Turma, 2005), demo<strong>do</strong> que os Tribunais <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> podem declarar inválida cláusulade acor<strong>do</strong> ou convenção coletiva de trabalho, que preveja o descontonos salários <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s sem o devi<strong>do</strong> procedimentoadministrativo, na empresa, em que seja assegura<strong>do</strong> o contraditório e aampla defesa ao emprega<strong>do</strong>.No exemplo cita<strong>do</strong>, se, apesar da observância de todas asregras internas para recepção de cheques, o cheque for devolvi<strong>do</strong> porausência de fun<strong>do</strong>s, nenhum desconto poderá ser efetua<strong>do</strong> no salário<strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s, pois os riscos da atividade econômica são daempresa.Mas mesmo nos casos em que o procedimento internopara recebimento de cheques de clientes não foi observa<strong>do</strong> peloemprega<strong>do</strong>, deve a cláusula convencional prever que se apure omotivo <strong>do</strong> descumprimento da regra interna, pois tal pode ter ocorri<strong>do</strong>por excesso de clientes no estabelecimento, e poucos emprega<strong>do</strong>s paraatendê-los, o que levou ao erro, entre outras causas.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


126Mais uma vez, repita-se: uma interpretação sistemática daConstituição, orientada pelo fato <strong>do</strong> direito à integridade salarial serum direito fundamental e de reconhecer-se a aplicação <strong>do</strong>s princípios<strong>do</strong> contraditório e da ampla defesa às relações privadas, determina quejuízes e Tribunais <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> não se limitem a observar se háprevisão, em acor<strong>do</strong> ou convenção coletiva de trabalho, dedesconto nos salários por culpa <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> em evento que causoudano à empresa, mas perquiram sobre a efetiva culpa <strong>do</strong>emprega<strong>do</strong> no evento danoso, e se a norma convencional assegurao contraditório e a ampla defesa ao emprega<strong>do</strong>, além de descontode valor que não compromete as condições <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> deprover as suas necessidades básicas.Exemplos outros de descontos ilícitos são, infelizmente,previstos em acor<strong>do</strong>s ou convenções coletivas de trabalho. Osdescontos por multas de trânsito de motoristas de ônibus são umaespécie de desconto que necessita de uma leitura constitucional sobrea sua legalidade, para extirpar-se de convenções coletivas de trabalhocláusulas que deixam exclusivamente sobre os ombros <strong>do</strong> motorista opagamento das multas de trânsito, sem considerar, na apuração de suaculpa, as condições <strong>do</strong> trânsito e o trabalho em sobrejornada a que sãosubmeti<strong>do</strong>s muitos motoristas nesse país, fatos esses que, na instrução<strong>do</strong> procedimento administrativo na empresa, assegura<strong>do</strong>s ocontraditório e a ampla defesa, poderiam vir a lume, e, se não tiveremo condão de afastar a culpa <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r na fase administrativa, aoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


127menos terão a chance de ser avalia<strong>do</strong>s, pelo juiz, em reclamaçãotrabalhista.Se a viga mestra <strong>do</strong> sistema de proteção ao salário está noparágrafo 4º <strong>do</strong> art. 462 da CLT, que determina ser veda<strong>do</strong> àsempresas limitar, por qualquer forma, a liberdade <strong>do</strong>semprega<strong>do</strong>s de dispor <strong>do</strong> seu salário, o reconhecimento açoda<strong>do</strong>da culpa <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>, sem as devidas garantias <strong>do</strong> contraditórioe da ampla defesa, apenas porque que prevista em acor<strong>do</strong> ouconvenção coletiva de trabalho, não é o bastante para considerarselícito o desconto.Em suma, diante da eficácia horizontal <strong>do</strong> direito aocontraditório e à ampla defesa, cabe aos juízes e Tribunais <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong> decidir sobre a licitude <strong>do</strong>s descontos previstos em acor<strong>do</strong>ou convenção coletiva de trabalho, após o exame <strong>do</strong> procedimentointerno de apuração da culpa. E se esse devi<strong>do</strong> procedimento, comcontraditório e ampla defesa, não estiver previsto na cláusulaconvencional, e não for realiza<strong>do</strong> pela empresa, os Juízes e Tribunaisdevem decretar a ilicitude <strong>do</strong> desconto efetua<strong>do</strong>.Nos casos de <strong>do</strong>lo <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>, como é lógico, odesconto também não prescinde <strong>do</strong> prévio procedimento interno, comobservância <strong>do</strong> contraditório e da ampla defesa, inclusive porque o ato<strong>do</strong>loso resulta em consequências muito mais graves para o emprega<strong>do</strong>,além <strong>do</strong> desconto salarial, constituin<strong>do</strong> base para a própria rescisãoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


128por justa causa <strong>do</strong> contrato de trabalho, além de eventuaisconsequências penais.4. OS DESCONTOS PREVISTOS EM ACORDOS ECONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO E ALEGITIMIDADE DA REPRESENTAÇÃO SINDICALSe descontos autoriza<strong>do</strong>s pelo emprega<strong>do</strong>, em contratoindividual de trabalho, não são váli<strong>do</strong>s, pela irrenunciabilidade <strong>do</strong>sdireitos trabalhistas e porque é de se presumir que o emprega<strong>do</strong>, aoassinar o contrato de trabalho padrão apresenta<strong>do</strong> pela empresa,autoriza os descontos sob coação psicológica, no afã de conseguir epreservar o emprego, as mesmas perscrutações sobre existência devício de consentimento devem ser feitas quanto aos descontosautoriza<strong>do</strong>s por acor<strong>do</strong>s e convenções coletivas de trabalho.Não se desconhece que a legalidade da celebração deacor<strong>do</strong>s e convenções coletivas de trabalho depende da legitimidadeda representação sindical, que se afere não apenas com a regularidade<strong>do</strong> escrutínio que elegeu a sua diretoria, mas, necessita serdemonstrada, para a celebração de cada acor<strong>do</strong> ou convenção coletiva,em momento imediatamente pretérito à celebração daquelesinstrumentos, mediante a convocação de Assembleia Geral <strong>do</strong>strabalha<strong>do</strong>res da categoria; votação e aprovação, pelo quorumR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


129necessário, das propostas de cláusulas <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> ou convençãocoletiva de trabalho.Assim, não é o fato de determina<strong>do</strong> desconto estar previstoem acor<strong>do</strong> ou convenção coletiva de trabalho que se afasta o exame dasua licitude, que perpassa pelo exame da regularidade da autorizaçãodada pela categoria profissional para a inserção daquela cláusula,mediante a conferência da regularidade da convocação da assembleiageral, efetiva realização da reunião associativa, exposição clara,votação e aprovação da proposta de cláusula que permite o desconto.Assembleias gerais pouco representativas não induzem àlegalidade de inserção de cláusulas de descontos se, depois, emdenúncias ou reclamações individuais na Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>,trabalha<strong>do</strong>res reclamam <strong>do</strong> desconto.Nesse caso, há que se considerar que os acor<strong>do</strong>s econvenções coletivas de trabalho, não obstante o reconhecimento desua validade na Constituição Federal, são, como todas as normas,sujeitas ao controle de sua legalidade. Se até o próprio processolegislativo é investiga<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> se alega vício deinconstitucionalidade, por que não se investigar o processo de ediçãode acor<strong>do</strong>s e convenções coletivas de trabalho, quan<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>resinsurgem-se contra os descontos efetua<strong>do</strong>s?Destarte, não é o fato de um desconto estar previsto emacor<strong>do</strong> ou convenção coletiva de trabalho que não deva o PoderR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


130Judiciário verificar a sua pertinência com o sistema jurídico deproteção ao salário.É necessário que sejam evitadas interpretaçõesextensivas das hipóteses de descontos salariais permiti<strong>do</strong>s, pois osimples argumento de que o desconto é benéfico para o trabalha<strong>do</strong>rnão é suficiente, pois o que é benéfico ou maléfico, muitas vezes, édefini<strong>do</strong> com subjetivismo.Deve-se exigir-se a prova <strong>do</strong> quorum de aprovação dacláusula autoriza<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> desconto, e perscrutar se os descontossalariais estão em conformidade com a ordem jurídica brasileira, nelaincluída a convenção 95/OIT, e se não representam uma forma deingerência <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r sobre a livre disposição <strong>do</strong> salário, peloemprega<strong>do</strong>, e uma forma de o emprega<strong>do</strong>r obter mecanismos decobrança mais fáceis, <strong>do</strong> que aqueles previstos no ordenamentojurídico brasileiro para os cre<strong>do</strong>res em geral, valen<strong>do</strong>-se da suacondição de emprega<strong>do</strong>r e abusan<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu poder diretivo, disciplinare de controla<strong>do</strong>r da folha de pagamento.5. SÚMULA 342 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHOE A EXTENSÃO DO ROL DE DESCONTOS LÍCITOSENUMERADOS NO ART. 462 DA CLT.Diante <strong>do</strong> que se afirmou até o momento, sobre ataxatividade das hipóteses de descontos previstas no art. 462 da CLT eR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


131sobre a necessidade de se evitar interpretações extensivas sobre asespécies de descontos lícitos, é preciso discorrer sobre a Súmula 342<strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> que, aparentemente, teria alarga<strong>do</strong> orol de descontos permiti<strong>do</strong>s.Com efeito, dispõe a Súmula 342 <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong>:Descontos salariais efetua<strong>do</strong>s pelo emprega<strong>do</strong>r, com aautorização prévia e por escrito <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>, para serintegra<strong>do</strong> em planos de assistência o<strong>do</strong>ntológica,médico-hospitalar, de seguro, de previdência privada,ou de entidade cooperativa, cultural ou recreativaassociativa <strong>do</strong>s seus trabalha<strong>do</strong>res, em seu benefício e<strong>do</strong>s seus dependentes, não afrontam o disposto pelo art.462 da CLT, salvo se ficar demonstrada a existência decoação ou de outro defeito que vicie o ato jurídico.Fácil é ver que, além <strong>do</strong> rol de descontos previstos sertambém taxativo, nenhuma das espécies de descontos previstas naSúmula 342 constitui um meio <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r obter umpagamento direto para si, o que é veda<strong>do</strong> pelo art. 9º daConvenção nº 95 da OIT.A Súmula 342 <strong>do</strong> TST reitera que somente são permiti<strong>do</strong>sos descontos salariais previstos no art. 462 da CLT e para opagamento da contratação coletiva, pelas empresas, em prol de seusemprega<strong>do</strong>s, de planos de assistência médica, o<strong>do</strong>ntológica,previdência privada, seguro, entidade cooperativa, cultural ourecreativa associativa <strong>do</strong>s seus trabalha<strong>do</strong>res, em seu benefício e <strong>do</strong>sR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


132seus dependentes. É curial que há, nesses casos, vantagens para osemprega<strong>do</strong>s, que pagam menos por esses serviços, quan<strong>do</strong> contrata<strong>do</strong>scoletivamente. É visível, também, que, em tais hipóteses, o desconto éefetua<strong>do</strong> em prol de um terceiro, e não <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r.Com efeito, os descontos previstos na Súmula 342 não sãofeitos pelo emprega<strong>do</strong>r em seu próprio proveito. Nessas hipóteses, oemprega<strong>do</strong>r é, antes, um intermediário facilita<strong>do</strong>r, efetuan<strong>do</strong> osdescontos para repassá-los a terceiros, que prestam serviços a seusemprega<strong>do</strong>s.Portanto, a Súmula 342 não discrepa <strong>do</strong> princípio geral deproteção ao salário e <strong>do</strong> princípio da irrenunciabilidade <strong>do</strong>s direitostrabalhistas, pois não descura de que é necessário que não haja víciode consentimento nas autorizações de desconto, e não autorizadescontos em proveito <strong>do</strong> próprio emprega<strong>do</strong>r.A proteção ao salário abrange a proteção <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>em face <strong>do</strong>s seus cre<strong>do</strong>res (de que é exemplo a impenhorabilidade<strong>do</strong>s salários), como também <strong>do</strong>s cre<strong>do</strong>res <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r(falência) e <strong>do</strong> próprio emprega<strong>do</strong>r que é, em última análise, odepositário <strong>do</strong> salário, já que o paga apenas no quinto dia útil <strong>do</strong> mêssubsequente ao trabalha<strong>do</strong>, impedin<strong>do</strong>-o, por exemplo, de descontaros empréstimos concedi<strong>do</strong>s, os alugueres, as dívidas civis etc. 9________________9 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito <strong>do</strong> trabalho. 5. ed. Niterói: Impetus, 2011. p.912.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


133Se não há, nas hipóteses previstas na Súmula 342 <strong>do</strong> TST,vício de consentimento e o valor desconta<strong>do</strong> não reverte em proveito<strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r, não há extensão indevida, pelo TST, <strong>do</strong> rol dedescontos permiti<strong>do</strong>s em lei, uma vez que o <strong>Tribunal</strong> fez apenas umainterpretação evolutiva, integran<strong>do</strong> ao rol <strong>do</strong> art. 462 hipóteses dedescontos ocorrentes na vida moderna, e que beneficiam aotrabalha<strong>do</strong>r pela possibilidade de, mediante contratação coletiva, vir aobter melhores preços por determinadas prestações de serviços.Todavia, se o plano de saúde é obrigatoriamentecontrata<strong>do</strong>, pelos emprega<strong>do</strong>s, com intermediação da empresa, edesconta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s seus salários; e a empresa que comercializa o referi<strong>do</strong>plano de saúde compõe o mesmo grupo econômico da emprega<strong>do</strong>ra,sem possibilidade de opção por outro plano de saúde, estarácaracteriza<strong>do</strong> o impedimento à livre disposição, pelo emprega<strong>do</strong>, <strong>do</strong>valor <strong>do</strong> seu salário, o que torna o desconto em prol de plano deassistência médica ilícito.É preciso reafirmar-se sempre a regra de que oemprega<strong>do</strong>r não pode fornecer produtos e serviços aos seusemprega<strong>do</strong>s e descontar o valor desses produtos e serviçosdiretamente <strong>do</strong>s salários <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s, pois as relações detrabalho e de consumo não podem se confundir.Destacan<strong>do</strong> a impossibilidade de confundir a relação deconsumo com a relação de trabalho, par efeito de efetuar-se descontosnos salários, leciona Alice Monteiro de Barros:R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


134E se o cre<strong>do</strong>r <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> for o próprio emprega<strong>do</strong>r,que o avalizou, vendeu-lhe gêneros alimentícios ouvestuário, caberá a cobrança por meio de desconto emfolha?Nesses casos, dada a sua natureza alimentar, oemprega<strong>do</strong>r não poderá efetuar nenhuma compensaçãocom o salário, pois dívidas de natureza civil não secompensam com créditos trabalhistas. Resta, portanto,ao emprega<strong>do</strong>r, cobrar o débito na área cível. 10No <strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> é pacífico que não épossível a compensação de dívidas não trabalhistas com os créditosrescisórios. Eis a redação da Súmula 18:Súmula 18 – Compensação:A compensação, na Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, está restrita adívidas de natureza trabalhista.E o que é o desconto de dívida civil de cartão de crédito daempresa, no salário <strong>do</strong>s seus próprios emprega<strong>do</strong>s, <strong>do</strong> que umacompensação feita mês a mês, em que um crédito trabalhista (o valor<strong>do</strong> salário) é diminuí<strong>do</strong> em decorrência de uma dívida civil (valor dafatura mensal <strong>do</strong> cartão de crédito)?Essa espécie de desconto, portanto, além de não estarprevista em lei, nem na Súmula 342 <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong>, afronta diretamente a jurisprudência daquela Corte (Súmula18).________________10 BARROS, Alice Monteiro, op. cit., p. 828.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


1356. DESCONTOS NOS SALÁRIOS E A PRESUNÇÃO DEVÍCIO DE CONSENTIMENTOA Súmula 342 faz referência expressa ao fato de que asespécies de descontos ali previstas somente serão lícitas se não houvervício de consentimento.Esse vício de consentimento, conforme visto, pode estarno consentimento da<strong>do</strong> pelos trabalha<strong>do</strong>res sem real clareza de ideias,em assembleia convoca<strong>do</strong> pelo sindicato, para aprovação da inserçãoda cláusula de desconto em acor<strong>do</strong> ou convenção coletiva de trabalho,como na própria ausência de discussão em assembleia, no caso dedescontos autoriza<strong>do</strong>s em norma coletiva; quanto o vício deconsentimento pode ocorrer em contratos individuais de trabalho.O ônus de provar a existência de vício de consentimentotem si<strong>do</strong>, ordinariamente, atribuí<strong>do</strong> ao emprega<strong>do</strong>, nos termos daOrientação Jurisprudencial nº 160/TST, editada em 1999, antes <strong>do</strong>novo Código Civil.Urge, portanto, um cancelamento da OrientaçãoJurisprudencial nº 160/TST, uma vez que o Código Civil, de 2002,mu<strong>do</strong>u o critério para o julga<strong>do</strong>r aferir se houve coação pararealização de um negócio jurídico.Com efeito, conforme registra Maria Helena Diniz, emcomentários ao art. 152 <strong>do</strong> Código Civil, houve, com o novo Código,um “aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong> critério abstrato <strong>do</strong> “person of ordinary firmess”R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


136como “legal standard of resistance”, para passar-se, por determinaçãolegal, a apreciar as condições pessoais que possam influir naassinatura <strong>do</strong> negócio jurídico. 11É claro que a condição sócio-econômica <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>rque procura emprego não permite que discuta cláusulas inseridasno contrato de trabalho, nem apresente manifestação de vontadediscordan<strong>do</strong> <strong>do</strong> teor de cláusula, aposta em contrato deexperiência, que autoriza um desconto no seu salário. Tampouco,se pode admitir que, no curso <strong>do</strong> contrato de trabalho, de cujacontraprestação salarial depende sua sobrevivência, o emprega<strong>do</strong> seoponha ao desconto, pedin<strong>do</strong> sua demissão ou confrontan<strong>do</strong> oemprega<strong>do</strong>r sobre a ilegalidade <strong>do</strong> desconto. É um cenárioinimaginável para qualquer um que conhece como se desenvolve arelação de emprego!Logo, a coação, nesse caso, ocorre ipso facto, pois “incuteao paciente funda<strong>do</strong> temor de dano iminente” (art. 151 <strong>do</strong> CódigoCivil), a perda <strong>do</strong> emprego.É necessário lembrar que o art. 152, <strong>do</strong> Código Civil,dispõe que “no apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, acondição, a saúde, o temperamento <strong>do</strong> paciente, e todas as demaiscircunstâncias que possam influir na gravidade dela.”Maria Helena Diniz, sobre o tema, pontifica:________________11 DINIZ, Maria Helena. Código civil comenta<strong>do</strong>. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 131.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


137Ao apreciar a gravidade da vis compulsiva, omagistra<strong>do</strong> deverá, em cada caso concreto, ater-se aosmeios emprega<strong>do</strong>s pelo coator, verifican<strong>do</strong> se produzemconstrangimento moral, sem olvidar o sexo, a idade, acondição social, a saúde e o temperamento da vítima.Deverá, portanto, averiguar quaisquer circunstâncias,sejam elas pessoais ou sociais, que concorram ouinfluenciam sobre o esta<strong>do</strong> moral <strong>do</strong> coacto, levan<strong>do</strong>-o aexecutar o ato negocial que lhe é exigi<strong>do</strong>. A lei, aopressupor que to<strong>do</strong>s somos <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s de certa energia ougrau de resistência, não desconhece que sexo, idade,saúde, condição social e temperamento podem tornardecisiva a coação, que, exercida em certascircunstâncias, pode pressionar e influir maispoderosamente. 12 ( grifo nosso)A par da necessidade de revogação da OJ 160/TST, deveseregistrar que, na verdade, os seus efeitos já têm si<strong>do</strong> bastantemitiga<strong>do</strong>s pelo <strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>.Uma análise <strong>do</strong>s julgamentos <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong> demonstra que a Orientação Jurisprudencial nº 160somente é aplicada em hipóteses em que o desconto é efetua<strong>do</strong>para aqueles fins cita<strong>do</strong>s na Súmula 342/TST, ou seja, como sãodescontos efetua<strong>do</strong> em prol de terceiros, não se tem presumi<strong>do</strong> acoação <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r. Veja-se, a título ilustrativo, a seguinteementa de julgamento:________________12 DINIZ, op. cit., p. 131.RECURSO DE REVISTA DESCONTOS SALARIAISAUTORIZAÇÃO CONSTANTE DE CLÁUSULA DOCONTRATO DE TRABALHO NÃO TRADUZCOAÇÃO SÚMULA Nº 342 /TST ORIENTAÇÃOR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


138JURISPRUDENCIAL Nº 160 DA SBDI 1 Não sepresume o vício de consentimento pelo simples fato deo Reclamante ter manifesta<strong>do</strong> anuência no momento dacontratação. Para que se considere inválida aautorização para descontos salariais, exige-sedemonstração concreta da coação. Aplicação daSúmula nº 342, com o entendimento consubstancia<strong>do</strong>na Orientação Jurisprudencial nº 160 da SBDI-1,ambas <strong>do</strong> TST.(TST-RR-1-096/2006-333-04-00.0, 8ª Turma, RelatoraMinistra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, j. 02/09/2009grifos nosso)Não há um julga<strong>do</strong> específico em que o <strong>Tribunal</strong> Superior<strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> tenha afirma<strong>do</strong> que não se presume a coação quan<strong>do</strong> oemprega<strong>do</strong> assina contrato individual de trabalho com cláusula queautoriza o desconto de compras feitas em estabelecimento <strong>do</strong> próprioemprega<strong>do</strong>r, ou que não se presume a coação quan<strong>do</strong> o emprega<strong>do</strong>assina <strong>do</strong>cumento concordan<strong>do</strong> que o valor <strong>do</strong> seu fardamento sejadesconta<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu salário.O <strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> não presume acoação nas hipóteses de desconto previstas na Súmula 342/TSTpela simples razão de que, naquelas hipóteses, ocorre umacontratação coletiva de serviços presta<strong>do</strong>s por terceiros, não peloemprega<strong>do</strong>r, e muito menos, pagamento por merca<strong>do</strong>riasvendidas ou serviços presta<strong>do</strong>s pelo emprega<strong>do</strong>r ao emprega<strong>do</strong>.Quan<strong>do</strong> o cre<strong>do</strong>r é o próprio emprega<strong>do</strong>r, é claro que acoação deve ser presumida!R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


139O fato é que a existência da OJ 160/TST tem, em muitoscasos, gera<strong>do</strong> um excessivo encargo probatório para o emprega<strong>do</strong>,obrigan<strong>do</strong>-o a provar a coação psicológica que o levou a assinarcláusula autoriza<strong>do</strong>ra de desconto, quan<strong>do</strong> pela própria natureza darelação de trabalho, cuja subordinação não só jurídica, maseconômica, é inerente, a coação deve ser presumida.Ora, se um desconto efetua<strong>do</strong> no salário está fora dashipóteses legais, como, ainda, conferir-se, àquele que pratica atoilícito, o benefício da dúvida e exigir-se, ao contrário, que oemprega<strong>do</strong> prove o vício de consentimento?Além disso, conforme dito, o novo Código Civil, em seuart. 152, determina que o julga<strong>do</strong>r deve apreciar a existência de coaçãoten<strong>do</strong> em vista a condição social daquele que a alega. Essa regra legalé a pedra de toque para a distribuição <strong>do</strong> ônus da prova em matéria decoação, no processo <strong>do</strong> trabalho, a determinar a inversão <strong>do</strong> ônus daprova, e o consequente cancelamento da OJ 160/TST.7. CONCLUSÃOComo síntese <strong>do</strong> que foi exposto, é de se refletir que osistema jurídico de proteção ao salário precisa ser resguarda<strong>do</strong>, pelosJuízes e Tribunais <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, mediante:a) uma interpretação que considere a natureza de direitofundamental da norma que determina a irredutibilidade salarial;R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


140b) a compreensão de que a irredutibilidade salarial tem<strong>do</strong>is aspectos: irredutibilidade <strong>do</strong> valor nominal <strong>do</strong> salário; proibiçãode redução temporária <strong>do</strong> valor <strong>do</strong> salário pela efetuação de descontosindevi<strong>do</strong>sc) os descontos previstos em acor<strong>do</strong>s e convençõescoletivas de trabalho somente são váli<strong>do</strong>s se, nos casos de descontosem que a causa é a ocorrência de um dano suporta<strong>do</strong> pelo emprega<strong>do</strong>r,por culpa <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>, for assegura<strong>do</strong> um procedimentoadministrativo interno, na empresa, com direito ao contraditório, àampla defesa e à comunicação da instauração <strong>do</strong> procedimento aosindicato da categoria profissional;d) os descontos previstos em acor<strong>do</strong>s e convençõescoletivas de trabalho somente são váli<strong>do</strong>s se a cláusula autoriza<strong>do</strong>ra<strong>do</strong> desconto foi aprovada sem vício de consentimento da categoriaprofissional, reunida em assembleia geral, devidamente convocadapara tal fim, e com a presença de quorum estatutário mínimo erazoável;e) a inversão <strong>do</strong> ônus da prova para aferir-se a liberdadeou coação da qual resultou o consentimento ao desconto, mercê dapossibilidade de inversão <strong>do</strong> ônus da prova, nos termos <strong>do</strong>s novoscritérios introduzi<strong>do</strong>s pelo Código Civil de 2002 para aferir-se acoação psicológica, dentre os quais avulta a condição econômica <strong>do</strong>emprega<strong>do</strong>, a sua capacidade intelectual e o momento em que aconcordância foi tomada.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


141Se há limites à redução salarial em momentos de criseeconômica, exigin<strong>do</strong>-se a intervenção sindical para discussão arespeito de quaisquer medidas redutoras da remuneração, em troca deoutras garantias, como a estabilidade no emprego; com muito maisrazão, há de se interpretar que a Constituição Federal protege ossalários, diuturnamente, <strong>do</strong>s riscos <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>res pretenderemauferir vantagens econômicas sobre os seus emprega<strong>do</strong>s, valen<strong>do</strong>-seda sua situação de preeminência no contrato de trabalho e <strong>do</strong> fato deelaborar e pagar a folha de pagamento de salários.Não se pode fazer interpretação de bloqueio <strong>do</strong> alcance<strong>do</strong>s direitos fundamentais, tampouco esquecer a clareza da normainternacional que o Brasil fez integrar ao seu ordenamento jurídico(Convenção nº 95) e <strong>do</strong> parágrafo 4º <strong>do</strong> art. 462 da CLT, to<strong>do</strong>s aindicar que a liberdade <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> dispor <strong>do</strong> salário é a regrabasilar <strong>do</strong> sistema de proteção ao salário.REFERÊNCIASBARROS, Alice Monteiro. Curso de direito <strong>do</strong> trabalho. 6. ed. SãoPaulo: LTr, 2010.CASSAR, Vólia Bomfim. Direito <strong>do</strong> trabalho. 5. ed. Niterói: Impetus,2011.DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito <strong>do</strong> trabalho. 8. ed.São Paulo: LTr, 2009.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


DINIZ, Maria Helena. Código civil comenta<strong>do</strong>. São Paulo: Saraiva,2010.142PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional edireitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.SARLET, Ingo Wolfgang, A abertura material <strong>do</strong> catálogoconstitucional <strong>do</strong>s direitos fundamentais e os trata<strong>do</strong>s internacionaisem matéria de direitos humanos. In: SHÄFER, Jairo. Temaspolêmicos de direito constitucional contemporâneo. Florianópolis:Conceito Ed., 2007.SARMENTO, Daniel. A dimensão objetiva <strong>do</strong>s direitos fundamentais:fragmentos de uma teoria. In: SAMPAIO, José Adércio LeiteJurisdição constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte:Del Rey, 2003.VELLOSO, Carlos Mário da Silva. A evolução da interpretação <strong>do</strong>sdireitos fundamentais no Supremo <strong>Tribunal</strong> Federal. In: SAMPAIO,José Adércio Leite. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais.Del Rey: Belo Horizonte, 2003.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.111– 142, jun. 2012


A INFLUÊNCIA HORIZONTAL DOS DIREITOSHUMANOS NOS CONTRATOS DE TRABALHO:ESTUDO DE CASO143Gustavo Borges da Costa Sumário: I - Introdução; II – Casuística; III – Análise jurídica sobre ainfluência horizontal <strong>do</strong>s direitos humanos nos contratos de trabalho;IV – Conclusão; V – Referências.1. INTRODUÇÃOO presente trabalho tem como foco o estu<strong>do</strong> de casohipotético envolven<strong>do</strong> a influência coercitiva <strong>do</strong>s direitos humanosaplica<strong>do</strong>s horizontalmente no contrato de trabalho priva<strong>do</strong>, através dedecisão <strong>do</strong> Poder Judiciário, com o condão de regulação e adequaçãodas cláusulas contratuais.Trata-se da tendência da aplicação das normas jurídicas naJustiça laboral com objetivo de aplicação <strong>do</strong> direito constitucional <strong>do</strong>________________ Analista Judiciário, área judiciária, <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ªRegião. Bacharel em Direito pela Universidade Federal <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte.Especialista Direito e Processo <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> pela Escola da Magistratura Trabalhistada 21ª Região e em Direito Priva<strong>do</strong> – Civil e Empresarial – pela UniversidadePotiguar.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


144trabalho, inserin<strong>do</strong> de forma cogente e implícita nos pactostrabalhistas priva<strong>do</strong>s os conceitos atinentes aos direitos fundamentais,em suas gerações de desenvolvimento, mais precisamente daefetivação obrigatória <strong>do</strong>s direitos humanos nos contratos entreparticulares, sempre de forma obrigatória.2. CASUÍSTICACom o objetivo declara<strong>do</strong> de incrementar a imagem daempresa perante o público consumi<strong>do</strong>r, consequentemente alavancaras vendas de seus produtos, uma determinada empresa anuncia queestá contratan<strong>do</strong> mulheres para o setor de vendas, informan<strong>do</strong> que um<strong>do</strong>s requisitos contratualmente estabeleci<strong>do</strong> é a utilização obrigatóriade uniforme padrão forneci<strong>do</strong> gratuitamente, composto de blusadecotada com a logomarca da empresa, saia curta e sapato de saltoalto, além <strong>do</strong> uso de maquiagem em cores fortes e cabelos longos,soltos e escova<strong>do</strong>s. Todas as pretendentes às vagas sabiam damencionada exigência desde antes da contratação, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong>informadas abertamente no momento da seleção prévia para oemprego, inclusive quanto a que o modelo da roupa e as demaiscombinações.Sen<strong>do</strong> assim, em questão posta ao Poder Judiciário emação promovida pelo Sindicato da Categoria <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res nocomércio em face de algumas trabalha<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> estabelecimentoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


145contratante, seria possível ser imposta à empresa, mesmo em face daaceitação expressa em cláusula contratual, a obrigação de não exigirtal padrão interferência, ten<strong>do</strong> em vista o aspecto intangível dapersonalidade, liberan<strong>do</strong> as empregadas contratadas, assim, para quetenham a possibilidade de optar pela utilização de vestimentaspróprias, de acor<strong>do</strong> com o estilo e a preferência individual?3. ANÁLISE JURÍDICA SOBRE A INFLUÊNCIAHORIZONTAL DOS DIREITOS HUMANOS NOSCONTRATOS DE TRABALHOPara análise <strong>do</strong> caso em questão importante se faz trazer oconceito clássico de contrato <strong>do</strong> trabalho, o qual pode ser ti<strong>do</strong> comoacor<strong>do</strong> expresso (escrito ou verbal) ou tácito firma<strong>do</strong>entre uma pessoa física (emprega<strong>do</strong>) e outra pessoafísica, jurídica ou entidade (emprega<strong>do</strong>r), por meio <strong>do</strong>qual o primeiro se compromete a executar,pessoalmente, em favor <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> um serviço denatureza não-eventual, mediante salário e subordinaçãojurídica. 1Tem como uma de suas características ser sinalagmático,ou seja, as partes se obrigam reciprocamente em direitos e obrigações,e está basea<strong>do</strong> no princípio da autonomia da vontade, daí sua________________1 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito <strong>do</strong> trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr,2009. p. 236-37.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


146característica eminentemente privada, embora seja atingi<strong>do</strong>, em algunsaspectos, por normas de ordem pública, insuscetíveis de renúncia.Outro atributo importante é a consensualidade, ou seja, osimples consentimento das partes contratantes é suficiente, em regra,para validar o contrato.Nada obstante, aos requisitos <strong>do</strong> contrato de trabalhoconstantes na Consolidação das Leis <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> (artigo 442 eseguintes) somam-se às condições gerais de qualquer ato jurídico,expressas no art. 104 <strong>do</strong> Código Civil vigente: agente capaz, objetolícito, possível, determina<strong>do</strong> ou determinável e forma prescrita ou nãodefesa em lei.Assim, em primeira análise, ante a consensualidade dacontratação entre as partes, por se tratar de um contratoeminentemente priva<strong>do</strong>, ter si<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> entre pessoas capazes, e nãohaver ilicitude ou ilegalidade nas cláusulas contratuais especificadasno questionamento, não haveria qualquer irregularidade e consequentenecessidade de coman<strong>do</strong> judicial para desconsiderar as referidascláusulas ora analisadas, dan<strong>do</strong> plena liberdade às empregadas paraexigir a utilização de vestimentas de acor<strong>do</strong> com suas necessidadesmerca<strong>do</strong>lógicas.Ocorre que o contrato de trabalho, como já acima cita<strong>do</strong>,apesar de se caracterizar por ser eminentemente priva<strong>do</strong>, possuicláusulas inerentes à sua própria natureza e que se traduzem como deR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


147ordem pública, irrenunciáveis, e de observação obrigatória pelaspartes.Para entender o reflexo das normas de ordem pública noscontratos laborais é necessário estudar sua história, sua formação eevolução até os dias atuais, que se confunde com a evolução <strong>do</strong>sdireitos fundamentais.Essa evolução, até o momento, está dividida em quatrogerações 2 , que se arrastam desde os i<strong>do</strong>s de 1215, com a Magna Cartade “João Sem Terra”, seguin<strong>do</strong>-se pelas declarações americana (1776)e francesa (1789), dentre outros <strong>do</strong>cumentos históricos importantes osquais refletem a primeira geração <strong>do</strong>s direitos humanos, justamenteem busca das liberdades públicas e <strong>do</strong>s direitos políticos, ten<strong>do</strong> seucerne a liberdade. A chamada segunda geração <strong>do</strong>s direitos humanos éimpulsionada pela Revolução Industrial, que se acentua no séculoXIX, e se confunde com o nascimento <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> trabalho 3 . Daíadvém a necessidade de valorização <strong>do</strong>s direitos sociais, estampa<strong>do</strong>s________________2Muito bem traduzidas por Pedro Lenza, em seu Direito constitucionalesquematiza<strong>do</strong>. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 670-671.3 Como muito bem assevera<strong>do</strong> por Maurício Godinho Delga<strong>do</strong> (Curso de direito <strong>do</strong>trabalho. São Paulo: LTr, 2008, p. 86): “O Direito <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> é, pois, produtocultural <strong>do</strong> século XIX e das transformações econômico-sociais e políticas alivivenciadas. Transformações todas que colocam a relação de trabalho subordina<strong>do</strong>como núcleo motor <strong>do</strong> processo produtivo característico daquela sociedade. Em fins<strong>do</strong> século XVIII e durante o curso <strong>do</strong> século XIX é que se maturam, naEuropa e nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, todas as condições fundamentais de formação <strong>do</strong>trabalho livre mas subordina<strong>do</strong> e de concentração proletária, que propiciam aemergência <strong>do</strong> Direito <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>.”.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


148mais explicitamente nas Constituições <strong>do</strong> México (1917) e daAlemanha, Weimar (1919) e pelo Trata<strong>do</strong> de Versalhes, o qual criou aOrganização Internacional <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>. Assim, os direitos humanosdessa geração valorizam a igualdade, refletida nos direitoseconômicos, sociais e culturais. A terceira geração <strong>do</strong>s direitoshumanos já é uma evolução e consequência da consolidação dasgerações anteriores <strong>do</strong>s direitos humanos e <strong>do</strong> aprofundamento dasrelações econômico-sociais. Surge, daí, a necessidade de preservação<strong>do</strong> meio ambiente, inclusive o <strong>do</strong> trabalho, proteção ao consumi<strong>do</strong>r,ao i<strong>do</strong>so, a ampliação da proteção ao menor e ao hipossuficiente. Essageração é caracterizada, portanto, pelos direitos de solidariedade.Note-se que os ideais da Revolução Francesa estão bem presentes nasgerações <strong>do</strong>s direitos humanos, ou seja, liberdade, igualdade efraternidade. A quarta geração <strong>do</strong>s direitos humanos reflete os avançosno campo da engenharia genética e já é palco de grandes discussõesjurídicas, como se observou no julgamento da Ação Direta deInconstitucionalidade n. 3510/DF, onde se discutiu no Supremo<strong>Tribunal</strong> Federal a legalidade de utilização de células-tronco. 4________________4 Informativo 508 <strong>do</strong> STF: “Em conclusão, o <strong>Tribunal</strong>, por maioria, julgouimprocedente pedi<strong>do</strong> formula<strong>do</strong> em ação direta de inconstitucionalidade propostapelo Procura<strong>do</strong>r-Geral da República contra o art. 5º da Lei federal 11.105/2005(Lei da Biossegurança), que permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilização decélulas-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzi<strong>do</strong>s porfertilização in vitro e não usa<strong>do</strong>s no respectivo procedimento, e estabelececondições para essa utilização — v. Informativo 497. Prevaleceu o voto <strong>do</strong> Min.Carlos Britto, relator. Nos termos <strong>do</strong> seu voto, salientou, inicialmente, que o artigoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


149Do acima exposto, a evolução <strong>do</strong>s direitos fundamentaisintroduziu a obrigatoriedade da observância <strong>do</strong>s direitos humanos narelação entre o Esta<strong>do</strong> e o particular, a dignidade da pessoa humanapassou a ser um <strong>do</strong>s elementos a ser obrigatoriamente observa<strong>do</strong> peloEsta<strong>do</strong> em suas atividades, inclusive a normativa.No Brasil, a partir da Constituição de 1988, essavalorização ficou ainda mais escancarada, pois em grande parte daCarta se observa a utilização desse princípio, diretamente ou de formareflexa.Também se mu<strong>do</strong>u o foco <strong>do</strong> Direito como um to<strong>do</strong>.Antigamente nem se falava em danos morais, ou havia grandesdiscussões teóricas, mas pouco se aplicava. O princípio da dignidadeimpugna<strong>do</strong> seria um bem concatena<strong>do</strong> bloco normativo que, sob condições deincidência explícitas, cumulativas e razoáveis, contribuiria para o desenvolvimentode linhas de pesquisa científica das supostas propriedades terapêuticas de célulasextraídas de embrião humano in vitro. Esclareceu que as células-troncoembrionárias, pluripotentes, ou seja, capazes de originar to<strong>do</strong>s os teci<strong>do</strong>s de umindivíduo adulto, constituiriam, por isso, tipologia celular que ofereceria melhorespossibilidades de recuperação da saúde de pessoas físicas ou naturais em situaçõesde anomalias ou graves incômo<strong>do</strong>s genéticos. Asseverou que as pessoas físicas ounaturais seriam apenas as que sobrevivem ao parto, <strong>do</strong>tadas <strong>do</strong> atributo a que o art.2º <strong>do</strong> Código Civil denomina personalidade civil, assentan<strong>do</strong> que a ConstituiçãoFederal, quan<strong>do</strong> se refere à “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III), aos“direitos da pessoa humana” (art. 34, VII, b), ao “livre exercício <strong>do</strong>s direitos...individuais” (art. 85, III) e aos “direitos e garantias individuais” (art. 60, § 4º, IV),estaria falan<strong>do</strong> de direitos e garantias <strong>do</strong> indivíduo-pessoa. Assim, numa primeirasíntese, a Carta Magna não faria de to<strong>do</strong> e qualquer estádio da vida humana umautonomiza<strong>do</strong> bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa,porque nativiva, e que a inviolabilidade de que trata seu art. 5º diria respeitoexclusivamente a um indivíduo já personaliza<strong>do</strong>. ADI 3510/DF, rel. Min. CarlosBritto, 28 e 29.5.2008. (ADI-3510)”.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


150da pessoa humana não era muito foca<strong>do</strong>. É bom observar o cerne daaplicabilidade jurídica era o direito eminentemente priva<strong>do</strong>,praticamente sem a interferência das normas ou princípiosconstitucionais.Atualmente o prisma da aplicação <strong>do</strong> direito mu<strong>do</strong>u, aCarta Constitucional é o foco que ilumina o restante <strong>do</strong> ordenamentojurídico. To<strong>do</strong> o emprego <strong>do</strong> direito deve observar, em primeirolugar, os preceitos constitucionais, sob pena de ser considera<strong>do</strong> nuloou anulável, seja por ato administrativo, ante o dever de modificaratos ilegais ou equivoca<strong>do</strong>s, seja por ato judicial, no caso concreto, nocontrole difuso ou direto da constitucionalidade das normas. Até ospoderes legislativo e executivo exercem algum tipo de controle deconstitucionalidade.Nesse passo, com a evolução da sociedade – e <strong>do</strong>ordenamento jurídico que segue esse desenvolvimento –, os direitosfundamentais passaram a extrapolar a relação Esta<strong>do</strong>-particular(eficácia vertical) e passam interferir horizontalmente nas relaçõesjurídicas eminentemente privadas (particular-particular).Ingo Wolfgang Sarlet 5 , em importante trabalho sobre avinculação <strong>do</strong>s particulares aos direitos fundamentais aduz que:________________5 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito priva<strong>do</strong>: algumasconsiderações em torno da vinculação <strong>do</strong>s particulares aos direitos fundamentais.Boletim Científico – Esc. Sup. Min. Públ. União. Brasília: ESMPU, ano 4, n. 16, p.230 jul./set. 2005.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


151(...)existe uma série de normas de direitos fundamentaisque têm por destinatário (obriga<strong>do</strong>) apenas o poderpúblico, além de outras nas quais a vinculação direta<strong>do</strong>s particulares é expressamente prevista pelodispositivo (texto) constitucional. Além disso, verificouseque, para além das hipóteses nas quais o poderpúblico é o único destinatário direto, as normasdefini<strong>do</strong>ras de direitos e garantias fundamentaisvinculam sempre (ao menos também) os particulares,ainda que se possa controverter a respeito <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> eintensidade dessa vinculação.Destacam-se duas teorias acerca da eficácia horizontal <strong>do</strong>sdireitos fundamentais: a) eficácia imediata ou direta, onde,independente de intermediação legislativa, certos direitosfundamentais podem atuar nas relações privadas; e b) eficácia mediataou indireta, ondeos direitos fundamentais são aplica<strong>do</strong>s de maneirareflexa, tanto em uma dimensão proibitiva e voltadapara o legisla<strong>do</strong>r, que não poderá editar lei que violedireitos fundamentais, como, ainda, positiva, voltadapara que o legisla<strong>do</strong>r implemente os direitosfundamentais, ponderan<strong>do</strong> quais devam aplicar-se àsrelações privadas. 6Evidentemente, “o princípio da dignidade da pessoahumana, ao menos como fundamento e medida para uma vinculaçãodireta <strong>do</strong>s particulares, poderá assumir, portanto, relevância autônoma________________6 LENZA, op. cit., p. 676.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


152apenas onde não estiver em face de uma vinculação desde logoexpressamente prevista no texto constitucional”. 7 (grifo nosso)O Supremo <strong>Tribunal</strong> Federal, em julgamento de questãoenvolven<strong>do</strong> a aplicabilidade <strong>do</strong>s direitos fundamentais nas relaçõeseminentemente privadas, inclina-se fortemente pela sua incidênciadireta nas relações privadas, algo que se deve considerar implícito nastratativas particulares, senão vejamos:CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DAIGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIROEMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA:ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA:APLICABILIDADE AO TRABALHADORESTRANGEIRO E AO TRABALHADORBRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988,art. 5º, caput. I. - Ao recorrente, por não ser francês, nãoobstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil,não foi aplica<strong>do</strong> o Estatuto <strong>do</strong> Pessoal da Empresa, queconcede vantagens aos emprega<strong>do</strong>s, cuja aplicabilidadeseria restrita ao emprega<strong>do</strong> de nacionalidade francesa.Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, §1º; C.F., 1988, art. 5º, caput). II. - A discriminação quese baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ouextrínseca <strong>do</strong> indivíduo, como o sexo, a raça, anacionalidade, o cre<strong>do</strong> religioso, etc., é inconstitucional.Precedente <strong>do</strong> STF: Ag 110.846(AgRg)-PR, CélioBorja, RTJ 119/465. III. - Fatores que autorizariam adesigualização não ocorrentes no caso. IV. - R.E.conheci<strong>do</strong> e provi<strong>do</strong>. (RE 161243, Relator(a): Min.CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julga<strong>do</strong> em29/10/1996, DJ 19-12-1997 PP-00057 EMENT VOL-01896-04 PP-00756”.________________7 SARLET, op. cit., p. 244.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


153EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINSLUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DECOMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEMGARANTIA DA AMPLA DEFESA E DOCONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOSFUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS.RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOSDIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕESPRIVADAS. As violações a direitos fundamentais nãoocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadãoe o Esta<strong>do</strong>, mas igualmente nas relações travadas entrepessoas físicas e jurídicas de direito priva<strong>do</strong>. Assim, osdireitos fundamentais assegura<strong>do</strong>s pela Constituiçãovinculam diretamente não apenas os poderes públicos,estan<strong>do</strong> direciona<strong>do</strong>s também à proteção <strong>do</strong>sparticulares em face <strong>do</strong>s poderes priva<strong>do</strong>s. II. OSPRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITESÀ AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. Aordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu aqualquer associação civil a possibilidade de agir àrevelia <strong>do</strong>s princípios inscritos nas leis e, em especial,<strong>do</strong>s postula<strong>do</strong>s que têm por fundamento direto o própriotexto da Constituição da República, notadamente emtema de proteção às liberdades e garantiasfundamentais. O espaço de autonomia privada garanti<strong>do</strong>pela Constituição às associações não está imune àincidência <strong>do</strong>s princípios constitucionais que asseguramo respeito aos direitos fundamentais de seus associa<strong>do</strong>s.A autonomia privada, que encontra claras limitações deordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento oucom desrespeito aos direitos e garantias de terceiros,especialmente aqueles positiva<strong>do</strong>s em sedeconstitucional, pois a autonomia da vontade não confereaos particulares, no <strong>do</strong>mínio de sua incidência eatuação, o poder de transgredir ou de ignorar asrestrições postas e definidas pela própria Constituição,cuja eficácia e força normativa também se impõem, aosparticulares, no âmbito de suas relações privadas, emtema de liberdades fundamentais. III. (...) A exclusão desócio <strong>do</strong> quadro social da UBC, sem qualquer garantiade ampla defesa, <strong>do</strong> contraditório, ou <strong>do</strong> devi<strong>do</strong>processo constitucional, onera consideravelmente orecorri<strong>do</strong>, o qual fica impossibilita<strong>do</strong> de perceber osR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


154direitos autorais relativos à execução de suas obras. Avedação das garantias constitucionais <strong>do</strong> devi<strong>do</strong>processo legal acaba por restringir a própria liberdadede exercício profissional <strong>do</strong> sócio. O caráter público daatividade exercida pela sociedade e a dependência <strong>do</strong>vínculo associativo para o exercício profissional de seussócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta<strong>do</strong>s direitos fundamentais concernentes ao devi<strong>do</strong>processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º,LIV e LV, CF/88). IV. RECURSOEXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. (RE 201819,Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma,).julga<strong>do</strong> em 11/10/2005, DJ 27-10-2006 PP-00064EMENT VOL-02253-04 PP-00577Após as observações acima, voltan<strong>do</strong> à casuística ora emanálise, fica evidente que haverá colisão entre preceitos fundamentaissempre que normas constitucionais vierem a regular obrigatoriamentecontratos priva<strong>do</strong>s, em interferência horizontal <strong>do</strong>s direitos humanos,a exemplo <strong>do</strong>s valores sociais <strong>do</strong> trabalho e da livre iniciativa –autonomia da vontade privada –, em colisão com a dignidade dapessoa humana, ambos, fundamentos da República Federativa <strong>do</strong>Brasil estampa<strong>do</strong>s no art. 1º, IV e III da Constituição Federal 8 .________________8 Art. 1º A República Federativa <strong>do</strong> Brasil, formada pela união indissolúvel <strong>do</strong>sEsta<strong>do</strong>s e Municípios e <strong>do</strong> Distrito Federal, constitui-se em Esta<strong>do</strong> Democrático deDireito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; IV - osvalores sociais <strong>do</strong> trabalho e da livre iniciativa; (...).R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


155Nesse passo, em uma analise mais acurada <strong>do</strong> inciso IV <strong>do</strong>art. 1º, cumula<strong>do</strong> com o art. 170 da Carta Constitucional 9 – queestipula princípios gerais da ordem econômica, funda<strong>do</strong>s navalorização <strong>do</strong> trabalho humano e na livre iniciativa –, chego àconclusão de que ambos estão de pleno acor<strong>do</strong> com o princípio dadignidade da pessoa humana, pois a autonomia da vontade privadadeve existir ao la<strong>do</strong> da necessidade de uma existência digna, conformeos ditames da justiça social e observan<strong>do</strong>, inclusive, as gerações <strong>do</strong>sdireitos fundamentais, como, por exemplo, liberdade de concorrência,redução das desigualdades regionais e sociais, defesa ao meioambiente, etc.Assim, é razoável que o emprega<strong>do</strong>r, até pelo poderdiretivo e regulamenta<strong>do</strong>r, determine o tipo de vestimenta e atémesmo a forma <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> se produzir, mesmo buscan<strong>do</strong> o________________9 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização <strong>do</strong> trabalho humano e nalivre iniciativa, tem por fim assegurar a to<strong>do</strong>s existência digna, conforme os ditamesda justiça social, observa<strong>do</strong>s os seguintes princípios: I - soberania nacional; II -propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V -defesa <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r; VI - defesa <strong>do</strong> meio ambiente; VI - defesa <strong>do</strong> meio ambiente,inclusive mediante tratamento diferencia<strong>do</strong> conforme o impacto ambiental <strong>do</strong>sprodutos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dadapela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) VII - redução das desigualdadesregionais e sociais; VIII - busca <strong>do</strong> pleno emprego; IX - tratamento favoreci<strong>do</strong> paraas empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. IX - tratamentofavoreci<strong>do</strong> para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras eque tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela EmendaConstitucional nº 6, de 1995). Parágrafo único. É assegura<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s o livreexercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização deórgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


156aumento de suas vendas e seus lucros, o que, em si, não possuinenhuma ilegalidade, muito pelo contrário. Vivermos em umasociedade democrática e eminentemente capitalista onde realmente aempresa deve buscar, cada vez mais, se especializar para vender maise melhor, atuan<strong>do</strong> com margens de lucro para, com isso, investir,gerar mais impostos e empregos, o que, ao final, é benéfico para todaa sociedade moderna.Nada obstante, deve-se ter em mente que um <strong>do</strong>s papéis daJustiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> é a humanização <strong>do</strong> Capital, primordial para que,inserin<strong>do</strong> as idéias sociais – neste caso representadas pelas gerações<strong>do</strong>s direitos fundamentais – o sistema se torne digno de capitanear asrelações laborais sem que se dê de forma selvagem e irracional,apenas e tão somente em busca <strong>do</strong> lucro, em detrimento da dignidade<strong>do</strong> cidadão.Sen<strong>do</strong> assim, se a utilização de mulheres bonitas aquece asvendas na exposição de automóveis, em lojas de roupas e lava-jatos,ou seja, em relações eminentemente privadas, penso que não pode serimposto coercitivamente ao emprega<strong>do</strong>r a contratação de profissionaisdistintas das pretendidas por ele. Até mesmo a forma de se portar,maquiar, de utilizar o cabelo, a utilização de uniformes podem serdeterminadas pelo emprega<strong>do</strong>r, até porque, muitas vezes, oemprega<strong>do</strong> não tem a ciência correta da vestimenta, da higiene com asunhas, por exemplo, ou a forma como utilizar os cabelos, dentre outrasR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


157tantas particularidades que fazem parte <strong>do</strong> universo da relação deemprego.Recentemente, em agosto de 2011, houve uma Feira deAviação no Esta<strong>do</strong> de São Paulo, onde foram contratadas modelos apreços realmente eleva<strong>do</strong>s, onde se observou as característicascontratuais ora analisadas, cuja divulgação foi nacional, a exemplo <strong>do</strong>informa<strong>do</strong> por sítio da rede mundial de computa<strong>do</strong>res(http://economia.uol.com.br/album/110812_feira_aviacao_labace_album.jhtm?abrefoto=12).Existe também a particularidade de determinadasprofissões, como a de modelo, que dependen<strong>do</strong> <strong>do</strong> desfile devemutilizar roupas íntimas, ou com decotes, até mesmo o merca<strong>do</strong> <strong>do</strong>sfilmes eróticos não pode ser relega<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> inerente a profissão aexposição máxima da intimidade, motivo pelo qual a razoabilidadesempre deve estar presente em qualquer julgamento, quiçá nos queenvolvam o conflito entre os direitos fundamentais e relaçõestrabalhistas.Evidentemente que o poder diretivo <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r não éilimita<strong>do</strong> e deve ser frea<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> houver extrapolação,na medida em que, como muito bem assevera<strong>do</strong> por RodrigoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


158Fortunato Goulart e Roland Hasson 10 : “paralelamente a este fenômeno<strong>do</strong> capitalismo de coisificação <strong>do</strong> homem, existe a dificuldade emreconhecer os direitos da pessoa humana trabalha<strong>do</strong>ra pelos própriosdetentores <strong>do</strong>s meios de produção.”4. CONCLUSÃOA utilização de um padrão de pentea<strong>do</strong>, maquiagem,acessórios e vestimenta faz parte <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> empresarial para melhoridentificação e fixação da marca por parte <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, não sepoden<strong>do</strong> interferir nesse desiderato de forma ilimitada e irrazoável.Ocorre que o excesso na exploração <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> deveser reprimi<strong>do</strong>, para que não haja mácula à dignidade <strong>do</strong> ser humano,observan<strong>do</strong>-se aí, as peculiaridades de cada profissão, pois, muitasvezes, o indivíduo se encontrar em dificuldades financeiras e passaaceitar qualquer condição para ser emprega<strong>do</strong>, mesmo que isso, emsua intimidade, seja constrange<strong>do</strong>r e repugnante, ferin<strong>do</strong> suadignidade, algo que deve se auferir levan<strong>do</strong>-se em conta a inteligênciamédia <strong>do</strong> cidadão, a percepção comum acerca de determinada questão.Exemplo bastante cotidiano são as promoções das rádiosFM nas ruas onde, visan<strong>do</strong> a contratação de empresas para veicular________________10 GOULART, Rodrigo Fortunato; HASSON, Roland. A eficácia horizontal <strong>do</strong>sdireitos fundamentais nas relações de trabalho. R. Trab.: dir. e proc., Brasília:Anamatra/Rio de Janeiro: LTr, ano 7, n. 25, p. 141, fev-mar. 2008.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


159propaganda, promovem eventos de lava-jato utilizan<strong>do</strong>-se de mulheresbonitas de corpo de rosto, vestidas com shorts curtos e camisetasbrancas, até mesmo, biquínis.Nesse caso, uma vez provoca<strong>do</strong>, o Poder Judiciário deveintervir em prol da dignidade <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s contrata<strong>do</strong>s para oevento com fins de obrigar a empresa promotora a fornecervestimentas adequadas, que não maculem sua dignidade, não expon<strong>do</strong>o funcionário de forma exagerada, consideran<strong>do</strong>-se também asegurança e saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r com o fornecimento de materialadequa<strong>do</strong> a evitar acidentes, como blusas que não exponham aintimidade, calça<strong>do</strong>s antiescorregadios, etc.Sabe-se, por exemplo, que a utilização constante de sapatode salto alto pode trazer danos, muitas vezes irreversíveis, aos pés eaos joelhos, algo que também pode ser evita<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> necessário, sea utilização for excessiva e obrigatória.Nada obstante, os prejuízos da atividade devem sersuporta<strong>do</strong>s pelo empresário e a geração de empregos e de impostos étida atualmente como função social da empresa, corolário da funçãosocial da propriedade, direito considera<strong>do</strong> fundamental.Com efeito, respeitan<strong>do</strong> o acima disposto, o PoderJudiciário, na colisão entre direitos fundamentais, deve priorizarsempre a dignidade da pessoa humana e interferir diretamente nasrelações privadas quan<strong>do</strong> existir mácula à moral ou até mesmo aR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


160segurança e saúde <strong>do</strong> trabalho, até mesmo porque a subordinaçãojurídica a que o emprega<strong>do</strong> está sujeito deve ser interpretada como:(...) o conjunto de ordens emitidas pelo emprega<strong>do</strong>r eque devem ser respeitadas pelo emprega<strong>do</strong>, manti<strong>do</strong>s ospadrões civilizatórios da dignidade e da decência esupon<strong>do</strong>-se que as ordens digam respeito à organizaçãoe aos méto<strong>do</strong>s a serem a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s naquele ambiente detrabalho (...). 11Na situação apresentada, portanto, não vejo mácula naintenção <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r em se utilizar de mulheres bonitas e na formacomo devem utilizar cabelo ou maquiagem. 12 Também penso que, nãosen<strong>do</strong> autoriza<strong>do</strong> pelo emprega<strong>do</strong>r, no horário de trabalho, não podemas empregadas optar pela utilização de vestimentas próprias, de acor<strong>do</strong>com o estilo e a preferência individual, nem o Poder Judiciário podeinterferir, nesse específico desiderato, de forma deliberada,interferin<strong>do</strong> sem razoabilidade no poder diretivo <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r.Contu<strong>do</strong>, o judiciário deve interferir diretamente narelação empregatícia para determinar, de forma razoável, a mudançano uniforme das empregadas de mo<strong>do</strong> a preservar sua integridadefísica e dignidade. A ordem judicial, por exemplo, poderia ser nosenti<strong>do</strong> de mudança na vestimenta para que utilizem sapatos________________11 SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito <strong>do</strong> trabalho aplica<strong>do</strong>: partegeral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p.28. v.112 Como exemplo, podemos citar as aeromoças, que utilizam maquiagem e cabelosde forma padronizada, sen<strong>do</strong> essa uma exigência <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


161ergonomicamente corretos, para fins de preservação <strong>do</strong>s joelhos e pés,assim como a a<strong>do</strong>ção de uniformes minimamente dignos, inclusivesob pena de aplicação de multa em face de não observação dasmedidas ordenadas.Portanto, a empregada contratada consensualmente e complena consciência de que deverá utilizar roupas por demaisprovocativas, com o único objetivo de incrementar as vendas peloemprega<strong>do</strong>r – nesse ponto específico não vejo qualquer problema naintenção da empresa – deve se submeter ao contrata<strong>do</strong>, mas desde quenão haja excesso na extrapolação <strong>do</strong> marketing, pois aí sim, deve adignidade da pessoa humana se fazer presente influencian<strong>do</strong>diretamente na relação particular-particular para preservar a dignidade<strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> obrigação <strong>do</strong> Poder Judiciário intervir parasocializar e racionalizar a relação laboral.5. REFERÊNCIASBARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito <strong>do</strong> trabalho. 5. ed. SãoPaulo: LTr, 2009.DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito <strong>do</strong> trabalho. SãoPaulo: LTr, 2008.GOULART, Rodrigo Fortunato; HASSON, Roland. A eficáciahorizontal <strong>do</strong>s direitos fundamentais nas relações de trabalho. R.Trab.: dir. e proc., Brasília: Anamatra/Rio de Janeiro: LTr, ano 7, n.25, fev./mar.2008.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


162LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematiza<strong>do</strong>. 13. ed. SãoPaulo: Saraiva, 2009.SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito priva<strong>do</strong>:algumas considerações em torno da vinculação <strong>do</strong>s particulares aosdireitos fundamentais. Boletim científico – Esc. Sup. Min. Públ.União. Brasília: ESMPU, ano 4, n. 16, jul./set., 2005.SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito <strong>do</strong> trabalhoaplica<strong>do</strong>: parte geral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. v.1R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.143– 162, jun. 2012


163EMPREGOS VERDES: A NOVASUSTENTABILIDADE PROCLAMADA PELAORGANIZAÇÃO INTE<strong>RN</strong>ACIONAL DOTRABALHO - OITAlyane Almeida de Araújo Renata Duarte de O. Freitas “Se tanto tens, o que fazes com tu<strong>do</strong>?Ouves a voz a gritar no coração mu<strong>do</strong>?Deixa no altar da vida a simplicidadeE caminha na areia da humildade...Se nada virar semente o que seráDa fertilidade <strong>do</strong>s dias? O que seráDo solo se a avaria tiver lugar... O que será?”(DRIKA,2010, p. 31)1. INTRODUÇÃOA interação <strong>do</strong> homem com o meio em que vive tem seintensifica<strong>do</strong> ao longo da sua história de ocupação <strong>do</strong> território. Foramséculos de uso contínuo <strong>do</strong>s recursos naturais, ocasionan<strong>do</strong> o seu________________ Servi<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ª Região. Graduada em Direitopela UF<strong>RN</strong>. Especialista em Direito e Processo <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> pela UNIDERP.Servi<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Ministério Público <strong>do</strong> <strong>RN</strong>. Graduada em Direito pela UNP.Especialista em Direito e Processo Civil pela UF<strong>RN</strong>. Mestranda em DireitoConstitucional pela UF<strong>RN</strong>.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


164esgotamento e efeitos tais como o aquecimento global, a extinção deespécies vegetais e animais e a poluição <strong>do</strong>s mananciais, segui<strong>do</strong>s demudanças drásticas nos fenômenos climáticos, como, por exemplo,escassez de água e desertificações <strong>do</strong>s solos.Diante desse lamentável quadro fático, observamos que orelacionamento da humanidade com a natureza, que teve início comum mínimo de interferência nos ecossistemas, tem hoje culmina<strong>do</strong>numa forte pressão exercida sobre os recursos naturais.No Brasil, isso é decorrência inevitável <strong>do</strong> profun<strong>do</strong>abismo socioeconômico existente entre as regiões geográficas e, maisainda, entre segmentos da sociedade. Tal aberração constitui, por umla<strong>do</strong>, grave afronta à dignidade e, por outro, nega a grande parcela dapopulação as condições mínimas de realização da personalidade.As condições inadequadas <strong>do</strong> meio ambiente, porém, nãoficam circunscritas aos recursos naturais, abrangem também osrecursos humanos vincula<strong>do</strong>s ao sistema de produção da economia.O meio ambiente industrial, comercial e de prestação deserviços, sen<strong>do</strong> o meio ambiente <strong>do</strong> trabalho componente constitutivodesses três, encontram-se gravemente desequilibra<strong>do</strong>s. O resulta<strong>do</strong>disso pode ser visto nos Anuários Estatísticos da Previdência Social,onde acusam o aumento, ano a ano, <strong>do</strong>s acidentes de trabalho queocasionam incapacidade ou óbito <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r.Inserida neste contexto, a Organização Internacional <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong> – OIT, em parceria com o Programa das Nações Unidas paraR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


165o Meio Ambiente (PNUMA) e a Confederação Sindical Internacional(CSI), estabeleceram em 2007 a “Iniciativa Empregos Verdes”. AOrganização Internacional de Emprega<strong>do</strong>res (OIE), que reúne opatronato, se uniu a tal Iniciativa em 2008. Por fim, em junho de 2009,em Genebra, durante a 98ª Conferência Internacional <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> foilança<strong>do</strong> pela OIT o “Programa de Empregos Verdes”.Este artigo abordará o conceito de meio ambiente, nelecompreendi<strong>do</strong> o <strong>do</strong> trabalho, a relação <strong>do</strong> meio ambiente sadio com otrabalho decente e o surgimento de um novo conceito desustentabilidade: os empregos verdes.2. MEIO AMBIENTE2.1.Conceituação e aspectos geraisA expressão “meio ambiente” (milieu ambiant) foi,aparentemente, utilizada pela primeira vez pelo naturalista francêsGeoffrou de Saint-Hilaire na obra Études progressives d’ umnaturaliste, de 1835. (MILARÉ, 2005).Em uma linguagem eminentemente técnica, o meioambiente pode ser visto como uma combinação de todas as coisas efatores externos ao indivíduo em questão, sen<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> por seresabióticos e bióticos e suas relações e interações.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


No conceito jurídico de meio ambiente, podemos analisálosob duas óticas: uma estrita e outra ampla. Na primeira, o meioambiente é considera<strong>do</strong> apenas como patrimônio natural e suasrelações com e entre os seres vivos. Já na segunda concepção, o meioambiente abrange toda a natureza natural e artificial, bem como osbens culturais correlatos.Desta forma, encontramos, de um la<strong>do</strong>, o meio ambientenatural, ou físico, constituí<strong>do</strong> pelo solo, água, ar, energia, fauna eflora; e de outro, o meio ambiente artificial (ou humano), forma<strong>do</strong>pelas edificações, equipamentos e alterações produzidas pelo homem,engloban<strong>do</strong> os assentamentos de natureza urbanística e demaisconstruções.Nesta visão ampla, o meio ambiente seria “a interação <strong>do</strong>conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem odesenvolvimento equilibra<strong>do</strong> da vida em todas as suas formas”(SILVA, 1995, p. 20).A definição legal de meio ambiente é encontrada na Lei6.938/81 (Política Nacional de Meio Ambiente) em seu art. 3º, incisoI, verbis:166Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei entende-se por:I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis,influências e interações de ordem física, química ebiológica que permite, abriga e rege a vida em todas assuas formas.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


167Posteriormente, com base na Constituição Federal de1988, passou-se a entender também que o meio ambiente divide-se emfísico ou natural, cultural, artificial e <strong>do</strong> trabalho. Meio ambientefísico ou natural é constituí<strong>do</strong> pela flora, fauna, solo, água eatmosfera, incluin<strong>do</strong> os ecossistemas (Art. 225, §1º, I, VII). Meioambiente cultural constitui-se pelo patrimônio cultural, artístico,arqueológico, paisagístico, manifestações culturais e populares(Art.215, §1º e §2º). Meio ambiente artificial é o conjunto deedificações particulares ou públicas, principalmente urbanas (Art.182,art.21, XX e art.5º, XXIII), e meio ambiente <strong>do</strong> trabalho é o conjuntode condições existentes no local de trabalho relativos à qualidade devida <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r (Art.7, XXXIII e art. 200), conforme analisaremosmais detalhadamente no tópico seguinte.2.2.Meio ambiente <strong>do</strong> trabalhoA raça humana também compõe o ecossistema e, nestesenti<strong>do</strong>, merece ser igualmente preservada.No atual sistema de produção, em que a manutençãobásica <strong>do</strong> ser humano é adquirida com capital, e a aquisição <strong>do</strong> capitalse dá na quase totalidade da população mundial através <strong>do</strong> trabalho,falar em preservação da saúde <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r é falar em preservaçãoda saúde <strong>do</strong> ser humano.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


168E é partin<strong>do</strong> desta premissa que podemos afirmar que aforça de trabalho, própria ou alheia, constitui-se não somente em um<strong>do</strong>s fatores de produção, mas o pilar de sustentação, justificação emanutenção desse sistema, advin<strong>do</strong> daí a importância de tomá-lacomo componente central da proteção jurídica.Esta importância desencadeou o processo de integração <strong>do</strong>local onde a força de trabalho é desenvolvida ao conceito geral demeio ambiente, como bem a ser protegi<strong>do</strong> com o mesmo rigor peloordenamento jurídico.Mancuso (1999, p. 59) entende meio ambiente de trabalhocomo:O habitat laboral, isto é, tu<strong>do</strong> que envolve e condicionadireta e indiretamente o local onde o homem obtém osmeios para prover o quanto necessário para suasobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio com oecossistema.Utilizan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> conceito legal de meio ambiente descritono art. 3º, I, da Lei 6.938/81, Romita (2009, p. 409) define ambientede trabalho como “o conjunto de condições, influências e interaçõesde ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res em seu labor, qualquer que seja sua forma”.Cumpre observar que nem sempre um ambiente detrabalho fisicamente perfeito pode implicar em saudável para otrabalha<strong>do</strong>r ali inseri<strong>do</strong>. Conforme estimativa da Organização Mundialda Saúde – OMS, os transtornos mentais menores acometem cerca deR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


16930% <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res ocupa<strong>do</strong>s, e os transtornos mentais graves,cerca de 5% a 10%. No Brasil, da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> INSS sobre a concessão debenefícios previdenciários de auxílio-<strong>do</strong>ença e de aposenta<strong>do</strong>ria porinvalidez, ambos por incapacidade para o trabalho, demonstram queos transtornos mentais ocupam o terceiro lugar entre as causas dessasocorrências. 1A chamada sociedade de risco, fruto da globalização,descortina novos padrões cujas consequências eram até pouco tempodesconhecidas e tem ocasiona<strong>do</strong> transtornos como estresse, síndromede Burnout 2 e fibromialgia 3 , to<strong>do</strong>s eles latentes no ambiente detrabalho.Por conseguinte, a concepção de meio ambiente detrabalho não pode ficar restrita à relação obrigacional, nem ao limitefísico da fábrica, já que a saúde é tópico de direito de massa e o meio________________1 BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de procedimentos para os serviços desaúde. Disponível em:http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/<strong>do</strong>encas_relacionadas_trabalho1.pdf.Acesso em: 13/10/2011. p. 161.2 A síndrome de Burnout (<strong>do</strong> inglês to burn out, queimar por completo), tambémchamada de síndrome <strong>do</strong> esgotamento profissional, foi assim denominada pelopsicanalista nova-iorquino, Freudenberger, após constatá-la em si mesmo, no início<strong>do</strong>s anos 1970. Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADndrome_de_Burnout. Acesso em:13/10/2011.3 Dor crônica e generalizada, cujos critérios de diagnóstico foram estabeleci<strong>do</strong>s peloColegia<strong>do</strong> Americano de Reumatologia em 1990, e apresenta como comorbidadescomuns depressão e transtornos de ansiedade. Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Fibromialgia. Acesso em: 18/10/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


170ambiente equilibra<strong>do</strong>, essencial à sadia qualidade de vida, é direitoconstitucionalmente garanti<strong>do</strong>. (FIORILLO, 1993).Daí segue-se a imperiosa necessidade de um meioambiente de trabalho com condições estruturais e psicológicasadequadas ao saudável e seguro desenvolvimento da força de trabalhohumana.3. SUSTENTABILIDADE ADEQUADA3.1.Meio ambiente sadioA qualidade de vida está intrinsecamente ligada aoequilíbrio das condições ambientais.A Lei 6.938/81, ao definir o conceito de poluição, noArtigo 3º, III, ‘a’, não deixa de considerar “a degradação da qualidadeambiental resultante de atividades que direta ou indiretamenteprejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população”.O reconhecimento <strong>do</strong> direito a um meio ambiente sadioconfigura-se como extensão <strong>do</strong> direito à vida, quer sob o enfoque daprópria existência física e da saúde <strong>do</strong>s seres humanos, quer quanto aoaspecto da dignidade dessa existência – a qualidade de vida, que fazcom que valha a pena viver (TRINDADE, 1993).Proclama-se a necessidade <strong>do</strong> equilíbrio ecológico comopressuposto para que se possa efetivamente garantir a proteção daR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


171personalidade humana, sen<strong>do</strong> o asseguramento da vida e da dignidadehumana as tônicas <strong>do</strong> Direito Ambiental, cujo objetivo primordialseria sempre a defesa <strong>do</strong> homem, pois o seu desenvolvimento físico epsíquico são as grandes metas <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> humanismo jurídico(LISBOA, 2000).Nesse senti<strong>do</strong>, aliás, é o 1º Princípio da Declaração <strong>do</strong> Riosobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, segun<strong>do</strong> o qual “osseres humanos estão no centro das preocupações com odesenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável eprodutiva, em harmonia com a natureza”.Deveras, a ideia da centralidade <strong>do</strong> homem como bemmaior de proteção da ordem jurídica, onde a defesa <strong>do</strong> meio ambientese limitaria a ser para e pelo homem, desviou a finalidade deautopreservação e <strong>do</strong>s recursos naturais de que necessita para amanutenção de práticas econômicas que, disfarçadas sob o paradigmadesenvolvimentista, nada mais fazem <strong>do</strong> que destruir o meio ambientee o elemento constituinte da condição humana: a sua dignidade.Soma<strong>do</strong> a esse processo de degradação ambiental ehumana, há o fato incontroverso de que o lucro financeiro advin<strong>do</strong>com este processo de exploração não é dividi<strong>do</strong> entre to<strong>do</strong>s. Aocontrário, é concentra<strong>do</strong> nas mãos de poucos. 4________________4 “1% da população detém 40% da riqueza mundial. Consideran<strong>do</strong> os 10% dapopulação mais rica <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, a proporção da riqueza mundial nas mãos desseR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


172Diante <strong>do</strong> fracasso da visão antropocêntrica, vozes<strong>do</strong>utrinárias erguem-se para destacar o valor jurídico intrínseco <strong>do</strong>meio ambiente.Assevera-se que a situação atual <strong>do</strong> ambiente denuncia ainsuficiência da ética vigente, antropocêntrica, individualista, incapazde perceber a íntima ligação entre to<strong>do</strong>s os organismos vivos, eminterconexão entre eles e com o meio inorgânico, cujos recursos sãoexauríveis, deven<strong>do</strong> a sua utilização ser prudente e orientada por umaética da solidariedade, em que sobressaia a responsabilidadegeracional (AZEVEDO, 2005).Para Milaré (2008), o racionalismo moderno e odesvendamento <strong>do</strong>s segre<strong>do</strong>s da natureza ensejaram ao homem aposição de arrogância e de ambição desmedidas que caracterizam omun<strong>do</strong> ocidental contemporâneo. E o desenvolvimento científicotecnológicosubmeti<strong>do</strong> ao controle <strong>do</strong> capital para efeitos de produçãoe criação de riquezas artificiais, desembocou nessa lamentável“coisificação” da natureza e <strong>do</strong>s seus encantos.No mesmo senti<strong>do</strong>, Silva (2002) discorre acerca dascausas <strong>do</strong> desequilíbrio ambiental, apontan<strong>do</strong>-as como nomeadamentegrupo é de 85,2%. Por outro la<strong>do</strong>, os 50% mais pobres <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> detêm apenas 1%da riqueza global.” In Personal Wealth From a Global Perspective (Riqueza pessoala partir de uma perspectiva global). Disponível em:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/03/090324_desigualdadeestu<strong>do</strong>_rw.shtml. Acesso em 14/10/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


173antropocêntricas, visto que os sistemas político, econômico e jurídiconormativoprivilegiam a concentração <strong>do</strong>s recursos ambientais nopatrimônio de alguns sujeitos. Além disso, continua Silva (2002, p.42- 43):A tutela <strong>do</strong>s recursos ambientais para as geraçõesfuturas dentro <strong>do</strong> modelo econômico que se tem seráuma tutela seletiva, pois as gerações que estarãogarantidas serão aquelas que descenderam <strong>do</strong>scontrola<strong>do</strong>res <strong>do</strong> ambiente, <strong>do</strong>s meios de produção. Agarantia <strong>do</strong> meio ambiente equilibra<strong>do</strong> para as futurasgerações é dependente <strong>do</strong>s mecanismos de acesso aosrecursos, pois o que se tem até aqui é um acessodesigual. Este acesso desigual se traduz em diferentesgraus de consumo, em que cidadãos de países ricosconsomem muito mais que cidadãos de países pobres,cidadãos ricos de países pobres consomem muito mais<strong>do</strong> que os cidadãos pobres de países pobres.Deparan<strong>do</strong>-se com os da<strong>do</strong>s estatísticos, constata-se quenenhuma das declarações acima expostas é exagerada o suficiente paraextrapolar a conjuntura real. Senão, vejamos:Por ocasião da Conferência “Energia para To<strong>do</strong>s –investin<strong>do</strong> no acesso aos pobres”, realizada em outubro de 2010 emOslo (Noruega), a ONU e a Agência Internacional de Energiaapresentaram um relatório apontan<strong>do</strong> que mais da metade dapopulação mundial não tem acesso a formas limpas de geração deenergia.O Secretário-Geral das Nações Unidas, BAN KI-MOON,advertiu que “a energia não deve ser apenas universal, mas tambémlimpa e sustentável” e que “A falta de energia é uma ameaça para asR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


174ODMs 5 . Impede o crescimento e a geração de emprego. Exigimos umamudança radical nas práticas atuais”.Além da difícil situação no campo das energias, há outrocomponente natural tão indispensável quão ameaça<strong>do</strong>: a água.Em junho de 2011, a Agência das Nações Unidas paraAgricultura e Alimentação – FAO, sediada em Roma, apresentou oRelatório “Mudança Climática, Água e Segurança Alimentar”,informan<strong>do</strong> que uma proporção de <strong>do</strong>is terços da população <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>deve enfrentar escassez de água dentro de 20 anos. Isto porque oconsumo de água <strong>do</strong>brou em relação ao crescimento populacional noúltimo século, pouco mais de um bilhão de pessoas em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>já não têm acesso a água limpa suficiente para suprir suasnecessidades básicas diárias e mais de 2,5 bilhões não tem saneamentobásico adequa<strong>do</strong>. 6Posto isto, observa-se que um <strong>do</strong>s maiores desafios <strong>do</strong>século XXI será a construção de uma nova consciência ecológica, com________________5 A sigla ODM corresponde aos 8 Objetivos <strong>do</strong> Milênio traça<strong>do</strong>s no ano de 2000pela ONU, após analisar os maiores problemas mundiais, que são: 1) Acabar com afome e a miséria; 2) Educação básica de qualidade para to<strong>do</strong>s; 3) Igualdade entresexos e valorização da mulher; 4) Reduzir a mortalidade infantil; 5) Melhorar asaúde das gestantes; 6) Combater a AIDS, a Malária e outras <strong>do</strong>enças; 7) Qualidadede vida e respeito ao meio ambiente; e 8) To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> trabalhan<strong>do</strong> pelodesenvolvimento. Disponível em: http://www.onu.org.br/revolucao-de-energiaslimpase-crucial-diz-secretario-geral.Acesso em 10/10/2011.6 Relatório “Mudança Climática, Água e Segurança Alimentar”. Disponível em:http://www.onu.org.br/escassez-de-agua-afetara-seguranca-alimentar-alertarelatorio-da-fao/.Acesso em: 13/10/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


175o rompimento da visão antropocentrista para outra biocêntrica, deforma que possibilite o surgimento uma ética da vida que só emergiráse houver previamente uma ambiência que permita sua formulação.Somente uma nova consciência ética pode resgatar anatureza, refém da arrogância humana. Ela é a ferramenta parasubstituir o deforma<strong>do</strong> antropocentrismo num saudável biocentrismo.Visão biocêntrica, fundada sobre quatro alicerces/convicções(NALINE, 2010, p. 2-3):a) A convicção de que os homens sãomembros da comunidade de vida na Terra da mesmaforma e nos mesmos termos que qualquer outra coisaviva é membro de tal comunidade;b) Convicção de que a espécie humana,assim como todas as outras espécies, são elementosintegra<strong>do</strong>s em um sistema de interdependência; emassim sen<strong>do</strong>, a sobrevivência de cada coisa viva, bemcomo suas chances de viver bem ou não, sãodeterminadas não somente pelas condições físicas deseu meio ambiente, mas também por suas relações comoutros seres vivos;c) A convicção de que to<strong>do</strong>s os organismossão centros teleológicos de vida, no senti<strong>do</strong> de quecada um é um indivíduo único, possuin<strong>do</strong> seus própriosbens em seu próprio caminho;d) A convicção de que o ser humano não éessencialmente superior às outras coisas vivas.Esse é o verdadeiro senti<strong>do</strong> de um existir em comunidade.A existência em comunidade significa que cada parte é essencial parao bem-estar de to<strong>do</strong>s. Assim sen<strong>do</strong>, cada elemento tem valor para simesmo e para os outros.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


Pondera-se que a própria vida de uma forma em geral,guarda consigo o elemento dignidade, ainda mais quan<strong>do</strong> adependência entre espécies naturais é cada vez mais reiterada noâmbito cientifico, consagran<strong>do</strong> o que Fritjof Capra (1996) denominou“teia da vida”.Nesse prisma, quanto mais estudamos os principaisproblemas de nossa época, mais somos leva<strong>do</strong>s a perceber que elesnão podem ser entendi<strong>do</strong>s isoladamente. São problemas sistêmicos, oque significa que estão interliga<strong>do</strong>s e são interdependentes.O valor da natureza é inestimável, mas os dirigentes eeconomistas, diariamente, teimam em ignorar estas circunstâncias.Aqueles que cortam uma parte de uma floresta, ten<strong>do</strong> em vista seuvalor de merca<strong>do</strong>, ignoram o valor da floresta no controle da erosão,purificação da água ou habitat para os pássaros canoros das espéciesmigratórias 7 .Em síntese, essa nova forma de se olhar o mun<strong>do</strong> busca oequilíbrio entre o que seja positivo no mun<strong>do</strong> de hoje, masconsideran<strong>do</strong> fundamentalmente as raízes naturais de nossa existência,seguin<strong>do</strong> um caminho que vise à prevenção <strong>do</strong>s recursos naturais paraas presentes e futuras gerações e proporcionan<strong>do</strong> um desenvolvimentosustentável e uma trabalho decente, com qualidade de vida, para________________7 RESSOURCES Mondiales: 2000-2001. Les hommens et lês ècosystèmes. Institutde Ressources mondiales, p.21-22, apud AZEVEDO, Plauto Faraco de.Ecocivilização: ambiente e direito no limiar da vida, op. cit., p. 92.176R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


to<strong>do</strong>s. Nesta perspectiva, surgiu um novo conceito de trabalhodecente: os empregos verdes.1773.2.<strong>Trabalho</strong> decenteO conceito de <strong>Trabalho</strong> Decente foi introduzi<strong>do</strong> pela OIT,em 1999, quan<strong>do</strong> o tema foi debati<strong>do</strong> pela primeira vez na 87ªConferência Internacional <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> e significa a garantia deemprego produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança edignidade. 8A OIT acrescenta, ainda, que o trabalho decente deve ser oponto de convergência de quatro objetivos estratégicos: 1) respeito aosdireitos no trabalho (liberdade sindical, eliminação de todas as formasde trabalho força<strong>do</strong>, abolição efetiva <strong>do</strong> trabalho infantil e eliminaçãode todas as formas de discriminação em matéria de emprego eocupação); 2) promoção <strong>do</strong> emprego produtivo e de qualidade; 3)extensão da proteção social; e 4) fortalecimento <strong>do</strong> diálogo social. 9Para se garantir uma atividade decente e produtiva emcondições de liberdade, em primeiro lugar, há que se garantir umpadrão salarial mínimo para que não ocorra a escravidão econômica________________8Disponível em: http://www.oit.org.br/agenda_trabalho_decente. Acesso em:14/10/2011.9Disponível em: http://www.oit.org.br/content/o-que-e-trabalho-decente. Acessoem: 14/10/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


178velada, onde vários trabalha<strong>do</strong>res aceitam laborar na informalidade,com reduzi<strong>do</strong>s direitos e garantias, simplesmente porque não têmopção. E optar entre sobreviver em condições ruins ou não sobrevivernão pode ser considera<strong>do</strong> propriamente como uma escolha. 10Só a partir de então, com um padrão mínimo existencialgaranti<strong>do</strong>, será possível falar em condições de equidade no trabalho. Aliberdade em desenvolver o seu trabalho, e a equidade em ser avalia<strong>do</strong>e remunera<strong>do</strong> por tanto, garante ao trabalha<strong>do</strong>r um valor socialintrínseco. Pari passu, deve ser combatida a situação em que a mão deobra é remunerada de forma injustamente diferenciada, tal comoacontece com a diferença entre o padrão remuneratório <strong>do</strong>s homens emulheres ou <strong>do</strong>s brancos e negros. 11As condições ambientais <strong>do</strong> trabalho devem seradequadamente estruturadas para proporcionar saúde e segurança aotrabalha<strong>do</strong>r, cuja integração como componente <strong>do</strong> processo produtivo________________10 Registre-se que 40% de toda a força de trabalho mundial estão condena<strong>do</strong>s a viverem situação de extrema pobreza em razão da baixa renda, ou seja, 1,3 bilhão depessoas – da<strong>do</strong>s da OIT.11 “Os indica<strong>do</strong>res de rendimento revelam desigualdades de sexo e cor no merca<strong>do</strong>de trabalho. Apesar de mais escolarizadas <strong>do</strong> que os homens, as mulheres recebiam,em média, cerca de 70% <strong>do</strong> rendimento <strong>do</strong>s homens em 2000. (...) Quan<strong>do</strong> se cruzaos da<strong>do</strong>s referentes à cor e sexo, o quadro é ainda pior para as mulheres pretas oupardas, alvo de dupla discriminação. Em 2000, as mulheres pretas e pardas recebiam51% <strong>do</strong> rendimento médio auferi<strong>do</strong> pelas mulheres de cor branca.” Informações <strong>do</strong>IBGE. Disponível em:http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=605&id_pagina=1. Acesso em: 13/10/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


179e igualmente ser social ativo fornece-lhe o direito de ser trata<strong>do</strong> comdignidade e decência.Somente com a salvaguarda de to<strong>do</strong>s esses direitos épossível falar em trabalho efetivamente decente.O trabalho decente satisfaz as aspirações das pessoas emsuas vidas profissionais – por oportunidades e renda; direitos,participação e reconhecimento; estabilidade familiar edesenvolvimento pessoal; justiça e igualdade de gênero. Em últimaanálise, essas diferentes dimensões <strong>do</strong> trabalho decente constituem abase para que a paz seja efetivamente estabelecida em comunidades ena sociedade. O trabalho decente é essencial nos esforços volta<strong>do</strong>s àredução da pobreza e é um meio de se alcançar um desenvolvimentosustentável equitativo e inclusivo.Mas não é isso o que vem ocorren<strong>do</strong> no plano <strong>do</strong>s fatos.Segun<strong>do</strong> os da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Anuário Estatístico da PrevidênciaSocial, em 2001, ocorreram no país cerca de 340 mil acidentes detrabalho. Em 2007, o número elevou-se para 653 mil e, em 2009,chegou a preocupantes 723 mil ocorrências, dentre as quais foramregistra<strong>do</strong>s 2.496 óbitos. Ou seja, são quase sete mortes por dia emvirtude de acidente de trabalho. Além da <strong>do</strong>lorosa perda de vidashumanas, os acidentes e <strong>do</strong>enças <strong>do</strong> trabalho causam relevanteimpacto orçamentário: a Previdência Social despende anualmenteR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


180aproximadamente R$ 10,7 bilhões com o pagamento de auxílio<strong>do</strong>ença,auxílio-acidente e aposenta<strong>do</strong>rias. 12Saliente-se que tais números abrangem apenas ostrabalha<strong>do</strong>res que são formalmente contrata<strong>do</strong>s, o que significa que oquantitativo acima exposto pode duplicar. Em abril de 2011, oInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA divulgou umcomunica<strong>do</strong> informan<strong>do</strong> que mais da metade da populaçãoeconomicamente ativa <strong>do</strong> Brasil está trabalhan<strong>do</strong> na informalidade (41milhões ocupam postos formais, ao passo em que 47,7 milhões estãoem postos informais de trabalho). 13Diante de tal quadro, o <strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> e oConselho Superior da Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, em parceria com oMinistério da Saúde, o Ministério da Previdência Social, o Ministério<strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> e Emprego e a Advocacia-Geral da União, lançaram, emmaio de 2011, o Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de<strong>Trabalho</strong>, que objetiva a formulação e execução de programas e açõesnacionais voltadas à prevenção de acidentes de trabalho e aofortalecimento da Política Nacional de Segurança e Saúde no<strong>Trabalho</strong>. 14________________12BRASIL. Anuário Estatístico da Previdência Social. Disponível em:http://mpas.gov.br/conteu<strong>do</strong>Dinamico.php?id=990. Acesso em: 10/10/2011.13 Disponível em:http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunica<strong>do</strong>/110427_comunica<strong>do</strong>ipea88.pdf. Acesso em: 18/10/2011.14 Disponível em: http://www3.tst.jus.br/prevencao/. Acesso em: 13/07/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


181Tal Plano de Ação compreende as seguintes atividades:criação de comitê interinstitucional, com representantes indica<strong>do</strong>spelas instituições parceiras, ten<strong>do</strong> como objetivo propor, planejar eacompanhar os programas e ações pactua<strong>do</strong>s; implementação depolíticas públicas permanentes em defesa <strong>do</strong> meio ambiente, dasegurança e da saúde no trabalho, fortalecen<strong>do</strong> o diálogo social;promoção de estu<strong>do</strong>s e pesquisas sobre causas e consequências <strong>do</strong>sacidentes de trabalho no Brasil, a fim de auxiliar na prevenção e naredução <strong>do</strong>s custos sociais, previdenciários, trabalhistas e econômicosdecorrentes; fomentar a ações educativas e pedagógicas a fim desensibilizar a sociedade civil e as instituições públicas e privadassobre a necessidade de combate aos riscos no trabalho e de efetividadedas normas e das convenções internacionais ratificadas pelo Brasilsobre segurança, saúde <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res e meio ambiente de trabalho;e a criação de banco de da<strong>do</strong>s comum com as instituições parceiras,com informações necessárias ao alcance <strong>do</strong> objeto <strong>do</strong> Programa.Embora bem intenciona<strong>do</strong>s, os órgãos <strong>do</strong> Poder Judiciário,na ampla maioria <strong>do</strong>s casos, não logram êxito no efetivo combate àviolação da saúde e da segurança <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r.Isto porque se o objetivo é prevenir, as decisões proferidasnas ações reparatórias, cada vez mais numerosas, não cumprem ocaráter pedagógico/inibitório da sanção, pois há aumento gradual daocorrência de acidentes e a<strong>do</strong>ecimento no ambiente laboral. Casocumprisse, a ação ajuizada por um trabalha<strong>do</strong>r seria suficiente para aR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


182empresa cumprir as normas de saúde e segurança em relação a to<strong>do</strong>sos demais emprega<strong>do</strong>s, o que não ocorre de fato. Resulta<strong>do</strong> disso é aconcentração de acidentes e <strong>do</strong>enças em empresas já tão conhecidaspela prática repetitiva de afronta à lei.Vale ressaltar que apenas uma pequena parte <strong>do</strong>strabalha<strong>do</strong>res lesiona<strong>do</strong>s chega ao Poder Judiciário, consideran<strong>do</strong>-se oestigma social da famigerada “lista negra” <strong>do</strong> Judiciário Trabalhista.Se uma empresa viola<strong>do</strong>ra das normas de saúde esegurança <strong>do</strong> trabalho somente é responsabilizada quan<strong>do</strong> o acidenteou <strong>do</strong>ença ocorre, e mais, apenas quan<strong>do</strong> o trabalha<strong>do</strong>r se dispõe aajuizar uma ação no Poder Judiciário, e tão-só quan<strong>do</strong> o processo ésatisfatoriamente instruí<strong>do</strong>, tal “responsabilidade” está a demonstrar agrande vantagem <strong>do</strong> contumaz viola<strong>do</strong>r em continuar descumprin<strong>do</strong>normas.E tu<strong>do</strong> isso apenas no âmbito da responsabilização civil.Quan<strong>do</strong> adentramos na responsabilização penal, o quadroé mais grave. Não se tem notícia de alguma sociedade empresarialpunida por descumprir normas de saúde e segurança no meio ambiente<strong>do</strong> trabalho.O fato é que há crime tipifica<strong>do</strong> em lei, a despeito daimpunidade.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


183O art. 132 <strong>do</strong> Código Penal 15 , relativo ao crime de perigo,objetivou originariamente a prevenção de acidentes <strong>do</strong> trabalho. Naexposição de motivos da Parte Especial <strong>do</strong> Código Penal encontramosa seguinte justificativa: “O exemplo frequente e típico dessa speciescriminal é o caso <strong>do</strong> empreiteiro que, para poupar-se ao dispêndio commedidas técnicas de prudência, na execução da obra, expõe o operárioao risco de grave acidente”.Rememore-se que o mero descumprimento das normas desegurança e higiene <strong>do</strong> trabalho também é contravenção penal (art. 19§ 2º, da Lei nº 8.213/91), e caso resulte em morte ou lesão <strong>do</strong>trabalha<strong>do</strong>r, pode haver enquadramento em homicídio culposo (art.121, § 3º) ou lesão corporal culposa (art. 129, § 6º) <strong>do</strong> administra<strong>do</strong>rresponsável pelo gerenciamento da atividade empresarial. No campo<strong>do</strong>s crimes contra a organização <strong>do</strong> trabalho (Título IV <strong>do</strong> CódigoPenal), há o crime de frustração de direito assegura<strong>do</strong> por leitrabalhista (art. 203). 16Em interessante artigo sobre a competência da Justiça <strong>do</strong>________________15 “Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vidaou da saúde de outrem a perigo decorre <strong>do</strong> transporte de pessoas para a prestação deserviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacor<strong>do</strong> com as normaslegais.”16 Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegura<strong>do</strong> pelalegislação <strong>do</strong> trabalho: Pena - detenção de um ano a <strong>do</strong>is anos, e multa, além da penacorrespondente à violência.”R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


184<strong>Trabalho</strong> em matéria criminal, Martinez questiona o porquê de oacidente automobilístico causa<strong>do</strong> por um motorista imprudente servisto como um crime e o acidente de trabalho causa<strong>do</strong> por umemprega<strong>do</strong>r negligente não o ser, quan<strong>do</strong> os da<strong>do</strong>s demonstram queocorrem mais acidentes de trabalho que resultam em vítimasincapacitadas <strong>do</strong> que acidentes de trânsito. 17 O maior quantitativorepresenta a maior lesividade social <strong>do</strong> acidente de trabalho.Deparamo-nos com o fato de que já não é tão maislucrativo para a sociedade permanecer em circunstâncias dea<strong>do</strong>ecimento <strong>do</strong> meio ambiente e <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, eis que, conformerelatório da OIT, “Em muitos casos, os custos ambientais e de saúde já________________17 Os números de acidentes de trabalho são muito superiores aos de acidente detrânsito, no entanto a atenção dispensada a cada um deles, em âmbito penal, édiversa e até mesmo invertida. Com efeito, pelas estatísticas apontadas, o número devítimas não fatais no trânsito em 2006 foi de 404.000, enquanto os acidentes detrabalho no mesmo ano atingiram um total de vítimas não fatais de 556.311. É certoque o número de mortes em caso de acidente de trabalho é inferior, mas no quetange a lesões corporais (mutilações de toda ordem, lesões por esforço repetitivo,etc.), o número é preocupante, sobretu<strong>do</strong> pelo seu impacto social, ten<strong>do</strong> em vista quecomumente as vítimas não obtêm uma recolocação adequada no merca<strong>do</strong> e passam asobreviver às expensas <strong>do</strong> sistema previdenciário. Constata-se, na verdade, umaomissão generalizada em relação a esta realidade. A cada dia, milhares de mutila<strong>do</strong>sbatem à porta da Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> em busca de indenização e, como a reprovaçãoda conduta se resume ao aspecto financeiro, muitas empresas arcam com tal ônussem se preocuparem na estruturação de um meio ambiente laboral mais seguro aosseus emprega<strong>do</strong>s. Ainda que o delito seja comunica<strong>do</strong> ao Ministério Público, não setem ainda uma mentalidade que vê na figura <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r negligente a de umcriminoso, tal qual se construiu a respeito <strong>do</strong> motorista imprudente (MARTINEZ,Renato de Oliveira. Competência da justiça <strong>do</strong> trabalho em matéria criminal. Rev.LTr , São Paulo, p. 603-615, maio 2011).R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


185superam os ganhos da atividade econômica que os gerou”. 18Por fim, resta apenas dizer que, caso o ordenamentojurídico não seja rápi<strong>do</strong> o suficiente para acompanhar as estatísticassociais, estas é que não aguardarão a solução, ainda mais quan<strong>do</strong> setrata de crescente piora <strong>do</strong> quadro social.Quanto ao tratamento para amenizar esta grave patologiasocial, há fácil deslinde: somente um trabalha<strong>do</strong>r livre, trata<strong>do</strong> comequidade, em ambiente seguro e saudável poderá ter um tratamentocondizente com a sua condição humana. Fora isso, a organizaçãosócio-jurídica não mais se justifica.3.3.Normas constitucionais a respeito <strong>do</strong> temaA Constituição da República impõe que a ordemeconômica seja fundada na valorização <strong>do</strong> trabalho humano, ten<strong>do</strong> porfim assegurar a to<strong>do</strong>s existência digna, conforme os ditames da justiçasocial (art. 170).A atividade econômica só poderia ser desenvolvida serespeitasse, dentre outros, os princípios da função social dapropriedade, da defesa <strong>do</strong> meio ambiente e da busca <strong>do</strong> pleno emprego(art. 170, III, VI e VIII).________________18 Disponível em:http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/green_job/pub/empregos_verdes_rumos_257.pdf. Acesso em 13/10/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


186A função social da propriedade rural teve especial atençãopela Magna Carta quan<strong>do</strong> esta afirmou que somente seria cumpridaquan<strong>do</strong> atendesse, simultaneamente, aos requisitos de utilizaçãoadequada <strong>do</strong>s recursos naturais disponíveis e preservação <strong>do</strong> meioambiente, observância das disposições que regulam as relações detrabalho e de exploração que favoreça o bem-estar <strong>do</strong>s proprietários e<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res (art. 186, II, III, IV).A preocupação com o desenvolvimento <strong>do</strong> trabalho emcondições ambientais seguras é demonstrada também quan<strong>do</strong> aConstituição determina que o Esta<strong>do</strong>, na qualidade de fiscal,incentiva<strong>do</strong>r e planeja<strong>do</strong>r da atividade econômica, favorecerá aorganização da atividade garimpeira em cooperativas, levan<strong>do</strong> emconta a proteção <strong>do</strong> meio ambiente e a promoção econômico-social<strong>do</strong>s garimpeiros (art. 174, § 3º).Além disso, estabelece como requisito da lei que instituircontribuição de intervenção no <strong>do</strong>mínio econômico relativa àsatividades de importação ou comercialização de petróleo e seusderiva<strong>do</strong>s, gás natural e seus deriva<strong>do</strong>s e álcool combustível, que osrecursos arrecada<strong>do</strong>s sejam destina<strong>do</strong>s ao financiamento de projetosambientais relaciona<strong>do</strong>s com a indústria <strong>do</strong> petróleo e <strong>do</strong> gás (art. 177,§ 4º, II, “b”).A inclusão <strong>do</strong> meio ambiente de trabalho como um <strong>do</strong>scomponentes <strong>do</strong> meio ambiente em geral é expressamente descrita naConstituição da República, quan<strong>do</strong> estabelece que, ao Sistema ÚnicoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


187de Saúde compete, além de outras atribuições, colaborar na proteção<strong>do</strong> meio ambiente, nele compreendi<strong>do</strong> o <strong>do</strong> trabalho (art. 200, VIII).Por último, é inequívoco o art. 225, quan<strong>do</strong> proclama que“to<strong>do</strong>s têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibra<strong>do</strong>, bemde uso comum <strong>do</strong> povo e essencial à sadia qualidade de vida,impon<strong>do</strong>-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo epreservá-lo para as presentes e futuras gerações”.4. EMPREGOS VERDES4.1.O programa lança<strong>do</strong> pela OITOs empregos verdes se tornaram uma espécie de emblemaem economias e sociedades mais sustentáveis, capaz de preservar omeio ambiente para as atuais e futuras gerações e garantir maisequidade e inclusão para os trabalha<strong>do</strong>res. 19O trabalho da Organização Internacional <strong>do</strong> Trabalha<strong>do</strong>r –OIT sobre empregos verdes surgiu a partir da Iniciativa EmpregosVerdes, estabelecida em 2007 em parceria com o Programa dasNações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a Confederação________________19PNUMA; OIT; OIE; CSI. Empregos verdes: rumo ao trabalho decente em ummun<strong>do</strong> sustentável e com baixas emissões de caborno. Brasília: OIT, 2009.Disponívelem:http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/green_job/pub/empregos_verdes_rumos_257.pdf. Acesso em: 09/06/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


Sindical Internacional (CSI). A Organização Internacional deEmprega<strong>do</strong>res (OIE), que reúne o patronato, se uniu à IniciativaEmpregos Verde em 2008.Assim, em junho de 2009 em Genebra, durante a 98ªConferência Internacional <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> foi lança<strong>do</strong> pela OIT o“Programa de Empregos Verdes” 20 , que traz em seu relatório apromessa de que a humanidade saberá enfrentar os <strong>do</strong>is desafiosdefinitivos <strong>do</strong> século XXI:O primeiro é prevenir a perigosa mudança climática e umadeterioração <strong>do</strong>s recursos naturais que compromete seriamente aqualidade de vida das gerações presentes e futuras. Na medida em quea qualidade de vida está estritamente ligada ao respeito ao meioambiente, não existe qualidade de vida se não houver preservação <strong>do</strong>meio em que se vive.O segun<strong>do</strong> desafio é proporcionar desenvolvimento sociale um trabalho decente para to<strong>do</strong>s. Isto inclui elevar mais de 1,3 bilhãode pessoas, quatro de cada dez trabalha<strong>do</strong>res no mun<strong>do</strong> e suas família,acima da linha da pobreza e oferecer oportunidades de empregodecente aos 500 milhões de jovens que ingressarão no merca<strong>do</strong> detrabalho durante os próximos 10 anos. Isto também significa o acessoa formas modernas de energia para 1,6 bilhão de pessoas que ainda________________20Programa de empregos verdes da OIT: trabalho decente com baixa emissão decarbono. Disponível em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_dialogue/---lab_admin/<strong>do</strong>cuments/presentation/wcms_150293.pdf. Acesso em 09/06/2011.188R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


189não as tem, bem como moradia digna e um sistema de saneamentopara mais de 1 bilhão de habitantes <strong>do</strong>s bairros pobres nasmegacidades globais.Estes <strong>do</strong>is desafios estão intimamente relaciona<strong>do</strong>s e nãomais podem ser enfrenta<strong>do</strong>s separadamente.Neste prisma, ressalta o relatório produzi<strong>do</strong> pela PNUMA,quan<strong>do</strong> aborda os desafios acima cita<strong>do</strong>s:Para compatibilizar crescimento econômico edesenvolvimento com a estabilização <strong>do</strong> clima e umpadrão ambiental sustentável, será necessária umamudança drástica rumo a um desenvolvimento limpo e àeconomias verdes com baixas emissões de carbono emto<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>. Isso exigirá de economias e sociedadesuma segunda grande transformação, tão significativaquanto a primeira, ocasionada pela revolução industrial.Nesse senti<strong>do</strong>, o crescimento verde e o desenvolvimentolimpo representam uma alternativa duplamentefavorável: tanto para o meio ambiente como para odesenvolvimento econômico. Uma atençãorelativamente pequena e superficial tem si<strong>do</strong> dispensadaà dimensão social <strong>do</strong> desenvolvimento sustentável,sobretu<strong>do</strong> às suas implicações para o emprego e otrabalho decente. 21No que tange à degradação ambiental, continua:A degradação ambiental, que inclui a poluição da água,da terra e <strong>do</strong> ar, a perda irreversível de biodiversidade ea deterioração e exaustão de recursos naturais como aágua, terras férteis e peixes, é um <strong>do</strong>s fatores que mais________________21PNUMA; OIT; OIE; CSI, op. cit., p. 9.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


190ameaça o desenvolvimento econômico e sustentávelmais amplo. Em muitos casos, os custos ambientais e desaúde já superam os ganhos da atividade econômica queos gerou.No futuro, essa degradação será intensificada pelasmudanças climáticas, que já estão sen<strong>do</strong> sentidas emmuitos países em desenvolvimento. No médio a longoprazo, as mudanças climáticas previstas ocasionarão, emto<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, uma séria ruptura da atividadeeconômica e social em muitos setores. As projeçõescientíficas para evitar mudanças climáticas perigosas sepossivelmente inadministráveis pressupõem que asemissões globais de gases de efeito estufa atinjam seuápice nos próximos 10 a 15 anos e, subsequentemente,sejam reduzidas em 50% até a metade <strong>do</strong> século. Paraque o clima seja estabiliza<strong>do</strong>, será necessária umarápida mudança para uma economia mundial de baixocarbono. 22No que se refere ao desafio social, adverte:________________22PNUMA; OIT; OIE; CSI, op. cit., p. 9.O desafio social é estarrece<strong>do</strong>r: nada menos que 1,3bilhão de pessoas, mais de 40% da força de trabalhomundial, e seus familiares estão condena<strong>do</strong>s a viver emsituação de pobreza e insegurança porque sua renda ébaixa demais deixan<strong>do</strong>-os relega<strong>do</strong>s à economiainformal.Há 190 milhões de pessoas desempregadas e dezenas demilhões de jovens em busca de um emprego que nãoconseguem encontrar um lugar na sociedade.Além de essenciais para a produção e geração deriqueza, os merca<strong>do</strong>s de trabalho também sãofundamentais para garantir a sua distribuição. A renda<strong>do</strong> trabalho desempenha um papel fundamental naredução da pobreza e na repartição <strong>do</strong>s benefíciosproporciona<strong>do</strong>s pelo crescimento econômico. Além deseu papel econômico fundamental para países,R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


191empresas, famílias e indivíduos, o trabalho permite queas pessoas construam identidades, participem econtribuam para o desenvolvimento da sociedade. Poressa razão, o emprego remunera<strong>do</strong> e o trabalho decentesão fundamentais para garantir coesão e estabilidadesociais.Os empregos verdes e o fomento de uma economia verdeconstituem atualmente os propulsores chaves em direção a umdesenvolvimento econômico e social que também seja sustentávelambientalmente.Por conseguinte, pode-se conceituar emprego verde comotoda atividade ligada à tecnologia ambiental, relacionada à indústria,construção civil, fontes de energia renováveis, serviços, turismo eagricultura que contribuam substancialmente para a preservação ourestauração da qualidade <strong>do</strong> meio ambiente; atividades que sejamambientalmente sustentáveis.Dessa forma, empregos verdes são postos de trabalhodecente em atividades econômicas que contribuam significativamentepara reduzir emissões de carbono e/ou para melhor/conservar aqualidade ambiental. Possuem as seguintes características: a) ajudam aproteger ecossistemas e biodiversidade; b) reduzem o consumo deenergia, materiais e água mediante a utilização de estratégias de altaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


192eficiência; c) descarbonizam a economia; e d) minimizam ou evitampor completo a geração de todas as formas de lixo e poluição. 23Em síntese, a idéia que melhor representa o conceito deempregos verdes, pode ser representada na seguinte fórmula:ATIVIDADES AMBIENTALMENTE SUSTENTÁVEIS +TRABALHO DECENTE = EMPREGOS VERDES.Os empregos verdes reduzem o impacto das empresas e<strong>do</strong>s setores econômicos no meio ambiente a níveis que sejamsustentáveis. Além disso, contribuem para diminuir a necessidade deenergia e matérias-primas, evitar as emissões de gases de efeito estufa,reduzir ao mínimo os resíduos e a contaminação, bem comorestabelecer os serviços <strong>do</strong> ecossistema como a água pura e a proteçãoda biodiversidade.Para a identificação <strong>do</strong>s empregos verdes utilizam-se osseguintes indica<strong>do</strong>res: 24decente);a) <strong>Trabalho</strong> formal (como indica<strong>do</strong>r de trabalho________________23AGENDA Bahia <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> Decente: empregos verdes. Disponível em:http://www.fieb.org.br/institucional/conselhos/cores/arquivos/Empregos_Verdes.pdfAcesso em: 04/04/2011.24SALSA, Carol. Emprego verde que te quero ver decente no Brasil. Disponível em:http://www.ecodebate.com.br/2009/12/15/emprego-verde-que-te-quero-ver-decenteno-brasil-artigo-de-carol-salsa/.Acesso em 08/06/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


193b) Impactos ambientais <strong>do</strong> produto final dasatividades econômicas;c) Impactos ambientais <strong>do</strong>s processos deprodução; ed) Contribuição para a mudança <strong>do</strong>s padrões<strong>do</strong>minantes de produção e consumo na direção de:I. Maximização da eficiênciaenergética e substituição de combustíveisfósseis por fontes renováveis;II. Valorização, racionalização <strong>do</strong> usoe preservação <strong>do</strong>s recursos naturais e <strong>do</strong>sativos ambientais;III. Aumento da durabilidade ereparabilidade <strong>do</strong>s produtos e instrumentos deprodução;IV. Redução da geração, recuperação ereciclagem de resíduos e materiais de to<strong>do</strong>s ostipos;V. Prevenção e controle de riscosambientais e da poluição visual, sonora, <strong>do</strong> ar,da água e <strong>do</strong> solo;VI. Diminuição e encurtamento <strong>do</strong>sdeslocamentos espaciais de pessoas e cargas.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


1944.2.Casos práticosNovos postos de trabalho estão sen<strong>do</strong> desenvolvi<strong>do</strong>s coma nova estruturação econômica <strong>do</strong>s setores <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> volta<strong>do</strong>s para apreservação <strong>do</strong> meio ambiente.Os setores da economia onde mais tem cresci<strong>do</strong> o númerode empregos verdes são: desenvolvimento de tecnologias limpas,informação e biotecnologia. 25A rentabilidade econômica na utilização de energiasrenováveis (energia limpa) tem si<strong>do</strong> demonstrada e prova disto é acrescente procura de empresas estrangeiras interessadas em investirem localidades propícias à sua produção. 26No Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte, por exemplo, aocorrência de audiências entre órgãos governamentais e empresasestrangeiras com vistas à exploração de energias renováveis,principalmente energia eólica, está na pauta <strong>do</strong> dia. Segun<strong>do</strong> o cônsulhonorário alemão Axel Geppert, os projetos de energia renováveis e astecnologias ambientais no Rio Grande <strong>do</strong> Norte são os que maisdespertam o interesse <strong>do</strong>s alemães. 27________________25 PNUMA; OIT; OIE; CSI, op. cit., p. 23.26Os investimentos mundiais em tecnologias limpas aumentaram 60% — de US$92,6 bilhões em 2006 para US$ 148,4 bilhões em 2007 — e, atualmente, diversasempresas importantes em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> têm planos de investir em soluçõesclimáticas. Ob. cit. pág. 32.27 Disponível em:R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


195Interessante notar que nem to<strong>do</strong>s os empregos verdes sãogera<strong>do</strong>s em países desenvolvi<strong>do</strong>s economicamente. O relatório da OITapresenta interessante caso de Kibera (África Subsaariana) onde há o“Programa Comunitário para Jovens de Kibera”, que desenvolve umalinha de montagem de painéis solares de pequeno porte e baixo custo.Entre os países em desenvolvimento, o Quênia possui um<strong>do</strong>s maiores e mais dinâmicos merca<strong>do</strong>s de energia solar. Cerca de dezgrandes empresas importam energia solar fotovoltaica e estima-se queo número de técnicos em energia solar no país encontra-se entre 1.000e 2.000. O grande merca<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r deste tipo de energia advém<strong>do</strong>s <strong>do</strong>micílios particulares. 28No Brasil, a Bahia foi o Esta<strong>do</strong> brasileiro pioneiro naelaboração de uma Agenda de <strong>Trabalho</strong> Decente, ao lançar o eixo“Empregos Verdes” no dia 16 de março de 2010, no Auditório <strong>do</strong>Ingá, onde foram apresentadas as Linhas de Ação <strong>do</strong> Governo daBahia 29 :http://www.fiern.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=997:alemaes-visitam-rn-em-busca-de-negocios&catid=47:noticias&Itemid=50. Acesso em:13/10/2011.28 PNUMA; OIT; OIE; CSI, op. cit., p. 27.29 AGENDA Bahia <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> Decente: empregos verdes. Disponível em:http://www.fieb.org.br/institucional/conselhos/cores/arquivos/Empregos_Verdes.pdfAcesso em 04/04/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


1961. Matriz Energética: Apoiar a implantação desistemas destina<strong>do</strong>s à produção de energias renováveis e ao aumentoda eficiência energética.2. Saneamento básico: Fomentar projetos nasáreas de abastecimento de água, construção de redes e tratamento deesgoto sanitário, manejo de resíduos sóli<strong>do</strong>s e drenagem urbana.3. Reciclagem: Incentivar empresas ecooperativas que atuam no setor da reciclagem e comercialização deresíduos sóli<strong>do</strong>s.4. Proteção e recuperação <strong>do</strong> meio ambiente:Estimular a preservação, conservação e recuperação de recursosnaturais, incentivan<strong>do</strong> o uso de tecnologias de conservação <strong>do</strong> solo eágua, recomposição de matas ciliares e outros.5. Turismo Sustentável6. Fomentar prioritariamente projetossustentáveis de turismo, promover a sensibilização <strong>do</strong>s empresários ecapacitação de membros das comunidades para garantir asustentabilidade <strong>do</strong>s empreendimentos e <strong>do</strong>s recursos naturais eculturais locais.7. Pesquisa e Desenvolvimento: Ampliar osinvestimentos governamentais em pesquisa em energia, meioambiente, trabalho decente e desenvolvimento sustentável.8. Agricultura: Incentivar e monitorar atividadesrelacionadas à agricultura alternativa, orgânica, agroecologia,R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


197permacultura, sistemas agroflorestais e a organização de cooperativase associações da agricultura familiar.9. Construção civil: Fomentar odesenvolvimento de materiais, técnicas e processos de construçãosustentáveis, assim como a utilização das edificações para melhoria daeficiência energética, hídrica e o conforto ambiental.10. Economia solidária: Fomento às cooperativase associações da economia solidária na produção e comercialização deprodutos ambientalmente sustentáveis.Carol Salva enumera alguns pontos estratégicos, cita<strong>do</strong>sno relatório Empregos Verdes: por um <strong>Trabalho</strong> Decente em Mun<strong>do</strong>Sustentável, da OIT, que são:I. A projeção feita em um estu<strong>do</strong> cita<strong>do</strong> norelatório é que o merca<strong>do</strong> global para produtos e serviços ambientais<strong>do</strong>bre de 1,37 trilhões de dólares por ano para 2,74 trilhões até 2020.II. Metade desse merca<strong>do</strong> é baseada em eficiênciaenergética, transporte sustentável, suprimento de água, saneamento egestão de resíduos. Na Alemanha, por exemplo, a tecnologiaambiental deve quadruplicar para 16% da produção ambiental até2030, com a oferta de emprego nesse setor ultrapassan<strong>do</strong> a dasindustriais automotivas nacionais.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


198III. Setores que vão ser particularmenteimportantes em termos de seu impacto ambiental, econômico etrabalhista são o suporte de energia (em particular de energiarenovável), construções transportes, industriais de base, agricultura esilvicultura.IV. O terceiro maior setor em investimento decapital de risco é a de tecnologias limpas, fican<strong>do</strong> depois <strong>do</strong>s setoresde informação e biotecnologia nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, enquanto o capitalde risco verde na China mais <strong>do</strong> que <strong>do</strong>brou para 19% <strong>do</strong> investimentototal nos anos recentes.V. Na agricultura, 12 milhões podem seremprega<strong>do</strong>s para trabalhar com biomassa em geração de energia ouem industriais relacionadas. Em um país como a Venezuela, a misturade 10% de etanol nos combustíveis pode prover um bilhão deempregos no setor de cana-de-açúcar até 2012.VI. Uma transição mundial para construçõeseficientes em energia criaria milhões de postos de serviço, como“tornaria verdes” empregos já existentes para muitos <strong>do</strong>s estima<strong>do</strong>s111 milhões que trabalham no setor de construções.VII. Investimentos para melhorar a eficiênciaenergética nos prédios podem gerar de 2 a 3,5 milhões de empregosverdes só na Europa e nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, com um potencial muitomais alto nos países em desenvolvimento.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


199VIII. Atividades como reciclagem e gestão deresíduos empregam 10 milhões na China e 500.000 no Brasil hoje emdia.Não obstante a existência de iniciativas sustentáveis, asituação fática ainda é consideravelmente nefasta. Senão, vejamos:O Brasil é o líder mundial na reciclagem de latas dealumínio (cerca de 10,3 bilhões de latas foram coletadas no país noano de 2006). A reciclagem permite ao país economizar 1.976 GWhpor ano de eletricidade, que normalmente seriam necessários paraproduzir alumínio primário — um excedente de energia suficientepara fornecer eletricidade a uma cidade de mais de um milhão dehabitantes durante um ano inteiro. 30Embora a reciclagem de latas de alumínio ofereçaemprego a cerca de 170 mil pessoas no Brasil, não se pode dizer queisto seja um ganho social, pois esses trabalha<strong>do</strong>res não têm os seusdireitos sociais trabalhistas mínimos assegura<strong>do</strong>s.Um fator da alta informalidade é que a produção <strong>do</strong>s“cata<strong>do</strong>res de latinhas” (como são popularmente conheci<strong>do</strong>s osprofissionais no Brasil) tem si<strong>do</strong> explorada por intermedia<strong>do</strong>res queficam com a maior parte <strong>do</strong> lucro advin<strong>do</strong> com a reciclagem.Outro exemplo de trabalho que auxilia na recuperação eprevenção <strong>do</strong> meio ambiente, mas que, em contrapartida, não oferece________________30 PNUMA; OIT; OIE; CSI, op. cit., p. 31.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


200as condições decentes de trabalho, é o desenvolvi<strong>do</strong> no setor deprodução de biocombustíveis no Brasil, conheci<strong>do</strong> por habitualmenteviolar os direitos humanos e trabalhistas fundamentais <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>.É alarmante a quantidade de trabalha<strong>do</strong>res expostos a condiçõesinsalubres, precárias e jornadas exaustivas, com baixa remuneração.A FIAN (Fighting hunger with human rights), organizaçãode direitos humanos que trabalha em nível mundial pelo direitohumano à alimentação adequada, com status consultivo perante aONU 31 , apresentou em julho de 2008 um relatório produzi<strong>do</strong> emcooperação com a Misereor, a Pão para o Mun<strong>do</strong>, ICCO&Kerkinactie,EED, HEKS e FIAN Netherlands, cujo título foi assim designa<strong>do</strong> “OsAgrocombustíveis no Brasil - Informe da Missão de Investigaçãosobre os impactos das políticas públicas de incentivo aosagrocombustíveis sobre o desfrute <strong>do</strong>s direitos humanos àalimentação, ao trabalho e ao meio ambiente, das comunidadescampesinas e indígenas e <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res rurais no Brasil”. 32Neste relatório, a estatística concernente à ocorrência deóbitos de trabalha<strong>do</strong>res expostos à exaustão no trabalho <strong>do</strong> corte de________________31 Disponível em: http://www.fian.org/about-us/introduction. Acesso em 13/10/2011.32 Relatório disponível em:http://www.observatorio<strong>do</strong>agronegocio.com.br/page41/files/InfFianAgrocfinal.pdf.Acesso em 13/10/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


cana no setor canavieiro paulista foi apresentada com nome,sobrenome e local de sepultamento. 33201________________33 BREVE HISTÓRICO DE CORTADORES DE CANA MORTOS NO SETORCANAVIEIRO PAULISTA. CASOS DE 2004: 1) José Everal<strong>do</strong> Galvão, 38 anos,natural de Araçuaí-MG, faleci<strong>do</strong> em abril de 2004, no hospital de Macatuba-SP.Causa da morte: parada cardiorrespiratória. Sepulta<strong>do</strong> em Araçuaí – MG. 2) MoisesAlves <strong>do</strong>s Santos, 33 anos, natural de Araçuaí-MG, faleci<strong>do</strong> em abril de 2004, nohospital de Valparaiso-SP. Causa da morte: parada cardiorrespiratória. Sepulta<strong>do</strong> emAraçuaí – MG. 3) Manoel Neto Pina, 34 anos, natural de Caturama - BA, faleci<strong>do</strong>em maio de 2004 no hospital de Catanduva-SP. Causa da morte, paradacardiorrespiratória. Sepulta<strong>do</strong> em Palmares Paulista-SP. CASOS DE 2005: 4)Lin<strong>do</strong>mar Rodrigues Pinto, 27 anos, natural de Mutans – BA, faleci<strong>do</strong> em março de2005, em Terra Roxa - SP. Causa da morte: parada respiratória. Sepulta<strong>do</strong> emMutans-BA. 5) Ivanilde Veríssimo <strong>do</strong>s Santos, 33 anos, natural de Timbiras-MA.,falecida em julho de 2005, em Pradópolis.Causa da morte:pancreatite Sepultada emPradópolis-SP. 6) Valdecy de Paiva Lima, 38 anos, natural de Codó-MA. Faleceu noHospital São Francisco de Ribeirão Preto, em julho de 2005. Causa da morte:acidente cerebral hemorrágico. Sepulta<strong>do</strong> em Codó-MA. 7) José Natalino GomesSales, 50 anos, natural de Berilo – MG faleci<strong>do</strong> em agosto de 2005, no hospital deBatatais-SP. Causa da morte: parada cardiorrespiratória. Sepulta<strong>do</strong> em FranciscoBadaró – MG. 8) Domício Diniz, 55 anos, natural de Santana <strong>do</strong>s Garrotes – PE,faleci<strong>do</strong> em setembro de 2005, em trânsito para hospital de Borborema – SP. Causada morte:desconhecida. Sepulta<strong>do</strong> em Borborema – SP. 9) Valdir Alves de Souza,43 anos, faleci<strong>do</strong> em outubro de 2005 Valparaíso-SP. O corpo foi submeti<strong>do</strong> anecropsia em Araçatuba. (Notícia veiculada na Folha de São Paulo em 23 /10/2005).10) José Mario Alves Gomes, 45 anos, natural de Araçuaí-MG. Faleceu Rio dasPedras, em outubro de 2005. Causa da morte: ignorada. Foi sepulta<strong>do</strong> em Araçuaí-MG. 11) Antonio Ribeiro Lopes, 55 anos, natural de Berilo-MG. Novembro de 2005em Guariba – SP. Causa da morte: hemorrágico pulmonar e cardiopatia dilatadadescompensada. Foi sepulta<strong>do</strong> em Guariba- SP. CASOS DE 2006: 12) Josefa MariaBarbosa Vasconcelos, 42 anos, havia si<strong>do</strong> internada no dia 12 de abril de 2006 noHospital <strong>Regional</strong> de Teo<strong>do</strong>ro Sampaio com falta de ar e <strong>do</strong>res pelo corpo. No dia13 veio a falecer e a família registrou BO por negligência médica, porque a causa damorte não foi bem definida. (Notícia veiculada pela Agência Esta<strong>do</strong>). 13) JuraciSantana, 37 anos, natural de Elesbão Veloso – PI. Faleceu em junho de 2006, emJaborandi – SP. Causa da morte: motivos desconheci<strong>do</strong>s. Foi sepulta<strong>do</strong> em ElesbãoVeloso – PI. 14) Maria Neusa Borges, 54 anos, residente em Monte Alto. Faleceuem julho de 2006. Causa da morte dada como desconhecida. Foi sepultada emMonte Alto. 15) Celso Gonçalvez, 41 anos, faleceu em julho de 2006 em Taiaçu –R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


202Torna-se um para<strong>do</strong>xo insuperável pretender garantir asustentabilidade ambiental com a produção de biocombustíveis, aomesmo tempo em que se mata tanta gente com as degradantescondições <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de produção.A proteção ao meio ambiente não pode ser contraditória àproteção <strong>do</strong> ser humano. Ambas devem estar aliadas e em contínuodesenvolvimento.Em 2007, as usinas sucroalcooleiras foram as principaisresponsáveis pelo trabalho escravo no Brasil: 53% <strong>do</strong>s 5.974trabalha<strong>do</strong>res liberta<strong>do</strong>s pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel,ou seja, 3.117 trabalha<strong>do</strong>res trabalhavam nas usinas sucroalcooleiras<strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Pará, Mato Grosso <strong>do</strong> Sul, Minas Gerais, Goiás, SãoPaulo e Ceará.SP. Causa da morte: desconhecida. Foi sepulta<strong>do</strong> em Monte Alto – SP. 16) OscarAlmeida, 48 anos, faleceu em setembro de 2006 em Itapira – SP. Foi sepulta<strong>do</strong> emConchal –SP. Sentiu fortes <strong>do</strong>res no peito e desmaiou durante a jornada de trabalho.Foi sepulta<strong>do</strong> em Conchal. CASOS DE 2007: 17) José Pereira Martins, 51 anos,natural de Araçuaí –MG, residente em Guariba – SP, faleceu em março de 2007. Foisepulta<strong>do</strong> em Guariba. Causa da morte: enfarto <strong>do</strong> miocárdio. 18) Lourenço Paulinode Souza, 20 anos, natural de Axixá <strong>do</strong> Tocantins – TO e morava em Colina– SP.Faleceu em abril de 2007. Causa da morte: desconhecida. Foi sepulta<strong>do</strong> em VilaTocantins – GO. 19) José Dionísio de Souza, 33 anos, natural de Salinas - MG emorava na cidade de Ipaussu – SP. Faleceu em junho de 2007. Causa da morte:desconhecida. Seu corpo foi leva<strong>do</strong> para o povoa<strong>do</strong> de Fruta de Leite – MG. 20)Edilson Jesus de Andrade, 28 anos, natural de Tapiramutá-BA, faleceu em setembrode 2007, em Guariba. O atesta<strong>do</strong> de óbito <strong>do</strong> hospital aponta como causa da morteuma <strong>do</strong>ença auto-imune, chamada púrpura trombocitopênica idiopática. Foisepulta<strong>do</strong> em Guariba. (p. 45).R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


203O caso de maior dimensão ocorreu em Ulianópolis (PA)onde foram liberta<strong>do</strong>s 1.064 trabalha<strong>do</strong>res na Usina Pagrisa. Orelatório <strong>do</strong> MTE aponta servidão por dívidas, jornadas diárias de até14 horas, falta de qualidade da água e da alimentação, falta de uso deequipamento de proteção, transporte inadequa<strong>do</strong>, alojamentossuperlota<strong>do</strong>s, etc.Esta situação continuou a se repetir em 2008. Em08/04/2008, uma fiscalização <strong>do</strong> MTE identificou 1.500 trabalha<strong>do</strong>resem condições precárias, alguns deles em condições degradantes,contrata<strong>do</strong>s pela Brenco nos municípios de Campo Alegre de Goiás,Mineiros (GO) e Alto Taquari (MT).A exploração também abrange comunidades indígenas.Em março de 2007, 150 indígenas que trabalhavam no corte de canana Destilaria Centro Oeste Iguatemi Ltda. (Dcoil) foram liberta<strong>do</strong>s porfiscais da Delegacia <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>/MS. Em novembro de2007, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel <strong>do</strong> Ministério <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong> e Emprego (MTE) descobriu 1.011 indígenas viven<strong>do</strong> emcondições degradantes na usina Debrasa. A maioria <strong>do</strong>s resgata<strong>do</strong>spertencia ao povo Guarani Kaiowá e inúmeros pertenciam ao povoTerena. 34Há outro da<strong>do</strong> desanima<strong>do</strong>r no Brasil: os investimentospúblicos ou a concessão de privilégios fiscais têm se restringi<strong>do</strong> a________________34 PNUMA; OIT; OIE; CSI, op. cit., p. 31-32.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


204setores econômicos inviáveis ambientalmente, tal como a concessãode isenções fiscais a indústrias automobilísticas desde 2008 35 ,aumentan<strong>do</strong> a venda de veículos polui<strong>do</strong>res cuja quantidade já não émais suportada pelas saturadas e mal-conservadas vias de transporteterrestre. 36O relatório da OIT descreve, no plano mundial, o aumento<strong>do</strong>s subsídios governamentais ao setor da produção de combustíveisfósseis e a esquemas agrícolas insustentáveis (de US$ 150 bilhões aUS$ 250 bilhões por ano).Definitivamente, não há mais como ignorar os da<strong>do</strong>s que,de tão concretos, chegam a se tornar uma barreira “quase”intransponível.Diga-se “quase” porque a mudança de consciência,principal barreira a ser superada, poderá ser o primeiro passo parasaldar parte considerável da dívida social e ambiental da qual asociedade atual é deve<strong>do</strong>ra.________________35 O mais recente benefício concedi<strong>do</strong> às indústrias automobilísticas veio com aMedida Provisória nº 540/2011, acompanhada <strong>do</strong> Decreto n° 7.567, de 15/09/2011.36 “O Brasil fechou 2010 como o quinto maior produtor de veículos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ecomo o quarto maior merca<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, com 3,5 milhões de unidades vendidasno merca<strong>do</strong> interno e uma produção de 3,638 milhões de unidades.” Disponível em:http://www.webmotors.com.br/wmpublica<strong>do</strong>r/Merca<strong>do</strong>_Conteu<strong>do</strong>.vxlpub?hnid=45643. Acesso em: 13/10/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


2055. CONCLUSÃOSão muitos os fatores que contribuem para as alteraçõesambientais e a desordem climática <strong>do</strong> planeta. Em meio a isso, impõeseemergir uma nova dimensão ecológica para proporcionar dignidadeà pessoa humana, relacionan<strong>do</strong>-a diretamente com o seu espaçoambiental e toda a cadeia de vida que fundamenta a sua existência.A destruição <strong>do</strong>s recursos naturais, os acidentes detrabalho, o a<strong>do</strong>ecimento físico e mental <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res e o óbito demilhares deles, clamam por uma imediata intervenção da sociedadeem direção a uma efetiva solução.Podemos destacar que, até hoje, o lucro econômicoadvin<strong>do</strong> das atividades causa<strong>do</strong>ras das fatalidades acima enumeradasnão está sen<strong>do</strong> suficiente para pagar a conta <strong>do</strong> prejuízo social eambiental deflagra<strong>do</strong>.Inexorável é o fato de que o planeta tem recursos limita<strong>do</strong>se a existência humana deles depende. Com base neste fato, aimplantação das novas diretrizes traçadas pela OIT acerca <strong>do</strong>sempregos verdes é urgente.A busca de condições de trabalho decente, com oreconhecimento da qualidade de vida como elemento integrante dadignidade humana e da vida em geral, proporciona uma reformulaçãoconceitual da dignidade amarrada aos novos valores ecológicos.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


206Caso fossem realiza<strong>do</strong>s investimentos comprometi<strong>do</strong>scom o verdadeiro desenvolvimento humano, os recursos para superara crise econômica poderiam deixar como lega<strong>do</strong> uma infraestrutura deenergia eficiente, ecossistemas recupera<strong>do</strong>s, fontes de energiarenováveis, e empresas e ambientes de trabalho saudáveis e seguros.É imperativo que o meio ambiente seja economicamenteprodutivo e socialmente sustentável.Sem transformação não há crescimento e, por isso, asnovas ideias e perspectivas são necessárias para uma nova ordem dascoisas. O que hoje é considera<strong>do</strong> alternativo (e muitas vezescontracultura) poderá ser a principal diretriz <strong>do</strong> planeta no futurobreve.6. REFERÊNCIASAGENDA 21. Disponível em:http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?i<strong>do</strong>=conteu<strong>do</strong>.monta&idEstrutura=18&idConteu<strong>do</strong>=575&idMenu=9065. Acesso em: 14/10/2011.AGENDA Bahia <strong>do</strong> trabalho decente: empregos verdes. Disponívelem:http://www.fieb.org.br/institucional/conselhos/cores/arquivos/Empregos_Verdes.pdf. Acesso em: 04/04/11.AGENDA trabalho decente. Disponível em:http://www.oit.org.br/agenda_trabalho_decente. Acesso em14/10/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização: ambiente e direito nolimiar da vida. São Paulo: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais, 2005.BRASIL. Anuário Estatístico da Previdência Social. Disponível em:http://mpas.gov.br/conteu<strong>do</strong>Dinamico.php?id=990. Acesso em:10/10/2011.BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de procedimentos para osserviços de saúde. Disponível em:http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/<strong>do</strong>encas_relacionadas_trabalho1.pdf. Acesso em: 13/10/2011.CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica <strong>do</strong>ssistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996.FIORILLO, Celson Antônio Pacheco. Curso de direito ambientalbrasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000.INFORME da Missão de Investigação sobre os impactos das políticaspúblicas de incentivo aos agrocombustíveis sobre o desfrute <strong>do</strong>sdireitos humanos à alimentação, ao trabalho e ao meio ambiente, dascomunidades campesinas e indígenas e <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res rurais noBrasil. Relatório produzi<strong>do</strong> em cooperação com a Misereor, a Pãopara o Mun<strong>do</strong>, ICCO&Kerkinactie, EED, HEKS e FIAN Netherlands.Disponívelem:http://www.observatorio<strong>do</strong>agronegocio.com.br/page41/files/InfFianAgrocfinal.pdf. Acesso em 13/10/2011.IPEA. Comunica<strong>do</strong> nº 88. Disponível em:http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunica<strong>do</strong>/110427_comunica<strong>do</strong>ipea88.pdf. Acesso em 18/10/2011.LISBOA, Roberto Senise. O contrato como instrumento de tutelaambiental. R. Dir. Consumi<strong>do</strong>r, São Paulo, n. 35, p. 171-197, 2000.207R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


MANCUSO, Ro<strong>do</strong>lfo Camargo. A ação civil pública trabalhista:análise de alguns pontos controverti<strong>do</strong>s. R. Proc., São Paulo, v. 24,n.93, 1999.MARTINEZ, Renato de Oliveira. Competência da justiça <strong>do</strong> trabalhoem matéria criminal. R. LTr, v. 75, n.5, 603-615, maio 2011.MILARÉ, Edis. Direito <strong>do</strong> ambiente: <strong>do</strong>utrina, jurisprudência,glossário. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: <strong>Revista</strong> <strong>do</strong>s Tribunais,2005.NALINE, José Renato. Ética ambiental. 3. ed. Campinas, SP:Millennium Ed., 2010.PROGRAMA de empregos verdes da OIT: trabalho decente combaixa emissão de carbono. Disponível em:http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_dialogue/---lab_admin/<strong>do</strong>cuments/presentation/wcms_150293.pdf. Acesso em:09/06/11.PROGRAMA Nacional de Prevenção de Acidentes de <strong>Trabalho</strong>.Disponível em: http://www.tst.jus.br/prevencao/. Acesso em:13/07/2011.PNUMA; OIT; OIE; CSI. Empregos verdes: rumo ao <strong>Trabalho</strong>Decente em um mun<strong>do</strong> sustentável e com baixas emissões de caborno.Relatório produzi<strong>do</strong> para o PNUMA pelo Worldwatch Institute, comassistência técnica <strong>do</strong> Instituto Global <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da CornellUniversity. Brasília: OIT, 2009. Disponível em:http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/green_job/pub/empregos_verdes_rumos_257.pdf. Acesso em: 09/06/2011.RELATÓRIO “Mudança Climática, Água e Segurança Alimentar”.Disponível em: http://www.onu.org.br/escassez-de-agua-afetaraseguranca-alimentar-alerta-relatorio-da-fao/.Acesso em: 13/10/2011.208R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações detrabalho. 3. ed. rev. e aum. São Paulo: LTr, 2009.SALSA, Carol. Emprego verde que te quero ver decente no Brasil.Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2009/12/15/empregoverde-que-te-quero-ver-decente-no-brasil-artigo-de-carol-salsa/Acesso em: 08/06/11.SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 2. ed. SãoPaulo: Malheiros, 1995.SILVA, José Robson. Paradigma biocêntrico: <strong>do</strong> patrimônio priva<strong>do</strong>ao patrimônio ambiental. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.TRINDADE, Antonio A. Cança<strong>do</strong>. Direitos humanos e meioambiente: paralelos <strong>do</strong>s sistemas de proteção internacional. PortoAlegre: Fabris, 1993.209R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.163– 209, jun. 2012


DA VEDAÇÃO AO MINORAMENTO DOADICIONAL DE PERICULOSIDADE MEDIANTEACORDOS E CONVENÇÕES COLETIVAS: A NOVAJURISPRUDÊNCIA ADVINDA DA “SEMANA DOTST”210Tiago Batista <strong>do</strong>s Santos RESUMOA jurisprudência <strong>do</strong> TST admitia o minoramento <strong>do</strong> adicional depericulosidade, desde que proporcional ao tempo de exposição aorisco e pactuada em acor<strong>do</strong> ou convenção coletiva. Tal posição,cristalizada na súmula 364, inciso II, chocava-se com o verdadeiroobjetivo <strong>do</strong> adicional, a saber, desestimular o labor perigoso,fomentan<strong>do</strong> a busca de técnicas produtivas seguras, em homenagemao direito fundamental à vida. Felizmente, durante os trabalhos derevisão jurisprudencial e normativa da chamada “Semana <strong>do</strong> TST”, oitem II da súmula 364 foi cancela<strong>do</strong>, não mais se aceitan<strong>do</strong>, pois, quea negociação coletiva fixe o adicional de periculosidade em nívelinferior ao estabeleci<strong>do</strong> na CLT.Palavras-Chave: Adicional de periculosidade, Acor<strong>do</strong> coletivo,Convenção coletiva, Súmula 364, Semana <strong>do</strong> TST.________________ Analista Judiciário <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ª Região.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.210– 222, jun. 2012


2111. PROBLEMÁTICANo capítulo dedica<strong>do</strong> à segurança e medicina laboral, aConsolidação das Leis <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> (CLT) fornece, em seu artigo 193— com a redação dada pela lei nº 6.514, de 22 de dezembro de 1977— a conceituação de atividades ou operações perigosas, e estabeleceo respectivo adicional de periculosidade:Art. 193. São consideradas atividades ou operaçõesperigosas, na forma da regulamentação aprovada peloMinistério <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, aquelas que, por sua naturezaou méto<strong>do</strong>s de trabalho, impliquem o contatopermanente com inflamáveis ou explosivos emcondições de risco acentua<strong>do</strong>.§ 1º. O trabalho em condições de periculosidadeassegura ao emprega<strong>do</strong> um adicional de 30% (trinta porcento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes degratificações, prêmios ou participações nos lucros daempresa.Como se vê, a norma celetista define um percentual fixopara o acréscimo de salário decorrente <strong>do</strong> labor perigoso.Diferentemente <strong>do</strong> adicional de insalubridade, cujos percentuaisvariam de acor<strong>do</strong> com o grau de risco à saúde, o adicional devi<strong>do</strong> aostrabalha<strong>do</strong>res que exercem atividades periclitantes é, na dicção daCLT, invariável.Contu<strong>do</strong>, a jurisprudência <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong> (TST) entendia ser possível reduzir o adicional deR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.210– 222, jun. 2012


212periculosidade, desde que a redução fosse proporcional ao tempo deexposição ao risco e estivesse pactuada em acor<strong>do</strong> ou convençãocoletiva.Examinar-se-á, nas linhas seguintes, o conflito entre otexto da CLT e a posição <strong>do</strong> TST, no tocante à redução proporcional<strong>do</strong> adicional de periculosidade por meio da negociação coletiva.2. O ADICIONAL DE PERICULOSIDADE À LUZ DACONSTITUIÇÃOA exata compreensão <strong>do</strong> adicional de periculosidade exigerememorar que a vida é direito fundamental, constante <strong>do</strong> artigo 5°,caput, da Constituição Federal (CF):Art. 5°. To<strong>do</strong>s são iguais perante a lei, sem distinção dequalquer natureza, garantin<strong>do</strong>-se aos brasileiros e aosestrangeiros residentes no País a inviolabilidade <strong>do</strong>direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e àpropriedade, nos termos seguintes: (...)Desta forma, o adicional de periculosidade não pode servisto meramente como compensação financeira pelo exercício deprofissão que coloque em risco a vida <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r. Uma concepçãoassim significaria a possibilidade de negar direitos fundamentais aooperário, dan<strong>do</strong>-lhe em troca uma quantia em dinheiro.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.210– 222, jun. 2012


213Nesta senda, a interpretação correta deve conceber osuplemento por periculosidade como instituto que objetivadesestimular o labor perigoso, oneran<strong>do</strong> a folha de pagamento <strong>do</strong>emprega<strong>do</strong>r, e impelin<strong>do</strong>-o a buscar méto<strong>do</strong>s produtivos que nãorequeiram a exposição <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r a materiais inflamáveis ouexplosivos.Destarte, o Estatuto Trabalhista somente disciplinou oadicional de periculosidade porque é impossível eliminar, ao menos deforma imediata, todas as ocupações laborais periclitantes:O meio ambiente <strong>do</strong> trabalho deve ser adapta<strong>do</strong> deforma a que não contribua para a ocorrência deacidentes ou aquisição de <strong>do</strong>enças ocupacionais. Oemprega<strong>do</strong> tem direito a um meio ambiente <strong>do</strong> trabalhohígi<strong>do</strong>, que é obti<strong>do</strong> através <strong>do</strong> cumprimento de normasatinentes à medicina, higiene e segurança no trabalho.Todavia, nem todas as atividades empresariais podemser desenvolvidas em ambientes totalmente hígi<strong>do</strong>s. Porconta disso, como forma de compensar o labor emambientes insalubres e perigosos é que foraminstituí<strong>do</strong>s os adicionais de insalubridade epericulosidade, respectivamente (CAIRO JR., 2008, p.282).A partir da reflexão acima, torna-se compreensível aguarida dada pela Lei Maior ao adicional de periculosidade,mecanismo vocaciona<strong>do</strong> a melhorar a condição <strong>do</strong> obreiro, na medidaem que fomenta, implicitamente, o desenvolvimento de novosprocedimentos de produção, livres de riscos:R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.210– 222, jun. 2012


214Art. 7º São direitos <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res urbanos e rurais,além de outros que visem à melhoria de sua condiçãosocial:(...)XXIII - adicional de remuneração para as atividadespenosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;Portanto, mais <strong>do</strong> que uma compensação dada aotrabalha<strong>do</strong>r pelo ofício que põe em risco sua vida, o adicional depericulosidade constitui, essencialmente, um desestímulo àmanutenção de méto<strong>do</strong>s de trabalho perigosos, vez que aumenta ocusto da mão-de-obra.3. A SÚMULA 364 DO TSTEm setembro de 2002, a Subseção I Especializada emDissídios Individuais (SBDI-1) publicou a orientação jurisprudencial258, que admitia a redução <strong>do</strong> adicional de periculosidade através danegociação coletiva, contanto que o decréscimo fosse proporcional aotempo de exposição ao risco.Na renovação jurisprudencial feita pela resolução TST129/2005, a orientação 258 foi incorporada na súmula 364, item II,cuja redação original segue transcrita:Súmula 364. Adicional de periculosidade. Exposiçãoeventual, permanente e intermitente (conversão dasOrientações Jurisprudenciais nºs 5, 258 e 280 da SBDI-1).R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.210– 222, jun. 2012


215I - Faz jus ao adicional de periculosidade o emprega<strong>do</strong>exposto permanentemente ou que, de formaintermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevi<strong>do</strong>,apenas, quan<strong>do</strong> o contato dá-se de forma eventual,assim considera<strong>do</strong> o fortuito, ou o que, sen<strong>do</strong> habitual,dá-se por tempo extremamente reduzi<strong>do</strong>. (ex-Ojs daSBDI-1 nºs 05 - inserida em 14.03.1994 - e 280 - DJ11.08.2003)II - A fixação <strong>do</strong> adicional de periculosidade, empercentual inferior ao legal e proporcional ao tempo deexposição ao risco, deve ser respeitada, desde quepactuada em acor<strong>do</strong>s ou convenções coletivos. (ex-OJnº 258 da SBDI-1 - inserida em 27.09.2002).Com arrimo na súmula 364, II, o TST assentia com opagamento de adicional de periculosidade inferior a 30% (trinta porcento), argumentan<strong>do</strong> que o princípio da flexibilização das relações detrabalho, ínsito às negociações coletivas, permitia reduzir ocomplemento salarial <strong>do</strong>s ofícios perigosos:Contu<strong>do</strong>, firmou-se neste <strong>Tribunal</strong> Superior oentendimento de que a partir da promulgação daConstituição Federal, foi permitida a inserção, noâmbito da negociação coletiva, <strong>do</strong> princípio daflexibilização das relações de trabalho, nos casos elimites que não agridam o princípio da proteção aotrabalho e da dignidade da pessoa humana.(...)Como se observa, privilegia-se na Constituição Federala instituição de condições de trabalho mediantenegociações coletivas.Diante disso, esta Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> tem prima<strong>do</strong> porincentivá-las e garantir-lhes o cumprimento, desde quedevidamente formalizadas.Sen<strong>do</strong>, pois, um instrumento <strong>do</strong> qual as partes podem sevaler para regulamentar as relações de trabalho, a normaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.210– 222, jun. 2012


216inserida em convenção ou acor<strong>do</strong> coletivo de trabalhohá de prevalecer.Registre-se, ainda, o entendimento consubstancia<strong>do</strong> noitem II da Súmula nº 364/TST,(...)Diante <strong>do</strong> exposto, <strong>do</strong>u provimento ao recurso derevista, para excluir da condenação o pagamento dediferenças referentes ao adicional de periculosidade noperío<strong>do</strong> de vigência <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> coletivo apresenta<strong>do</strong> aosautos junto com a defesa. (TST, RR 2588/2000-432-02-40.5, Rel. Min. Fernan<strong>do</strong> Eizo Ono, DJ, 13 jun. 2008,grifo nosso).Também anuin<strong>do</strong> ao entendimento da súmula 364, naredação vigente à época, veja-se trecho de acórdão proferi<strong>do</strong> pelaSegunda Turma <strong>do</strong> TST, rejeitan<strong>do</strong> o pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r de recebero adicional de periculosidade no patamar fixa<strong>do</strong> pela CLT:AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DEREVISTA. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE.PERCENTUAL INFERIOR AO LEGAL AJUSTADOEM CONVENÇÃO COLETIVA. A Decisão <strong>Regional</strong>encontra-se em consonância com a Súmula nº 364, II,desta Corte, segun<strong>do</strong> a qual, a fixação <strong>do</strong> adicional depericulosidade, em percentual inferior ao legal eproporcional ao tempo de exposição ao risco, deve serrespeitada, desde que pactuada em Acor<strong>do</strong>s ouConvenções Coletivas. Ressalte-se, ainda, que o<strong>Tribunal</strong> a quo não emitiu tese a respeito das questõestrazidas no Recurso de <strong>Revista</strong>, nem a parteprequestionou-as, através <strong>do</strong>s necessários Declaratórios,tornan<strong>do</strong>-se preclusas, pois, a teor da Súmula nº 297,desta Corte (TST, AIRR 269/2004-025-02-40.8, Rel.Juiz Convoca<strong>do</strong> Josenil<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Santos Carvalho, DJ, 10ago. 2007, grifo nosso).R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.210– 222, jun. 2012


217Neste último caso, o obreiro recorrente recebia apenas22,5% (vinte e <strong>do</strong>is inteiros e cinco décimos por cento) de adicionalde periculosidade, e sustentou nas razões recursais que o Sindicatonão poderia ter negocia<strong>do</strong> condições de trabalho que consolidassem adepreciação social. Entretanto, sua pretensão foi negada.4. REVISÃO JURISPRUDENCIAL: A “SEMANA DO TST”Em 06 de maio de 2011, o sítio eletrônico <strong>do</strong> TST noticioua realização de uma série de debates acerca da jurisprudência e dasnormas internas e externas respeitantes à Corte, ao longo da primeira“Semana <strong>do</strong> TST”:Entre os dias 16 e 20 de maio, os órgãos judicantes <strong>do</strong><strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> (turmas, seçõesespecializadas, Órgão Especial e <strong>Tribunal</strong> Pleno)suspenderão suas sessões ordinárias de julgamento paraque os 27 ministros da Casa participem, ao longo detoda a semana, de uma série de reuniões e debates sobrea jurisprudência e as normas internas e externas queregem a prestação jurisdicional no <strong>Tribunal</strong>. A“Semana <strong>do</strong> TST”, aprovada em reunião administrativarealizada hoje (06), foi proposta pelo presidente <strong>do</strong><strong>Tribunal</strong>, ministro João Oreste Dalazen.A proposta é que sejam analisadas, discutidas eaprovadas alterações nas súmulas, orientaçõesjurisprudenciais, instruções normativas, a edição denovos parâmetros para a jurisprudência, possíveisalterações no Regimento Interno e Regulamento Geral esugestões de anteprojetos de lei que facilitem atramitação e a solução <strong>do</strong>s processos (TST. TSTpromoverá semana de discussões sobre atualização deR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.210– 222, jun. 2012


218jurisprudência. Notícias TST, Brasília, 06 maio 2011,grifo nosso).Destaque-se que o TST abriu espaço para que fossemencaminhadas sugestões de temas a serem discuti<strong>do</strong>s, reconhecen<strong>do</strong>os benefícios da participação <strong>do</strong>s vários segmentos sociais liga<strong>do</strong>s àjustiça <strong>do</strong> trabalho — causídicos, juízes e sindicatos, entre outros.Para formalizar as atividades da “Semana <strong>do</strong> TST”, apresidência <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> editou a resolução administrativa n°1448/2011, crian<strong>do</strong> o Grupo de Normatização, ao qual competia aelaboração de projetos de lei afetos ao direito <strong>do</strong> trabalho e a revisãodas normas internas da Corte, e o Grupo de Jurisprudência, incumbi<strong>do</strong>de rever os enuncia<strong>do</strong>s de súmula, das orientações jurisprudenciais e<strong>do</strong>s precedentes normativos <strong>do</strong> TST.Dos esforços <strong>do</strong> Grupo de Jurisprudência, lavrou-se aresolução administrativa n° 174, publicada no diário eletrônico dajustiça <strong>do</strong> trabalho em 27 de maio de 2011. Dentre suas disposições,sobreveio a revogação <strong>do</strong> item II da súmula 364.4.1.O acerto no cancelamento <strong>do</strong> item II da Súmula 364 <strong>do</strong> TSTO verdadeiro motivo da instituição <strong>do</strong> adicional depericulosidade, já dito alhures, merece ser repeti<strong>do</strong>: estimular amodernização das atividades produtivas, com o fito de eliminar osR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.210– 222, jun. 2012


219procedimentos de risco, salvaguardan<strong>do</strong> a integridade física <strong>do</strong>trabalha<strong>do</strong>r.Logo, o entendimento anterior <strong>do</strong> TST, admitin<strong>do</strong> aminoração <strong>do</strong> adicional de periculosidade proporcionalmente aoperío<strong>do</strong> de sujeição <strong>do</strong> obreiro ao perigo, dificultava o atingimento <strong>do</strong>objetivo máximo da norma celetista, qual seja, extinguir as operaçõespericlitantes.Nem se diga que a diminuição <strong>do</strong> adicional eraconsequência da abreviação <strong>do</strong> tempo em que o trabalha<strong>do</strong>r ficavaexposto ao perigo, fato que seria benéfico. Tratan<strong>do</strong>-se de explosivose inflamáveis, não basta reduzir a duração <strong>do</strong> contato entre oemprega<strong>do</strong> e o elemento de risco, mas sim eliminá-lo.Com a chancela <strong>do</strong> Judiciário, aliviava-se o ônusfinanceiro <strong>do</strong> adicional de periculosidade, dan<strong>do</strong> sobrevida àsatividades perigosas que deveriam ser extintas por aquele suplementosalarial.O cancelamento <strong>do</strong> item II da súmula 364 <strong>do</strong> TST sanou oequívoco, deixan<strong>do</strong> claro que a vida <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r não pode sertransacionada por intermédio de acor<strong>do</strong>s e convenções coletivas.A nova postura jurisprudencial foi utilizada no acórdão1149/2003-016-02-00.1, por meio <strong>do</strong> qual o TST decidiu nãoconhecer <strong>do</strong>s embargos em recurso de revista interpostos pela empresaTelecomunicações de São Paulo S. A., que pretendia validar opagamento <strong>do</strong> adicional de periculosidade, conforme termosR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.210– 222, jun. 2012


negocia<strong>do</strong>s em acor<strong>do</strong> coletivo, num patamar inferior ao estipula<strong>do</strong>pela CLT:220EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA.ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº11.496/2007. TELESP. ADICIONAL DEPERICULOSIDADE. PREVISÃO EM ACORDOCOLETIVO. Ten<strong>do</strong> em vista que o recurso de embargosfoi interposto quan<strong>do</strong> já vigente o art. 894 da CLT coma redação conferida pela Lei nº 11.496/07, inviável a suaapreciação sob o enfoque da denunciada violação <strong>do</strong>sarts. 5º, XXXVI, 7º, XXVI, e 8º, III, da ConstituiçãoFederal e 513 da CLT. O apelo também não prosperapor contrariedade à Súmula 364, II, <strong>do</strong> TST, uma vezque esse item foi cancela<strong>do</strong> pela Resolução 174 de24/05/2011. Recurso de embargos não conheci<strong>do</strong>.(TST, E-RR 114900-64.2003.5.02.0016, Rel. Min.Horácio Raymun<strong>do</strong> de Senna, DJ, 04 ago. 2011, grifonosso).5. CONCLUSÃOA CLT foi promulgada em 1943. Naquela data, já se tinhaciência de que algumas atividades profissionais implicavam riscos àvida <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, panorama que só mudaria com odesenvolvimento tecnológico.Em 1977, cansa<strong>do</strong> de simplesmente aguardar as soluçõestécnicas que, futura e gradualmente, eliminariam por completo ainteração <strong>do</strong> obreiro com os materiais perigosos, o legisla<strong>do</strong>r insere naCLT, por meio da lei nº 6.514, o adicional de periculosidade,almejan<strong>do</strong> exercer pressão econômica sobre os emprega<strong>do</strong>res,aceleran<strong>do</strong> o processo de inovação tecnológica.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.210– 222, jun. 2012


221Nesse senti<strong>do</strong>, a elevação <strong>do</strong>s ganhos monetários <strong>do</strong>obreiro é mero efeito secundário <strong>do</strong> adicional, que objetiva, emverdade, um aprimoramento <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s produtivos.Ao cancelar o item II da súmula 364, o TST homenageiatal objetivo, expurgan<strong>do</strong> de seu entendimento a possibilidade depactuação acerca de uma norma destinada, em última análise, àpreservação da vida <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r. Doravante não mais se admite quea negociação coletiva fixe o suplemento de periclitação em nívelinferior a 30% (trinta por cento).O adicional de periculosidade está de volta ao caminhoque lhe inspirou o nascimento e que, em utopia, deve conduzir ao seufim, quan<strong>do</strong> deixarem de existir os trabalhos perigosos.Enquanto isso, faça-se prevalecer a CLT.6. REFERÊNCIASBARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito <strong>do</strong> trabalho. 4. ed. SãoPaulo: LTr, 2008.BRASIL. Constituição (1988). Vade mecum. 5 ed. São Paulo: RT,2010.______ Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova aConsolidação das Leis <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>. Vade mecum. 5 ed. São Paulo:RT, 2010.CAIRO JR., José. Curso de direito <strong>do</strong> trabalho: direito individual ecoletivo. 2. ed. Salva<strong>do</strong>r: Juspodivm, 2008.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.210– 222, jun. 2012


LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematiza<strong>do</strong>. 15 ed. SãoPaulo: Saraiva, 2011.TRIBUNAL Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>. Notícias TST. Disponibilizainformes sobre a atividade jurídica e administrativa da Corte MáximaLaboral. Disponível em: . Acesso em: 25 set.2011.222R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.210– 222, jun. 2012


CONDUTA ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO: DAINTENÇÃO À RESPONSABILIDADE223Yonal<strong>do</strong> Carlos Estevão da Costa RESUMOO presente artigo visa trazer a memória <strong>do</strong>s agentes públicos daimperiosa necessidade de uma atuação ética enquanto guardiões <strong>do</strong>bem comum; Compreender, reconhecer e valorizar a dimensão éticano ambiente de trabalho, utilizan<strong>do</strong> seus conceitos na resolução <strong>do</strong>sproblemas profissionais e pessoais, cujo reflexo se fará sentir noconvívio social.VIRTUDE, CARÁTER E AUTONOMIANão é de hoje que as discussões a cerca da moral e <strong>do</strong>sbons costumes prestigiam, de certa forma, as ideias tradicionais daantiga sociedade, sobretu<strong>do</strong> em razão <strong>do</strong>s valores enraiza<strong>do</strong>s nasinstituições familiares e religiosas.Contrapon<strong>do</strong>-se a isso, pensamentos progressistasconceituavam como retrógrada essa concepção, que impedia abraçar________________ Técnico Judiciário <strong>do</strong> TRT da 19ª Região, removi<strong>do</strong> para o TRT da 21ª Região.Forma<strong>do</strong> em Gestão de Segurança Pública pela UNISUL – Universidade <strong>do</strong> Sul deSanta Catarina. Pós-Graduan<strong>do</strong> em Gestão Pública. Graduan<strong>do</strong> em Direito.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.223– 234, jun. 2012


224os novos tempos e, consequentemente, condenaria os indivíduos a ummoralismo obsoleto.Apesar desse confronto inicial, hoje tanto osconserva<strong>do</strong>res quanto os progressistas proclamam pela convivênciasaudável entre a consciência ética e a perspectiva da mudança social.Ética vem <strong>do</strong> grego “ethos”, que significa “morada, lugaronde o homem se sente acolhi<strong>do</strong>”. Significa também “costume oumo<strong>do</strong> de ser”. É o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> comportamento que os homens julgammerece<strong>do</strong>r de consideração e inescapável para a harmonia nasociedade.De acor<strong>do</strong> com Vásquez (1999, p. 22), “a ética é a teoriaou ciência <strong>do</strong> comportamento moral <strong>do</strong>s homens em sociedade”.Então, podemos avaliar ética como um padrão de comportamento quese orienta pelos valores e princípios morais.De fato, o que era apenas palco tão somente paracontestações, sem análises de mérito, transformou-se necessário paraque o convívio em sociedade se manifestasse de forma plena.Resulta<strong>do</strong> disso, nos dias de hoje, é possível certificar-se acerca da disposição de muitos administra<strong>do</strong>res públicos, sejam elesprofissionais ou representantes <strong>do</strong> povo, preocupa<strong>do</strong>s em identificar ecompreender os ditames éticos dentro da sociedade, aprimoran<strong>do</strong> asua dimensão.Caso administrante público, muitos de seus atos nãopoderão ficar adstritos ao silêncio intrínseco, interpessoal, próprio <strong>do</strong>R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.223– 234, jun. 2012


225indivíduo por si só, pois, desta forma, não haveria de ser um legítimorepresentante da “res publica”. Assim, inevitavelmente, sua opiniãodeverá se exteriorizar, seja por meio de <strong>do</strong>cumentos, debates ou emassembleias.Aliás, ética e política caminham la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> desde Platão,Sócrates e Aristóteles, dentre outros, cujos temas estão presentes aténos dias de hoje.Não se pode olvidar que o desenvolvimento resultante <strong>do</strong>amadurecimento social trouxe como consequência o crescimentoeconômico para as cidades. Ao mesmo tempo, essa expansão <strong>do</strong>sistema produtivo exigiu uma nova dimensão de relações entre o setorpriva<strong>do</strong> e o público, permitin<strong>do</strong> uma coexistência harmônica entreesses interesses.Nisso, é essencial alcançar o conceito de cidadania, que sesolidifica por meio <strong>do</strong> conjunto de direitos e deveres de um cidadãoparticipante de um grupo social. Não é algo que se adquire len<strong>do</strong>livros. É na convivência <strong>do</strong> dia a dia que se exercita a cidadania.Mas a cidadania está umbilicalmente atada a uma ordemjurídica: o Esta<strong>do</strong>, que estabelece direitos e deveres a cada um de seusmembros da comunidade. Para isso, deve oferecer uma série degarantias (direitos) que permita a participação <strong>do</strong> cidadão nas decisõesgovernamentais. Em contraparte, espera o cumprimento de suasobrigações legais (deveres) para o bem <strong>do</strong> convívio social.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.223– 234, jun. 2012


226Camargo (1996, p. 13-14) lembra que “o estu<strong>do</strong> da ética ésempre necessário em decorrência da necessidade das pessoasorientarem seu comportamento de acor<strong>do</strong> com a nova realidade quese vislumbra diariamente na vida social”.Nesse senti<strong>do</strong>, há um próspero interesse nos corre<strong>do</strong>res devárias organizações sobre ética, com o objetivo de favorecer, de formasustentável, a convivência em sociedade.Cresce nas empresas contemporâneas a ideia de que aética é tão importante quanto à lucratividade. Porém o caminho aindaé árduo nesse senti<strong>do</strong>. Muitos, sem uma autoanálise oportuna,atribuem às organizações ou aos seus colegas de trabalho asconsequências de seus atos falhos.Os olhos já estão mais abertos à aplicação da ética nasprofissões e organizações, garantin<strong>do</strong> a sua sobrevivência e reputação.Se o agir se verificar dentro <strong>do</strong>s padrões éticos, a empresa serácontemplada com o reconhecimento não só de seus clientes, mastambém <strong>do</strong>s fornece<strong>do</strong>res, sócios e funcionários.A organização que faz uso de méto<strong>do</strong>s ardis com o intuitode auferir lucro naqueles que se utilizam de seus serviços, a curtoprazo, poderá se beneficiar, mas a confiança será aniquilada com otempo e a recuperação da imagem inicial não será espontânea.O ser humano sempre estará submeti<strong>do</strong> à prova de suascondutas, muito em razão das pressões sofridas tanto no seu ambientede trabalho como no convívio social.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.223– 234, jun. 2012


227O corporativismo, o tráfico de influências, a adulaçãoservil, dentre outros, são comportamentos antiéticos dentro dasinstituições, de atuações desumanas com to<strong>do</strong>s.INTENÇÃO E ESCOLHA, DELIBERAÇÃO ERESPONSABILIDADEUma avaliação moral está presente em todas as açõeshumanas, quer seja imputan<strong>do</strong>-lhe atribuições de mérito ou demérito,cuja apreciação deveria cingir-se de imparcialidade.Essa intencionalidade será avaliada de maneira positiva ouética, quan<strong>do</strong> fruto de um valor de mérito, ou de maneira negativa ouantiética, quan<strong>do</strong> de uma ação de demérito.A faculdade de uma pessoa agir de determina<strong>do</strong> mo<strong>do</strong>, enão de outro, está diretamente relaciona<strong>do</strong> ao intelecto, articula<strong>do</strong> aoutros sentimentos, tais como emoções e desejos. São elas, asvirtudes, que nos transportam aos desejos, moralmente corretos ounobres.Contu<strong>do</strong>, algumas dessas disposições podem surgir emdiferentes graus: virtudes ou vício. O indivíduo pode ser intrépi<strong>do</strong>,mas imprudente; tími<strong>do</strong>, porém probo. Caráter é essa complexamistura numa personalidade.Filosoficamente, o Miniaurélio eletrônico (7ª edição,revista e atualizada) ensina que ética é “o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s juízos deR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.223– 234, jun. 2012


228apreciação referentes à conduta humana, <strong>do</strong> ponto de vista <strong>do</strong> bem e<strong>do</strong> mal. Conjunto de normas e princípios que norteiam a boa conduta<strong>do</strong> ser humano”.Ocorre que, como seres humanos, por conseguinte repletosde impulsos egoístas, não é fácil gerir essa capacidade apreciativajunto ao seu semelhante. O peso de uma única conduta negativamuitas vezes reluz tal ponto que se sobrepõe as diversas atitudespositivas anteriores, sejam elas profissionais ou pessoais. Essacontaminação necessita ser afastada quan<strong>do</strong> da formação de um novojuízo crítico em razão de uma ação ulterior patrocinada pelo mesmoagente.A determinação da valia de uma ação deve apresentaresforços imparciais pelo seu julga<strong>do</strong>r, que deve desconsiderar gestosque promovam ou não interesses íntimos, ou seja, sob um ponto devista desinteressa<strong>do</strong>.Ao avaliar o caráter de alguém, deve-se colocar na balançao conjunto da obra. A honestidade, por exemplo, não pode ser apenasem determinada ocasião, pois esse gesto virtuoso precisa se expressar,de forma estável, durante to<strong>do</strong> o caminho em vida.Ser ético não significa conduzir-se eticamente quan<strong>do</strong> forconveniente, mas o tempo to<strong>do</strong>.Não se poderá fugir de comparação caso a decisão sefirme no outro senti<strong>do</strong>, pois é por meio desse confronto que se chega aum juízo de mérito ou demérito. Não obstante, hão de se verificarR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.223– 234, jun. 2012


229quais as determinações que foram impostas ou necessárias paraalcançar a finalidade direcionada, a via que tornariam essas metasrealizáveis, bem como os próprios meios adequa<strong>do</strong>s.Quantos dilemas temos na vida? Viver é fazer escolhas,que nos limitam a liberdade. Não decidir é já decidirpelo pior. Mas como decidir bem, sem se arrependerdas ações feitas? Para isso se destaca a virtude daprudência, como a arte de decidir e escolher o melhorem cada momento. Vale a pena, pois, deter-nos aexaminar em que consiste essa virtude e como sedesenvolve. (MARTINS FILHO, 2010, p. 141, grifos <strong>do</strong>autor).Tanto os fenômenos da natureza quanto as ações humanasmodificam o mun<strong>do</strong>. Porém, são pondera<strong>do</strong>s de forma completamentediferentes.A impressão desagradável causada por inundações ououtras catástrofes naturais (uma ação negativa, portanto), mesmoprovocan<strong>do</strong> um grande número de vítimas, não exprime tanta repulsaquanto a notícia de desvio de verbas públicas. Aquela ação, mesmocom resulta<strong>do</strong>s mais desastrosos, não possui intenção. Esta, porcarregar o interesse pessoal em detrimento de muitos, é sempre maissignificativa, pois está consumida por ações antiéticas.Apesar de divergências filosóficas a respeito de onde sedeve essa capacidade de atribuir mérito ou demérito às ações, éuníssona a visão da ética como uma dimensão especial da vida,sobretu<strong>do</strong> ao requintar o convívio social por meio da política.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.223– 234, jun. 2012


230Não existe mérito nem demérito quan<strong>do</strong> se está diante deuma ação obrigatória. A conduta <strong>do</strong> indivíduo apenas poderá seraferida após a sua escolha, pois a existência de tão somente umcaminho leva ao inevitável.Quan<strong>do</strong> se atinge uma estrada bifurcada, uma meditaçãose impõe antes da escolha. Trazen<strong>do</strong> para o assunto em perspectiva,independente da opção o resulta<strong>do</strong> deverá ser avalia<strong>do</strong> e, por si só,desencadeará um processo de amadurecimento, ao qual comumentenomeia-se deliberação.A deliberação é uma encruzilhada sobre alternativas arespeito da finalidade que se deseja. Não sen<strong>do</strong> uma obrigação,certamente haverá mais de uma opção.Em muitas oportunidades uma ajuda surgirá sob a luz <strong>do</strong>veto interno, que nada mais representa a percepção de um demérito,sem qualquer coação externa, seja de ordem física ou legal. Mas isso éuma oportunidade que nem sempre se fará presente e, portanto, não sepode ficar hesitan<strong>do</strong> indefinidamente, pois, fatalmente, chegará omomento que se exigirá uma predileção.Fim é a extremidade física de algo (eskhaton, emgrego), o término de um lapso de tempo, ou um pontode chegada de um percurso (horos, de onde nos veiohoróscopo). Já a finalidade (telos) apresenta <strong>do</strong>issenti<strong>do</strong>s. Ela é, de um la<strong>do</strong>, a utilidade de uma coisa,aquilo para que ela serve; de outro la<strong>do</strong>, fala-setambém em finalidade, em referência ao homem, paraindicar o escopo de uma ação, ou o objetivo de todauma vida.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.223– 234, jun. 2012


231Neste último senti<strong>do</strong>, é fácil perceber que a ideia definalidade distingue-se nitidamente da de fim. Se otermo final da vida orgânica, qualquer forma de vidaorgânica, é a morte, esta não pode, obviamente, ser afinalidade da vida humana (COMPARATO, 2006, p.695).Em uma sociedade, as escolhas não mais estarão nas mãosde um único indivíduo, muito embora pequenos sucessos particularespossam refletir nela. Essas escolhas se realizam por meio dasinstituições políticas, que editam normativos jurídicos com o dever detratamento igualitário a to<strong>do</strong>s os cidadãos.Entra em cena o serviço público, cuja estruturaadministrativa é necessária para que o Esta<strong>do</strong> possa efetivamente serrepresenta<strong>do</strong> perante a comunidade, incorporan<strong>do</strong> uma série devalores e regras que deverão ser a<strong>do</strong>tadas. Toma-se forma os cargos eagentes públicos, com atribuições e responsabilidades, com o fito depromover o bem comum e mediar as relações entre cidadãos,governos e comunidades.Em suma, o servi<strong>do</strong>r público deve zelar por algo que nãolhe pertence; deve atuar não em seu próprio nome, mas em nome deuma coletividade; tem poder e autonomia proporcionais a sua missão.Isso se traduz em promover escolhas, no qual conservará ou mudaráum esta<strong>do</strong> de coisas, e que não escaparão de uma ponderação sobre omérito ou demérito destas ações.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.223– 234, jun. 2012


232Para que a ética seja de fato uma dimensãosignificativa de nossas vidas, precisamos estarconvictos de que a deliberação e a escolha fazem umagrande diferença no resulta<strong>do</strong> final, isto é, que o mun<strong>do</strong>seria muito distinto <strong>do</strong> que é, se o deixássemos seguirseu curso sem a nossa interferência consciente(ESCOLA..., p. 14).De fato, é preciso finalizar a deliberação. E mesmo que aescolha tenha si<strong>do</strong> a melhor possível, é possível que resulte em erro.Percebe-se, portanto, que a escolha, por mais que se delibere, éarriscada.Responsabilidade é justamente assumir esse risco e seguirem frente, pois ética é pautada na conduta responsável das pessoas.O equilíbrio entre a legalidade e a finalidade deve ser umabusca constante <strong>do</strong> agente público, pois o fim almeja<strong>do</strong> sempre será obem comum. É natural, portanto, a exigência por parte da sociedadede uma conduta impar daqueles que desempenham atividades nagestão de bens públicos. Pressuposto de validade de to<strong>do</strong> ato daadministração pública, a moralidade administrativa é imposta aoagente público, que não poderá desprezar o elemento ético em todaplenitude de sua conduta.O estímulo a essa conduta digna não deve partir apenas decódigos de ética ou de ensinamentos escolares e familiares. Cabe aosdirigentes públicos reconhecerem as necessidades, o desempenhofuncional, a participação nos resulta<strong>do</strong>s, o aperfeiçoamento.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.223– 234, jun. 2012


233Esses incentivos gerenciais transformarão o ambiente detrabalho numa cultura ética, de função educativa e aprendizagemvivencial, cujos resulta<strong>do</strong>s se apresentarão na credibilidade alcançada.Não é por demais frisar que a conduta imprópria de umagente público respinga em to<strong>do</strong>s. Por essa razão, esse ricocheteioincita to<strong>do</strong>s servi<strong>do</strong>res a reclamar um comportamento ético de seuspares.Participar <strong>do</strong> serviço público requer o indivíduo dedica<strong>do</strong>plenamente, com o objetivo de servir a comunidade e promover o bemcomum. Imparcialidade, objetividade e excelência são qualidadesimprescindíveis ao gestor público.Por tu<strong>do</strong> isso, é preciso que a ética no serviço público sejacompreendida, reiterada e aprofundada, cujo discurso será sempre embenefício das condições sociais que consistam ou favoreçam odesenvolvimento humano em toda sua máxima extensão.Procurar a excelência afetiva, intelectual, social,profissional, deveria ser a meta de to<strong>do</strong> ser humano.Procurá-la não é viver a paranoia de ser o número um.Não é desejar obsessivamente ser o melhor para ser ocentro das atenções sociais. Mas dar o melhor quetemos para irrigar a nós mesmos e a nossa empresa,escola, família. Quem não busca a excelência vive nastramas <strong>do</strong> individualismo. Pensa muito mais em simesmo <strong>do</strong> que nos outros (CURY, 2008, p. 219).R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.223– 234, jun. 2012


234REFERÊNCIASCAMARGO, Marculino. Fundamentos de ética geral e profissional.2. ed. São Paulo: Vozes,1996. p. 13-14.COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião nomun<strong>do</strong> moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 695.CURY, Augusto. O código da inteligência: a formação de mentesbrilhantes e a busca pela excelência emocional e profissional. Rio deJaneiro: Thomas Nelson Brasil/Ediouro, 2008. p. 219.ESCOLA Nacional de Administração Pública-ENAP. Diretoria deDesenvolvimento Geral. Coordenação Geral de Educação a Distância.Ética e serviço público. Módulo 1. ENAP, p. 14.MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Ética e ficção: deAristóteles a Tolkien. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 141.MINIAURÉLIO ELETRÔNICO versão 5.12 da língua portuguesa.Edição eletrônica autorizada a Positivo Informática Ltda. 7. ed. rev. eatual.VÁSQUEZ, A<strong>do</strong>lfo Sánchez. Ética. 19. ed. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1999. p 22.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.223– 234, jun. 2012


FORÇAS ARMADAS: IGUALDADE DE GÊNERO EPROFISSIONALIZAÇÃO235Erick Wilson Pereira 1. INTRODUÇÃOÉ preocupante o desinteresse da sociedade civil, inclusive<strong>do</strong>s movimentos liga<strong>do</strong>s à defesa da igualdade de gênero, em discutirquestões como essa, pois elas não apenas remetem a problemas dadefesa e segurança <strong>do</strong> país, mas à causa da emancipação feminina,uma das balizas da reestruturação <strong>do</strong>s governos democráticos. Daí aimportância em se discutir questões relativas à participação femininanas Forças Armadas, sob ângulos que não sejam meramente citaçõesestatísticas.O campo de estu<strong>do</strong>s acerca <strong>do</strong>s militares, especialmenteda participação feminina nas Forças Armadas, é pouco explora<strong>do</strong> noBrasil. Os estu<strong>do</strong>s são geralmente marca<strong>do</strong>s pela homogeneidade deopiniões, carecen<strong>do</strong> de debates que possibilitem interpretações mais________________ Gradua<strong>do</strong> (1993) e especialista em Direito e Cidadania (1998), em Criminologia(1999) e em Direito <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> (2000) pela Universidade Federal <strong>do</strong> Rio Grande<strong>do</strong> Norte - UF<strong>RN</strong>. Mestre em Direito Constitucional (2001) e Doutor em Direito <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> (2009) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


da Defesa. 1 De fato, os poucos autores brasileiros que se debruçaramdiversificadas ou divergentes. Tal fenômeno parece ter raízes antigas,poden<strong>do</strong> ser, ao menos em parte, justifica<strong>do</strong> em tema análogo, na área236sobre a questão, a maioria através de pesquisas que utilizam aetnografia como méto<strong>do</strong>, estabeleceram um novo campo de estu<strong>do</strong> –“antropologia <strong>do</strong>s militares” – na contramão da produção acadêmicada área cuja ênfase se faz nas intervenções militares na política. Osautores geralmente buscam obter uma “visão interna” <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> socialmilitar, superan<strong>do</strong> uma “visão externa”, a qual tende a ver os militaressob um ponto de vista “exoticizante e etnocêntrico”. 2As Forças Armadas constituem parte essencial daorganização coercitiva de um Esta<strong>do</strong> a serviço da paz social. “São,________________1 O Poder Civil, que sucedeu ao regime militar, identificava, em seu imaginário, ostemas de Defesa com repressão política. O tema, por isso, foi marginaliza<strong>do</strong>durante os trabalhos da Assembléia Constituinte (1987-1988). As liderançasemergentes não queriam tocar em nada que pudesse vinculá-las ao regimeanterior (...). Como consequência necessária, os temas de Defesa saíram daagenda nacional. Executivo e Legislativo passaram a vê-los como exclusivaagenda militar. (...). No meio acadêmico, desenvolveu-se processo semelhante(...). Em outros países, tais temas são objeto de profun<strong>do</strong> interesse intelectual. Háabundante produção, em instituições civis, de estu<strong>do</strong>s na área. O intercâmbioentre civis e militares dá ao Esta<strong>do</strong> melhores condições de decisão e à sociedademaior controle (...) (N. Jobim, 2008 apud MATHIAS, S.; GUZZI, A. C., 2010, p.53-54).2 CASTRO, C.; LEI<strong>RN</strong>ER, P. Antropologia <strong>do</strong>s militares. Rio de Janeiro: Ed. FGV,2010, p. 8.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


237portanto, garantias materiais da subsistência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e da perfeitarealização <strong>do</strong>s seus fins.” 3Na qualidade de instituições importantes e de grandeporte, as Forças Armadas expressam as características da sociedade naqual estão inseridas, ten<strong>do</strong> atuação relacionada aos projetos sociais dedefesa e consolidação <strong>do</strong>s direitos de cidadania e soberania <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>democrático de direito. Nada obstante, as transformações sociais epolíticas nem sempre se refletem com rapidez no éthos e naorganização interna das Forças Armadas em razão <strong>do</strong>s princípios dehierarquia e disciplina que, mais que em outras instituições, asnorteiam.A hierarquia e a disciplina, valores fundamentais daburocracia e da estrutura militar moderna, são também os pilares daorganização das Forças Armadas brasileiras. A hierarquia militar nãoé um sistema piramidal, mas um princípio segmenta<strong>do</strong>r que permeianão apenas entre as patentes, mas entre as pessoas. Qual numa “filaindiana”, os militares de uma patente podem ocupar diferentesposições na escala de subordinação. Uma vez estabelecida, ahierarquia se estende para to<strong>do</strong> o universo militar, das relaçõesinformais à percepção de mun<strong>do</strong>. A disciplina, por sua vez, émanejada para sobrepor a vontade coletiva à vontade individual, sen<strong>do</strong>________________3 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo:Forense, 1999. p. 745.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


238<strong>do</strong>tada de eficácia simbólica evidenciada, especialmente, quan<strong>do</strong> oindivíduo se sente parte de um to<strong>do</strong>.Segun<strong>do</strong> Castro 4 , tornar-se militar implica deixar de sercivil. O processo de construção da identidade militar pressupõe adesconstrução da identidade “civil” anterior. Para um militar, ser“militar” constitui um <strong>do</strong>s primeiros atributos da identidade, se não oprimeiro, em razão de pertencer a uma instituição de naturezatotalizante e, portanto, <strong>do</strong>tada de hierarquias ritualizadas eprocedimentos disciplinares específicos, facilitan<strong>do</strong> uma visão demun<strong>do</strong> fundada em jogos de oposições: mun<strong>do</strong> civil/ mun<strong>do</strong> militar,amigo da pátria/ inimigo.Leirner 5 , em análise da obra de Louis Dumont, aponta aexistência de diferenças na constituição entre indivíduo e coletivo,estan<strong>do</strong> o individualismo no centro <strong>do</strong>s valores das sociedadesocidentais, ten<strong>do</strong> sua gênese nos valores de igualdade, liberdade efraternidade, e em fatores como os econômicos e os políticos. Nessesenti<strong>do</strong>, o indivíduo é uma criação da sociedade, adquirin<strong>do</strong> o________________4 CASTRO, C.; LEI<strong>RN</strong>ER, P. Antropologia <strong>do</strong>s militares. Rio de Janeiro: Ed. FGV,2010, p. 24-25.5 LEI<strong>RN</strong>ER, P. Hierarquia e individualismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.p. 65R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


239individualismo um senti<strong>do</strong> na medida em que “englobar o seucontrário” e, assim, “sair de uma hierarquia”. 6É deste ser moral e biológico que também passaremos aabordar, especialmente com relação a aspectos de sua inserção nainstituição militar das Forças Armadas, cujas repercussões políticasserão postas em discussão.2. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE GÊNEROP. Bourdieu 7 entende as sociedades como organizadassegun<strong>do</strong> o princípio androgênico que ratifica a <strong>do</strong>minação masculinasobre a feminina e a inscreve numa natureza biológica, base dasdiferenças sociais. A visão androcêntrica é continuamente legitimadapelas próprias práticas que ela determina, resultan<strong>do</strong> na incorporaçãode um preconceito desfavorável contra o feminino. A violênciasimbólica é instituída pela adesão que o <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> outorga ao<strong>do</strong>minante, de forma que este tipo de relação de <strong>do</strong>minação passa a servisto como natural, num sistema de estruturas dura<strong>do</strong>uramenteinscritas nas coisas e nos corpos.________________6 “Para Dumont, a base ideal <strong>do</strong> indivíduo moderno, a partir <strong>do</strong> estatuto daigualdade, mistura o ser moral e o biológico, <strong>do</strong>tan<strong>do</strong>-o de qualidade de agentenormativo das instituições” (LEI<strong>RN</strong>ER, 2003, p. 38).7 BOURDIEU, P. A <strong>do</strong>minação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. p.56.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


240O estatuto social de objetos de troca imposto às mulheresse conforma aos interesses masculinos e se destina à “reprodução <strong>do</strong>capital simbólico <strong>do</strong>s homens”, numa espécie de “lógica da economiade trocas simbólicas” que permite explicar “o prima<strong>do</strong> concedi<strong>do</strong> àmasculinidade nas taxinomias culturais”.A <strong>do</strong>minação masculina que constrói as mulheres comoobjetos simbólicos tem por efeito a dependência simbólica, ainsegurança corporal, delas se esperan<strong>do</strong> que sejam “femininas”(submissas, discretas, simpáticas, atenciosas). Neste senti<strong>do</strong>, afeminilidade é uma “forma de aquiescência às expectativasmasculinas, reais ou supostas” e, em consequência, a dependênciatende a se tornar “constitutiva <strong>do</strong> seu ser”. 8É pelo adestramento <strong>do</strong>s corpos que são impostas asdisposições mais essenciais a entrar nos jogos sociais mais favoráveisao desenvolvimento da virilidade, entre as quais a política e osnegócios. Poderíamos acrescentar o militarismo, pois o autor observaque inúmeros ritos de instituição, especialmente os escolares oumilitares, admitem duras provas de virilidade com o objetivo de“reforçar solidariedades viris”. “Certas formas de ‘coragem’ exigidasou reconhecidas pelas forças armadas, ou pelas polícias (...)”,caracterizariam a virilidade como uma “noção eminentementerelacional, construída diante <strong>do</strong>s outros homens e contra a________________8 BOURDIEU, op.cit., p. 82.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


241feminilidade, por uma espécie de me<strong>do</strong> <strong>do</strong> feminino, e construída,primeiramente, dentro de si mesma”. 9A lógica <strong>do</strong> modelo tradicional entre o masculino e ofeminino dita as mudanças da condição feminina, de mo<strong>do</strong> que oshomens persistem em <strong>do</strong>minar o espaço público e a esfera <strong>do</strong> poder,ao passo que o espaço priva<strong>do</strong> é destina<strong>do</strong> às mulheres. As posiçõessociais são “sexuadas e sexualizantes”, não surpreenden<strong>do</strong> a violênciade certas reações emocionais contra a entrada de mulheres emdeterminadas profissões, pois ao defender seus cargos contra afeminilização, os homens estão protegen<strong>do</strong> a ideia mais profunda quetem de si mesmos como homens, “sobretu<strong>do</strong> em categorias sociaiscomo os trabalha<strong>do</strong>res manuais, ou de profissões como as das forçasarmadas, que devem boa parte, se não a totalidade, de seu valor, atémesmo a seus próprios olhos, à sua imagem de virilidade”. 10A definição de um cargo, especialmente de autoridade,importa em capacitações e aptidões de conotação sexual, de mo<strong>do</strong> quese as mulheres dificilmente ocupam tais posições, deve ser porque nãosão talhadas para essas posições em oposição aos homens:________________9 Ibidem, p. 66-67.10 BOURDIEU, op.cit., p. 115.Para chegar a realmente conseguir uma posição, umamulher teria que possuir não só o que é explicitamenteexigi<strong>do</strong> pela descrição <strong>do</strong> cargo, como também to<strong>do</strong> umconjunto de atributos que os ocupantes masculinosatribuem usualmente ao cargo, uma estatura física, umaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


242voz ou aptidões como a agressividade, a segurança, a‘distância em relação ao papel’, a autoridade dita naturaletc., para as quais os homens foram prepara<strong>do</strong>s etreina<strong>do</strong>s tacitamente enquanto homens. 11O autor é pessimista em relação à capacidade <strong>do</strong> quechama de “voluntarismo subversivo” - a exemplo <strong>do</strong> ponto de vistadefendi<strong>do</strong> por J. Butler no seu livro “Problemas de Gênero” - emultrapassar os dualismos, haja vista estes estarem profundamenteenraiza<strong>do</strong>s nas estruturas e corpos. “Os gêneros, longe de seremsimples ‘papéis’ com que se poderia jogar à vontade (à maneira dasdrag queens), estão inscritos nos corpos e em to<strong>do</strong> o universo <strong>do</strong> qualextraem sua força”. 12E, em significativa inferência para o tema ora em questão,em termos de solução para uma reprodução social tão perene, afirma:________________11 Ibidem, p. 78.12 BOURDIEU, op.cit., p. 122-123.Só uma ação política que leve realmente em conta to<strong>do</strong>sos efeitos de <strong>do</strong>minação que se exercem através dacumplicidade objetiva entre as estruturas incorporadas(tanto entre as mulheres quanto entre os homens) e asestruturas de grandes instituições em que se realizam ese produzem não só a ordem masculina, mas tambémtoda a ordem social (a começar pelo Esta<strong>do</strong>, estrutura<strong>do</strong>em torna da oposição entre a sua ‘mão direita’,masculina, e sua ‘mão esquerda’, feminina, e a Escola,responsável pela reprodução efetiva de to<strong>do</strong>s osprincípios de visão e de divisão fundamentais, eorganizada também em torno de posições homólogas)poderá, a longo prazo, sem dúvida, e trabalhan<strong>do</strong> comas contradições inerentes aos diferentes mecanismos ouR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


243instituições referidas, contribuir para o desaparecimentoprogressivo da <strong>do</strong>minação masculina (BOURDIEU,2010, p.139).Judith Butler 13 propõe uma análise crítica ou subversão dascategorias de identidade, que as estruturas jurídicas produzem enaturalizam, de mo<strong>do</strong> a desestabilizar conceitos, valores e atitudesconsidera<strong>do</strong>s como naturais. Consideran<strong>do</strong> que “é impossível separara noção de gênero das intersecções políticas e culturais em queinvariavelmente ela é produzida e mantida”, tal noção estável nãomais serve como premissa da política feminista que ora deve contestaras reificações <strong>do</strong> gênero e da identidade como requisito meto<strong>do</strong>lógicoe normativo, “senão como objetivo político.”A distinção entre sexo e gênero introduz uma divisão nosujeito feminista que aponta o gênero como culturalmente construí<strong>do</strong>,não sen<strong>do</strong> nem resulta<strong>do</strong> causal <strong>do</strong> sexo nem tão fixo quanto esteúltimo, abrin<strong>do</strong>-se como interpretação múltipla dele. Mas, o gênerotambém é “meio discursivo/cultural” pelo qual o sexo natural éproduzi<strong>do</strong> como anterior à cultura, uma superfície politicamenteneutra sobre a qual age a cultura. A autora 14 , portanto, rompe com ospressupostos de naturalização <strong>do</strong> sexo, da coerência <strong>do</strong> gênero quantoao sexo e <strong>do</strong> caráter binário tanto <strong>do</strong> gênero quanto <strong>do</strong> sexo.________________13 BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 2314 BUTLER, op.cit., p. 25.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


244Donna Haraway 15 utiliza a imagem simbólica <strong>do</strong> ciborguepara introduzir várias questões acerca <strong>do</strong> gênero, da subjetividade, datecnologia e sexualidade. O ciborgue, fusão de animal e máquina,serve para colocar em questão as dicotomias incensadas pelopensamento ocidental, quais sejam mente e corpo, organismo emáquina, natureza e cultura, self e mun<strong>do</strong>, público e priva<strong>do</strong>, homense mulheres, ao tempo em que também descarta os mitos de origem, asfantasias de unidade e totalização, o pensamento teleológico. Ociborgue ultrapassa o estágio da unidade original, da identidade com anatureza, e conduz à subversão da teleologia.O natural é correntemente visto sob a perspectiva de queassim sempre o foi e que não é possível mudá-lo. Ao se considerar asmulheres como naturalmente frágeis, emocionais e submissas, está-sea afirmar que elas não podem mudar. Entretanto, consideran<strong>do</strong>-se quehomens e mulheres são construí<strong>do</strong>s, a exemplo <strong>do</strong>s ciborgues, to<strong>do</strong>spodemos ser reconstruí<strong>do</strong>s. Pois, ser feminiza<strong>do</strong> implica se tornarvulnerável, desmontável, servil, “explora<strong>do</strong> como uma força detrabalho de reserva.” Nesse senti<strong>do</strong>, até a pobreza pode ser feminizadaem razão <strong>do</strong> desmantelamento <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de bem-estar e pela economia<strong>do</strong> trabalho caseiro.________________15 HARAWAY, D.; KUNZRU, H; TADEU, T. (Org.). Antropologia <strong>do</strong> ciborgue: asvertigens <strong>do</strong> pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. p. 69-70.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


245Nesse senti<strong>do</strong>, “as identidades parecem contraditórias,parciais e estratégicas.” Após o reconhecimento de que gênero, raça eclasse social são historicamente construí<strong>do</strong>s, tais categorias não maispodem embasar a crença na unidade “essencial”. Assim, nem mesmoexiste uma situação como “ser” mulher – “trata-se, ela própria, de umacategoria altamente complexa, construída por meio de discursoscientíficos sexuais e de outras práticas questionáveis”. 16Numa tentativa de desenvolver uma perspectivaepistemológica e política, median<strong>do</strong>-se pelos rearranjos das relaçõessociais nas áreas de ciência e tecnologia, Haraway argumenta “emfavor de uma política enraizada nas demandas por mudançasfundamentais nas relações de classe, raça e gênero”, as quaisconduzem a sociedade industrial para um “sistema polimorfo,informacional”. 173. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS FORÇAS ARMADAS NACONSTITUIÇÃO DE 88 E EM ALGUMAS NORMASINFRACONSTITUCIONAISA elaboração da Carta de 1988, a qual teve a missão dereorganizar a democracia no país após os anos sob a ditadura militar,________________16 HARAWAY, D.; KUNZRU, H; TADEU, T. (Org.), op. cit., p. 47.17 HARAWAY, D.; KUNZRU, H; TADEU, T. (Org.), op. cit., p. 59.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


246foi marcada por alterações que buscavam desmilitarizar o texto daConstituição anterior, eliminan<strong>do</strong> termos que porventura lembrassemo regime pretérito. Entretanto, a definição das Forças Armadas e desuas funções recebeu quase que a mesma redação anterior. 18O caráter nacional e permanente inserto na Carta concedeuàs Forças Armadas uma superioridade frente às demais instituições decaráter civil. Soluciona<strong>do</strong>s os problemas mediante leiscomplementares (LC 69, posteriormente substituída pelas LCs 97 e117), a autonomia militar, legalizada ao longo de vários anos, persistiude mo<strong>do</strong> que constitui, para alguns observa<strong>do</strong>res (MATHIAS;GUZZI), obstáculo para a consolidação da democracia em termosnormativos.A exposição de motivos nº 152/97, da EC 18/98, quealterou o regime constitucional <strong>do</strong>s Militares, subscrita pelosMinistros de Esta<strong>do</strong> da Justiça, da Marinha, <strong>do</strong> Exército, daAeronáutica, <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-Maior das Forças Armadas e daAdministração Federal e Reforma <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, é exemplificativa dabusca pelo tratamento distintivo pelos militares:A proposta pretende dar aos membros das ForçasArmadas e das polícias militares e corpos de bombeiros________________18 As Forças Armadas, constituídas de Marinha, Exército e Aeronáutica, sãoinstituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base nahierarquia e na disciplina, sob autoridade suprema <strong>do</strong> Presidente da República, edestinam-se à defesa da Pátria, à garantia <strong>do</strong>s poderes constitucionais e, poriniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (C.F., art. 142).R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


247militares um tratamento distinto no que concerne adeveres, direitos e outras prerrogativas, "visto que osmilitares não são servi<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s Ministérios militares;eles pertencem às instituições nacionais permanentesque são a Marinha, o Exército e a Aeronáutica. Ecomplementam os insignes Ministros de Esta<strong>do</strong>: o perfilda profissão militar é a defesa da Pátria, ten<strong>do</strong> por issopeculiaridades inigualáveis com outras categorias". Econcluem: "esta condição institucional ( nacional epermanente) vincula primordialmente as ForçasArmadas ao Esta<strong>do</strong> e transcende o plano público, queestá mais vincula<strong>do</strong> e identifica<strong>do</strong> com as atividades eos serviços presta<strong>do</strong>s pela administração pública.Mathias e Guzzi, no entanto, observam:O estabelecimento da lei é condição necessária paratrilhar o caminho da democracia. Ao menos em tese, alei aponta os valores que devem permear a sociedadeque ela regula. Se a prescrição da lei é a permanência daautonomia militar, como conquistar a consolidação dedemocracia?. 19Os autores afirmam que o afastamento militar dasatividades relacionadas com segurança pública é uma condiçãoessencial para a construção <strong>do</strong> regime militar, pois implica asubordinação militar à liderança civil. Mas o Brasil, em oposição a talpreceito, vem recorren<strong>do</strong> às Forças Armadas para solucionar gravesproblemas de segurança pública a ponto de haver cria<strong>do</strong> brigada paratreinamento de missões GLO (“garantia da lei e da ordem”).________________19 MATHIAS, S. K.; GUZZI, A. C. Autonomia na lei: as forças armadas nasconstituições nacionais. R. Bras. de Ciências Sociais, vol. 25, n.73, junho p. 54,2010.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


248A demanda cada vez mais crescente das Forças Armadaspara solucionar questões de ordem pública, ao ponto de suabanalização, passou a ser vista como natural por parte da população.Há setores militares, entretanto, que defendem tais distorções comoforma de manter as Forças Armadas próximas da população e garantirinvestimento na modernização da instituição, especialmente oExército, a Força mais presente nas questões de segurança pública.Tais contradições, ao tempo que distanciam a percepção<strong>do</strong> verdadeiro papel das Forças Armadas, também contribuem paraque a esfera civil se omita em refletir e discutir questões inerentes àsForças, tornan<strong>do</strong> tais instituições cada vez menos permeáveis emtermos de acesso e estu<strong>do</strong>.Outro fator causal talvez se deva ao fato de a defesa dasoberania, bem como a preservação <strong>do</strong> território <strong>do</strong> país, faça com queos militares pertençam a um setor especial de agentes públicos que,compromissa<strong>do</strong>s com a Pátria, mantêm certa distância das questõespolítico-partidárias. O Estatuto <strong>do</strong>s Militares (Lei nº 6.880/1980) éexemplificativo, no seu art. 3º, ao se referir que os “membros dasForças Armadas, em razão de sua destinação constitucional, formamuma categoria especial de servi<strong>do</strong>res e são denomina<strong>do</strong>s militares”.Mais recentemente, foi assina<strong>do</strong> o Decreto n. 6.703/2008que aprovou a Estratégia Nacional de Defesa – END, cujo textoafirma, entre outros aspectos, a necessidade de se modernizar asForças Armadas e que a Estratégia Nacional de Defesa é inseparávelR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


249de Estratégia Nacional de Desenvolvimento, com determinaçõesreferentes à priorização da Região Amazônica e em áreas de fronteira,o desempenho das Forças Armadas em operações de manutenção dapaz e a manutenção <strong>do</strong> Serviço Militar Obrigatório.4. TRANSFORMAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS EPARTICIPAÇÃO FEMININAEstu<strong>do</strong>s sobre a participação feminina nas Forças Armadasde alguns países europeus e Canadá demonstram que os processos defeminização (inserção das mulheres em profissões e ambientes detrabalho majoritariamente masculinos) nas Forças Armadas nãodevem ser compreendi<strong>do</strong>s de forma independente. A feminizaçãogeralmente se insere num processo de racionalização e transformaçãodas Forças Armadas com reflexos no trabalho e no perfil <strong>do</strong>profissional militar. A tendência à profissionalização mediante aincorporação de novas tecnologias, a redução <strong>do</strong>s contingentes aefetivos mais especializa<strong>do</strong>s e voluntários, a preponderância de umaética de responsabilidade, constituíram-se em fatores que facilitaram aentrada das mulheres - mais escolarizadas e abertas para as profissõesR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


250que os homens – nas Forças Armadas, especialmente a partir dadécada de 70. 20No mesmo senti<strong>do</strong>, Carreiras 21 observa que as“transformações nas condições <strong>do</strong> exercício da violência organizada ena própria estrutura sócio-organizacional das instituições militares”<strong>do</strong>s países ocidentais, permitiram o enquadramento <strong>do</strong> ingressofeminino nas Forças Armadas. Aponta como fatores causais os novosdesenvolvimentos tecnológicos, que socializaram o perigo epossibilitaram que o papel das Forças Armadas se tornassedetermina<strong>do</strong> pela “lógica da ‘dissuasão’”, conceito organiza<strong>do</strong>r cujoobjetivo é o de “preparar a guerra para a tornar impossível”.Como consequência, as funções e tarefas militares setornaram diversificadas e especializadas; os exércitos de massa deramlugar a contingentes mais limita<strong>do</strong>s, mobilizáveis e profissionaliza<strong>do</strong>s;as funções de apoio se tornaram preponderantes em relação às funçõescombatentes. Ademais, detectou-se uma tendência para uma certacontinuidade entre organizações militares e burocráticas civis, com odesenvolvimento de uma “lógica de empresa, induzida pela introdução________________20 LOMBARDI, Maria Rosa. As mulheres nas Forças Armadas brasileiras: aMarinha <strong>do</strong> Brasil 1980-2008. São Paulo: FCC / DPE, 2009.21 CARREIRAS, H. Mulheres nas Forças Armadas: transformação institucional erecrutamento feminino. Sociologia: problemas e práticas. Lisboa: ISCTE, n. 18,p. 99-100, 1995.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


251de materiais e técnicas de gestão semelhantes às utilizadas pelasempresas civis”. 22Segun<strong>do</strong> o modelo institucional de Moskos defendi<strong>do</strong> porCarreiras, a instituição militar abrange um modelo institucional,legitima<strong>do</strong> em torno de valores tradicionais (honra, pátria, dever,vocação) e outro ocupacional, pauta<strong>do</strong> pela racionalidade de merca<strong>do</strong>e preponderante na sociedade civil. E, se a introdução dasespecialidades técnicas e administrativas nas Forças Armadasaproximaram essas instituições militares das civis, ou <strong>do</strong> modeloocupacional, é certo que em alguns países, especialmente nos EUA,novas políticas têm estimula<strong>do</strong> uma renovação de iniciativas com oobjetivo de reforçar os aspectos institucionais das instituições, deforma que os referenciais que “sustentam a especificidade daorganização militar” não se percam. 23É no contexto de tais transformações que as mulherespassaram a se inserir nas Forças Armadas e a ampliar seus papéis efunções.________________22 CARREIRAS, op. cit., p. 100.23 Ibidem, p. 104.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


5. PROCESSO DE FEMINIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADASNO BRASIL252No Brasil, o processo de feminização das Forças Armadasteve início na Marinha (1980) com a criação <strong>do</strong> CAFRM - CorpoAuxiliar Feminino da Reserva da Marinha, para atuar na área técnica eadministrativa. Com a extinção <strong>do</strong> CAFRM, na segunda metade dadécada de 90, as mulheres foram incorporadas na estrutura oficial aosCorpos e Quadros da Marinha através da Lei n. 9.519/97 (corpo deengenheiros, corpo de intendentes, quadros médicos de cirurgiõesdentistas e de apoio à saúde, com permissão para embarcar em navioshidrográficos, oceanográficos e de guerra, além de tripulações dehelicópteros).Na Aeronáutica, houve o ingresso da primeira turma demulheres na FAB (1982) e a primeira turma de cadetes femininas naAcademia da Força Aérea (1996), diplomada como as primeirasoficiais militares femininas formadas numa academia militar no Brasil(1999). Avanço significativo se deu quan<strong>do</strong>, em 2006, formou-se aprimeira turma de mulheres pilotos de aviação.As mulheres ingressaram no Exército brasileiro em 1992através da Escola de Administração e, só em 1997, formaram aprimeira turma no Instituto Militar de Engenharia. Como militartemporário, ingressaram no Serviço Militar Feminino Voluntário(1996) como médicas, dentistas, enfermeiras, farmacêuticas eR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


253veterinárias. Posteriormente, em 1998, foi instituí<strong>do</strong> o Estágio deServiço Técnico para profissionais de nível superior em direito,administração, contabilidade, engenharia, análise de sistemas,arquitetura e jornalismo, entre outras áreas.A pequena porcentagem de mulheres no contingentemilitar das Forças Armadas é demonstrada na tabela 24 abaixo:COMANDO MASCULINO FEMININO TOTALAERONÁUTICA 94% (69.918) 6% (4.400) 100% (74.318)EXÉRCITO * ..... ...... ......MARINHA 95,8% (53.482) 4,2% (2.338) 100% (55.820)TOTAL 94,8% (123.400) 5,2% (6.738) 100% (130.138)* Da<strong>do</strong>s não forneci<strong>do</strong>s.Apesar de transcorri<strong>do</strong>s 30 anos <strong>do</strong> ingresso das mulheresnas Forças Armadas brasileiras, a presença pouco expressiva e asinterdições que ainda persistem não impedem que a presença femininaseja vista como consolidada e bem aceita. Não obstante, embora talpresença seja significativa nas áreas administrativa e da saúde, asmulheres ainda não galgaram acesso aos postos de alto coman<strong>do</strong>.Suzely Kalil Mathias 25 aponta três fatores responsáveis________________24 Cf. Coman<strong>do</strong> das Forças/ Brasília, 2006. In: SILVA, C., 2006, p.10.25 No Brasil, não houve nenhuma reformulação da estrutura militar. Ao contrário, oque se apresenta é uma sobreposição de medidas objetivan<strong>do</strong> promover umaaparente adaptação das Forças Armadas à Democracia e às exigências bélicas <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> hoje. O recrutamento feminino para as Forças Armadas também não sebaseou na necessidade de cumprir com as exigências de igualdade deoportunidades, pois é apenas em 1988, com a nova Constituição, que essepreceito aparece. Defende-se aqui que o que justificou esse procedimento foi aR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


254pela feminização das Forças Armadas na América Latina: areorganização da democracia política com sua pressão por igualdadepara to<strong>do</strong>s os cidadãos; a mudança nos formatos de guerra em razão<strong>do</strong>s avanços tecnológicos (sofisticação das armas) e administrativos(gestão da guerra); um fator psicossocial, resulta<strong>do</strong> da percepção <strong>do</strong>sagentes sobre a função <strong>do</strong>s militares, aspecto que se relaciona ao baixoprestígio da profissão militar para os homens e que permitiu umareestruturação nas Forças Armadas, facilitan<strong>do</strong> o ingresso demulheres.Portanto, o ingresso feminino nas Forças Armadas noBrasil, bem como na América Latina, não se deu pela reivindicaçãodas mulheres, mas por contingências outras.somatória <strong>do</strong> sucesso que a incorporação feminina teve nas polícias militaresestaduais (provinciais) e, por outro, o desprestígio <strong>do</strong>s militares particularmentediante das elites, o que abriu a profissão para as mulheres. De forma nenhumaessas fatores são excludentes, ao contrário, estão em perfeita sintonia, pois aspoliciais femininas foram interpretadas como humaniza<strong>do</strong>ras das forçasmilitares, compensan<strong>do</strong> a visão popular de que as polícias militares sealimentavam da tortura e da corrupção. No mesmo senti<strong>do</strong>, a crise de identidadecastrense advinda de seu afastamento da política e a participação crescente demulheres nas Missões da ONU, exigiram reformulações que apontavam para aincorporação feminina (MATHIAS, 2005, p.17).R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


2556. COMPARAÇÃO COM OUTROS PAÍSESEm comparação com outros países, especialmente osEUA, a França, o Canadá e a Espanha, o processo de feminização dasForças Armadas no Brasil é recente e com baixo índice. Os países quepassaram pela feminização a<strong>do</strong>taram soluções particulares. O Canadáabriu suas unidades de combate às mulheres, ao contrário daInglaterra. A França iniciou o processo ainda na década de 70,haven<strong>do</strong> incorpora<strong>do</strong> as mulheres à estrutura militar em condiçõessemelhantes às <strong>do</strong>s homens, de forma que hoje elas alcançaram o altocoman<strong>do</strong> e regularmente integram as tripulações de combate.Nos EUA, após a guerra <strong>do</strong> Golfo, a maioria das barreirasimpostas também caiu, haven<strong>do</strong> as mulheres que galgaram o posto deGeneral de Divisão. Nada obstante, 95% ocupam postos abertosespecialmente para elas e ainda estão excluídas de postos de combatedireto. Em Israel, onde o serviço militar é obrigatório para ambos ossexos, as mulheres também foram excluídas <strong>do</strong>s postos de combatedireito.Paulo Roberto L. Kuhlmann 26 , citan<strong>do</strong> análise procedidapor Forster em oito países europeus, afirma que onde as mulheresestão mais inseridas é na França, com 12% de representatividade nas________________26 KUHLMANN, Paulo R. L. Exército Brasileiro: estrutura militar e ordenamentopolítico 1984-2007. Tese (Doutora<strong>do</strong>) – USP. São Paulo, 2007. Mimeo.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


Forças Armadas e 45% na sociedade, como força de trabalho.Entretanto, consideran<strong>do</strong> o panorama geral, é de se concluir que aindafalta muito para haver a integração plena da mulher, tanto em termospercentuais, quanto em termos de aceitação social.Carreiras 27 , em análise <strong>do</strong> caso português, reporta que oingresso das mulheres nas Forças Armadas de Portugal apenas se deua partir de 1990, coincidin<strong>do</strong> com um processo de reestruturação eredimensionamento das Forças, de forma que quatro anos depois, em2004, cerca de mil mulheres haviam si<strong>do</strong> recrutadas mediante osnovos regimes de voluntaria<strong>do</strong> e contrato. No entanto, a maioria seconcentra em “atividades tradicionalmente femininas” (2/3), ou seja,apoio administrativo/serviços e saúde, e em postos mais baixos nahierarquia militar (praças).Em relação aos países da América <strong>do</strong> Sul, as ForçasArmadas argentinas são consideradas como as <strong>do</strong>tadas de melhorestrutura. As reformas promovidas na década de 90 foram bemsucedidas, sen<strong>do</strong> duas medidas essenciais: o aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong> ServiçoMilitar Obrigatório e, consequentemente, a introdução <strong>do</strong> voluntaria<strong>do</strong>e a abertura da educação militar, braço <strong>do</strong> ensino civil. No entanto, apromoção da igualdade de gênero ainda não se completou, pois asmulheres argentinas ainda não podem assumir funções na frente de________________27 CARREIRAS, H. Mulheres nas Forças Armadas: transformação institucional erecrutamento feminino. Sociologia: problemas e práticas. Lisboa: ISCTE, n. 18:p. 109, 1995.256R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


257combate, ten<strong>do</strong> que se adaptar às funções de apoio ou auxílio à tropa,a exemplo da maioria <strong>do</strong>s países que têm mulheres nos seus quadrosmilitares. 287. PERCEPÇÃO SOBRE A PARTICIPAÇÃO FEMININAHá diversos estu<strong>do</strong>s, nacionais e estrangeiros, acerca dapercepção da participação feminina nas Forças Armadas por mulherese militares homens. Sonia Carvalho (1990), em estu<strong>do</strong> sobre asmilitares <strong>do</strong> Centro de Aplicações Táticas e Recompletamento deEquipagens (CATRE, Parnamirim/<strong>RN</strong>), observou que a condição deser mulher se sobrepõe àquela de ser militar em relação aoreconhecimento na instituição militar, constituin<strong>do</strong> o curso deformação uma espécie de adaptação à vida militar, quan<strong>do</strong> valoresmilitares e masculinos são internaliza<strong>do</strong>s.O estu<strong>do</strong> da cientista política Maria Celina D`Araújo 29demonstrou que esta percepção pouco difere da discussãointernacional sobre o tema. Em geral, as mulheres são consideradassob uma ótica sexista, desigual e diferente, cuja maior característica é________________28MATHIAS, S. K. As mulheres chegam aos quartéis. Resdal Eletrônica:Argentina, 2005. Disponível em: http://www.resdal.org/produccionesmiembros/art-kalil.html.29 D`ARAÚJO, Maria Celina. Mulheres e questões de gênero nas Forças Armadas.Resdal Eletrônica: Argentina, 2004. Disponível em:http://www.resdal.org/producciones-miembros/redes-03-daraujo.pdf), p. 5R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


258a fragilidade. Ou seja, as mulheres seriam seres fisicamente frágeisque necessitam de proteção, dentro e fora <strong>do</strong>s quartéis, o quejustificaria sua exclusão em certas atividades de risco e disciplinares,consideradas como eminentemente masculinas. Elas ainda seriamconsideradas prejudiciais às situações de guerra por provocarem nohomem sentimentos de proteção.Face ao para<strong>do</strong>xo de como inseri-las numa instituição quelida com o monopólio da força bruta e que deve estar acima desentimentos pessoais que evocam senti<strong>do</strong>s, libi<strong>do</strong> e afeto, “a saída <strong>do</strong>sdirigentes militares foi incluir as mulheres com restrições. Outramedida diferencia<strong>do</strong>ra é a de que, enquanto o serviço militar éobrigatório no Brasil para os homens, para as mulheres é uma escolade carreira.” 30Sobre a percepção feminina da própria presença nasForças Armadas, a antropóloga Cristina R. da Silva 31 , observou que “achegada das mulheres dentro da instituição militar promoveu osurgimento de novas relações entre homens e mulheres que nãoestavam prescritas anteriormente, e que são construídas de forma alegitimar a tradicional divisão social <strong>do</strong>s papéis sexuais” 32________________30 D`ARAÚJO , op. cit., p. 5.31 SILVA, Cristina R. Gênero, hierarquia e Forças Armadas: um estu<strong>do</strong> etnográficoacerca da presença de mulheres nos quartéis. 2006. Acessível em:http://www.mendeley.com/research/gnero-hierarquia-e-forcas-armadas-umestu<strong>do</strong>-etnogrfico-acerca-da-presena-de-mulheres-nos-quatis/.p. 13.32 Ibidem, p. 13.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


259A relação desigual entre homens e mulheres seria, assim,um reflexo de uma sociedade marcada pela <strong>do</strong>minância masculina.Para a pesquisa<strong>do</strong>ra, o tratamento recebi<strong>do</strong> pelas mulheres, oraexcessivamente educa<strong>do</strong>, ora preconceituoso, termina por causardesconforto na relação entre homens e mulheres, comprometen<strong>do</strong> ahierarquia militar.Por outro la<strong>do</strong>, o referi<strong>do</strong> estu<strong>do</strong> demonstra que asmulheres quan<strong>do</strong> passam a incorporar qualidades consideradasmasculinas, como a liderança e a coragem, e a apresentar menosqualidades tidas como femininas, a exemplo da delicadeza e dafragilidade, findam se reconhecen<strong>do</strong> como militares no ambiente detrabalho, ao tempo em que também passam a ser vistas como homenspelos seus colegas. E, embora o espaço militar seja reconheci<strong>do</strong> pelasmulheres como masculino ou de estrutura paternalista, admitem aexistência de situações em que os comportamentos femininos(versatilidade e sensibilidade para resolver problemas) agregammudanças benéficas nas relações dentro <strong>do</strong> ambiente militar. A autoraconclui que a presença feminina nas Forças Armadas propicia areconstrução e a articulação das percepções de feminilidade emasculinidade nas relações cotidianas daquelas instituições.Suzely Mathias, em estu<strong>do</strong> da questão na esfera maisampla <strong>do</strong>s países da América Latina, observa queÉ bastante comum aceitar que as mulheres não estãotalhadas para o exercício da força e, em particular, paraR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


260a aplicação, ainda que necessária porque socialmentejustificada, da violência. Ao contrário, o mun<strong>do</strong>feminino é comumente associa<strong>do</strong> à delicadeza e ànecessidade de proteção das mulheres pelos homens.Essa forma de encarar as mulheres é tradicional nospaíses latino-americanos cuja cultura é marcadamenteviril e católica. Todavia, essa forma de ver a questãonão impede que se reconheça a presença positiva dasmulheres nas frentes de batalha, como são exemplospara o caso brasileiro Anita Garibaldi ou MariaQuitéria. Ambas, entretanto, assumiram papéisexcepcionais e/ou travesti<strong>do</strong>s para lutar não por seusdireitos enquanto cidadãs, mas pela libertação de seuspovos/nações. 33Segun<strong>do</strong> a pesquisa<strong>do</strong>ra, prevalece nas Forças Armadasbrasileiras uma visão contrária à presença feminina em vista dalimitação de sua presença nos quadros complementares ou auxiliaresque não permitem a ascensão ao Esta<strong>do</strong>-Maior. As justificativas,balizadas pelo sexismo, abrangem a falta de condições físicas ouemocionais das mulheres, a distração que causariam nos homens, afalta de orçamento para realizar as adaptações das instalaçõesmilitares. Observa, ainda, que o serviço militar obrigatório continuaobrigatório apenas para os homens.A mulher, ao assumir papéis reserva<strong>do</strong>s aos homens, temsua imagem associada à ideia de que o gênero é um fator biológico ajustificar a desigualdade na divisão social <strong>do</strong> trabalho. O preconceito________________33MATHIAS, S. K. As mulheres chegam aos quartéis. Resdal Eletrônica:Argentina, 2005. Disponível em: http://www.resdal.org/produccionesmiembros/art-kalil.html,p. 17.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


261não se limitaria às legislações que tolhem a chegada da mulher apostos e cargos. Também está presente na forma como a mulher évista por seus pares no ambiente militar, pelo seu círculo social e atépor si mesma. 34Emília Takahashi 35 realizou uma etnografia na Academiada Força Aérea (Pirassununga/SP) e demonstrou os mo<strong>do</strong>s deconstrução da identidade de homens e mulheres militares ao longo <strong>do</strong>squatro anos de formação <strong>do</strong>s cadetes. Partiu <strong>do</strong> pressuposto de que aformação da identidade é um fenômeno psicossocial que emerge dasrelações sociais, não sen<strong>do</strong> estática, mas um processo que, assimcomo o gênero, é resultante da comparação entre diferenças esemelhanças.A autora observa que na maioria <strong>do</strong>s relatos, de homens emulheres, é constata<strong>do</strong> que o reconhecimento da identidade militar dasmulheres se dá em situações em que elas se esforçam para sobrepor aidentidade militar sobre a feminina, com reconhecimento <strong>do</strong> esforço e<strong>do</strong> mérito individual. 36________________34MATHIAS, S. K. As mulheres chegam aos quartéis. Resdal Eletrônica:Argentina, 2005. Disponível em: http://www.resdal.org/produccionesmiembros/art-kalil.html.35 TAKAHASHI, Emília E. Homens e mulheres em campo: um estu<strong>do</strong> sobre aformação da identidade militar. Tese (Doutora<strong>do</strong> em Educação) – UNICAMP,Campinas, São Paulo, 2002. Disponível em:http://cutter.unicamp.br/<strong>do</strong>cument/index.php?did=24495.36A sobreposição da identidade militar sobre a identidade de gênero ‘feminino’ é ofator essencial para que as mulheres sejam vistas como militares e não maisR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


262Takahashi conclui, outrossim, que no processo em que oscadetes têm a oportunidade de vivenciar uma multiplicidade de papéispropicia<strong>do</strong>s pelos princípios militares da disciplina e da hierarquia -pilares estruturais <strong>do</strong> modelo burocrático típico das instituiçõesmilitares -, espaços novos surgem e permitem a “subversão <strong>do</strong>paradigma tradicional ou mesmo a igualdade entre homens emulheres” 37A autora se mostra otimista e vê como plausível aintegração feminina na instituição militar, tradicionalmente associadaaos valores ti<strong>do</strong>s como masculinos. Observa que as diferenças entrehomens e mulheres são diluídas à medida que o processo deidentificação se concentra no ser profissional militar, sem recorrer àsdiferenças geradas pelo sexo, e sem se deixar aprisionar emidentidades fixas e tidas como verdades absolutas.Tais conclusões parecem coincidir com as opiniõesexpostas de forma bastante clara e franca por Rhonda Cornum(1996) 38 no artigo “Soldiering: the enemy <strong>do</strong>esn’t care if you’refemale”. Militar da guerra <strong>do</strong> Golfo, ela enfatiza a identificação <strong>do</strong>smilitares com a sua missão ou trabalho, sejam homens ou mulheres.como ‘acochambradas’, ‘protegidas’ ou até mesmo ‘prejudiciais’ à formação naAcademia. Quan<strong>do</strong> as mulheres assumem posturas que caracterizam a profissãomilitar e não se refugiam em identidades frágeis que necessitam de proteção ecuida<strong>do</strong>s especiais, elas são alçadas à condição de cadetes e, portanto, militares,pelos companheiros. (grifos da autora) (TAKAHASHI, 2002, p.216-217).37 TAKAHASHI, op. cit., p. 252.38 CO<strong>RN</strong>UM apud TAKAHASHI, 2002, p. 122.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


263Na sua opinião, são os valores que regem a instituição militar(lealdade, integridade, dedicação, coragem) que importam para osucesso <strong>do</strong> desempenho profissional, e não aspectos que poderiam sermelhor representa<strong>do</strong>s por qualquer um <strong>do</strong>s sexos. Ou seja,para<strong>do</strong>xalmente, apesar das limitações impostas às mulheres para queascendam na integralidade da carreira militar, elas se expõem aosmesmos riscos que os homens e conseguem incorporar a identidademilitar e os valores da instituição.Mais recentemente 39 em raro estu<strong>do</strong> acerca das mulheresna Marinha <strong>do</strong> Brasil, verificou-se que, embora a opinião de ambos ossexos sobre o ingresso feminino seja positivo, com reconhecimento dasua contribuição como profissionais, muitos militares homenscolocam restrições à presença das mulheres, especialmente naEsquadra, a razão de ser da Marinha. Para estes, a integração temlimites, de forma que as atividades de combate e de guerra devemcontinuar sen<strong>do</strong> exclusivas <strong>do</strong>s homens.As justificativas se assemelham às encontradas nosestu<strong>do</strong>s anteriormente cita<strong>do</strong>s: a falta de força e de resistência físicafeminina para efetuar serviços pesa<strong>do</strong>s e sujos; a ausência deinfraestrutura <strong>do</strong>s navios para receber as mulheres; a pretensa aversãofeminina a ambientes confina<strong>do</strong>s e ao isolamento; a incompatibilidade________________39 LOMBARDI, Maria Rosa. As mulheres nas Forças Armadas brasileiras: aMarinha <strong>do</strong> Brasil 1980-2008. São Paulo: FCC / DPE, 2009.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


264entre maternidade, o cuida<strong>do</strong> <strong>do</strong>s filhos e a vida no mar por longosperío<strong>do</strong>s.Entretanto, tal percepção não se coaduna com a dasmulheres que tiveram a oportunidade de embarcar em missões deserviço de durações variáveis. Os trabalhos, em especial os dasengenheiras navais, eminentemente técnicos e relaciona<strong>do</strong>s a sistemasde armamento, rastreamento e sensoriamento remoto (táticas de guerraeletrônica), fazem crer que “a barreira das atividades profissionaisligadas à guerra, portanto, parece ter si<strong>do</strong> ultrapassada pelas mulheres,com auxílio da tecnologia digital” 40O mesmo estu<strong>do</strong>, ao abordar a questão da maternidade,registrou que as militares mulheres se queixam pela incompreensão<strong>do</strong>s comandantes em relação às limitações físicas impostas pelo esta<strong>do</strong>gestacional. Mas, para<strong>do</strong>xalmente, os principais focos de tensão entreos <strong>do</strong>is sexos se referem a um suposto tratamento diferencia<strong>do</strong>, maisprotetor, <strong>do</strong>s comandantes em relação às mulheres e ao fato de queestas, mais escolarizadas e jovens, embora com menos experiênciaprática que os praças, são promovidas mais rapidamente, geran<strong>do</strong>resistência masculina ao seu coman<strong>do</strong>. No entanto, a autora observaque, com o tempo, ocorre uma adaptação às respectivas posiçõeshierárquicas, embora à custa de contínuas provas de competência________________40 LOMBARDI, op. cit., p. 11.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


profissional e de vigilância da parte <strong>do</strong>s companheiros militares paraque não sejam poupadas <strong>do</strong>s trabalhos e das escalas de serviço.2658. OBRIGATORIEDADE DO SERVIÇO MILITARA lei que regula o serviço militar brasileiro é a Lei nº4.375, de 17 de agosto de 1964 (Lei <strong>do</strong> Serviço Militar - LSM),amparada pela norma constitucional atual, a qual é deveras claraacerca da obrigatoriedade <strong>do</strong> serviço militar, isentan<strong>do</strong> mulheres eeclesiásticos “em tempo de paz”. 41Os critérios de escolha para o ingresso nas ForçasArmadas se referem à saúde em geral, em termos de capacidade físicae a condição mental, além da performance em testes práticos quemedem as habilidades técnicas relacionadas às diversas áreasprofissionais da organização militar. Estão dispensa<strong>do</strong>s os porta<strong>do</strong>resde deficiência física, <strong>do</strong>enças crônicas, problemas psicológicos oumentais e os condena<strong>do</strong>s que cumprem pena por crime <strong>do</strong>loso.O Decreto n. 6.703/2008, que aprovou a EstratégiaNacional de Defesa – END, reafirmou a manutenção e a importância________________41 Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei. § 1º - às ForçasArmadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, emtempo de paz, após alista<strong>do</strong>s, alegarem imperativo de consciência, entenden<strong>do</strong>-secomo tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política,para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar. § 2º - Asmulheres e os eclesiásticos ficam isentos <strong>do</strong> serviço militar obrigatório em tempode paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


266<strong>do</strong> reforço <strong>do</strong> serviço militar obrigatório nas Forças Armadas, pois ele“é a mais importante garantia da defesa nacional”, além de poder ser“o mais eficaz nivela<strong>do</strong>r republicano, permitin<strong>do</strong> que a Nação seencontre acima de suas classes sociais”.Segun<strong>do</strong> o referi<strong>do</strong> Decreto, os recrutas serão seleciona<strong>do</strong>spor <strong>do</strong>is critérios principais: 1) “a combinação <strong>do</strong> vigor físico com acapacidade analítica, medida de maneira independente <strong>do</strong> nível deinformação ou de formação cultural de que goze o recruta”, e 2) “o darepresentação de todas as classes sociais e regiões <strong>do</strong> país.”Mas, em termos de questão polêmica introduzida peloDecreto n. 6.703/2008, entre as diretrizes, tem-se a orientação de queNo futuro, convirá que os que forem desobriga<strong>do</strong>s daprestação <strong>do</strong> serviço militar obrigatório sejamincentiva<strong>do</strong>s a prestar um serviço civil, de preferênciaem região <strong>do</strong> país diferente da região das quais seoriginam. Prestariam o serviço de acor<strong>do</strong> com anatureza de sua instrução preexistente, além de receberinstrução nova. O serviço seria, portanto, ao mesmotempo oportunidade de aprendizagem, expressão desolidariedade e instrumento de unidade nacional. Os queo prestassem receberiam treinamento militar básico queembasasse eventual mobilização futura. E passariam acompor força de reserva mobilizável.predeterminação:Adiante, no mesmo Decreto, desta feita em termos deComplementarmente ao Serviço Militar Obrigatórioinstituir-se-á Serviço Civil, de amplas proporções. Nelepoderão ser progressivamente aproveita<strong>do</strong>s os jovensR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


267brasileiros que não forem incorpora<strong>do</strong>s no ServiçoMilitar. Nesse serviço civil - concebi<strong>do</strong> comogeneralização das aspirações <strong>do</strong> Projeto Ron<strong>do</strong>n -receberão os incorpora<strong>do</strong>s, de acor<strong>do</strong> com suasqualificações e preferências, formação para poderparticipar de um trabalho social. Esse trabalho sedestinará a atender às carências <strong>do</strong> povo brasileiro e areafirmar a unidade da Nação. Receberão, também, osparticipantes <strong>do</strong> Serviço Civil, treinamento militarbásico que lhes permita compor força de reserva,mobilizável em circunstâncias de necessidade. Serãocataloga<strong>do</strong>s, de acor<strong>do</strong> com suas habilitações, paraeventual mobilização.À medida que os recursos o permitirem, os jovens <strong>do</strong>Serviço Civil serão estimula<strong>do</strong>s a servir em região <strong>do</strong>País diferente daquelas de onde são originários.Os Serviços Militar e Civil evoluirão em conjunto comas providências para assegurar a mobilização nacionalem caso de necessidade, de acor<strong>do</strong> com a Lei deMobilização Nacional. O Brasil entenderá, em to<strong>do</strong> omomento, que sua defesa depende <strong>do</strong> potencial demobilizar recursos humanos e materiais em grandeescala, muito além <strong>do</strong> efetivo das suas Forças Armadasem tempo de paz. Jamais tratará a evolução tecnológicacomo alternativa à mobilização nacional; aquela seráentendida como instrumento desta. Ao assegurar aflexibilidade de suas Forças Armadas, assegurarátambém a elasticidade delas.Pelo texto, propõe-se a criação de um serviço obrigatóriopara homens dispensa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> treinamento <strong>do</strong>s quartéis e as mulheres,sob forma de um serviço social obrigatório, ou seja, de serviçosrelaciona<strong>do</strong>s à formação profissional ou acadêmica <strong>do</strong>s recruta<strong>do</strong>s.Enten<strong>do</strong> que se trata de criar um serviço social obrigatório ecomplementar ao militar, supostamente de natureza civil, embora seusR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


268integrantes sejam obriga<strong>do</strong>s a receber treinamento militar básico deforma a comporem uma espécie de capital de reserva humano paraeventualmente ser mobiliza<strong>do</strong> “em caso de necessidade.”A imposição de um serviço civil, a ser implementa<strong>do</strong>segun<strong>do</strong> moldes e regime militar, com treinamento militar básico edestina<strong>do</strong> a “atender às carências <strong>do</strong> povo brasileiro e a reafirmar aunidade da Nação”, também se constituirá em mão de obra de baixocusto, obrigatória, para realizar o que nas democracias liberais se fazde forma voluntária, jamais imposta.Ademais, tal proposta colide e contradiz os termosintrodutórios <strong>do</strong> próprio Decreto 6.703/2008, como se depreendeabaixo:O Brasil é pacífico por tradição e por convicção. Viveem paz com seus vizinhos. Rege suas relaçõesinternacionais, dentre outros, pelos princípiosconstitucionais da não-intervenção, defesa da paz esolução pacífica <strong>do</strong>s conflitos. Esse traço de pacifismo éparte da identidade nacional e um valor a serconserva<strong>do</strong> pelo povo brasileiro.País em desenvolvimento, o Brasil ascenderá aoprimeiro plano no mun<strong>do</strong> sem exercer hegemonia ou<strong>do</strong>minação. O povo brasileiro não deseja exercer man<strong>do</strong>sobre outros povos. Quer que o Brasil se engrandeçasem imperar.Em comparação com outros países, há de se observar que,apesar das seguidas guerras e outras operações beligerantes queempreendem os EUA, o serviço militar não é obrigatório para ambosos sexos naquele país, haven<strong>do</strong> se torna<strong>do</strong> profissional após a guerraR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


269<strong>do</strong> Vietnã. Também não é apropria<strong>do</strong> comparar a situação brasileiracom a encontrada em Israel, cuja obrigatoriedade <strong>do</strong> serviço paramulheres é amparada nas peculiaridades de um Esta<strong>do</strong> cujas fronteirasseparam Esta<strong>do</strong>s inimigos e belicosos, em que as hostilidades quasesempre se concretizam ou ameaçam se concretizar.Recentemente, em medida que entrou em vigor no iníciode janeiro deste ano, a Sérvia extinguiu o seu serviço militarobrigatório que já durava 200 anos. A partir de agora, planeja-seprofissionalizar as Forças Armadas daquele país, destinan<strong>do</strong>-se oserviço militar a homens e mulheres que se apresentem comovoluntários. É interessante observar que, embora a Sérvia conte comum <strong>do</strong>s maiores efetivos <strong>do</strong>s Balcãs, a<strong>do</strong>tou a medida de extinguir oserviço militar obrigatório para se adaptar a regras da União Européia,visan<strong>do</strong> a um eventual processo de adesão.Alguns países da Europa, a exemplo da França e daInglaterra, não mais exigem o cumprimento <strong>do</strong> serviço militar, aocontrário de outros como a Alemanha e Rússia. Na América <strong>do</strong> Sul,Uruguai, Argentina e Suriname o serviço não é obrigatório, aocontrário <strong>do</strong> Chile, Venezuela, Colômbia.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


2709. IGUALDADEUma sociedade democrática se norteia pela realização <strong>do</strong>svalores da liberdade, da igualdade e da não discriminação, os quais secontrapõem às divisões calcadas em preconceitos incompatíveis comos ideais da democracia liberal, a exemplo das diferenças com base nogênero e na sexualidade. A igualdade de direitos e deveres devepermear o regime democrático com vista a que este não se reduza amera uma categoria político-jurídica formal.O tratamento excludente que marginaliza as minorias e asmulheres impõe a recepção a valores sob a égide da igualdade, demo<strong>do</strong> que uma nova visão de mun<strong>do</strong> possa provocar mudançasparadigmáticas no Direito e nas políticas de Esta<strong>do</strong>.As mulheres – hoje, maioria da nossa população -, têmparticipação crucial em to<strong>do</strong>s os segmentos da nossa sociedade e,paulatinamente, tem galga<strong>do</strong> os escalões superiores <strong>do</strong> poder, antesreserva<strong>do</strong>s quase que exclusivamente aos homens. O exemplo maior éo da primeira presidenta <strong>do</strong> país e componentes <strong>do</strong> seu gabinete,notadamente e em grande parte chefia<strong>do</strong> por ministras.As normas constitucionais brasileiras não fazem qualquerdistinção entre homens e mulheres e expressamente proíbem opreconceito em razão <strong>do</strong> sexo ou da natural diferença entre os sexos.A igualdade é valor supremo de uma sociedade pluralista e sempreconceitos, de forma que o sexo ou o gênero não constitui fator deR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


271desigualdade, como se tem no inciso IV <strong>do</strong> art. 3º da C. F., nivelan<strong>do</strong>sea outros aspectos da personalidade. A reforçar, tem-se que “to<strong>do</strong>ssão iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza (...)”,conforme redação <strong>do</strong> art. 5º, caput, da Constituição Federal.No julgamento <strong>do</strong> STF que equiparou a união estável entrepessoas <strong>do</strong> mesmo sexo (união homoafetiva) à entidade familiar, oministro Relator Carlos Ayres Britto expressou no seu voto aspectosque bem poderíamos aplicar às políticas afirmativas e igualitárias deinclusão e ascensão feminina nas instituições militares:Há mais o que dizer desse emblemático inciso IV <strong>do</strong> art.3º da Lei Fundamental brasileira. É que, na suacategórica vedação ao preconceito, ele nivela o sexo àorigem social e geográfica das pessoas, à idade, à raça eà cor da pele de cada qual; isto é, o sexo a se constituirnum da<strong>do</strong> empírico que nada tem a ver com omerecimento ou o desmerecimento inato das pessoas,pois não se é mais digno ou menos digno pelo fato dese ter nasci<strong>do</strong> mulher, ou homem. (Grifos nooriginal).(...)Uma proibição que nivela o fato de ser homem ou de sermulher às contingências da origem social e geográficadas pessoas, assim como da idade, da cor da pele e daraça, na acepção de que nenhum desses fatoresacidentais ou fortuitos se põe como causa demerecimento ou de desmerecimento intrínseco de quemquer que seja; tanto é assim que o §4º desse mesmo art.226 (antecipo o comentário) reza que “Os direitos edeveres referentes à sociedade conjugal são exerci<strong>do</strong>sigualmente pelo homem e pela mulher”. Preceito, esteúltimo, que relança o discurso <strong>do</strong> inciso I <strong>do</strong> art. 5º daConstituição (“homens e mulheres são iguais emdireitos e obrigações”) para atuar como estratégia dereforço normativo a um mais eficiente combate àquelarenitência patriarcal <strong>do</strong>s nossos costumes. Só e só, poisR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


272esse combate mais eficaz ao preconceito queteimosamente persiste para inferiorizar a mulher peranteo homem é uma espécie de briga particular oubandeira de luta que a nossa Constituição desfraldanuma outra esfera de arejamento mental da vidabrasileira, nada ten<strong>do</strong> a ver com a dicotomia daheteroafetividade e da homoafetividade.(Grifos no original). 42Em recomendação abrangente e extremante pertinente aotema que ora debatemos, o ministro Luiz Fux, no voto (equiparação daunião estável entre pessoas <strong>do</strong> mesmo sexo) em que acompanhou oministro Relator, defende(...) que o governo a<strong>do</strong>te leis e políticas que garantamque o destino de seus cidadãos, contanto que o governoconsiga atingir tal meta, não dependa de quem elessejam – seu histórico econômico, sexo, raça oudetermina<strong>do</strong> conjunto de especializações oudeficiências.(...)Compete ao Esta<strong>do</strong> assegurar que a lei conceda a to<strong>do</strong>sa igualdade de oportunidades, de mo<strong>do</strong> que cada umpossa conduzir sua vida autonomamente segun<strong>do</strong> seuspróprios desígnios (...) 43Tais pontos de vista coincidem com argumentos e opiniõesaqui defendi<strong>do</strong>s, os quais se acham abaixo resumi<strong>do</strong>s.________________42 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 4277, Rel. Min. Ayres Britto, acórdãopendente de publicação.43 SUPREMO, op. cit.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


27310. CONSIDERAÇÕES FINAISO ingresso das mulheres nas Forças Armadas, em nívelglobal, tem ocorri<strong>do</strong> em razão de situação de guerra ou de mudançasna esfera da natureza da guerra e <strong>do</strong>s seus formatos com a introduçãode novas tecnologias; da reorganização de governos democráticos e aspressões por igualdade de gênero; da perda de status da profissãomilitar; da necessidade de pessoal cada vez mais qualifica<strong>do</strong>, aenfatizar a inserção das Forças Armadas no merca<strong>do</strong> de trabalhoglobaliza<strong>do</strong>, entre outros fatores.Não obstante, o correntemente encontra<strong>do</strong> é a existênciade postos e funções veda<strong>do</strong>s às mulheres, especialmente aquelesrelaciona<strong>do</strong>s ao combate. As justificativas mais remarcadas são: anatureza biofísica feminina, caracterizada pela fragilidade física eemocional, pela maternidade e pelo cuida<strong>do</strong> com os filhos; ossentimentos de proteção que despertam entre os homens e a falta deorçamento para efetuar a reestruturação e adaptação das instalaçõesmilitares constituiriam obstáculos para a sua inserção completa nasForças Armadas. Ou seja, de forma geral, a participação feminina nasForças Armadas mundiais é marcada por polêmicas, obstáculos epreconceitos em razão das modificações que provocam nas relaçõessociais. Sua inserção é ainda parcial, notadamente em quadrosauxiliares ou complementares, aspecto que se correlaciona com a nãoobrigatoriedade de prestação <strong>do</strong> serviço militar pelas mulheres.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


274Um Esta<strong>do</strong> democrático que a<strong>do</strong>ta uma normatividadeconstitucional em que homens e mulheres são iguais em direitos eobrigações deve-se obrigar a ter como um <strong>do</strong>s seus propósitos maioresa plena realização <strong>do</strong>s valores de igualdade em redutostradicionalmente masculinos, mesmo que profundamente marca<strong>do</strong>spelo poder patriarcal e seus preconceitos. No caso das ForçasArmadas, a igualdade de oportunidades de acesso e os índices derepresentatividade feminina crescentes não devem mascarar asdesigualdades que persistem nos níveis das carreiras e em algunspostos destina<strong>do</strong>s à exclusividade <strong>do</strong> sexo masculino.Portanto, leis e políticas inclusivas que estabeleçam econcedam a igualdade de oportunidades, direitos e obrigações nasinstituições militares - inclusive a abrangência <strong>do</strong> serviço militarfacultativo e profissionalizan<strong>do</strong> para ambos os sexos -, constituir-seiamem armas eficazes, paradigmáticas e simbólicas contra aperpetuação <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de subordinação feminino, o qual não secoaduna com a perspectiva de uma sociedade verdadeiramentedemocrática e moderna que progride no senti<strong>do</strong> de materializar suascategorias políticas e jurídicas formais.Não se pode admitir, sob pena de se legitimar as estruturasde <strong>do</strong>minação masculina, a pretensão de implementar políticaspúblicas que perpetuem um sistema de estratégias orientadas nosenti<strong>do</strong> de transmissão e ênfase nas desigualdades de sexo e gênero.Assim, a atribuição de papéis menores, a exemplo de apoio e de cunhoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


275social, cujos efeitos cumulativos podemos constatar nas estatísticas dapífia representação das mulheres nas posições de poder, especialmentepolítico, econômico e militar, implica o retrocesso ou a cristalizaçãode estruturas que devem ser banidas das práticas de uma sociedadeverdadeiramente democrática.REFERÊNCIASBOURDIEU, P. A <strong>do</strong>minação masculina. Rio de Janeiro: BertrandBrasil, 2010.BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão daidentidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.CARREIRAS, H. Mulheres nas Forças Armadas: transformaçãoinstitucional e recrutamento feminino. Sociologia: problemas epráticas. Lisboa: ISCTE, n. 18, p.97-128, 1995.CARVALHO, Sonia. Casa-caserna: um percurso diferencia<strong>do</strong> na vidadas mulheres militares. Dissertação (Mestra<strong>do</strong> em Ciências Sociais).Natal: UF<strong>RN</strong>, 1990. Mimeo.CASTRO, C.; LEI<strong>RN</strong>ER, P. Antropologia <strong>do</strong>s militares. Rio deJaneiro: Ed. FGV, 2010.D`ARAÚJO, Maria Celina. Mulheres e questões de gênero nas ForçasArmadas. Resdal Eletrônica: Argentina, 2004. Disponível em:http://www.resdal.org/producciones-miembros/redes-03-daraujo.pdf)HARAWAY, D.; KUNZRU, H; TADEU, T. (Org.). Antropologia <strong>do</strong>ciborgue: as vertigens <strong>do</strong> pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica,2009.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


276KUHLMANN, Paulo R. L. Exército brasileiro: estrutura militar eordenamento político 1984-2007. Tese (Doutora<strong>do</strong>) – USP, São Paulo:USP, 2007. Mimeo.LEI<strong>RN</strong>ER, P. Meia volta volver: um estu<strong>do</strong> antropológico sobre ahierarquia militar. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1997.______. Hierarquia e individualismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,2003.LOMBARDI, Maria Rosa. As mulheres nas Forças Armadasbrasileiras: a Marinha <strong>do</strong> Brasil 1980-2008. São Paulo: FCC / DPE,2009.MATHIAS, S. K. As mulheres chegam aos quartéis. ResdalEletrônica: Argentina, 2005. Disponível em:http://www.resdal.org/producciones-miembros/art-kalil.html.______; GUZZI, A. C. Autonomia na lei: as forças armadas nasconstituições nacionais. Rev. Bras. de Ciências Sociais, v. 25, n.73,junho 2010.SILVA, Cristina R. Gênero, hierarquia e Forças Armadas: um estu<strong>do</strong>etnográfico acerca da presença de mulheres nos quartéis. 2006.Acessível em: http://www.mendeley.com/research/gnero-hierarquia-eforcas-armadas-um-estu<strong>do</strong>-etnogrfico-acerca-da-presena-de-mulheresnos-quatis/.SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. SãoPaulo: Forense, 1999.SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Jurisprudência. Acórdão ADI4277, Rel. Min. Ayres Britto, pendente de publicação. Disponível em:http://www.stf.jus.br. Acesso em 20/05/11.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


TAKAHASHI, Emília E. Homens e mulheres em campo: um estu<strong>do</strong>sobre a formação da identidade militar. Tese (Doutora<strong>do</strong> emEducação) – UNICAMP, Campinas, São Paulo, 2002. Disponível em:http://cutter.unicamp.br/<strong>do</strong>cument/index.php?did=24495.277R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.235– 277, jun. 2012


A TERCEIRIZAÇÃO NA ATIVIDADE-FIM, NOSETOR DE TELECOMUNICAÇÕES.278Luciane Borges da Costa Marcelino CONSIDERAÇÕES GERAISO presente artigo tem como finalidade abordar discussãomuito em voga nos Tribunais <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, qual seja: a possibilidadeou não de terceirização na atividade-fim, no setor detelecomunicações. Não há pretensão, por meio deste escrito, de dar apalavra definitiva sobre o assunto, mas tão somente, fomentar o debatesobre o tema, dan<strong>do</strong> ênfase para recente posicionamento <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong>Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>.A terceirização se mostra como fato irremediável sob oaspecto de modus operandi no que toca à administração de empresas,tanto que o <strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, por meio da Súmula nº331, tentou vislumbrar a hipótese em que a terceirização seria lícita ou________________Advogada. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica deCampinas – PUCCAMP; Graduada em Administração de Empresas pela UF<strong>RN</strong>. PósGraduada em Direito e Processo <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> pela Pontifícia Universidade Católicade Campinas – PUCCAMP. Professora nas Faculdades de Valinhos e Faculdade deCampinas, Unidade I, ambas pertencentes à Rede Unianhanguera de Ensino eprofessora em curso preparatório para concursos, UNICURSOS.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.278– 289, jun. 2012


279ilícita, como norte para os que se utilizam desta prática como forma degestão.Segun<strong>do</strong> a Súmula nº 331, III:Não forma vínculo de emprego com o toma<strong>do</strong>r acontratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a deserviços especializa<strong>do</strong>s liga<strong>do</strong>s à atividade-meio <strong>do</strong>toma<strong>do</strong>r, desde que inexistente a pessoalidade e asubordinação direta.Sen<strong>do</strong> assim, para ser lícita, a terceirização deve atuar naatividade-meio da empresa, sem que estejam presentes os elementosfáticos e jurídicos da pessoalidade e da subordinação.Indiscutível que a terceirização surgiu no Japão, noperío<strong>do</strong> pós Segunda Grande Guerra Mundial, cujo méto<strong>do</strong> de gestãorecém implanta<strong>do</strong>, o Toyotista, pregou o enxugamento da hierarquiaorganizacional, com distribuição de funções de coman<strong>do</strong>, ao mesmotempo em que exigiu maior especialização, corroboran<strong>do</strong> paraacentuar o estresse corporativo nas empresas, em face da concorrênciaentre os próprios emprega<strong>do</strong>s. Ainda, no ímpeto de ganhar qualidade emerca<strong>do</strong>, por força da política da especialização, defendeu que aempresa deve tomar para si apenas as atividades específicas a que sedestina sua produção ou serviço, delegan<strong>do</strong> para empresas terceirasespecializadas, as atividades-meio, daí intitular tal delegação deterceirização. Nesse senti<strong>do</strong>, a parte histórica alinha-se com o destaqueda Súmula <strong>do</strong> TST acima citada.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.278– 289, jun. 2012


280Sem dúvidas a terceirização não contém apenas seu focona qualidade <strong>do</strong>s produtos, com sua aplicação prática, as empresasdetectaram o impacto nos custos de produção, e sob esse aspecto, aterceirização ganhou continentes, por se mostrar uma forma eficaz deredução desses custos. Tamanha foi a descoberta, que muitosadministra<strong>do</strong>res passaram a ignorar que por trás da empresaterceirizada existe força de trabalho em benefício da atividadeeconômica toma<strong>do</strong>ra, o que levou à conclusão precipitada de que estaúltima nada tinha a ver com os encargos trabalhistas e condição detrabalho <strong>do</strong>s obreiros terceiriza<strong>do</strong>s. Foi a porta de entrada para aterceirização predatória.A violência da forma de gestão em comento vemacompanhada de condições de trabalho desvantajosa para oterceiriza<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> em comparação com os emprega<strong>do</strong>s datoma<strong>do</strong>ra. Ainda, muitas empresas terceirizadas apenas existemmediante a sobrevivência <strong>do</strong> contrato com a empresa toma<strong>do</strong>ra.Anuncia<strong>do</strong> o fim da prestação de uma a outra, os emprega<strong>do</strong>sterceiriza<strong>do</strong>s se veem sem emprego, e, na maioria <strong>do</strong>s casos, sem terquem liquide o crédito trabalhista, em face da precariedade deconstituição de capital de suas emprega<strong>do</strong>ras (empresas terceirizadas).O primeiro discurso das toma<strong>do</strong>ras foi no senti<strong>do</strong> de queapenas possuíam um vínculo civil com a terceirizada, agrava<strong>do</strong> pelofato de que os emprega<strong>do</strong>s terceiriza<strong>do</strong>s não eram seus emprega<strong>do</strong>s,nada deviam responder em caso de inadimplência trabalhista daR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.278– 289, jun. 2012


281empresa contratada, até porque, nenhuma lei havia que impusesse talônus, de forma que ninguém pode ser obriga<strong>do</strong> a fazer algo, se não hálei nesse senti<strong>do</strong>.Novamente a Súmula nº 331 <strong>do</strong> TST veio em socorro <strong>do</strong>sprincípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e da ordemeconômica (art. 170, CF), uma vez que a livre iniciativa encontralimites na dignidade <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r e na valorização <strong>do</strong> trabalho,afinal, os direitos sociais <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r constituem um meio deacesso a uma mínima qualidade de vida, o que significa um mínimode dignidade.Assim, no caso de terceirização ilícita, o vínculo dar-se-ádiretamente com o toma<strong>do</strong>r, salvo se esse for a administração pública,quan<strong>do</strong> então responderá subsidiariamente (Súmula nº 331, I e II).Caso a terceirização seja lícita, a responsabilidade da toma<strong>do</strong>ra serásubsidiária a da empresa terceirizada, abrangen<strong>do</strong> todas as verbas dacondenação, inclusive em caso de a toma<strong>do</strong>ra ser a administraçãopública (súmula nº 331, IV a V). A consequencia decorre de atoma<strong>do</strong>ra se beneficiar <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> terceiriza<strong>do</strong>, nãopoden<strong>do</strong> se valer <strong>do</strong> contrato de prestação de serviço para afastar suaresponsabilidade, sob pena de ignorar a boa-fé contratual e a funçãosocial <strong>do</strong> contrato, que lhe impõem o dever de vigilância e diligênciapara com as responsabilidades devidas aqueles que contribuem com asua atividade econômica.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.278– 289, jun. 2012


282Portanto, a tese inicial das toma<strong>do</strong>ras não foi acolhida,tomou-se outro rumo, mesmo que por vias jurisprudenciais eprincipiológicas, a consolidação de entendimentos vem se firman<strong>do</strong>no senti<strong>do</strong> de conferir dignidade ao emprega<strong>do</strong> terceiriza<strong>do</strong>, inclusivepor meio da aplicação <strong>do</strong> principio da igualdade em seu senti<strong>do</strong>material, conforme transparece a recente Orientação Jurisprudencial nº383 da SDI-I <strong>do</strong> TST, cujo teor segue transcrito abaixo:383. A contratação irregular por empresa interposta, nãogera vínculo de emprego com ente da administraçãopública, não afastan<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong>, pelo princípio daisonomia, o direito <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s terceiriza<strong>do</strong>s, àsmesmas verbas trabalhistas legais e normativasasseguradas àqueles contrata<strong>do</strong>s pelo toma<strong>do</strong>r <strong>do</strong>sserviços, desde que presente a igualdade de funções.Aplicação analógica <strong>do</strong> art. 12, “a”, da Lei nº 6.019, de03.01.1974.Na busca de conferir dignidade aos emprega<strong>do</strong>sterceiriza<strong>do</strong>s, há os que defendem, inclusive, uma releitura <strong>do</strong>conceito de subordinação. Nesse senti<strong>do</strong>, o Ministro <strong>do</strong> TST, MaurícioGodinho Delga<strong>do</strong>, defende seja a subordinação entendida como“subordinação estrutural”, o que significaria, em singela síntese,entender como emprega<strong>do</strong> to<strong>do</strong> aquele que coopere/colabore com aempresa, mesmo que tal colaboração venha por meio de ordensindiretas. Significa que a “subordinação estrutural” acolheria osterceiriza<strong>do</strong>s, acaban<strong>do</strong> com a discussão de terceirização lícita ouilícita, uma vez que a toma<strong>do</strong>ra sempre seria a real emprega<strong>do</strong>ra.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.278– 289, jun. 2012


Apesar <strong>do</strong> brilhantismo da argumentação <strong>do</strong> Ministro, esse ainda nãoé o entendimento que prevalece nos tribunais.283SERVIÇOS PÚBLICOS E A TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR DETELECOMUNICAÇÕESNão apenas a jurisprudência e os princípios sobre oassunto foram sedimenta<strong>do</strong>s, como também existem algumas normassobre o tema, mesmo que incipientes e específicas, dentre as quais secita como exemplo o Decreto-lei nº 200 de 25 de fevereiro de 1967,cujo capítulo III dispõe sobre a “Descentralização” da AdministraçãoFederal, o que é aponta<strong>do</strong> como uma permissão para terceirizar asatividades da Administração Federal, desde que meramenteinstrumentais e respeitadas as regras constitucionais. Mesmo nessecaso, a jurisprudência consoli<strong>do</strong>u-se no senti<strong>do</strong> de apenas aceitar aterceirização como lícita quan<strong>do</strong> efetuada em atividade-meio(instrumento para a execução da atividade-fim ou precípua <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>).Segun<strong>do</strong> conceitos de Direito Administrativo, aadministração pública pode se dar de forma direta (executadadiretamente pelos entes políticos- União, Esta<strong>do</strong>s, Distrito Federal eMunicípios), ou indireta, sen<strong>do</strong> que aqui há atuação pordescentralização, na medida em que se cria nova pessoa jurídica paradesempenhar determinada competência, poden<strong>do</strong> ser por meio de umaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.278– 289, jun. 2012


284autarquia, fundação, empresas públicas e agências especiais eregula<strong>do</strong>ras.Em alguns casos, a própria Constituição Federal aceita aconcessão de serviços públicos como é o caso das telecomunicações,cuja competência de exploração é da União (artigo nº 21, XI, CF),poden<strong>do</strong> autorizar a concessão ou permissão desses serviços, nostermos da lei, deven<strong>do</strong> ser cria<strong>do</strong> um órgão regula<strong>do</strong>r para melhorgestão e fiscalização da atividade.A Lei nº 9472/97 dispõe sobre a organização <strong>do</strong>s serviçosde telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgãoregula<strong>do</strong>r (ANATEL – regulada pelo Decreto 2.338/97), e outrosaspectos institucionais. O mesmo diploma legal, por meio <strong>do</strong> artigo nº83, esclarece que a exploração <strong>do</strong> serviço de telecomunicações noregime público dependerá de prévia outorga, pela agência, medianteconcessão.A execução das atividades pela concessionária, portanto,deve observar os limites estabeleci<strong>do</strong>s pela agência regula<strong>do</strong>ra, assimcomo os descritos pelo artigo 94 da Lei nº 9472/97, que, em seu incisoII possibilita, in verbis:“contratar com terceiro o desenvolvimento de atividadesinerentes, acessórias ou complementares ao serviço,bem como a implementação de projetos associa<strong>do</strong>s”.(grifo nosso)R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.278– 289, jun. 2012


285Ou seja, a lei em destaque permite que as concessionáriasprestem os serviços para os quais foram contratadas, por meio deterceirização. O texto <strong>do</strong> inciso II <strong>do</strong> artigo nº 94 tem gera<strong>do</strong> polêmicadentre os opera<strong>do</strong>res <strong>do</strong> direito, isto porque, quan<strong>do</strong> a lei permite acontratação em atividades inerentes ao serviço de telefonia, parte da<strong>do</strong>utrina e jurisprudência defende que a lei possibilitou a terceirizaçãoem atividade-fim, em descompasso com a Súmula nº 331 <strong>do</strong> TST, queentende como ilícita a terceirização nessas condições.O que está por trás da Súmula <strong>do</strong> TST é a preservação dadignidade <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, pois não se admite a empresa desenvolversua atividade econômica sem a contratação direta <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s queexecutarão as tarefas específicas da produção ou serviço, ainda maisquan<strong>do</strong> a terceirização possui a má consequência de remuneraçãoprecária <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s terceiriza<strong>do</strong>s, alia<strong>do</strong> ao fato de que aterceirização nasceu pelo princípio da especialização, ou seja,terceiriza-se o que não é atividade principal da empresa, para quepossa executar com qualidade superior as tarefas afetas a suaespecialização.Estudan<strong>do</strong> o significa<strong>do</strong> da palavra “inerente”, constanteno artigo nº 94, II da Lei nº 9472/97, encontram-se os seguintessinônimos: inseparável, essencial, e necessário. Já atividade-meio,pode ser conceituada como toda atividade de suporte, executada deforma habitual e necessária para o desenvolvimento da atividade-fim.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.278– 289, jun. 2012


286Fundin<strong>do</strong> os <strong>do</strong>is conceitos, observa-se que uma atividadepode ser essencial, necessária ou inerente à função, mesmo que nãoseja esta classificada como atividade-fim, como é o caso <strong>do</strong> vigilante eo estabelecimento bancário, não se cogita de um banco sem vigilância,é essencial e inerente ao desenvolvimento da atividade econômica,muito embora não se confunda com sua atividade-fim.Sob esta ótica, não há qualquer conflito entre a Lei nº9.472/97, artigo nº 94, II com a Súmula nº 331 <strong>do</strong> TST, uma vez que ainterpretação adequada deve ser no senti<strong>do</strong> de sedimentar os direitosfundamentais <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, até porque constituem a base <strong>do</strong> nossosistema econômico (artigo nº 170 da CF), e sen<strong>do</strong> assim, o senti<strong>do</strong> de“inerente” constante no dispositivo legal já cita<strong>do</strong>, não deve serconfundi<strong>do</strong> com atividade-fim, mas sim com atividade de suporteessencial para que se desenvolva a atividade principal da empresa.Nesse senti<strong>do</strong> segue julga<strong>do</strong> <strong>do</strong> Exmo. Senhor Juiz RelatorLuiz Felipe Bruno Lobo, nos autos <strong>do</strong> processo n. 00459-2005-089-15-00-0 e cujo acórdão foi publica<strong>do</strong> em 05/06/2006, TRT15:Amplitude da Lei 9.472/97 – terceirização ilícita –vínculo com o toma<strong>do</strong>r.I - O art. 94, II da Lei 9.472/97 autoriza contratar comterceiros o desenvolvimento de atividades inerentes,acessórias ou complementares ao serviço, bem como aimplementação de projetos associa<strong>do</strong>s. Em momentoalgum refere contratar com terceiros o desenvolvimentode atividades inerentes ao objetivo finalístico, sen<strong>do</strong>certo que as atividades-meio, por exemplo,contabilidade, vigilância, limpeza, também sãoinerentes, assim como publicidade pode ser consideradaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.278– 289, jun. 2012


287acessória e transporte complementar. Nem se diga que odisposto no art. 93, II, da mesma lei, tu<strong>do</strong> autoriza. Odisposto em tal ditame, ao determinar o conteú<strong>do</strong>contratual, apenas estabelece que será da essência destea indicação <strong>do</strong> mo<strong>do</strong>, forma e condições da prestação deserviços, que se presumem contrata<strong>do</strong>s em consonânciacom o conjunto legal protetivo existente.II - O caput <strong>do</strong> art. 170 da CRFB/88 em boa horareconheceu ser a ordem econômica fundada navalorização <strong>do</strong> trabalho humano, determinan<strong>do</strong> a funçãosocial da propriedade em seu inciso II. O textoconsolida<strong>do</strong>, por sua vez, aponta o emprega<strong>do</strong>r como afigura que desenvolve a atividade econômica (art. 2o,caput), atividade na qual se identifica a parcela-meio e aparcela-fim. Estan<strong>do</strong> nesta última inseri<strong>do</strong> o labor <strong>do</strong>obreiro não se admite a terceirização, pois nunca seadmitiu a terceirização de trabalho em atividade-fim,exceto no estrito caso <strong>do</strong> trabalho temporário, poissempre foi assente a noção de que a terceirizaçãoirrestrita não só contraria princípio protetivo maior <strong>do</strong>direito <strong>do</strong> trabalho, mas também atenta contra avalorização <strong>do</strong> trabalho humano na ordem econômica.Ademais disso, pelo que deflui <strong>do</strong> art. 10 e 448 daConsolidação, pode-se dizer com toda tranquilidade queo conjunto patrimonial da empresa, na qual está inseri<strong>do</strong>o obreiro em sua atividade-fim, é o fia<strong>do</strong>r natural, agarantia, da solvabilidade de seus créditos.Recurso ordinário a que se dá provimento parcial parareconhecer o contrato de trabalho com o toma<strong>do</strong>r deserviços.Para coroar a tese agora exposta, cito recente decisão daSDI-I <strong>do</strong> TST, no processo RR. 134640-23.2008.5.03.0010, divulgadanas notícias <strong>do</strong> TST de 29/06/2011, cujo teor, em parte, seguetranscrito abaixo, em que se trata sobre o artigo nº 94, II da Lei nº9475/97 e Súmula nº 331 <strong>do</strong> TST:R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.278– 289, jun. 2012


288(...) Com base nesses dispositivos, as empresas detelecomunicações passaram a defender a ideia de queestaria autorizada a terceirização em relação a todas assuas atividades, inclusive as atividades-fim, observa aministra em seu voto. Ela citou precedente em que oministro Barros Levenhagen observa que a legislaçãosobre o tema se caracteriza por uma “extremadaambiguidade”, e que a “mera interpretação gramaticalnão se sustenta” se for interpretada conjuntamente como artigo 170 da Constituição (caput e inciso VIII), quelista os princípios gerais que regem a ordem econômica(“fundada na valorização <strong>do</strong> trabalho humano e na livreiniciativa”, ten<strong>do</strong> por fim “assegurar a to<strong>do</strong>s existênciadigna, conforme os ditames da justiça social”,observan<strong>do</strong>, entre outros, o princípio da busca <strong>do</strong> plenoemprego). Para o ministro Levenhagen, “a pretensalicitude” da terceirização de atividade-fim da área detelefonia sem prévia definição em lei resultaria “nadesvalorização ou precarização <strong>do</strong> trabalho humano eno comprometimento da busca pelo pleno emprego”.Seguin<strong>do</strong> esse entendimento, a ministra Maria de AssisCalsing concluiu que, não haven<strong>do</strong> autorizaçãolegislativa para a terceirização ampla e irrestrita, asempresas de telecomunicações devem observar odisposto na Súmula 331, itens I e III, <strong>do</strong> TST.Sen<strong>do</strong> assim, observa-se que a interpretação para a qual seinclina a jurisprudência acima exposta privilegia um <strong>do</strong>s princípiosbasilares <strong>do</strong> Direito <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, o da interpretação da norma deforma mais benéfica ao trabalha<strong>do</strong>r. De maior relevância se mostra aposição jurisprudencial citada, quan<strong>do</strong> há consciência de que osdireitos laborais constituem direitos fundamentais de segunda geraçãoe a interpretação desses últimos deve visar a sua sedimentaçãocrescente, o que apenas se obterá, no que toca à terceirização, namedida em que se tem consciência, acima de tu<strong>do</strong>, de que o que seR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.278– 289, jun. 2012


289deve preservar é a dignidade <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, não importan<strong>do</strong> a formaengenhosa de sua contratação.Conclui-se no senti<strong>do</strong> de que a Lei nº 9472/97, em seuartigo nº 94, II, possibilita que as concessionárias de serviço detelefonia terceirizem atividades inerentes à prestação de serviçospactua<strong>do</strong>s com a administração pública. No entanto, as atividades“inerentes" ao serviço ao qual se refere o dispositivo agora destaca<strong>do</strong>,não podem ser interpretadas como atividades-fim, mas tão somentecomo atividades-meio, essenciais ao desenvolvimento da atividadeprincipal, o que revela, nessa medida, harmonia <strong>do</strong> texto de lei com aSúmula nº 331 <strong>do</strong> TST. É essa a interpretação que permite aliar aterceirização com a dignidade <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res terceiriza<strong>do</strong>s, com oavanço <strong>do</strong>s direitos de segunda geração e com o próprio conceito deterceirização, esse exposto ao longo <strong>do</strong> artigo.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.278– 289, jun. 2012


JURISPRUDÊNCIA


293Acórdão nº 107.370Recurso Ordinário nº 110900-26.2008.5.21.0013Desembarga<strong>do</strong>r Relator:Carlos Newton PintoRecorrente: Geokinetics Geophysical <strong>do</strong> Brasil Ltda. e RejaneFelix Passos Araújo e OutrosAdvoga<strong>do</strong>: Vinícius Victor Lima de Carvalho e Outros e CarlosHenrique da Rocha CruzRecorri<strong>do</strong>: Os mesmosAdvoga<strong>do</strong>: Os mesmosOrigem: 3ª Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> de Mossoró1. ACIDENTE DE TRABALHO - EQUIPARAÇÃOLEGAL - FATO DE TERCEIRO - EMPREGADOMORTO POR ATO DE TERRORISMO NOLOCAL E HORÁRIO DE TRABALHO. Equiparasea acidente de trabalho, nos termos <strong>do</strong> art. 21, II,‘a’, da Lei n° 8.213/91, situação em que trabalha<strong>do</strong>rbrasileiro contrata<strong>do</strong> no Brasil e, estan<strong>do</strong> noexterior, a serviço da empresa contratante, éassassina<strong>do</strong> por milícias guerrilheiras da FLEC(Frente de Libertação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Cabinda).2.ACIDENTE DE TRABALHO - RESULTADOFATAL - TRABALHO EM REGIÃO DECONFLITO POLÍTICO-MILITAR - NORMAS DESEGURANÇA DO TRABALHO -DESCUMPRIMENTO - ATAQUE DAGUERRILHA - PREVISIBILIDADE - CASOFORTUITO - IMPOSSIBILIDADE LÓGICA -NEGLIGÊNCIA DO EMPREGADOR - OFENSA ADIREITO DA PERSONALIDADE (ART. 12,PARÁGRAFO ÚNICO DO CCB) -CARACTERIZAÇÃO - PRESENÇA DE DANOMATERIAL E MORAL. Sen<strong>do</strong> várias as evidênciasde que Cabinda era uma área de risco, não só pelaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


294atuação da FLEC, que já vinha avisan<strong>do</strong> aosestrangeiros e às empresas petrolíferas sobre ospossíveis atenta<strong>do</strong>s contra estrangeiros e instalaçõesestrangeiras, mas também pela presença de minasterrestres remanescentes <strong>do</strong> tempo da guerra civil,revela-se negligente a conduta empresarial deinstalar-se em um país estrangeiro, em áreasabidamente de conflito arma<strong>do</strong>, com notóriainstabilidade política, sem se cercar de reaiscondições de segurança, omitin<strong>do</strong>-se quanto anormas de segurança as quais têm assentoconstitucional (art. 7º, XXII). Dessa forma, assumiuum risco, deven<strong>do</strong> então ser responsabilizada peloevento danoso (= a execução de um de seusemprega<strong>do</strong>s pela guerrilha), sen<strong>do</strong> descabi<strong>do</strong>cogitar-se de caso fortuito, diante da previsibilidade<strong>do</strong> evento danoso. Assim, há evidente ofensa (grave)a direito da personalidade (direito à vida) atingin<strong>do</strong>o ‘de cujus’, que teve a vida ceifada, e os reclamantes(viúva e filhos pequenos), priva<strong>do</strong>s, de formaabrupta e (bem) <strong>do</strong>lorosa da convivência familiar.Destarte, sen<strong>do</strong> evidente a culpa da empresa, temassento na lei e na jurisprudência sua condenaçãoem danos materiais e também em danos morais dissoresultantes.3. DANO MATERIAL - PENSIONAMENTO EMFAVOR DE FILHOS MENORES - FIXAÇÃO -TERMO AD QUEM - IDADE DE FORMAÇÃOUNIVERSITÁRIA - JURISPRUDÊNCIA DO C.STJ. Em matéria de pensionamento em favor defilho menor de vítima fatal de acidente, ajurisprudência <strong>do</strong> C. STJ tem reiteradamente fixa<strong>do</strong>como limite a idade de 24 (vinte e quatro) anos <strong>do</strong>sbeneficiários, marco em que se considera estarconcluída a sua formação universitária, que ohabilitaria ao pleno exercício da atividadeprofissional.4. DANO MORAL - QUANTUM DAINDENIZAÇÃO - CRITÉRIOS DEARBITRAMENTO - PRINCÍPIOS DARAZOABILIDADE E DAPROPORCIONALIDADE - JURISPRUDÊNCIAORIUNDA DO C. TST. Em relação à determinaçãoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


295da quantia de indenização por dano moral, ajurisprudência oriunda <strong>do</strong> C. TST tem a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> ocritério <strong>do</strong> arbitramento, basea<strong>do</strong> nos princípios darazoabilidade e da proporcionalidade, os quaisaquela Colenda Corte entende respeita<strong>do</strong>s econtempla<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> são considera<strong>do</strong>s certosaspectos tais como as condições sócio-econômicas davítima e <strong>do</strong> ofensor, o bem jurídico lesa<strong>do</strong>, o carátersatisfativo em relação à vítima e repressivo emrelação ao agente causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dano.5. ART. 475-J DO CPC - APLICABILIDADE AOPROCESSO DO TRABALHO -COMPATIBILIDADE - FACILITAÇÃO DEACESSO À JUSTIÇA. Esta Corte tem sufraga<strong>do</strong> oentendimento segun<strong>do</strong> o qual a regra <strong>do</strong> art. 475-J<strong>do</strong> CPC é perfeitamente compatível com o processo<strong>do</strong> trabalho, sen<strong>do</strong> mesmo recomendável suaaplicação, mesmo porque “As normas <strong>do</strong> processocivil, desde que impliquem maior efetividade à tutelajurisdicional <strong>do</strong>s direitos sociais trabalhistas, devemser aplicadas nos <strong>do</strong>mínios <strong>do</strong> processo <strong>do</strong> trabalhocomo imperativo de promoção <strong>do</strong> acesso <strong>do</strong> cidadãotrabalha<strong>do</strong>rà jurisdição justa.” (Carlos HenriqueBezerra Leite, in LTr, vol. 70, mês 9).6. HONORÁRIOS DE ADVOGADO - LIDE QUENÃO ENVOLVE RELAÇÃO DE EMPREGO -CABIMENTO - I. N. Nº 27 DO C. TST. Tratan<strong>do</strong>-sede lide que não versa sobre relação de emprego,envolven<strong>do</strong>, pelo contrário, matéria nãooriginariamente trabalhista, relativa a pleito deindenização por danos (morais e materiais)decorrentes de acidente em razão da contratação detrabalho autônomo, os honorários advocatícios têm,como pressuposto, a simples sucumbência, consoantea Instrução Normativa nº 27 <strong>do</strong> C. TST, não seexigin<strong>do</strong> os requisitos referi<strong>do</strong>s na O.J. nº 305 da E.SBDI-1.7.Recurso <strong>do</strong>s reclamantes conheci<strong>do</strong> e não provi<strong>do</strong>.Recurso da reclamada conheci<strong>do</strong> e só em parteprovi<strong>do</strong>.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


296I - RELATÓRIOTrata-se de recursos ordinários autônomos interpostosrespectivamente por Geokinetics Geophysical <strong>do</strong> Brasil Ltda. etambém por Rejane Felix Passos Araújo e Outros, em face de sentençada Juíza Substituta em exercício na 3ª Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> de Mossoró, aqual julgou procedentes em parte os pedi<strong>do</strong>s formula<strong>do</strong>s naReclamação Trabalhista ajuizada pela segunda recorrente em desfavorda primeira.A r. sentença ora impugnada (fls. 671-737) condenou aempresa reclamada a pagar aos autores indenizações por danosmateriais e morais, decorrentes <strong>do</strong> falecimento <strong>do</strong> seu esposo egenitor, no trabalho.Nas suas razões de recurso (fls. 744-778), a reclamadaalega, em síntese, que o juízo a quo proferiu julgamento contrário àsprovas por si carreadas, basean<strong>do</strong>-se em critérios subjetivos. Noutroflanco, reitera a tese da ausência de <strong>do</strong>lo ou culpa quanto ao acidentefatal. Impugna também o deferimento de honorários e <strong>do</strong> benefício dejustiça gratuita. De outro la<strong>do</strong>, aduz a inaplicabilidade <strong>do</strong> art. 475-J <strong>do</strong>CPC ao caso. Pede a improcedência da reclamação, ou,alternativamente, a redução <strong>do</strong>s montantes indenizatórios.Houve embargos de declaração pelos reclamantes, às fls.785-788, aprecia<strong>do</strong>s pela sentença de fls. 794-795, que os acolheu,acrescen<strong>do</strong> à condenação em honorários advocatícios no importe deR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


29720%.Por sua vez, a reclamante, nas suas razões de recurso (fls.798-803), pleiteia a aplicação das Súmulas nº 43 e 54 <strong>do</strong> C. STJ,combinadas com o artigo 962 <strong>do</strong> CC, que tratam de incidência dejuros de mora e correção monetária. Ademais, requer a reforma na r.sentença também para que o valor das custas seja calcula<strong>do</strong> sobre ovalor total da condenação.Intimadas ambas as recorridas para tanto, via expedientena imprensa oficial (certidão de fls. 811 e 817), cada qual apresentousuas respectivas contrarrazões (fls. 818-836 e 837-843).O MPT opinou pelo prosseguimento <strong>do</strong> feito (fl. 851).É o Relatório.II – FUNDAMENTAÇÃO1 – Admissibilidade1.1 - Recurso da ReclamadaA reclamada foi intimada da decisão proferida nosembargos de declaração no dia 22/06/2009 (segunda-feira), através depublicação no D.E.J.T. Nessa ocasião, já havia interposto seu recursoordinário desde 20/05/2009 (fl. 742-778). Contu<strong>do</strong>, cui<strong>do</strong>u de ratificáloem 30/06/2009 (fl. 807-808), portanto, de mo<strong>do</strong> tempestivo.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


298Por outro la<strong>do</strong>, a representação é regular (fl. 60); odepósito foi efetua<strong>do</strong> (fl. 780) e as custas recolhidas (fl. 782), ambos atempo e mo<strong>do</strong>.Assim, estan<strong>do</strong> presentes os pressupostos, conheço <strong>do</strong>recurso da reclamada, conhecen<strong>do</strong> também das contrarrazõesofertadas pelos reclamantes, porque tempestivas e com representaçãoregular.1.2 - Recurso <strong>do</strong>s ReclamantesOs reclamantes foram intima<strong>do</strong>s da decisão que julgou osEmbargos de Declaração através de publicação no D.E.J.T., no dia22/06/2009 (segunda-feira), de mo<strong>do</strong> que a contagem <strong>do</strong> octídio legalteve início em 23/06/2009 (terça-feira), findan<strong>do</strong>-se em 30/06/2009(terça-feira). Interposto o recurso em 26/06/2009 (fl. 798), é eleclaramente tempestivo. Por outro la<strong>do</strong>, a representação é regular (fl.20) e o preparo é ônus da reclamada, em face da sucumbência parcial.Presentes, portanto, os pressupostos de admissibilidade,conheço <strong>do</strong> recurso, conhecen<strong>do</strong> também das contrarrazões dareclamada, porque tempestivas e com representação regular.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


2992 – Mérito2.1 - Recurso da ReclamadaA impugnação é bem abrangente. A reclamada insiste, demo<strong>do</strong> repetitivo, em sustentar que o juízo a quo usou de meios nãooficiais de informação e estranhos aos autos, para formar suaconvicção e, desta forma, proferir a sentença de resolução da lide.Outrossim, reitera a tese da ausência de <strong>do</strong>lo ou culpa quanto aoacidente fatal. Impugna também o deferimento de honorários e <strong>do</strong>benefício de justiça gratuita. Sustenta, ainda, a inaplicabilidade <strong>do</strong> art.475-J <strong>do</strong> CPC ao caso. Pede a improcedência da reclamação, ou,alternativamente, a redução <strong>do</strong>s montantes indenizatórios.Vejamos então os temas devolvi<strong>do</strong>s à instância regional,segun<strong>do</strong> a sua ordem de prejudicialidade.2.1.1 - Matérias Preliminares (Considerações Iniciais)2.1.1.1. Alegação de Parcialidade da MM. Julga<strong>do</strong>ra de 1° Grau:Neste tópico, a recorrente aduz reiteradamente que a MM.Juíza de 1º grau agiu com parcialidade ao julgar o feito, partin<strong>do</strong> deopiniões preconcebidas, baseadas em ‘sites’ que a demandadaconsidera duvi<strong>do</strong>sos.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


300Ocorre que, não obstante suas alegações, a reclamada nãoapresenta um só fato capaz de dar suporte às suas assertivas deparcialidade da julga<strong>do</strong>ra de origem. Ao invés disso, limita-se a emitiropiniões pessoais e subjetivas acerca da sentença. A assertiva étotalmente inconsistente. Se realmente ela, reclamada, entendesse quea Juíza foi parcial teria suscita<strong>do</strong> o incidente de suspeição previsto nosartigos 312 a 314 <strong>do</strong> CPC, o qual se funda em prova <strong>do</strong>cumental etestemunhal.Embora a reclamada exponha como duvi<strong>do</strong>so o conjuntoprobatório utiliza<strong>do</strong> pela r. magistrada a quo para proferir suasentença, há que se ressaltar, nesse caso, a consagração a princípiosa<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s na seara trabalhista que dão respal<strong>do</strong> para que o juiz possaembasar sua fundamentação. São eles: os Princípios da LivreConvicção Motivada e da Busca pela Verdade Real.O princípio da persuasão racional ou da livre convicçãomotivada <strong>do</strong> juiz, a teor <strong>do</strong> que dispõem o art. 765 da CLT, e o art.131<strong>do</strong> Código de Processo Civil, revela que ao magistra<strong>do</strong> cabe apreciarlivremente a prova, atenden<strong>do</strong> aos fatos e circunstâncias constantes<strong>do</strong>s autos.Já o princípio da busca pela Verdade Real, goza de grandeimportância no Direito Laboral, pois proclama que to<strong>do</strong>s os atosprocessuais devem buscar a realidade <strong>do</strong>s fatos, admitin<strong>do</strong>, em virtudedisso, a requisição de provas, de ofício, pelo juiz.Outrossim, impende ressaltar que, além <strong>do</strong>s elementosR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


301probatórios avalia<strong>do</strong>s pelo juízo a quo, verifica-se nos autos oconjunto probatório anexa<strong>do</strong> à exordial pela parte reclamante,demonstran<strong>do</strong> assim que a magistrada fez uma pesquisa na redemundial de computa<strong>do</strong>res (internet) também a critério de reforço paraformar seu convencimento, não haven<strong>do</strong> que se falar em umjulgamento realiza<strong>do</strong> de forma indutiva, até mesmo porque, conformese depreende <strong>do</strong>s autos, foi oportuniza<strong>do</strong> o contraditório e a ampladefesa, garantin<strong>do</strong> assim à recorrente o Devi<strong>do</strong> Processo Legal.Não há como conceber também que o argumentomenciona<strong>do</strong> pela reclamada de que tais fontes de pesquisa utilizadasnão são confiáveis, seja suficiente para desconsiderar um fato, sen<strong>do</strong>certo que o evento que vitimou o ‘de cujus’, bem como ascircunstâncias em que o fato ocorreu já constituem a prova cabal deque as notícias veiculadas sobre a região de Cabinda eramefetivamente dignas de credibilidade.Por outro la<strong>do</strong>, o próprio Código de Processo Civilconsagra em seu artigo 334, I, que independem de provas os fatosconsidera<strong>do</strong>s “notórios”, ou seja, a insegurança e instabilidade naregião de Cabinda era um fato veicula<strong>do</strong> em um meio de comunicaçãocom abrangência global, não necessitan<strong>do</strong> sequer ser prova<strong>do</strong> poroutros meios.Desta feita, não merece prosperar o alega<strong>do</strong> pelareclamada nesse senti<strong>do</strong>, motivo por que quanto ao ponto, negoprovimento ao recurso.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


302Sem embargo, apenas para reforçar a inconsistência dasalegações, note-se a circunstância de a recorrente nada requerer nestetópico.Sen<strong>do</strong> assim, simplesmente, rejeito a arguição.2.1.1.2. Alegação de Uso Pelo Juízo “a quo” <strong>do</strong> Méto<strong>do</strong> IndutivoAqui, a recorrente, de igual forma, emite opinião pessoalprópria e carregada de subjetividade sobre a sentença. Ela asseveraque “a d. magistrada ... buscou elementos para condenação a partir desua opinião preconcebida, desconsideran<strong>do</strong> elementos probatóriosfavoráveis à reclamada que constam nos autos” (fl. 748).Note-se, porém, que ela, reclamada e recorrente, nãoapresenta nem se reporta a qualquer desses alega<strong>do</strong>s “elementosprobatórios favoráveis”, limitan<strong>do</strong>-se a emitir juízos de valormeramente subjetivos acerca das notícias colhidas pela julga<strong>do</strong>ra depiso na internet.Além disso, ele faz assertiva que não condiz com averdade, quan<strong>do</strong> afirma que grande parte <strong>do</strong>s artigos é posterior àmorte da vítima. Aqui, ela chega a ser leviana porque a totalidade dasinformações, não obstante acessadas (por óbvio) após o fato (= oóbito) refere-se a notícias pretéritas de insegurança no local decorrentede ações militares da FLEC, grupo que inclusive reivindicou para si,assumin<strong>do</strong> a autoria <strong>do</strong> atenta<strong>do</strong> que vitimou o ‘de cujus’.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


303Desta forma, resta evidencia<strong>do</strong> que o r. Juízo de primeirainstância não julgou basean<strong>do</strong>-se em uma opinião preconcebida mas,em elementos constantes nos próprios autos, consubstancian<strong>do</strong> assimo méto<strong>do</strong> dedutivo de análise. Se ela julgou erra<strong>do</strong>; se apreciou mal osfatos, e efetuou errônea aplicação da norma, isso é matéria a ser vistano exame de mérito, de mo<strong>do</strong> que rejeito a arguição tal comoveiculada.2.1.2 -O Acidente em si Mesmo - O Ato Ilícito e os DanosMateriais e MoraisAb initio, saliente-se que não há qualquer controvérsiaquanto à caracterização <strong>do</strong> evento trágico (= o assassinato <strong>do</strong> SenhorHelano Silva) como acidente de trabalho, por equiparação legal, nostermos <strong>do</strong> art. 21, II, ‘a’, da Lei n° 8.213/91, uma vez que se trata desituação em que trabalha<strong>do</strong>r brasileiro, contrata<strong>do</strong> no Brasil e, estan<strong>do</strong>no exterior, a serviço da empresa contratante, é assassina<strong>do</strong> pormilícias guerrilheiras da FLEC (Frente de Libertação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> deCabinda). Tem-se então, típico fato de terceiro.2.1.2.1. Alegação de sentença divorciada das provas <strong>do</strong>s autos.Aqui, a reclamada diz que a “d. magistrada simplesmenteignorou que os representantes e funcionários da reclamada a<strong>do</strong>taramR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


304inúmeras providências cautelares antes <strong>do</strong> início das operações emCabinda”.Porém, tal argumentação não se sustenta. O exame dasentença mostra que a <strong>do</strong>uta julga<strong>do</strong>ra de origem julgou conforme asevidências, já que as supostas medidas tomadas pela reclamada nãoforam suficientes, pois não evitaram o dano (= o acidente fatal).A reclamada trouxe como prova <strong>do</strong>cumental apenas umestu<strong>do</strong> de impacto ambiental e uma pesquisa sobre reconhecimento deárea física (fls. 180-206), ainda assim, de forma incompleta. Nota-se,porém, nesse relatório, menção a uma “presença militar razoavelmentegrande nas principais estradas arteriais” (fl. 184). No que respeita àsaúde e segurança, esse estu<strong>do</strong> é, todavia, restrito à avaliação dasinstalações médicas locais e à presença de animais venenosos, nãohaven<strong>do</strong> nele nenhuma referência à segurança de Cabinda, e tampoucoqualquer menção à FLEC ou à guerrilha.Quanto às testemunhas arroladas pela reclamada, elas nãotrouxeram elementos capazes de dar sustentação às suas assertivas deausência de culpa pelo acidente e de que se trata de um caso fortuito.Ao contrário, a primeira dessas testemunhas declarou que“na casa em Cabinda existia segurança armada contratada pelaempresa; que a segurança não acompanhava nenhum emprega<strong>do</strong>”. Etambém “(...) que o depoente também fazia reconhecimento de área noinício das operações da empresa; que o depoente quan<strong>do</strong> estavafazen<strong>do</strong> o estu<strong>do</strong> não fez pesquisas na internet sobre a situação <strong>do</strong>R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


305país” (fl. 556). Tal depoimento apenas ratifica a alegação autoral denegligência, eis, que a reclamada desprezou evidências históricas deinstabilidade política, as quais datam de 1975; e que não fez nenhumapesquisa na internet sobre a situação política <strong>do</strong> da região e <strong>do</strong> país.Quanto à segunda testemunha, o seu depoimento de que “aempresa também fez um estu<strong>do</strong> quanto a segurança no país; que aempresa não detectou se havia guerra no país” (fl. 559), só vemen<strong>do</strong>ssar a tese de negligência da reclamada, uma vez que fere arazoabilidade dizer que não se detectou a situação guerra, a qual era deconhecimento notório desde 1975.Embora a demandada afirme ter colhi<strong>do</strong> informaçõessobre a segurança de Cabinda junto às autoridades locais, e que taisdepoimentos deveriam ser leva<strong>do</strong>s em consideração na hora <strong>do</strong>convencimento <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong>, não explicou, em sua peça de defesa, omotivo da presença expressiva de policiais e militares na região, o queseguramente suscita dúvidas sobre a tão apregoada segurança que,segun<strong>do</strong> ela alega, “permitia inclusive aos diretores da reclamadaandarem sem escolta na região”.Por outro la<strong>do</strong>, os <strong>do</strong>cumentos carrea<strong>do</strong>s com a inicial (fls.36-49) registram e comprovam que a FLEC assumiu e reivindicou amorte de Helano; e também de outros 20 (vinte) militares angolanos,ten<strong>do</strong> esse fato ocorri<strong>do</strong> cerca de 40 dias antes <strong>do</strong> aconteci<strong>do</strong> com o‘de cujus’.Tal notícia mostra que o local onde trabalhava o ‘de cujus’R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


306era realmente de risco e demandava especial atenção no que respeita àsegurança física <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s da reclamada.Assim, não é razoável nem aceitável a assertiva dareclamada no senti<strong>do</strong> de que desconhecia a presença da FLEC naregião.São várias as evidências de que Cabinda era uma área derisco, não só pela atuação de tal movimento de libertação, que já vinhaavisan<strong>do</strong> aos estrangeiros e às empresas petrolíferas sobre os possíveisatenta<strong>do</strong>s contra estrangeiros e instalações estrangeiras, mas tambémpela presença de minas terrestres remanescentes <strong>do</strong> tempo da guerracivil.A sentença menciona um Relatório escrito em 2002(portanto vários anos antes <strong>do</strong> trágico acidente com Helano) escritopor jornalistas e integrantes de ONG angolanas. Seu título é“TERROR EM CABINDA”; e nele, as empresas multinacionaisexplora<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> petróleo da região são consideradas como cúmplicessilenciosas da situação de violência e pobreza que vivia população.Nele consta a informação de que “a guerrilha independentista sempreque pode, usa a estratégia de rapto a estrangeiros”.Assim, consoante referi<strong>do</strong> na sentença, são várias asnotícias sobre a guerrilha de Cabinda disponíveis na internet. Por elas,é possível aferir o fato de que a FLEC não aceitou o trata<strong>do</strong> de pazassina<strong>do</strong> por Angola em 2006 e que ainda nutria o desejo da separaçãodaquele país.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


307Desde 1975, os militares de Cabinda lutam por essaseparação. Cabinda produz cerca de 80 % <strong>do</strong> petróleo de Angola, quenão permite a separação, e sufoca militarmente a rebelião. Trata-se deuma terra de contrastes. Muitas riquezas naturais e uma populaçãomuito pobre, que faz fila até para comprar um litro de combustível. Osbenefícios da exploração <strong>do</strong> petróleo vão para os países dasmultinacionais e para Angola. Assim, os guerrilheiros cabindesesvêem como inimigos Angola e as multinacionais explora<strong>do</strong>ras <strong>do</strong>petróleo, porque <strong>do</strong> ponto de vista deles, sustentam aqueles quesufocam o seu desejo de libertação. E as empresas são consideradascúmplices porque nada fazem pela melhoria da população,permanecem em silêncio.O menosprezo quanto a essa realidade fática - que vem deépoca bem anterior à chegada da reclamada ao local onde explora suasatividades econômicas - ou mesmo a sua não consideração na devidaconta revela sua negligência ao instalar-se em um país estrangeiro, emárea sabidamente de conflito arma<strong>do</strong> (Cabinda), com conhecidainstabilidade política, sem se cercar de reais condições de segurança.Dessa forma, assumiu um risco, deven<strong>do</strong> então ser responsabilizadapelo evento danoso (= o assassinato de um de seus emprega<strong>do</strong>s) daíadvin<strong>do</strong>.De outra banda, também não há que se falar em casofortuito, uma vez que os ataques à demandada eram previsíveis, dadaa grande quantidade de notícias desse jaez veiculadas sobre a regiãoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


308angolana, até porque, principalmente, a FLEC existe desde 1975,manten<strong>do</strong> inclusive um governo no exílio; e seus avisos e ameaças aalvos estrangeiros, eram de conhecimento público e notório. Comefeito, fere a razoabilidade a alegação da reclamada de que não tinhaconhecimento dessa situação de instabilidade em Cabinda.Sobreleva destacar que por ocasião <strong>do</strong> evento trágico, osguerrilheiros da FLEC liberaram os <strong>do</strong>is angolanos queacompanhavam o Senhor Helano Silva Araújo e fuzilaram a sanguefrio este último, logo após tomar-lhe todas as vestes, e em seguida,atearam fogo no veículo em que estavam os três emprega<strong>do</strong>s dareclamada. Quer dizer, a FLEC destruiu parte <strong>do</strong> patrimônio (= oveículo) de empresa estrangeira (= a reclamada), e executou umestrangeiro (=o Senhor Helano Silva Araújo). Em outras palavras: o‘de cujus morreu vítima de ação militar porque era um ‘alvo’estrangeiro,Enten<strong>do</strong>, portanto, configura<strong>do</strong> o nexo causal entre amorte <strong>do</strong> Sr. Helano Silva Araújo e a condição insegura em quelaborava. E enten<strong>do</strong> configurada a culpa da reclamada, pelanegligência decorrente da omissão quanto à observância da legislaçãorelativa ao meio ambiente de trabalho, vale dizer, as normas relativas àsegurança <strong>do</strong> trabalho, as quais têm assento constitucional, conformeart. 7º, inciso XXII da Constituição, bem como encontra respal<strong>do</strong> nosartigos 157, 162, e 168 da CLT.Nego provimento ao recurso também quanto a este tema.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


3092.1.2.2. Das Provas Produzidas nos Autos:Neste tópico, a reclamada aduz que a r. sentença deorigem, conjugada com a exordial, traz uma visão errônea sobre arealidade fática.Aqui se trata de mera reprodução <strong>do</strong> que já foi aborda<strong>do</strong>no tópico anterior.Assim, nego provimento pelos mesmos motivosanteriores.2.1.2.3. Arguição de Tese Equivocada na Sentença:Neste tópico, a reclamada discute a existência de vícios naapresentação <strong>do</strong>s fatos em relação à região de Cabinda, questionan<strong>do</strong>,mais uma vez, a eventual i<strong>do</strong>neidade das fontes de onde foramextraídas as notícias que serviram como base para o julgamento deprimeira instância.Porém, trata-se de mera repetição de alegações, afirman<strong>do</strong>que os artigos constantes nos autos têm fonte duvi<strong>do</strong>sa, e, de outrola<strong>do</strong>, que ela teria agi<strong>do</strong> diligentemente para evitar o acidente fatal quevitimou o ‘de cujus’.Quanto a este aspecto, não há nada de novo para seressaltar, uma que vez tal tema já foi amplamente discuti<strong>do</strong> nostópicos anteriores. Sen<strong>do</strong> assim, rejeita-se, sumariamente, o alega<strong>do</strong>.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


3102.1.2.4. Caracterização <strong>do</strong> Ato IlícitoCom efeito, restou devidamente prova<strong>do</strong> nos autos que oobreiro Helano Silva Araújo, esposo e pai <strong>do</strong>s autores da presenteação indenizatória (certidões de casamento e nascimento às fls. 23-28), foi cruelmente assassina<strong>do</strong> enquanto trabalhava para a empresaGeokinetics Geophysical <strong>do</strong> Brasil na África.Como já foi largamente explana<strong>do</strong>, resta clara e evidente anegligência da recorrente quanto à segurança de seus emprega<strong>do</strong>s,uma vez que foi omissa quanto ao cumprimento das normas desegurança <strong>do</strong> trabalho, omissão essa que redun<strong>do</strong>u em um acidentefatal que vitimou o ‘de cujus’, e, consequentemente, toda sua família,psicologicamente, que hoje padece em decorrência desse lamentávelinfortúnio.Essa situação fática, tal como evidenciada nos autos, atraia incidência <strong>do</strong> art. 186 <strong>do</strong> Código Civil, verbo ad verbum:Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligênciaou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.Estão presentes na espécie to<strong>do</strong>s os elementosabstratamente previstos na lei para configurar o ato ilícito. Areclamada negligenciou quanto à observância das normas relativas àsegurança <strong>do</strong> trabalho, violan<strong>do</strong>, com isso o art. 7º, XXII, daConstituição e artigos 157, 162, e 168 da CLT, causan<strong>do</strong> a morte <strong>do</strong>R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


311trabalha<strong>do</strong>r.Há evidente ofensa ao direito à vida, direito este tãoconsagra<strong>do</strong> em nossa Carta Magna, em seu artigo 5º, desaguan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>no postula<strong>do</strong> inspira<strong>do</strong>r da atual Constituição, e princípio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>republicano brasileiro, o da Dignidade da Pessoa Humana, o qual nãotem preço.Nego provimento ao recurso também neste tópico.2.1.2.5. A Responsabilidade Civil (Reparação <strong>do</strong> Dano).Caracteriza<strong>do</strong>, pois, o ato ilícito, a consequência jurídica éa responsabilidade civil, nos termos <strong>do</strong> art. 927 <strong>do</strong> Código Civil, ipsisverbis:Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar danoa outrem, fica obriga<strong>do</strong> a repará-lo.Assim, é patente a obrigação, que para a reclamadadecorre de sua conduta e da própria lei, quanto à reparação <strong>do</strong> dano (=a indenização).Nego provimento ao recurso também neste tópico.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


2.1.3 -O Quantum das Indenizações por Danos Materiais e Morais3122.1.3.1. A)Indenização por Danos MateriaisA)A Base de CálculoA reclamada alega que o valor de R$ 4.221,36 (quatro mil,duzentos e vinte e um reais e trinta e seis centavos) não deve sermanti<strong>do</strong> como base de cálculo para a mensuração <strong>do</strong> dano material,uma vez que neste valor estaria incluí<strong>do</strong> não só o salário-base, mastambém, ajuda de custo para a viagem <strong>do</strong> Sr. Helano, sen<strong>do</strong> certo queesse valor não iria compor a remuneração ordinária <strong>do</strong> ‘de cujus’.Entretanto, há que se recorrer ao bom-senso para dirimirtal questão.Embora a verba adicional de viagem até tenha naturalcaráter provisório, não se fixou quanto tempo o ‘de cujus’ iriapermanecer na África a trabalho. Além disso, conforme se constata àfl. 32 <strong>do</strong>s autos, a remuneração utilizada para pagamento das verbasrescisórias corresponde ao valor de R$ 4.221,36 (quatro mil, duzentose vinte e um reais e trinta e seis centavos), percebi<strong>do</strong> mensalmentepelo Sr. Helano Silva à época <strong>do</strong> acidente que o vitimou de formafatal.Ademais, há que se considerar, no presente caso, que omotivo pelo qual o ‘de cujus’ recebia tal ajuda de custo era porR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


313trabalhar em um país estrangeiro e, foi justamente pela falta desegurança no ambiente de trabalho que o Sr. Helano veio a falecer.Desta forma, nada mais justo que a indenização por danos materiaisseja mensurada com base nesse valor. Nego, portanto, de igual mo<strong>do</strong>,provimento ao recurso quanto a este tema.B)A Forma de PagamentoEm suas razões recursais a demandada também requer queo valor da indenização por danos materiais seja pago mês a mês e deforma proporcional (por rateio) à viúva e aos herdeiros menores,sen<strong>do</strong> estes até que completem a idade de vinte e um anos.Ab initio, cumpre ressaltar que o pleito <strong>do</strong>s reclamantes,no tocante ao pagamento da indenização de uma só vez, encontrarespal<strong>do</strong> legal, a teor <strong>do</strong> artigo 950, parágrafo único, <strong>do</strong> Código Civilde 2002, in verbis:Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual oofendi<strong>do</strong> não possa exercer o seu ofício ou profissão, ouse lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização,além das despesas <strong>do</strong> tratamento e lucros cessantes atéao fim da convalescença, incluirá pensãocorrespondente à importância <strong>do</strong> trabalho para que seinabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.Parágrafo único. O prejudica<strong>do</strong>, se preferir, poderáexigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma sóvez.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


314Desta forma, não vejo porque deferir o pedi<strong>do</strong> dareclamada, ora recorrente, para permitir que o pagamento daindenização seja efetua<strong>do</strong> mensalmente, até porque, como bemobservou o juízo a quo, a recorrente, na condição de empresamultinacional pode a qualquer momento não ter mais interesse emtrabalhar no Brasil, dificultan<strong>do</strong> ou até mesmo pon<strong>do</strong> em risco aexecução <strong>do</strong> crédito.Por outro la<strong>do</strong>, merece uma análise mais detida a questãoda pensão conferida aos filhos menores <strong>do</strong> ‘de cujus’.Apesar de o Código Civil Brasileiro de 2002 disciplinar aindenização por danos materiais decorrentes de ato ilícito, nãoestipulou limite temporal da pensão paga aos dependentes econômicos<strong>do</strong> obreiro, na qualidade de beneficiários.Sen<strong>do</strong> assim, no caso presente, há que se usar <strong>do</strong> bomsenso para ponderar acerca <strong>do</strong> limite temporal em que os filhosreceberão a pensão correspondente à indenização por danos materiais,pois se impõe a devida cautela, para não se incidir em umapenalização exacerbada para a recorrente que, frise-se, já estáreceben<strong>do</strong> a sanção prevista em lei.É sabi<strong>do</strong> que a dependência econômica <strong>do</strong>s filhos emrelação aos pais (ou responsáveis) é presumida até os 21 anos deidade, bem como em caso de invalidez, consoante o dispõe oparágrafo 4º, <strong>do</strong> art. 16, da lei nº 8.213/91, ao tratar <strong>do</strong>s beneficiáriosde pensão previdenciária.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


315Entretanto, é entendimento majoritário, tanto na <strong>do</strong>utrinacomo na jurisprudência pátrias, a tese de que essa dependênciaeconômica estende-se até os 24 anos completos, uma vez que é nessaépoca que o jovem está encerran<strong>do</strong> seus estu<strong>do</strong>s superiores eingressan<strong>do</strong> no merca<strong>do</strong> de trabalho.Esse também é o entendimento <strong>do</strong> C. Superior <strong>Tribunal</strong> deJustiça, senão vejamos, claris verbis:CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.ACIDENTE DE TRABALHO COM VÍTIMA FATAL,ESPOSO E PAI DOS AUTORES. ACÓRDÃO.INEXISTÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRAPETITA. DANO MORAL. VERIFICAÇÃO.INCIDIÊNCIA DA S.7/STJ. PENSÃO. FIXAÇÃO.TERMO AD QUEM. IDADE DE FORMAÇÃOUNIVERSITÁRIA.I. Não há julgamento extra petita se a lide é decididadentro <strong>do</strong>s limites em que foi proposta. II. Implica emreexame fático, obsta<strong>do</strong> pela Súmula n. 7 <strong>do</strong> STJ, averificação da inexistência de abalo moral indenizável.III. O pensionamento em favor <strong>do</strong> filho menor <strong>do</strong> decujus tem como limite a idade de 24 (vinte e quatro)anos <strong>do</strong>s beneficiários, marco em que se considera estarconcluída a sua formação universitária, que o habilitariaao pleno exercício da atividade profissional.Precedentes <strong>do</strong> STJ.IV. Recurso especial conheci<strong>do</strong> em parte e parcialmenteprovi<strong>do</strong>”. (grifos nossos). (STJ. 4ª.Turma, REsp807770 / SC, Rel.: Ministro ALDIR PASSARINHOJUNIOR, Julga<strong>do</strong> em 15.12.2009).Desta forma, enten<strong>do</strong> que deve ser reformada a sentençafustigada, para o fim de limitar a quota-parte da pensão destinada aosfilhos menores à época em que eles completariam a idade de 24 (vinteR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


316e quatro) anos.Sen<strong>do</strong> assim, o montante equivalente ao dano materialdeverá ser revisto, da seguinte forma:Ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> o dano material fixa<strong>do</strong> no valor total de R$1.471.847,52 (Hum milhão, quatrocentos e setenta e um mil,oitocentos e quarenta e sete reais e cinquenta e <strong>do</strong>is centavos),dividin<strong>do</strong>-se proporcionalmente entre os reclamantes, ter-se-ia umvalor equivalente a R$ 490.615,84 (quatrocentos e noventa mil,seiscentos e quinze reais e oitenta e quatro centavos), isso se talpensão fosse devida até o tempo estima<strong>do</strong> para a expectativa de vida<strong>do</strong> de cujus, ou seja, 72,3 anos.Entretanto, sen<strong>do</strong> a pensão devida aos filhos menores atéque estes completem a idade de 24 anos, esse valor sofrerá umaredução proporcional, haja vista que, como os menores contavamaproximadamente 4 anos e <strong>do</strong>is meses na data <strong>do</strong> ajuizamento da ação,a pensão será devida por 19 anos e 10 meses para ambos, uma vez quesão gêmeos.Como cada filho receberia por mês o equivalente a R$938,08 (novecentos e trinta e oito reais e oito centavos),multiplican<strong>do</strong>-se por <strong>do</strong>is, ter-se-ia a soma mensal de R$ 1.876,16(hum mil, oitocentos e setenta e seis reais e dezesseis centavos).Multiplican<strong>do</strong>-se esse valor por 258 meses (tempo necessário para queos menores completem 24 anos e contabilizan<strong>do</strong> o 13º mês),totalizaria o valor de R$ 484.049,28 (quatrocentos e oitenta e quatroR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


317mil, quarenta e nove reais e vinte e oito centavos).Por fim, para se obter o valor total da indenização pordanos materiais, soma-se este valor destina<strong>do</strong> aos filhos menores, como que é devi<strong>do</strong> à viúva (R$ 490.615,84), totalizan<strong>do</strong> então R$974.665,12 (novecentos e setenta e quatro mil, seiscentos e sessenta ecinco mil e <strong>do</strong>ze centavos).Mister ressaltar, contu<strong>do</strong>, que a redução desse valor fixa<strong>do</strong>a título de danos materiais não irá impedir que os reclamantesrecebam-no de uma só vez, como pleitea<strong>do</strong> na exordial, uma vez que,consoante menciona<strong>do</strong> logo acima, tal pleito encontra respal<strong>do</strong> no art.950 <strong>do</strong> Código Civil de 2002.De outro la<strong>do</strong>, a reclamada requer também que opagamento de indenização seja fixa<strong>do</strong> ten<strong>do</strong> como tempo máximo aidade mínima para que o de cujus pudesse requerer sua aposentaria.Tal pleito resta descabi<strong>do</strong>, sem que mereça até mesmomaiores considerações, uma vez que, como bem pontuou o juízo aquo, toman<strong>do</strong> como parâmetro a pensão paga pelo INSS, não existelimite para a idade em que o emprega<strong>do</strong> se aposentaria. Ademais, aoemprega<strong>do</strong> também é faculta<strong>do</strong> continuar trabalhan<strong>do</strong> mesmo apósestar aposenta<strong>do</strong>, razão pela qual o tempo máximo a ser toma<strong>do</strong> comobase para pagamento deve ser a expectativa de vida <strong>do</strong> brasileiro,como requereram os reclamantes na peça vestibular.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


3182.1.3.2. Indenização por Danos MoraisA empresa recorrente reputa exagerada e desproporcionala quantia arbitrada a título de danos morais em favor <strong>do</strong>s reclamantes,aduzin<strong>do</strong> que não houve <strong>do</strong>lo das partes envolvidas e requeren<strong>do</strong> queo quantum indenizatório se atenha ao critério de proporcionalidade daofensa.Ora, consideran<strong>do</strong> o evento morte, e principalmente, ascircunstâncias em que ela ocorreu, é inevitável não se cogitar daexistência <strong>do</strong> dano moral, uma vez que tal fenômeno produz um abalopsicológico desmedi<strong>do</strong> às pessoas próximas à vítima, como bem ficoudemonstra<strong>do</strong> através <strong>do</strong> lau<strong>do</strong> de avaliação psicológica <strong>do</strong>s filhosmenores, carrea<strong>do</strong> à fl.565 <strong>do</strong>s autos.Assim, uma vez presentes o evento danoso, o nexo decausalidade e a culpa da reclamada, para a ocorrência <strong>do</strong>s danosmorais, surge o dever de indenizar os autores, nos termos <strong>do</strong> art. 927<strong>do</strong> Código Civil. Trata-se <strong>do</strong> dano moral indireto, ou seja, aquele quedecorre de um dano material.De início, enten<strong>do</strong> oportuno reiterar que a matéria relativaà responsabilidade civil por acidente de trabalho é de ín<strong>do</strong>le civilista,tratada no Código Civil, na sua Parte Especial, Livro I, Título IX, enão na CLT. Todavia, os artigos 944 a 954 <strong>do</strong> Código Civil, quedispõem sobre a indenização, não estabelecem parâmetrosquantitativos (tarifários), restan<strong>do</strong> ao Juiz arbitrá-los, de acor<strong>do</strong> comR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


319as circunstâncias de cada caso.A jurisprudência oriunda <strong>do</strong> C. TST tem a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> o critério<strong>do</strong> arbitramento, basea<strong>do</strong> nos princípios da razoabilidade e daproporcionalidade, os quais aquela Colenda Corte entende respeita<strong>do</strong>se contempla<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> são considera<strong>do</strong>s certos aspectos tais como ascondições sócio-econômicas da vítima e <strong>do</strong> ofensor, o bem jurídicolesa<strong>do</strong>, o caráter satisfativo em relação à vítima e repressivo emrelação ao agente causa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dano (RR-389-2001-010-10-00, DJ19/11/2004, Relator Ministro João Oreste Dalazen), a intensidade <strong>do</strong>sofrimento, a natureza e repercussão da ofensa, etc. (AIRR-706-2001-033-02-40, DJ 22/04/2005, Relator Juiz convoca<strong>do</strong> José AntônioPancotti).A opção <strong>do</strong> arbitramento, segun<strong>do</strong> prelecionaSEBASTIÃO GERALDO DE OLIVEIRA (In ‘Indenizações porAcidente <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> ou Doença Ocupacional’, São Paulo, LTr, 2005,pá. 123) “propicia ao Juiz fixar com mais liberdade a justa reparação,sem as amarras normativas padronizadas, de mo<strong>do</strong> que possa <strong>do</strong>sar,após análise equitativa, o valor da indenização com as tintasespecíficas <strong>do</strong> caso concreto”. Neste diapasão, <strong>do</strong>utrina ejurisprudência têm sedimenta<strong>do</strong> a tese segun<strong>do</strong> a qual a indenizaçãoobedece, em regra ao princípio da satisfação compensatória(compensar o lesa<strong>do</strong> pela ofensa a direito da personalidade), mas semdeixar de considerar também o caráter pedagógico e preventivo, aoservir de freio para evitar que o lesante (não apenas ele, mas tambémR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


320outros emprega<strong>do</strong>res <strong>do</strong> mesmo ramo) incorra em novas e futurascondutas culposas.Desta forma, ponderan<strong>do</strong> a situação social, política eeconômica das partes envolvidas (capacidade financeira <strong>do</strong> ofensorversus nível salarial <strong>do</strong> ofendi<strong>do</strong>), bem como a intensidade <strong>do</strong>sofrimento e o grau de culpa da empresa, chega-se à conclusão de queo quantum arbitra<strong>do</strong> na r. sentença, no importe de R$ 500.000,00(quinhentos mil Reais), longe de exagera<strong>do</strong>, atende, creio eu, aosrequisitos consagra<strong>do</strong>s na <strong>do</strong>utrina e na jurisprudência, e respeita osprincípios da razoabilidade e da proporcionalidade, afirma<strong>do</strong>s eprestigia<strong>do</strong>s nos julga<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Colen<strong>do</strong> TST.Diante <strong>do</strong> exposto logo acima nego provimento, tambémneste ponto, ao recurso da reclamada.2.1.4 -As Demais Matérias2.1.4.1. Justiça GratuitaA reclamada impugna também a concessão <strong>do</strong> benefícioda Justiça Gratuita aos reclamantes, alegan<strong>do</strong> que estes, em virtude daquantia recebida a título de seguro de vida, não estão em situaçãofinanceira difícil a ponto de serem considera<strong>do</strong>s pobres na forma daLei.Ocorre que este não é o melhor entendimento.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


321A própria Lei nº 1.060/50, em seu artigo 4º, preconiza quepara que a parte goze <strong>do</strong>s benefícios da justiça gratuita, basta asimples declaração de pobreza, in verbis:Art. 4º. A parte gozará <strong>do</strong>s benefícios da assistênciajudiciária, mediante simples afirmação, na própriapetição inicial, de que não está em condições de pagaras custas <strong>do</strong> processo e os honorários de advoga<strong>do</strong>, semprejuízo próprio ou de sua família.Desta forma, não merece prosperar o argumento elenca<strong>do</strong>pela recorrente de que os reclamantes não podem ser considera<strong>do</strong>spobres, em virtude <strong>do</strong> quantum recebi<strong>do</strong> pelo seguro de vida, hajavista que, com esse pensamento, estar-se-ia configuran<strong>do</strong> um “ganhoprejudicial”. Além disso, há que se ter em conta que o benefício daJustiça Gratuita constitui uma condição pré-processual, portanto,independente <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo.Por outro la<strong>do</strong>, a Lei 1.060/60 não condiciona odeferimento <strong>do</strong> benefício ao recebimento de um seguro, razão pelaqual o pensamento majoritário, tanto <strong>do</strong>utrinário quantojurisprudencial, é no senti<strong>do</strong> de que o beneficio da justiça gratuita éum direito da parte e não mera faculdade <strong>do</strong> juiz, oferecida pelalegislação, a teor <strong>do</strong> dispositivo legal retromenciona<strong>do</strong>.Desta forma, a tese da recorrente não prospera.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


3222.1.4.2. Honorários AdvocatíciosA reclamada também pede, em seu recurso, a exclusão,ou, alternativamente, redução <strong>do</strong>s honorários advocatícios, alegan<strong>do</strong>que não foram respeita<strong>do</strong>s os requisitos para a sua fixação, aduzin<strong>do</strong>que os reclamantes não estão assisti<strong>do</strong>s por Sindicato de Classe, nemem situação econômica difícil.Não lhe assiste razão.A parte autora (viúva <strong>do</strong> ‘de cujus’ e seus <strong>do</strong>is filhos) nãotêm e nunca tiveram qualquer relação jurídica de direito material coma parte reclamada. Não são e nunca foram emprega<strong>do</strong>s dela, de mo<strong>do</strong>que seria fora de propósito cogitar da possibilidade da assistênciasindical. E quanto à gratuidade judiciária, a simples declaração, nainicial, <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de insuficiência econômica é bastante para odeferimento <strong>do</strong> benefício.Além disso, na apresente lide não se debate sobre arelação de emprego, mas ao contrário, trata-se de ação de reparação dedanos, cuja matéria é regulada pelo Código Civil, que em seu art. 404,dá guarida ao pedi<strong>do</strong> de honorários advocatícios.Além disso, O C. TST, buscan<strong>do</strong> uniformizar oentendimento sobre o tema, logo após a promulgação da EC-45,editou a Instrução Normativa nº 27/2005, que orienta, in verbis:R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


323Art.5º Exceto nas lides decorrentes de relação deemprego, os honorários advocatícios são devi<strong>do</strong>s pelamera sucumbência.Sen<strong>do</strong> assim, os honorários advocatícios são devi<strong>do</strong>s pelamera sucumbência, nos termos da Instrução Normativa nº 27, por setratar de lide não decorrentes de relação de emprego. Por este motivo,o recurso da empresa não prospera também neste tópico.2.1.4.3 - Multa <strong>do</strong> Art. 475-J <strong>do</strong> CPCPede a recorrente também a exclusão da multa <strong>do</strong> art. 475-J, <strong>do</strong> CPC, por ser inaplicável ao processo <strong>do</strong> trabalho.Sem razão.Tanto na execução trabalhista, quanto na execução fiscal(aplicada subsidiariamente) - Lei nº 6.830/80, não existemdispositivos que imponham ao deve<strong>do</strong>r uma sanção, compelin<strong>do</strong>-o aopagamento da dívida. Diante de tal lacuna normativa, não há óbice aque se apliquem as regras <strong>do</strong> processo civil, se mais adequadas áceleridade e efetividade.Através da execução trabalhista, busca-se conferir aoobreiro o pagamento das verbas inadimplidas pelo emprega<strong>do</strong>r. Logo,devem ser a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os mecanismos capazes de conferirceleridade à satisfação <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>, principalmente se tais créditos sãode natureza alimentar.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


324O estabeleci<strong>do</strong> neste dispositivo legal, além de caminharna direção de dar maior efetividade ao processo, é compatível com oprocesso <strong>do</strong> trabalho e preenche uma lacuna normativa. Não contrariaa lógica da Consolidação das Leis <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, mormente <strong>do</strong>s artigos876 a 892, o fato de que o juiz, de ofício ou a requerimento <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r,intime o deve<strong>do</strong>r a pagar a quantia devida, no prazo assinala<strong>do</strong>, sobpena de sofrer, a condenação, um acréscimo de 10% (dez por cento).Este entendimento está em consonância com recentejulga<strong>do</strong> da 1ª Turma <strong>do</strong> TST:MULTA DO ART. 475-J DO CPC - APLICAÇÃO AODIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO -OMISSÃO LEGISLATIVA E COMPATIBILIDADECOM AS NORMAS TRABALHISTAS. Aplica-se aoDireito Processual Trabalhista, por força da autorizaçãoprevista no art. 769 da CLT, o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> art. 475-J <strong>do</strong>CPC, que estabelece multa no percentual de 10% caso odeve<strong>do</strong>r condena<strong>do</strong> ao pagamento de quantia certa ou jáfixada em liquidação não o efetue espontaneamente. Afalta de previsão legal específica de penalidade pordescumprimento espontâneo <strong>do</strong> título executivo judicialautoriza a incidência <strong>do</strong> art. 475-J <strong>do</strong> CPC nesta seara,pois não houve silêncio eloquente <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>rordinário, de mo<strong>do</strong> a concluir pela existência deregulação exaustiva da matéria pela legislaçãotrabalhista e de inaplicabilidade desse preceito legal, nostermos <strong>do</strong> art. 769 da CLT. A norma prevista no art.475-J <strong>do</strong> CPC amolda-se, perfeitamente, ao processo <strong>do</strong>trabalho. Agravo de instrumento desprovi<strong>do</strong>. (TST.AIRR - 112340-15.2007.5.21.0006 Data de Julgamento:10/03/2010, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira deMello Filho, 1ª Turma, Data de Divulgação: DEJT19/03/2010).R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


325Relevante registrar ainda que, em julgamento maisrecente, o C. STJ decidiu no Recurso Especial nº 1.111.686 - <strong>RN</strong>(2009/0041464-3) que a multa <strong>do</strong> art. 475-J é plenamente aplicável aoProcesso <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>. Veja-se o teor da Ementa, verbo ad verbum:PROCESSO DO TRABALHO. APLICAÇÃOSUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.I - A aplicação analógica <strong>do</strong> artigo 475-J <strong>do</strong> Código deProcesso Civil ao Processo <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> além depropiciar a realização <strong>do</strong>s princípios que informam esseramo <strong>do</strong> direito processual e o próprio direitofundamental a uma tutela jurisdicional adequada eefetiva, não encontra nenhum obstáculo de ordemtécnica sen<strong>do</strong>, por isso, perfeitamente possível. II -Recurso especial improvi<strong>do</strong>.” (STJ. Resp nº 1.111.686 -<strong>RN</strong>. 2009/0041464-3. Relator Ministro SIDNEIBENETI. DJ: 25/06/2010).Assim diante dessa postura da jurisprudência pátria, nãovejo óbice a que se aplique essa regra <strong>do</strong> processo civil ao processo <strong>do</strong>trabalho.Mantenho a multa <strong>do</strong> art. 475-J <strong>do</strong> CPC, motivo pelo qualnego provimento ao recurso da reclamada, também nesse tópico.2.2 - Recurso <strong>do</strong>s ReclamantesNo seu recurso, os reclamantes pedem a reforma dasentença de piso parta determinar que os juros moratórios e a correçãomonetária comecem a fluir a partir da morte <strong>do</strong> ‘de cujus’. Requeremainda que o valor das custas processuais seja calcula<strong>do</strong> levan<strong>do</strong> emR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


326consideração o valor total da condenação imposta, a fim de obrigar arecorrida a complementar o recolhimento das custas processuais.Passa-se, pois à sua análise.2.2.1. Momento de Incidência da Correção Monetária e Juros deMoraQuanto a este item, os recorrentes impugnam a sentença,alegan<strong>do</strong> que, como as parcelas deferidas decorreram de ato ilícitopratica<strong>do</strong> pela empresa ora recorrida, os juros monetários e a correçãomonetária deveriam começar a fluir a partir <strong>do</strong> evento danoso.Assim, juntan<strong>do</strong> jurisprudência, pede provimento pelafixação de ambos a partir <strong>do</strong> dia <strong>do</strong> falecimento <strong>do</strong> Sr. Helano Silva .A r. sentença ora impugnada, determinou a incidência dejuros de mora a contar <strong>do</strong> ajuizamento da reclamação; e a correçãomonetária a partir da data de sua própria publicação, isto é,30/04/2009.Em verdade, a jurisprudência <strong>do</strong> C. STJ, a quem cabe aúltima palavra sobre a matéria, inclina-se no senti<strong>do</strong> de que emmatéria de indenização por dano moral, os juros e correção monetáriadevem incidir a partir da data da prolação da decisão judicial que aquantifica. No mesmo senti<strong>do</strong>, é o Enuncia<strong>do</strong> 52, aprova<strong>do</strong> na 1ªJornada de Direito Material e Processual da Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>,ocorrida em novembro de 20007, na sede <strong>do</strong> C. TST.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


327Então, a rigor, os juros de mora deveriam incidir apenas apartir da publicação da sentença que julgou a causa e não <strong>do</strong>ajuizamento da reclamação. Porém, como não houve impugnação pelaparte reclamada, então em homenagem à regra da non reformatio inpejus, mantenho o que foi decidi<strong>do</strong> na decisão de primeiro grau,negan<strong>do</strong> provimento ao recurso <strong>do</strong>s reclamantes.2.2.2. Debate Sobre o Valor das Custas ProcessuaisA reclamante requer em sede de razões recursais que ascustas processuais sejam fixadas toman<strong>do</strong> como base o valor total dacondenação, imposta pela sentença de piso, alegan<strong>do</strong> que tal sentençaé líquida, uma vez que delimitou o valor de cada uma dascondenações.Tal argumentação não merece prosperar.O valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) fixa<strong>do</strong> na sentençaresulta de prudente arbitramento da Juíza prolatora da sentença, sen<strong>do</strong>certo que não traz qualquer ônus para a reclamante, que demonstraclaramente falta de interesse recursal neste ponto.Mais <strong>do</strong> que isso, tal valor demonstra a equidade aplicadapela r. magistrada de primeiro grau, ao viabilizar a eficácia <strong>do</strong>princípio <strong>do</strong> Duplo Grau de Jurisdição, uma vez que, se o valor dascustas fosse fixa<strong>do</strong> toman<strong>do</strong> como base o valor total da condenação,resultaria em uma soma exorbitante que talvez pudesse retirar daR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


328reclamada o acesso ao segun<strong>do</strong> grau de jurisdição, e com isso, asgarantias <strong>do</strong> Devi<strong>do</strong> Processo Legal.Portanto, nego provimento ao recurso <strong>do</strong>s reclamantes.III - CONCLUSÃOPor to<strong>do</strong> o exposto, conheço de ambos os recursos, o dareclamada e o da reclamante. No mérito, nego provimento ao recursoda reclamante e <strong>do</strong>u provimento parcial ao recurso da reclamada paralimitar o valor da pensão conferida aos herdeiros menores <strong>do</strong> de cujusà época em que estes completem a idade de 24 anos, acarretan<strong>do</strong>assim uma redução no montante arbitra<strong>do</strong> a título de danos materiais,resultan<strong>do</strong> no valor de R$ 974.665,12 (novecentos e setenta e quatromil, seiscentos e sessenta e cinco mil e <strong>do</strong>ze centavos), manten<strong>do</strong>,contu<strong>do</strong> a ordem de se pagar de uma só vez.Acordam os Desembarga<strong>do</strong>res Federais e a Juíza daEgrégia 2ª Turma <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ª Região,por unanimidade, conhecer de ambos os recursos, o da reclamada e oda reclamante. Mérito: por unanimidade, negar provimento ao recursoordinário da reclamante. Por unanimidade, dar provimento parcial aorecurso da reclamada para limitar o valor da pensão conferida aosherdeiros menores <strong>do</strong> de cujus à época em que estes completem aidade de 24 anos, acarretan<strong>do</strong> assim uma redução no montantearbitra<strong>do</strong> a título de danos materiais, resultan<strong>do</strong> no valor de R$R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


329974.665,12 (novecentos e setenta e quatro mil, seiscentos e sessenta ecinco mil e <strong>do</strong>ze centavos), manten<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong> a ordem de se pagar deuma só vez.Natal-<strong>RN</strong>, 30 de março de 2011.Carlos Newton PintoDesembarga<strong>do</strong>r RelatorXisto Tiago de Medeiros NetoProcura<strong>do</strong>r <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>Divulga<strong>do</strong> no DEJT nº 711, em 15/04/2011(sexta-feira).Trasla<strong>do</strong> nº 532/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


330Acórdão nº 111.066Manda<strong>do</strong> de Segurança nº 11800-35.2011.5.21Des. Relatora: Maria de Lourdes Alves LeiteImpetrante: Karina Calafange MottaImpetra<strong>do</strong>: Desembarga<strong>do</strong>r Presidente <strong>do</strong> TRT da 21ª Região3º interessa<strong>do</strong>: UniãoOrigem: TRT 21ª RegiãoMANDADO DE SEGURANÇA. ATOADMINISTRATIVO DO PRESIDENTE DOTRIBUNAL. COMPETÊNCIA. Tratan<strong>do</strong>-se deatuação administrativa <strong>do</strong> Presidente <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong>,incide o disposto na Lei Complementar n.º 35/79 (LeiOrgânica da Magistratura), que atribui competênciaprivativa ao <strong>Tribunal</strong> para processar e julgar omanda<strong>do</strong> de segurança contra seus atos (art. 21, inc.VI), não excluin<strong>do</strong> tal competência o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong>art. 114 da Constituição Federal, posto que se refereà competência jurisdicional da Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>,ou seja, à atuação <strong>do</strong> Poder Estatal em substituição àvontade <strong>do</strong>s particulares.Manda<strong>do</strong> de segurança. Deficiência física inconteste.Adequação à legislação. Matéria de direito. Patentenos autos a deficiência auditiva unilateral daimpetrante, reputa-se desnecessária a dilaçãoprobatória quanto aos consectários da sua condiçãofísica, tratan<strong>do</strong>-se, na verdade, de se saber se adeficiência auditiva unilateral se caracteriza comodeficiência física suficiente para enquadrar aimpetrante nos termos <strong>do</strong> Decreto n.º 3.298/99, comredação dada pelo Decreto 5.296/2004, restan<strong>do</strong>cabível a ação de segurança.Concurso público. Reserva de vagas. Deficiênciafísica. Surdez unilateral. Insuficiência. A perdaauditiva unilateral total, estan<strong>do</strong> a audição no outroouvi<strong>do</strong> dentro <strong>do</strong>s padrões normais, mostra-seinsuficiente para autorizar a reserva de vagaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


331destinada ao candidato porta<strong>do</strong>r de deficiênciafísica, ante os termos da legislação vigente à época dapublicação <strong>do</strong> Edital <strong>do</strong> concurso (Decreto n.º3.298/99, com redação dada pelo Decreto5.296/2004), que exige objetivamente a perdaauditiva bilateral, ainda que parcial, não sevislumbran<strong>do</strong> no caso o direito líqui<strong>do</strong> e certonecessário ao deferimento da segurança pleiteada.I - RELATÓRIO.Vistos, etc.Trata-se de Manda<strong>do</strong> de Segurança com pedi<strong>do</strong> de liminarajuiza<strong>do</strong> por KARINA CALAFANGE MOTTA, impugnan<strong>do</strong> o Editaln.º 7, subscrito pelo Exmº Des. Presidente <strong>do</strong> TRT da 21ª Região, quehomologou o resulta<strong>do</strong> final da perícia médica <strong>do</strong>s candidatos que sedeclararam porta<strong>do</strong>res de deficiência física, perante o ConcursoPúblico para Provimento de Vagas e Formação de Cadastro deReserva em Cargos de Analista Judiciário e de Técnico Judiciário,realiza<strong>do</strong> no ano de 2010, omitin<strong>do</strong> na relação <strong>do</strong>s candidatosreconheci<strong>do</strong>s como porta<strong>do</strong>res de deficiência o nome da impetrante.Em suas razões traça breve histórico da demanda,apontan<strong>do</strong> sua condição de pessoa porta<strong>do</strong>ra de deficiência física e oequívoco da Comissão Examina<strong>do</strong>ra, ao rejeitar essa condição à perdaauditiva total unilateral, sustentan<strong>do</strong> a presença <strong>do</strong>s requisitos para odeferimento liminar da reserva de vaga, assim como para oreconhecimento da condição de porta<strong>do</strong>ra de deficiência física, parafins de provimento da segunda vaga prevista pelo edital. Afirma serR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


332porta<strong>do</strong>ra de deficiência auditiva, sofren<strong>do</strong> perda total da audição noouvi<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong>, insuscetível de correção mediante aparelho auditivo,qualifican<strong>do</strong>-se como pessoa porta<strong>do</strong>ra de deficiência física,concorren<strong>do</strong> à reserva de vagas assegurada no art. 37, inc. VIII, daConstituição Federal. Diz que a legislação infraconstitucional nãoexige a perda bilateral, bastan<strong>do</strong> que seja parcial, dentro <strong>do</strong>s limitestraça<strong>do</strong>s no art. 4º, inc. II, <strong>do</strong> Decreto n.º 3.298/99, e art. 5º, §1º, letra“b”, <strong>do</strong> Decreto n.º 5.296/2004, conforme seria reconheci<strong>do</strong> najurisprudência <strong>do</strong> e. STJ. Invoca também a jurisprudência da JustiçaFederal Comum, que entende ser favorável à sua tese. Sustenta apresença <strong>do</strong>s requisitos necessários ao deferimento de liminar parareserva da segunda vaga destinada a porta<strong>do</strong>res de deficiência,evitan<strong>do</strong> o provimento <strong>do</strong> cargo por terceiro e o consequenteperecimento <strong>do</strong> direito, evidencian<strong>do</strong>-se o “fumus boni juris”, ante acomprovada surdez unilateral total e a classificação em segun<strong>do</strong> lugarna relação <strong>do</strong>s candidatos porta<strong>do</strong>res de deficiência física. Ao final,requer a concessão da segurança buscada, no senti<strong>do</strong> de reconhecersua condição de “porta<strong>do</strong>ra de deficiência” junto ao Concurso Públicopara provimento das vagas de Analista Judiciário – Área Judiciária,reconhecen<strong>do</strong>-lhe o direito de ser nomeada na segunda vaga <strong>do</strong>referi<strong>do</strong> cargo. Requer, ainda, que lhe seja assegurada a título deindenização por danos morais e patrimoniais sofri<strong>do</strong>s, caso sejamnomea<strong>do</strong>s outros candidatos <strong>do</strong> mesmo concurso após a impetração <strong>do</strong>R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


333“writ”, e o direito à percepção <strong>do</strong>s vencimentos que receberia contarda nomeação daqueles, até a data de sua própria nomeação.Com a inicial foram anexa<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>cumentos de fls.11/307.Mediante despacho de fls. 310/312, esta Desembarga<strong>do</strong>raRelatora deferiu o pedi<strong>do</strong> de liminar, a fim de determinar a reserva davaga correspondente à classificação da impetrante, na lista de pessoasporta<strong>do</strong>ras de deficiência, até o julgamento definitivo <strong>do</strong> presentemanda<strong>do</strong> de segurança por este e. TRT 21ª Região.Às fls. 315/317, o Exmo Des. Presidente <strong>do</strong> TRT da 21ªRegião prestou informações, defenden<strong>do</strong> a regularidade <strong>do</strong> atoimpugna<strong>do</strong>, sob o fundamento da exigência de submissão à períciamédica, segun<strong>do</strong> os termos <strong>do</strong> Edital <strong>do</strong> Concurso, que prevê aapuração da deficiência física conforme as condições <strong>do</strong> Decreto n.º3.298/99, aduzin<strong>do</strong> que a jurisprudência invocada representa oentendimento particular naqueles casos concretos, não extensíveispara outras hipóteses, ainda que semelhantes. Neste senti<strong>do</strong>, apontarecente decisão <strong>do</strong> e. STF, onde o Ministro Gilmar Mendes terianega<strong>do</strong> provimento a Manda<strong>do</strong> de Segurança similar (Proc. STF-MSn.º 30332), por entender que a espécie exige demonstraçãoincontroversa de fatos e provas.Manifestação da União, às fls. 320/325, suscitan<strong>do</strong> aincompetência absoluta da Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> para apreciar ademanda, uma vez que se trataria de matéria administrativa nãoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


334acolhida nos termos <strong>do</strong> art. 114, inciso IV, da Constituição Federal,bem como pela inadequação da via eleita, ante a necessidade dedilação probatória para apuração da deficiência física alegada,requeren<strong>do</strong>, ao final, seja o feito remeti<strong>do</strong> à Justiça Federal Comumou, sucessivamente, seja remeti<strong>do</strong> o feito à via ordinária (sic) oudenegada a segurança, por ausência de direito líqui<strong>do</strong> e certo a serprotegi<strong>do</strong> pela via mandamental.Em parecer de fls. 330/340, o MPT conclui pelacompetência da JT para apreciar a demanda, uma vez que se trata deato administrativo <strong>do</strong> Presidente <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> a ser aprecia<strong>do</strong>pelo <strong>Tribunal</strong> Pleno, nos termos <strong>do</strong> art. 114 <strong>do</strong> RI <strong>do</strong> <strong>Regional</strong>, assimcomo pelo cabimento da ação de segurança, pois desnecessária adilação probatória, entenden<strong>do</strong>, quanto ao mérito, que as disposições<strong>do</strong> Decreto n.º 3.298/99 devem ser interpretadas em consonância coma Constituição Federal e com a Lei n.º 7.853/89, sob pena de ofensa aonúcleo essencial de proteção aos porta<strong>do</strong>res de necessidades especiais,deven<strong>do</strong> ser assegurada a participação da impetrante, em homenagemao princípio da isonomia constitucional. Entende descabi<strong>do</strong> o pedi<strong>do</strong>de percepção de vencimentos, uma vez que inexiste nomeação deoutro candidato até o momento. Opina, assim, pela admissão <strong>do</strong>Manda<strong>do</strong> de Segurança e, no mérito, pela sua procedência parcial,confirman<strong>do</strong>-se a liminar antes deferida.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


335Às fls. 342/351, a impetrante apresenta manifestaçãorefutan<strong>do</strong> as alegações da União, recebida em homenagem aosprincípios da ampla defesa e <strong>do</strong> contraditório. É o relatório.II – FUNDAMENTOS DO VOTO.Da preliminar de incompetência absoluta.Em sua manifestação, a União suscita a incompetência daJustiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> para apreciar a demanda, nos termos <strong>do</strong> art. 114,inc. IV, da Constituição Federal, pois se trataria de matériaadministrativa relativa à servi<strong>do</strong>r público, atrain<strong>do</strong> a incidência <strong>do</strong>entendimento fixa<strong>do</strong> pelo e. STF na Reclamação n.º 3.395-DF.Sem razão, uma vez que não se trata aqui de demandaonde se questiona a relação entre o servi<strong>do</strong>r e a AdministraçãoPública, hipótese apta a afastar a competência desta Justiçaespecializada, nos termos <strong>do</strong> entendimento exara<strong>do</strong> pelo e. STF, masda impugnação de ato pratica<strong>do</strong> em face da competênciaadministrativa <strong>do</strong> Desembarga<strong>do</strong>r Presidente <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong>, atrain<strong>do</strong> aincidência <strong>do</strong> disposto no Regimento Interno desta Casa, notadamenteem seu art. 114.Com efeito, o coman<strong>do</strong> inserto no art. 114 da ConstituiçãoFederal se refere à competência jurisdicional da Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>,ou seja, à atuação <strong>do</strong> Poder Estatal em substituição à vontade <strong>do</strong>sparticulares, circunstância distinta da presente demanda, onde seR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


336questiona a atuação administrativa <strong>do</strong> Presidente <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong>, em atode natureza vinculada.Incide, no caso, o disposto na Lei Complementar n.º 35/79(Lei Orgânica da Magistratura), especialmente em seu art. 21, inc. VI,de inequívoca redação, “in verbis”:Art. 21. Compete aos tribunais, privativamente: VI –julgar, originariamente, os manda<strong>do</strong>s de segurançacontra seus atos, os <strong>do</strong>s respectivos presidentes e os desuas câmaras, turmas ou seções.Por sua vez, o Regimento Interno <strong>do</strong> <strong>Regional</strong> estabeleceexpressamente, em seu art. 114, que “serão julga<strong>do</strong>s pelo <strong>Tribunal</strong>Pleno os manda<strong>do</strong>s de segurança impetra<strong>do</strong>s contra atos deautoridades judiciárias e administrativas da 21ª Região, bem comocontra atos <strong>do</strong> próprio <strong>Tribunal</strong> e de seus órgãos”, em evidentesimetria com o dispositivo da LOMAM.Portanto, reputa-se este <strong>Tribunal</strong> competente para aapreciação da presente ação de segurança.Rejeita-se a preliminar.Da preliminar de inadequação.Prosseguin<strong>do</strong>, a União aponta a inadequação da via eleita,sustentan<strong>do</strong> ser necessária a dilação probatória para apuração dadeficiência física alegada pela impetrante.Também neste aspecto não prospera a impugnação, ten<strong>do</strong>em vista a presença de prova preconstituída suficiente à regularR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


337apreciação das alegações da impetrante, inexistin<strong>do</strong> qualquercontrovérsia quanto aos fatos e circunstâncias narra<strong>do</strong>s na inicial,tratan<strong>do</strong>-se de mera verificação da adequação <strong>do</strong>s fatos à normainvocada.Com efeito, inequívoca a presença da perda auditivaunilateral total no ouvi<strong>do</strong> direito da impetrante, conforme atesta<strong>do</strong> nosexames audiométricos junta<strong>do</strong>s aos autos (fls. 13/18) e reconheci<strong>do</strong>pela Comissão Multiprofissional <strong>do</strong> concurso público (fls. 137),limitan<strong>do</strong>-se a controvérsia à suficiência, ou não, desta condição parafins de inclusão da impetrante entre os candidatos porta<strong>do</strong>res dedeficiência física.Desnecessária, assim, a alegada dilação probatória quantoà condição física da impetrante, pois suficientemente demonstrada nosautos, tratan<strong>do</strong>-se, na verdade, de se saber se a deficiência auditivaunilateral se caracteriza como deficiência física suficiente paraenquadrar a impetrante nos termos <strong>do</strong> Decreto n.º 3.298/99, comredação dada pelo Decreto 5.296/2004.Diante deste quadro, estan<strong>do</strong> patente a surdez totalunilateral e alegan<strong>do</strong> a impetrante a suficiência desta condição paraviabilizar sua participação no concurso como deficiente físico,desnecessária a produção de outras provas, resumin<strong>do</strong>-se a demanda àapreciação <strong>do</strong> ato impugna<strong>do</strong> frente à legislação aplicável,circunstância que viabiliza a discussão via manda<strong>do</strong> de segurança.Rejeita-se igualmente esta preliminar.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


338Os requisitos gerais e específicos da ação de segurançaestão atendi<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong>, portanto, admitida.Do mérito.A impetrante busca, por intermédio da presente ação desegurança, garantir seu direito ao provimento da segunda vagadestinada aos candidatos porta<strong>do</strong>res de deficiência física, no concursopúblico para provimento <strong>do</strong> cargo de Analista Judiciário – ÁreaJudiciária, promovi<strong>do</strong> por este <strong>Tribunal</strong>, sustentan<strong>do</strong> que a legislaçãoaplicável não exige a perda auditiva bilateral para a caracterização dacondição de deficiente físico, sen<strong>do</strong> suficiente a perda auditiva parcial,nos limites <strong>do</strong> art. 4º, inc. II, <strong>do</strong> Decreto n.º 3.298/99, e art. 5º, §1º,letra “b”, <strong>do</strong> Decreto n.º 5.296/2004, entendimento reconheci<strong>do</strong> najurisprudência <strong>do</strong> e. STJ.Trata-se de ação manejada por candidata porta<strong>do</strong>ra dedeficiência auditiva unilateral total no ouvi<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong>, consideradapela Comissão Multiprofissional <strong>do</strong> concurso como não enquadradana hipótese <strong>do</strong> art. 4º, inc. II, <strong>do</strong> Decreto n.º 3.298/99, que exigiria aocorrência de perda auditiva bilateral, ou seja, nos <strong>do</strong>is ouvi<strong>do</strong>s, parafins de qualificação como deficiente físico apto à concorrência restrita.Ressalte-se, de logo, que não se trata aqui de se verificarse a deficiência em um <strong>do</strong>s ouvi<strong>do</strong>s – estan<strong>do</strong> o outro dentro <strong>do</strong>spadrões normais – caracteriza perda suficiente a prejudicar aimpetrante em relação aos demais candidatos e autorizar suaconcorrência seletiva, uma vez que tal situação demandaria dilaçãoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


339probatória incompatível com a via estreita da ação de segurança, masapenas a apreciação <strong>do</strong> seu direito líqui<strong>do</strong> e certo, nos termos dalegislação aplicável.Posto isso, o dispositivo legal invoca<strong>do</strong> pela ComissãoMultiprofissional <strong>do</strong> concurso está redigi<strong>do</strong> nos seguintes termos, “inverbis”:Art. 4º É considerada pessoa porta<strong>do</strong>ra de deficiência aque se enquadra nas seguintes categorias:I - (...)II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial outotal, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferidapor audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz,2.000Hz e 3.000Hz; (Redação dada pelo Decreto nº5.296/2004).Com o devi<strong>do</strong> respeito ao entendimento em senti<strong>do</strong>contrário, os termos em que está redigi<strong>do</strong> o dispositivo sãoinequívocos quanto à necessidade da bilateralidade da perda auditivapara fins de atribuição da condição especial, evidencian<strong>do</strong>-se que aqualificação parcial ou total se refere apenas à gradação da perdabilateral, não se tratan<strong>do</strong>, à evidência, de critérios alternativos à perdabilateral.Conquanto diversos julga<strong>do</strong>s <strong>do</strong> e. STJ tenhamreconheci<strong>do</strong> a suficiência da perda unilateral para caracterizar acondição especial <strong>do</strong> deficiente físico, há que se considerar que aantiga redação <strong>do</strong> dispositivo autorizava o entendimento a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>, poisinexistia menção à perda bilateral, “in verbis”:R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


340II - deficiência auditiva – perda parcial ou total daspossibilidades auditivas sonoras, varian<strong>do</strong> de graus eníveis na forma seguinte:a) de 25 a 40 decibéis (dB) – surdez leve;b) de 41 a 55 dB – surdez moderada;c) de 56 a 70 dB – surdez acentuada;d) de 71 a 90 dB – surdez severa;e) acima de 91 dB – surdez profunda; ef) anacusia;Contu<strong>do</strong>, após a edição <strong>do</strong> Decreto n.º 5.296, de03.12.2004, que modificou a redação <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> artigo 4º <strong>do</strong> Decreton.º 3.298/99 (art. 70), dúvidas não restam quanto à necessidade de aperda auditiva se dar em ambos os ouvi<strong>do</strong>s, ainda que de mo<strong>do</strong>parcial, reputan<strong>do</strong>-se superada a jurisprudência invocada pelaimpetrante.Neste senti<strong>do</strong>, impende registrar que a jurisprudência <strong>do</strong><strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> Federal da 5ª Região tem se direciona<strong>do</strong> para oreconhecimento da exigência da perda auditiva bilateral, ante ostermos <strong>do</strong> decreto regulamenta<strong>do</strong>r, como expressa a seguinte ementa,“in verbis”:ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO PORTADORDE DEFICIÊNCIA AUDITIVA (ANACUSIA ).DIREITO À VAGA RESERVADA PARADEFICIENTE. INEXISTÊNCIA.I. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADOCONTRA ATO DA PRESIDÊNCIA DESTETRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO(FLS. 39/40), QUE INDEFERIU O PEDIDO DERECONSIDERAÇÃO DE PERÍCIA MÉDICAOFICIAL, PARA QUE O IMPETRANTE SEJAR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


341CONSIDERADO COMO PORTADO DEDEFICIÊNCIA AUDITIVA E SE PERMITA SUAPOSSE, EM VAGA RESERVADA PARA ESSACONDIÇÃO, NO CARGO DE ANALISTAJUDICIÁRIO - EXECUTANTE DE MANDADOS.II. SEGUNDO O DECRETO Nº 3.298/99 (ART. 4º, II),SOMENTE É CONSIDERADO PORTADOR DEDEFICIÊNCIA O CANDIDATO QUE TENHADEFICIÊNCIA AUDITIVA . INAPLICÁVEL ASÚMULA Nº 377 DO STJ, REFERENTE APATOLOGIA DIVERSA (VISÃO MONOCULAR),EXCLUINDO-SE O PLEITO DE FLEXIBILIZAÇÃOFORMULADO PELO IMPETRANTE, EMBENEFÍCIO DA ISONOMIA E DA LEGALIDADE.III. A DESPEITO DA EXISTÊNCIA DE JULGADOSEM SENTIDO CONTRÁRIO, ADOTAM-SE OSFUNDAMENTOS DOS PRECEDENTES MAISRECENTES SOBRE A MATÉRIA: TRF5. TERCEIRATURMA. AC Nº 462153/AL. REL. DES. FEDERALVLADIMIR CARVALHO. DJ 17/06/2010; TRF5.QUARTA TURMA. AC Nº488064/PB. REL. DES.FEDERAL LEONARDO RESENDE MARTINS(CONVOCADO). DJ 09/04/2010.IV. SEGURANÇA DENEGADA.(<strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> Federal - 5ª Região; Manda<strong>do</strong> deSegurança n.º 0010983-33.2010.4.05.0000; Pleno; Des.Relatora MARGARIDA CANTARELLI; DataJulgamento: 26/01/2011; Public. DJE: 01/02/2011).Com efeito, conquanto se reconheça a importância daspolíticas públicas que buscam a inclusão <strong>do</strong>s porta<strong>do</strong>res de deficiênciano merca<strong>do</strong> de trabalho, sobressain<strong>do</strong>-se, neste aspecto, a reserva devagas em concursos públicos, não se pode desconsiderar a necessidadede definição objetiva da deficiência que merece a proteção legal, ten<strong>do</strong>em vista que o “discrimen” não pode ficar ao alvedrio de cadajulga<strong>do</strong>r, sob pena de se perpetrar eventual injustiça para com outrosconcorrentes efetivamente merece<strong>do</strong>res da proteção.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


342Assim, eleito critério objetivo mínimo para acaracterização da deficiência para fins de reserva de vagas noconcurso público, nos termos <strong>do</strong> art. 4º, inc. II, <strong>do</strong> Decreto n.º3.298/99, vigente à época da publicação <strong>do</strong> edital <strong>do</strong> concurso, deveeste ser respeita<strong>do</strong> em sua integralidade, à míngua de definiçãoexpressa destes critérios na Lei n.º 7.853, de 24 de outubro de 1989,que regulamentou o disposto no art. 37, inc. VIII, da ConstituiçãoFederal.E não se alegue que o decreto restringiu onde a lei não ofez, uma vez que não houve qualquer manifestação da Lei n.º 7.853/89quanto à caracterização <strong>do</strong> porta<strong>do</strong>r de deficiência, limitan<strong>do</strong>-se, noque interessa à causa, a prever a a<strong>do</strong>ção de legislação específica quediscipline a reserva de merca<strong>do</strong> de trabalho em favor das pessoasporta<strong>do</strong>ras de deficiência (art. 2º, par. único, inc. II, letra “d”).Tampouco a observância <strong>do</strong> critério regulamentar implicaem ofensa ao direito da pessoa porta<strong>do</strong>ra de necessidades especiais,ten<strong>do</strong> em vista que não se trata de negar oportunidade ao deficiente,mas da verificação qualitativa da situação da impetrante em face <strong>do</strong>sdemais concorrentes deficientes na forma da lei e merece<strong>do</strong>res daproteção legal, estan<strong>do</strong> assegurada a esses candidatos a reserva devagas no percentual exigi<strong>do</strong> pela lei.Inexiste, portanto, no ato impugna<strong>do</strong>, qualquer violaçãoaos princípios da isonomia, da proporcionalidade ou mesmo darazoabilidade.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


343Diante deste quadro, onde a impetrante não atende osrequisitos objetivos estabeleci<strong>do</strong>s no art. 4º, inc. II, <strong>do</strong> Decreto n.º3.298/99, pois porta<strong>do</strong>ra de perda auditiva unilateral, e sen<strong>do</strong> esta anorma aplicável à espécie, não se vislumbra o direito líqui<strong>do</strong> e certoexigi<strong>do</strong> para a concessão da segurança pleiteada.Denego, pois, a segurança pretendida.Revoga-se a medida liminar antes deferida à impetrante.Acordam os Desembarga<strong>do</strong>res Federais e as Juízas <strong>do</strong>Egrégio <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ª Região, porunanimidade, admitir o manda<strong>do</strong> de segurança. Por unanimidade,rejeitar as preliminares de incompetência absoluta da Justiça <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong> e de inadequação da via eleita. Mérito: por maioria, denegara segurança, revogan<strong>do</strong> a medida liminar antes deferida; vencida aJuíza Lygia Maria de Go<strong>do</strong>y Batista Cavalcanti que a concedia.Custas a cargo da impetrante no importe de R$ 20,00.Natal/<strong>RN</strong>, 25 de agosto de 2011.Maria de Lourdes Alves LeiteDesembarga<strong>do</strong>ra RelatoraDivulga<strong>do</strong> no DEJT nº 805, em 31/08/2011 (quarta-feira)e Publica<strong>do</strong> em 01/09/2011 (quinta-feira). Trasla<strong>do</strong> nº 01195/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


344Acórdão nº 112.475Recurso Ordinário nº 14100-80.2010.5.21.0007Desembarga<strong>do</strong>r Relator:Eridson João Fernandes MedeirosRecorrente: Brinks Segurança e Transportes de Valores Ltda.Advoga<strong>do</strong>s: Juliana Garcia Ferreira e outrosRecorri<strong>do</strong>: Luiz Marcos Souza de AndradeAdvoga<strong>do</strong>: Alécio César SanchesOrigem: 7ª Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> de Natal/<strong>RN</strong>Não é tarefa fácil, à luz da <strong>do</strong>utrina, definir qual <strong>do</strong>spreceitos jurídicos poderá agasalhar os pedi<strong>do</strong>sconti<strong>do</strong>s em uma lide, quan<strong>do</strong> o demandante, mais<strong>do</strong> que sujeito passivo de uma relação trabalhista, seagiganta como ser humano.Naturalmente, jamais foge à ótica <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>r, que ajustiça só se materializa quan<strong>do</strong> encontra eco nocoração <strong>do</strong> ser humano, que a busca sedento emendigo de direitos. No caso em tela, o reclamante,durante anos, desenvolveu suas funçõescorretamente dentro da empresa, em um trabalhoarrisca<strong>do</strong>, com jornadas extenuantes. Após assaltoenvolven<strong>do</strong> seus colegas de trabalho, em coleta dedinheiro, enquanto motorista <strong>do</strong> carro forte, passa asofrer as consequências <strong>do</strong> fato, desenvolven<strong>do</strong>síndrome que o impede de voltar a exercer asmesmas funções dentro da empresa. No caso de danopsicológico, é sempre mais difícil detectar o nexocausal entre a <strong>do</strong>ença e o trabalho, até porque, comose sabe, depressão é o mal <strong>do</strong> século, atingin<strong>do</strong>adultos e crianças, indiscriminadamente, pordiversas causas, muitas delas afetas a condiçõespessoais de cada indivíduo. Na hipótese vertente,lau<strong>do</strong>s respeitáveis de peritos, <strong>do</strong> INSS, informamsobre o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> reclamante, profundamenteabala<strong>do</strong> pelos fatos aconteci<strong>do</strong>s, o que lhe gerou odireito à indenização por dano moral.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


345Recurso ordinário conheci<strong>do</strong> e parcialmenteprovi<strong>do</strong>.Vistos, etc.Trata-se de recurso ordinário interposto por BRINKSSEGURANÇA E TRANSPORTE DE VALORES LTDA. contrasentença proferida pela 7ª Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> de Natal/<strong>RN</strong> (fls.553/559), que julgou procedente, em parte, a postulação contida nareclamação trabalhista proposta por LUIZ MARCOS SOUZA DEANDRADE, condenan<strong>do</strong>-a no pagamento <strong>do</strong>s seguintes títulos:indenização por danos materiais (R$ 30.600,00); indenização pordanos morais (R$ 30.000,00) e honorários sindicais no valor de R$9.090,00.Embargos de declaração da reclamada, às fls. 562/563,dirimi<strong>do</strong>s e rejeita<strong>do</strong>s pela decisão de fls. 568/569.Recurso ordinário da empresa reclamada, às fls. 571/584,insurgin<strong>do</strong>-se contra a condenação imposta. Defende a ausência dedano moral e dano material. Aduz que o reclamante é vigilantemotorista de carro forte, bastante experiente e treina<strong>do</strong> para o seuofício, deven<strong>do</strong> estar apto para as situações de stress, porquanto laboracom custódia de valores. Alega que a manifestação da <strong>do</strong>ença <strong>do</strong>reclamante – síndrome <strong>do</strong> pânico - decorre de fatores externos ao seutrabalho, ten<strong>do</strong>, inclusive, ti<strong>do</strong> a sua integridade física preservada porter permaneci<strong>do</strong> dentro <strong>do</strong> carro forte no assalto ocorri<strong>do</strong>, no qual osmeliantes abordaram apenas os vigilantes que portavam malotes deR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


346dinheiro, externamente. Entende que a depressão não deve serrelacionada à <strong>do</strong>ença profissional. Afirma, ainda, que atendeu to<strong>do</strong>s ospreceitos de segurança, oferecen<strong>do</strong> ao reclamante EPI, EPC,treinamentos e reciclagens. Nega tenha o reclamante adquiri<strong>do</strong> <strong>do</strong>ençaou sofri<strong>do</strong> acidente de trabalho em face de ação/omissão e suscita, porcautela, a redução <strong>do</strong>s valores arbitra<strong>do</strong>s. Requer a improcedência daação.Contrarrazões pelo reclamante, às fls. 601/607.É o relatório.VOTO1. ADMISSIBILIDADEA reclamada tomou ciência da decisão <strong>do</strong>s embargos dedeclaração em 21.10.2010 (certidão de fls. 570), interpon<strong>do</strong> recursoordinário em 03.11.2010 (fls. 571). Tempestivo, portanto, em face daocorrência de feria<strong>do</strong>s regimentais nos dias 29/10/2010 e 01/11/2010,bem como, feria<strong>do</strong> nacional em 02/11/2010. Depósito recursal às fls.586 e custas processuais comprovadas às fls. 587. Representaçãoregular (fls. 425). Conheço <strong>do</strong> recurso.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


3472. MÉRITOA reclamada recorrente insurge-se contra o deferimento dedano moral e dano material, reconheci<strong>do</strong>s na origem. Alega que oreclamante desenvolveu depressão/síndrome <strong>do</strong> pânico devi<strong>do</strong> afatores alheios ao contrato de trabalho.O reclamante recorri<strong>do</strong> sustenta ter sofri<strong>do</strong> depressão esíndrome <strong>do</strong> pânico em função <strong>do</strong> acúmulo da jornada diária e daexecução de atividade de risco constante, no desempenho da função demotorista de carro forte. Como arremate, relata que no desempenho dasua atividade, quan<strong>do</strong>, no carro forte, aguardava o término da coleta<strong>do</strong>s malotes, “(...) houve um assalto junto aos colegas <strong>do</strong> reclamante,vin<strong>do</strong> a deixar o reclamante mais transtorna<strong>do</strong> com a situação e orisco de vida que estava corren<strong>do</strong>.” (fls. 03).A Lei nº 8.213/1991, em seu artigo 19, conceitua acidente<strong>do</strong> trabalho como aquele que ocorre pelo exercício <strong>do</strong> trabalho aserviço da empresa, delinean<strong>do</strong>, em seu artigo 20, as <strong>do</strong>ençasprofissionais e <strong>do</strong> trabalho que se equiparam ao acidente <strong>do</strong> trabalho.No artigo 21 define a chamada “concausa”, como equiparada aoacidente <strong>do</strong> trabalho, e o acidente de trajeto.Assim, o nexo causal entre a moléstia e o trabalho, paraefeito de reconhecimento de <strong>do</strong>ença ocupacional equiparada aacidente <strong>do</strong> trabalho, não precisa ser causa exclusiva, nos moldes <strong>do</strong>disposto no art. 21, inciso I, da Lei 8.213/91. Basta que a atividadeR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


348realizada possa ter causa<strong>do</strong> ou contribuí<strong>do</strong> para a instalação da <strong>do</strong>ençaou o seu agravamento.Não há qualquer dúvida quanto ao direito <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r àindenização por acidente <strong>do</strong> trabalho quan<strong>do</strong> caracteriza<strong>do</strong>s o dano e onexo de causalidade <strong>do</strong> evento com o trabalho, o que in casu seefetivou.Vigora hoje, no Brasil, a teoria da responsabilidade civilobjetiva (artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal; artigos 12e 14 <strong>do</strong> Código de Proteção e Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r e artigo 927 <strong>do</strong>CCB), que se fundamenta na “teoria <strong>do</strong> risco cria<strong>do</strong>”, ou seja: areparação <strong>do</strong> dano é devida em decorrência da criação <strong>do</strong> risco e nãoapenas da culpa ou <strong>do</strong> <strong>do</strong>lo.Entretanto, a par da teoria aplicada, deve-se levar emconta, ainda, a existência de situações de risco excepcional, ou seja,atividades econômicas de alto risco que impõem ao emprega<strong>do</strong>determina<strong>do</strong>s riscos que não podem ser elidi<strong>do</strong>s, por maiores oscuida<strong>do</strong>s que possam vir a ter o emprega<strong>do</strong>r, pois a possibilidade deacidente é inerente à própria atividade.Neste caso, então, decorren<strong>do</strong> o dano da própria naturezada atividade, o ônus de que seus emprega<strong>do</strong>s se acidentem deve sersuporta<strong>do</strong> pelo emprega<strong>do</strong>r, que responde pelas consequências daatividade econômica que assumiu o risco, face ao lucro que obtém.A tese desenvolvida em recurso é de que o reclamanteteria desenvolvi<strong>do</strong> problemas depressivos de forma alheia ao trabalho,R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


349não ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> o “assalto” o motiva<strong>do</strong>r da moléstia em questão, aindapelo fato da não participação <strong>do</strong> autor, no evento danoso.Os <strong>do</strong>cumentos de fls. 26/37 evidenciam afastamento <strong>do</strong>reclamante por concessão de Auxílio-Doença, por constatação deincapacidade laborativa, reconhecida pelo INSS, sob o código 91 –acidente de trabalho.Consta às fls. 76/77 <strong>do</strong>s autos, ofício da PrevidênciaSocial determinan<strong>do</strong> à empresa reclamada a readaptação profissional<strong>do</strong> reclamante à nova função/atividade compatível com o quadro atual,visan<strong>do</strong> o seu retorno ao trabalho. Como resposta, a demandada sereportou ao INSS (fls. 79/80), informan<strong>do</strong> acerca da dificuldade deencaixar o reclamante no exercício de outras funções na empresa, oque contraria a tese recursal de que o reclamante sempre esteve aptoao desempenho de suas funções.A i. expert, através <strong>do</strong> lau<strong>do</strong> de fls. 450/462, amparadapelos esclarecimentos às fls. 480/484, concluiu que o trabalho <strong>do</strong>reclamante, na reclamada, efetivamente não foi ti<strong>do</strong> como “causa”,mas sim “concausa” da <strong>do</strong>ença adquirida pelo mesmo, deven<strong>do</strong>-se aessa conclusão fatores importantes como a acentuação de traços depersonalidade e os sintomas de alterações de ansiedade previamenteapresenta<strong>do</strong>s pelo mesmo.Explicou, ainda, que também não se deve afirmar que agênese da moléstia que ora imputa ao trabalho, na reclamada, sejaunicamente relacionada aos traços de personalidade que, emboraR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


350presentes, por si só não justificariam os transtornos apresenta<strong>do</strong>s, bemcomo a intensidade <strong>do</strong>s sintomas, ten<strong>do</strong> as condições de trabalho e oassalto ocorri<strong>do</strong> funciona<strong>do</strong> como fator agrava<strong>do</strong>r, “gatilho” dagênese da patologia.A respeito da concausa, preleciona o ilustre <strong>do</strong>utrina<strong>do</strong>rSebastião Geral<strong>do</strong> de Oliveira, (in Indenizações por Acidente <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong> ou Doença Ocupacional, LTr, 2005) ao discorrer obre ascausas das <strong>do</strong>enças ocupacionais, citan<strong>do</strong> Sérgio Cavalieri Filho:Os acidentes ou as <strong>do</strong>enças ocupacionais podemdecorrer de mais de uma causa (concausas), ligadas ounão ao trabalho desenvolvi<strong>do</strong>. Assevera Cavalieri Filhoque ‘a concausa é outra que, juntan<strong>do</strong>-se à principal,concorre para o resulta<strong>do</strong>. Ela não inicia e neminterrompe o processo causal, apenas o reforça, tal qualum rio menor que deságua em outro maior,aumentan<strong>do</strong>-lhe o caudal.Importante traçar aqui um esboço superficial sobre o malque acomete o reclamante recorri<strong>do</strong>. O mesmo sofre de Síndrome <strong>do</strong>Pânico, desencadeada por agentes internos, não se exigin<strong>do</strong> perigoreal iminente para ela surgir. Manifesta-se a <strong>do</strong>ença através de umacrise de angústia inexplicável, onde o sistema nervoso autônomo, quecostuma acionar o “alarme” frente a situações de perigo, desencadeiaum conjunto de sintomas físicos e psicológicos, fazen<strong>do</strong> com que apessoa acometida sofra com alarmes falsos, ainda que tenhaconsciência de que não existe ameaça real. Por consequência, ossintomas aparecem e com isso o paciente passa a sofrer o me<strong>do</strong> deR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


351uma nova crise, associan<strong>do</strong>-a sempre com o local onde a última criseocorreu, tentan<strong>do</strong> evitá-lo. Assim, as chances <strong>do</strong> indivíduo ter algumproblema no local de trabalho são imensas, em função <strong>do</strong> grandenúmero de horas que as pessoas passam em seus ambientesprofissionais.Não é tarefa fácil definir, à luz da <strong>do</strong>utrina, qual <strong>do</strong>spreceitos jurídicos poderá agasalhar os pedi<strong>do</strong>s conti<strong>do</strong>s em uma lide,quan<strong>do</strong> o demandante, mais <strong>do</strong> que sujeito passivo de uma relaçãotrabalhista, se agiganta como ser humano.Naturalmente, jamais foge à ótica <strong>do</strong> julga<strong>do</strong>r, que ajustiça só se materializa quan<strong>do</strong> encontra eco no coração <strong>do</strong> serhumano, que a busca sedento e mendigo de direitos.No caso em tela, o reclamante, durante anos, desenvolveusuas funções corretamente dentro da empresa, em um trabalhoarrisca<strong>do</strong>, com jornadas extenuantes. Após assalto envolven<strong>do</strong> seuscolegas de trabalho, em coleta de dinheiro enquanto motorista <strong>do</strong>carro forte, passa a sofrer as consequências <strong>do</strong> fato, desenvolven<strong>do</strong>síndrome que o impede de voltar a exercer as mesmas funções dentroda empresa.No caso de dano psicológico, é sempre mais difícildetectar o nexo causal entre a <strong>do</strong>ença e o trabalho, até porque, como sesabe, depressão é o mal <strong>do</strong> século, atingin<strong>do</strong> adultos e crianças,indiscriminadamente, por diversas causas, muitas delas afetas acondições pessoais de cada indivíduo.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


352Na hipótese vertente, entretanto, lau<strong>do</strong>s respeitáveis deperitos, inclusive <strong>do</strong> INSS, informam sobre o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> reclamante,profundamente abala<strong>do</strong> pelos fatos aconteci<strong>do</strong>s e o licenciam.Mais <strong>do</strong> que a empresa reclamada recorrente, a verdadeiravítima <strong>do</strong> assalto é o reclamante recorri<strong>do</strong>, agora sem condições detrabalho e com poucas perspectivas laborais.Por sua fragilidade, o ser humano se agiganta, e só ajustiça deverá socorrê-lo, não por isso, mas pelas razões contidas nos<strong>do</strong>cumentos que acompanham o pedi<strong>do</strong> inicial, a <strong>do</strong>cumentaçãoconstante <strong>do</strong>s autos, e o entendimento da MM. Juíza, em suaprimorosa sentença, quan<strong>do</strong> relata as condições em que o reclamanteexercia seu trabalho, em jornadas comprovadamente extenuantes eestressantes.Evidencia, ainda, que a reclamada, sen<strong>do</strong> empresa que lidacom trabalha<strong>do</strong>res em constante situação de risco, deveria a<strong>do</strong>tarmedidas extras de prevenção com jornadas de trabalho mais amenas,compensa<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> estresse das tarefas executadas por seusemprega<strong>do</strong>s.Ressalte-se, mais uma vez, que restou evidencia<strong>do</strong> o nexoentre a <strong>do</strong>ença <strong>do</strong> reclamante e o trabalho por ele desenvolvi<strong>do</strong> dentroda empresa reclamada. E, em assim sen<strong>do</strong>, conforme se pode extrairda análise pericial, o assalto sofri<strong>do</strong> pelos companheiros <strong>do</strong> autor dalide foi efetivamente o gatilho da gênese da patologia por estedesenvolvida.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


353No que se refere aos lucros cessantes, importa ressaltarque estes visam, na forma <strong>do</strong> art. 950 <strong>do</strong> Código Civil, a garantir umarenda apta a compensar os ganhos de que tenha si<strong>do</strong> priva<strong>do</strong>s a parteofendida, face à sua inabilitação laboral, até o fim da convalescença.A intenção <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r é a manutenção <strong>do</strong> padrão remuneratório <strong>do</strong>indivíduo enquanto se encontrar incapacita<strong>do</strong> para o trabalho, emrazão de enfermidade temporária e/ou não consolidada.Trata-se <strong>do</strong> princípio da restitutio in integrum, quesignifica que to<strong>do</strong> o dano deve ser integralmente repara<strong>do</strong>. Esta é aregra literal <strong>do</strong> artigo legal em questão, verbis:Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pela qual oofendi<strong>do</strong> não possa exercer o seu ofício ou profissão, ouse lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização,além das despesas <strong>do</strong> tratamento e lucros cessantes até ofim da convalescença, incluirá pensão correspondente àimportância <strong>do</strong> trabalho para que se inabilitou, ou dadepreciação que ele sofreu .Data venia <strong>do</strong> entendimento de origem, que, pressupon<strong>do</strong>a irreversibilidade da <strong>do</strong>ença <strong>do</strong> reclamante, impôs à reclamadacomplementação salarial baseada na suposição de um salário futuro aser auferi<strong>do</strong> pelo reclamante em atividade para a qual estaria emprocesso de aprendizagem (auxiliar de cozinheiro), o valor daindenização pelos lucros cessantes, como já dito, deve corresponder àdiferença entre o valor da remuneração que o emprega<strong>do</strong> receberiacaso tivesse permaneci<strong>do</strong> trabalhan<strong>do</strong> e o que efetivamente recebeu daR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


354autarquia previdenciária no perío<strong>do</strong> de afastamento. Este é o limite,não caben<strong>do</strong> indenização baseada em suposição ad futurum.Todavia, in casu, consideran<strong>do</strong> que a prova <strong>do</strong>cumentalcarreada aos autos não demonstra os valores pagos pelo INSS e, ten<strong>do</strong>em vista a necessidade de identificar o que o reclamante deveriaefetivamente ter recebi<strong>do</strong> no perío<strong>do</strong>, concluo ser inviável nesta faseprocessual a fixação <strong>do</strong> valor da indenização pelos lucros cessantes, oque deverá ser apura<strong>do</strong> em liquidação de sentença, observada aevolução salarial <strong>do</strong> reclamante e os critérios para a percepção dasdemais verbas variáveis de natureza remuneratória.Assim, consideran<strong>do</strong> que o salário <strong>do</strong>s primeiros 15(quinze) dias de afastamento <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> por conta de acidente <strong>do</strong>trabalho é encargo <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r, a indenização vai arbitrada nopagamento das diferenças havidas entre os vencimentos <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>a contar <strong>do</strong> 16º (décimo sexto) dia de afastamento e o auxílioprevidenciário efetivamente recebi<strong>do</strong>, até a data de retomada de suasatividades na empresa ou <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> de demissão, haja vista inexistirreferências a tanto.Por conseguinte, <strong>do</strong>u provimento parcial ao recursoordinário da reclamada para manter a condenação desta no pagamentode indenização por lucros cessantes, entretanto em valor a ser apura<strong>do</strong>em liquidação de sentença, correspondente à diferença entre o valor daremuneração que o reclamante receberia caso tivesse permaneci<strong>do</strong>trabalhan<strong>do</strong> e o que efetivamente recebeu <strong>do</strong> INSS, a contar <strong>do</strong> 16ºR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


355(décimo sexto) dia de afastamento e o auxílio previdenciárioefetivamente recebi<strong>do</strong>, até a data de retomada de suas atividades naempresa ou <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> de demissão.Entretanto, a fim de se evitar a reformatio in pejus, o valormáximo da condenação em lucros cessantes não poderá ultrapassar opatamar de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), devidamente prolata<strong>do</strong> emprimeiro grau e não combati<strong>do</strong> pela parte autora.Quanto ao valor relativo à indenização por dano moral,tem-se a aferir que a existência de concausa é circunstância que nãoelimina a culpa <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r, mas que admite a mitigação <strong>do</strong> valorda indenização, já que as condições em que era realiza<strong>do</strong> o trabalho,de alguma forma, concorrem para o dano sofri<strong>do</strong> pelo emprega<strong>do</strong>.Contu<strong>do</strong>, o correto é considerar-se que o trabalho contribuiu com 50%para o dano causa<strong>do</strong> ao reclamante, estima<strong>do</strong> na origem em R$30.000,00.Assim, a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> os parâmetros ventila<strong>do</strong>s, enten<strong>do</strong> que ovalor de R$ 15.000,00 remunera condignamente o reclamanterecorri<strong>do</strong>, destacan<strong>do</strong>-se não produzir tal valor enriquecimento semcausa <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>.Dá-se provimento parcial ao recurso ordinário da empresareclamada para reduzir a indenização por danos morais, fixan<strong>do</strong>-a emR$ 15.000,00 (quinze mil reais).Provimento parcial.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


3563. CONCLUSÃOAnte o exposto, conheço <strong>do</strong> recurso ordinário e, no mérito,<strong>do</strong>u-lhe provimento parcial para reduzir a indenização por danosmorais, fixan<strong>do</strong>-a em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e determinarque o valor da condenação em lucros cessantes seja apura<strong>do</strong> emliquidação de sentença, correspondente à diferença entre o valor daremuneração que o reclamante receberia caso tivesse permaneci<strong>do</strong>trabalhan<strong>do</strong> e o que efetivamente recebeu <strong>do</strong> INSS, a contar <strong>do</strong> 16º(décimo sexto) dia de afastamento e o auxílio previdenciárioefetivamente recebi<strong>do</strong>, até a data de retomada de suas atividades naempresa ou <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> de demissão, respeita<strong>do</strong> o limite de R$30.000,00 (trinta mil reais), acaso ultrapassa<strong>do</strong>.É como voto.Acordam os Desembarga<strong>do</strong>res Federais e a Juíza daEgrégia 2ª Turma <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ª Região,por unanimidade, conhecer <strong>do</strong> recurso ordinário. Mérito: por maioria,dar provimento parcial ao recurso ordinário para reduzir a indenizaçãopor danos morais, fixan<strong>do</strong>-a em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) edeterminar que o valor da condenação em lucros cessantes sejaapura<strong>do</strong> em liquidação de sentença, correspondente à diferença entre ovalor da remuneração que o reclamante receberia caso tivessepermaneci<strong>do</strong> trabalhan<strong>do</strong> e o que efetivamente recebeu <strong>do</strong> INSS, acontar <strong>do</strong> 16º (décimo sexto) dia de afastamento e o auxílioR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


357previdenciário efetivamente recebi<strong>do</strong>, até a data de retomada de suasatividades na empresa ou <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> de demissão, respeita<strong>do</strong> o limitede R$ 30.000,00 (trinta mil reais), acaso ultrapassa<strong>do</strong>; vencida a JuízaLygia Maria de Go<strong>do</strong>y Batista Cavalcanti que lhe dava provimentoparcial exclusivamente para determinar que o valor da condenação emlucros cessantes seja apura<strong>do</strong> em liquidação de sentença.Natal/<strong>RN</strong>, 19 de outubro de 2011.Eridson João Fernandes MedeirosDesembarga<strong>do</strong>r RelatorDivulga<strong>do</strong> no DEJT nº 841, em 24/10/2011 (segunda-feira) ePublica<strong>do</strong> em 25/10/2011 (terça-feira). Trasla<strong>do</strong> nº 01396/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


358Acórdão nº 108.001Recurso Ordinário nº 160400-45.2009.5.21.0007Desembarga<strong>do</strong>r Relator: José Barbosa FilhoRecorrentes: José Lino da Silva e outroAdvoga<strong>do</strong>s: Kainara Liebis Katchem Bonner Alves Paiva e outroRecorri<strong>do</strong>: Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>Procura<strong>do</strong>res: Xisto Tiago de Medeiros Neto e outrosRecorri<strong>do</strong>: Sindicato <strong>do</strong>s Emprega<strong>do</strong>s em Con<strong>do</strong>mínios e emEmpresas Presta<strong>do</strong>ras de Serviços de Locação de Mão-de-Obra noEsta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte (SINDCOM/<strong>RN</strong>) e outrosAdvoga<strong>do</strong>: Marcus Vinicius Furta<strong>do</strong> da CunhaRecorri<strong>do</strong>: Anderson Miguel da SilvaAdvogada: Ana Lúcia de Andrade MeloOrigem: 7ª Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> de NatalPRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DORECURSO ARGUIDA PELO MINISTÉRIOPÚBLICO TRABALHO. RATIFICAÇÃO DORECURSO. ATO DESNECESSÁRIO ANTE AREJEIÇÃO DOS EMBARGOS DEDECLARAÇÃO. REJEIÇÃO.Os recorrentes protocolizaram recurso ordinárioantes de a parte contrária opor embargos dedeclaração, que foram conheci<strong>do</strong>s e rejeita<strong>do</strong>s.Diante disso, totalmente desnecessária a ratificação<strong>do</strong> recurso ordinário, seja pela ausência de previsãolegal, no particular, seja pela inocuidade <strong>do</strong> ato,diante da confirmação da sentença recorrida emto<strong>do</strong>s os termos. Preliminar rejeitada. Recursoordinário conheci<strong>do</strong>.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


359PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA. NATUREZACONTINUADA DAS IRREGULARIDADES.CONFIRMAÇÃO DO JULGADO.A análise da participação <strong>do</strong>s recorrentes na atuaçãofraudulenta <strong>do</strong> SINDCOM/<strong>RN</strong> não induz que aprescrição deva ser contada da constituição <strong>do</strong> órgãode classe, pois, como destaca<strong>do</strong> nos fundamentos dasentença recorrida, o pedi<strong>do</strong> de dissolução daentidade é fundamenta<strong>do</strong> nas irregularidadespraticadas de forma continuada.AÇÃO CIVIL PÚBICA. CRIAÇÃO DOSINDCOM/<strong>RN</strong> POR GRUPO FAMILIAR EEMPRESARIAL ARTICULADO. FRAUDE ADIREITOS TRABALHISTAS. GRAVE PREJUÍZOAOS EMPREGADOS DA CATEGORIAPROFISSIONAL. DANO MORAL COLETIVO.MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.Os recorrentes, inegavelmente, participaram daformação de articula<strong>do</strong> e poderoso grupo familiar eempresarial, crian<strong>do</strong> o SINDCOM/<strong>RN</strong> (Sindicato<strong>do</strong>s Emprega<strong>do</strong>s em Con<strong>do</strong>mínios e em EmpresasPresta<strong>do</strong>res de Serviço de Locação de Mão-de-Obrano Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte) e constituin<strong>do</strong>empresas presta<strong>do</strong>ras de serviços de locação de mãode obra, que se substituíam e se sucediam noscontratos celebra<strong>do</strong>s principalmente com os órgãospúblicos, utilizan<strong>do</strong> o Sindicato, que deveriarepresentar os trabalha<strong>do</strong>res, para sonegar edispensar direitos básicos e indisponíveis <strong>do</strong>s exemprega<strong>do</strong>s,contratuais e rescisórios, obten<strong>do</strong>, comisso, lucros indevi<strong>do</strong>s, afora outras irregularidadespraticadas e comprovadas nos autos. Dessa forma,diante <strong>do</strong>s graves prejuízos causa<strong>do</strong>s a coletividade<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res da categoria, deve ser mantida asentença de 1º grau, que decretou a dissolução <strong>do</strong>Sindicato, cria<strong>do</strong> “por quem não representa de fatoos interesses da categoria..., máxime quan<strong>do</strong>evidencia<strong>do</strong> que o mesmo grupo está no seu coman<strong>do</strong>desde a sua constituição, não existin<strong>do</strong> notícia daexistência de oposição que pudesse se contrapor aosrumos a ela conferi<strong>do</strong>s, o que é perfeitamentecompreensível, diante <strong>do</strong> natural temor <strong>do</strong>sempregos de enfrentamento de seus patrões”,R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


360proibiu os réus, inclusive os recorrentes, “de criar oupatrocinar novo Sindicato ou participar em direçãode sindicato já existente, representante da categoria<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, sob pena de multa deR$20.000,00” e, ainda, reconheceu aresponsabilidade também <strong>do</strong>s recorrentes, oriundasdas atividades <strong>do</strong> Sindicato e, consequentemente,determinou o pagamento de indenização por danosmorais coletivos no valor de R$ 2.000.000,00 (<strong>do</strong>ismilhões de reais). Recurso ordinário a que se negaprovimento.I – RELATÓRIOTrata-se de recurso ordinário interposto por José Lino daSilva e Jeane Alves de Oliveira, em face da sentença proferida peloJuízo da 7ª Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> de Natal, fls. 2123/2168, que julgouparcialmente procedente a pretensão formulada em ação civil públicaproposta pelo Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> contra o SINDCOM/<strong>RN</strong>– Sindicato <strong>do</strong>s Emprega<strong>do</strong>s em Con<strong>do</strong>mínios e em EmpresasPresta<strong>do</strong>res de Serviço de Locação de Mão-de-Obra no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> RioGrande <strong>do</strong> Norte, Jane Alves de Oliveira Miguel da Silva, NicolângeloGomes da Cunha, Josivan da Silva Oliveira, Sebastião Ramos,Eduar<strong>do</strong> Alves de Souza, Francisco Genival<strong>do</strong> Rosen<strong>do</strong>, AndersonMiguel da Silva e os recorrentes, para determinar a dissolução <strong>do</strong>SINDCOM/<strong>RN</strong>, com o afastamento definitivo de sua administração(Jane Alves de Oliveira Miguel da Silva, Nicolângelo Gomes daCunha, Josivan da Silva Oliveira, Sebastião Ramos, Eduar<strong>do</strong> Alves deSouza e Francisco Genival<strong>do</strong> Rosen<strong>do</strong>), além de proibir os réus deR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


361criarem ou patrocinarem novo sindicato ou participarem em direção desindicato já existente, representante da categoria <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res,sob pena de multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Houve, ainda, acondenação por dano moral coletivo no valor de R$ 2.000.000,00(<strong>do</strong>is milhões de reais), imputada solidariamente a Jane Alves deOliveira Miguel da Silva, Anderson Miguel da Silva, Jeane Alves deOliveira e José Lino da Silva. Custas, pelos requeri<strong>do</strong>s, de R$40.000,00 (quarenta mil reais).O Sindcom/<strong>RN</strong> e outros apresentaram embargos dedeclaração (fls. 2215/2219), que foram rejeita<strong>do</strong>s (fls. 2222/2224).Em suas razões recursais, fls. 2174/2209, os recorrentesafirmam que a própria sentença se limita a demonstrar, por si mesma,que inexiste magnitude alguma na prova apresentada com relação aosrecorrentes, ao contrário, limita-se ao fato da constituição da SeridóLocação Serviços Ltda. apenas pela presença da chancela <strong>do</strong> Sr. JoséLino da Silva no <strong>do</strong>cumento de constituição da sociedade, pois aeventual fraude na constituição da referida sociedade não demonstranenhum benefício para os ora recorrentes em prejuízo <strong>do</strong>strabalha<strong>do</strong>res representa<strong>do</strong>s pelo SINDCOM. Afirmam que a Sra.Elenilza não reconhece a sua assinatura no contrato da Seridó Locaçãode Serviços e que ela atribui a falsificação à Cactus Locação de Mãode-obraLtda., e não ao seu sócio, o recorrente José Lino da Silva.Aduzem que a Sra. Elenilza não pertence à família de Jane Miguel daSilva e também que a chancela <strong>do</strong> Sr. José Lino da Silva noR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


362<strong>do</strong>cumento de constituição da Seridó Locação Serviços Ltda. nãodenota qualquer liame entre este e o Sindicato. Afirmam que asentença de origem não apontou, dentre as irregularidades arguidaspelo Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, quais teriam si<strong>do</strong> cometidasespecificamente pelos recorrentes, sen<strong>do</strong> a única exceção a referênciaa um acor<strong>do</strong> coletivo firma<strong>do</strong> entre o SINDCON e a Cactus Locaçãode Mão de Obra Ltda., cujo objeto refere-se ao parcelamento deverbas rescisórias. Por fim, sob o argumento de que jamais praticaramqualquer ato que possa estar relaciona<strong>do</strong> com suposta farsa na criação<strong>do</strong> SINDCON, bem assim demonstra<strong>do</strong> que nenhuma dasirregularidades apontadas adveio de suas condutas, requerem que sejaconheci<strong>do</strong> e provi<strong>do</strong> o presente recurso para o fim de excluí-los dequalquer responsabilidade decorrentes das atividades <strong>do</strong> Sindicato,condenan<strong>do</strong>, ainda, a parte recorrida em custas e honoráriosadvocatícios no percentual de 20% sobre o valor da causa.Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público<strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> - Procura<strong>do</strong>ria <strong>Regional</strong> 21ª Região, às fls. 2304/2333,pugnan<strong>do</strong> pelo não conhecimento <strong>do</strong> recurso ordinário por ausência deratificação, após a ciência <strong>do</strong>s recorrentes da decisão que julgou osembargos declaratórios e, acaso conheci<strong>do</strong>, seja nega<strong>do</strong> provimento aorecurso.É o relatório.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


363II - FUNDAMENTOS DO VOTODa preliminar de não conhecimento <strong>do</strong> recurso arguidapelo MPT em contrarrazões, por ausência da ratificação da peçarecursal.O Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> opinou pelo nãoconhecimento <strong>do</strong> recurso, por não ter si<strong>do</strong> ratifica<strong>do</strong> pelos recorrentes,após a decisão <strong>do</strong>s embargos de declaração opostos pela parte adversa.Sem razão.Cientes as partes da decisão de fls. 2123/2168, publicadaem 19/07/2010 (fl. 2172), abriu-se prazo para interposição de recurso,cuidan<strong>do</strong> os recorrentes em apresentá-lo em 20/07/2010.Os embargos de declaração opostos em 21/07/2010, apósos recorrentes terem protocoliza<strong>do</strong> seu recurso, não foram acolhi<strong>do</strong>s.Ora, cabe a cada litigante protocolizar seu recurso no prazo legal, enão ficar em permanente vigília processual para saber se a parteadversa ingressou com embargos de declaração para, após ojulgamento desses embargos, com ou sem acolhimento, ratificar orecurso. É evidente que, em se tratan<strong>do</strong> de embargos acolhi<strong>do</strong>s comefeitos modificativos, obrigatoriamente as partes deverão serintimadas para, ai sim, a parte sucumbente que já havia protocoliza<strong>do</strong>recurso, acrescer ou adequar as suas razões recursais à nova situação,poden<strong>do</strong>, inclusive, desistir <strong>do</strong> recurso, ser lhe for conveniente.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


364A legislação processual civil e trabalhista não contemplaessa obrigação de ratificação <strong>do</strong> recurso após o julgamento <strong>do</strong>sembargos de declaração opostos pela parte adversa, constituin<strong>do</strong>-seem equivocada jurisprudência não a<strong>do</strong>tada pelo TST, que,reiteradamente, tem deci<strong>do</strong> em senti<strong>do</strong> contrário e determina<strong>do</strong> oretorno <strong>do</strong>s autos ao Juízo de origem para julgamento <strong>do</strong> recurso, semratificação, como entender de direito.Exigir que a parte recorrente apresentasse petição apenaspara informar ao Juízo que está ratifican<strong>do</strong> recurso anteriormenteapresenta<strong>do</strong> é obrigar a parte à prática de mais um ato desnecessário,implican<strong>do</strong> em mais tarefas administrativas a serem cumpridas pelasSecretarias das Varas e Distribuição <strong>do</strong>s Feitos, sem nenhuma funçãoútil, em total dissonância com o princípio da celeridade, daconcentração e da economia processual. A ausência dessa ratificaçãonenhum prejuízo causa a qualquer das partes, além de carecer deamparo legal.Desta forma, rejeito a preliminar.Em consequência, conheço <strong>do</strong> recurso ordinário, porqueatendi<strong>do</strong>s os seus pressupostos de admissibilidade.MéritoSobre a prescriçãoOs recorrentes afirmam que incidiu em erro o Juízo deorigem, uma vez que, para fins de dissolução <strong>do</strong> Sindicato, considerouque a pretensão não está prescrita porque o pedi<strong>do</strong> se fundaria na suaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


365atuação, entretanto, para fim de relacionar os recorrentes e considerálosresponsáveis pela sua atuação, com base na participação <strong>do</strong>srecorrentes, principalmente o Sr. José Lino da Silva, considerou aelaboração <strong>do</strong> estatuto social <strong>do</strong> Sindicato.O argumento não se coaduna com a situação retratada nosautos, pois a análise da participação <strong>do</strong>s recorrentes na constituiçãofraudulenta <strong>do</strong> Sindicato não induz que o prazo prescricional deva serconta<strong>do</strong> da data da constituição <strong>do</strong> órgão sindical, até porque, comofundamenta<strong>do</strong> pelo Juízo de origem, o pedi<strong>do</strong> de dissolução encontrasealicerça<strong>do</strong> nas irregularidades praticadas de forma continuadadurante to<strong>do</strong> o perío<strong>do</strong> de atuação – desde a fundação até a suadissolução.Portanto não há nenhum erro ou equívoco na sentença deorigem no tocante a esse ponto, inexistin<strong>do</strong> prescrição a serpronunciada.Da constituição <strong>do</strong> SINDCOM e <strong>do</strong> envolvimento <strong>do</strong>srecorrentes nas irregularidades apontadas na petição inicial pelo MPT.Antes de analisar tema central objeto <strong>do</strong> recurso, éimportante salientar que os recorrentes apresentam suas razõesrecursais de forma retalhada e de visão cansativa, repetin<strong>do</strong>argumentos em vários trechos <strong>do</strong> recurso, que podem ser sintetiza<strong>do</strong>snas afirmações de que não participaram da criação <strong>do</strong> SINDCOM,nem ficou comprova<strong>do</strong> o liame <strong>do</strong>s mesmos com as atividades <strong>do</strong>R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


366referi<strong>do</strong> Sindicato, ou que tiveram algum enriquecimento ilícitodecorrente de prejuízos causa<strong>do</strong>s aos trabalha<strong>do</strong>res.No caso em análise, os recorrentes José Lino da Silva eJeane Alves de Oliveira (cônjuges) constituíram, em 15.03.1994, aempresa ADS – Administração e Serviços Ltda. (que em 17.03.1998teve sua denominação social alterada para CACTUS – Locação deMão-de-Obra Ltda.), conforme contrato social e seus aditivos - fls.158/179, ten<strong>do</strong> como objeto social estabeleci<strong>do</strong> na sua Cláusula 5ª,“in verbis”:5723- agenciamento e locação de mão-de-obra(recrutamento, administração e treinamento de pessoal)5712 – Serviços de Administração de bens imóveis(administração de con<strong>do</strong>mínios, de centroscomerciais,de teatros, de cemitérios)5761- higiene, limpeza, e outros serviços executa<strong>do</strong>s emprédios e <strong>do</strong>micílios(dedetização, desinfecção, desratização, ignifugação,tratamento de piscinas, manutenção de jardins)(destaquei)Evidencia-se que o SINDCOM/<strong>RN</strong> foi funda<strong>do</strong> em20.08.1994, com a finalidade de representar os trabalha<strong>do</strong>res da“categoria profissional <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s em con<strong>do</strong>mínios e emempresas presta<strong>do</strong>ras de serviços de locação de mão-de-obra”, ten<strong>do</strong>si<strong>do</strong> constituí<strong>do</strong> por Jane Alves de Oliveira Miguel da Silva, da qualos recorrentes são irmã e cunha<strong>do</strong>, respectivamente. Ora, não se podeconsiderar mera coincidência o fato da irmã e o cunha<strong>do</strong> de JaneR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


367Alves terem cria<strong>do</strong> uma empresa de prestação de serviços e locação demão-de-obra poucos meses antes da instituição de um Sindicato querepresentaria os trabalha<strong>do</strong>res da categoria.Outra situação que corrobora mais ainda esta situação defraude é a ata da assembléia de constituição <strong>do</strong> SINDCOM/<strong>RN</strong> (fls.114/118), que apresenta o seguinte registro, “in verbis”:3. A presidente fez uso da palavra para apresentar aospresentes o trabalho desenvolvi<strong>do</strong> pela comissãoprovisória de fundação, ao longo desses últimos trêsmeses da elaboração da proposta ao estatuto dacategoria” (fl. 114- verso - destaquei)Consideran<strong>do</strong> os três meses anteriores da data de criação<strong>do</strong> SINDCOM/<strong>RN</strong>, evidencia-se que as datas de criação deste e deconstituição da empresa ADS praticamente coincidem, além <strong>do</strong> fatode o recorrente José Lino da Silva, atuan<strong>do</strong> como advoga<strong>do</strong>, terelabora<strong>do</strong> e assina<strong>do</strong> o Estatuto de criação <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> sindicato,corrobora a tese de que os recorrentes estavam intimamente liga<strong>do</strong>s atoda a fraude referente à criação de um Sindicato de Trabalha<strong>do</strong>res porempresários, afetan<strong>do</strong> a sua representatividade e a sua própriafinalidade como órgão de classe.Além disso, não prospera, de forma alguma, a alegação deingenuidade da conduta <strong>do</strong>s recorrentes, pois sempre estiveramatuan<strong>do</strong> em conjunto com a sua irmã e cunhada Jane Alves Miguel daSilva na prática de ilícitos, incluí<strong>do</strong>s os trabalhistas, conformeR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


368evidencia<strong>do</strong> pelos <strong>do</strong>cumentos anexa<strong>do</strong>s aos autos (fls. 640/670),demonstran<strong>do</strong> os crimes no qual estão denuncia<strong>do</strong>s pelo MinistérioPúblico Federal, dentre eles apropriação indébita previdenciária,quadrilha ou ban<strong>do</strong>, falsidade ideológica, sonegação de contribuiçãoprevidenciária, entre outros.Dessa forma, não prospera a tese recursal referente àausência de envolvimento <strong>do</strong>s recorrentes na criação <strong>do</strong>SINDCOM/<strong>RN</strong> com intuito de fraudar direitos trabalhistas, pois desdeo primeiro instante to<strong>do</strong>s os envolvi<strong>do</strong>s nesse ato de constituição <strong>do</strong>Sindicato sabiam exatamente o que pretendiam e como alcançar seusobjetivos.Do fato denotativo <strong>do</strong> liame de José Lino da Silva com acriação e as atividades <strong>do</strong> SINDCOMOs recorrentes afirmam que a assinatura supostamentefalsa da Sra. Elenilza Pinheiro de Araújo na constituição da empresaSeridó Locação de Serviços Ltda. foi atribuída à sociedade <strong>do</strong> qual orecorrente José Lino da Silva é sócio (CACTUS Locação de Mão deObra Ltda.), e não a si próprio. Aduzem também que a chancela <strong>do</strong> Sr.José Lino no <strong>do</strong>cumento de constituição da referida empresa nãodenota qualquer liame entre este e o Sindicato.Não assiste razão aos recorrentes.Inicialmente, é importante ressaltar que a Sra. Elenilzaparticipou da Assembléia de criação <strong>do</strong> SINDCOM/<strong>RN</strong>, ten<strong>do</strong>secretaria<strong>do</strong> os trabalhos e também assumi<strong>do</strong>, naquela oportunidade, oR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


369cargo de Diretor Administrativo – Financeiro (fl. 116- verso),presumin<strong>do</strong>-se, assim, a sua condição de trabalha<strong>do</strong>ra pertencente àcategoria profissional. Entretanto, em 06.10.1994, logo após assumir oreferi<strong>do</strong> cargo de direção no SINDCOM/<strong>RN</strong>, constituiu com o Sr.João Pereira da Costa a empresa Seridó – Locação de Serviços Ltda.,declaran<strong>do</strong> expressamente ser “comerciante” de profissão (contratosocial de fls. 181/187).Além disso, em depoimento presta<strong>do</strong> a Polícia Federal, aSra. Elenilza declarou que:Que passou a trabalhar para a empresa CACTUSLOCAÇÃO DE MÃO DE OBRA em 16.10.1998, comorecepcionista, quan<strong>do</strong> esta empresa prestava serviçopara a EMBRATEL, ali permanecen<strong>do</strong> até 09 de abrilde 2001;...; que não conhece ninguém chama<strong>do</strong> JOAOPEREIRA DA COSTA; QUE não reconhece asassinaturas de fls. 30, 31,32,39,4,42; QUE quanto àpessoa de JEANE ALVES DE OLIVEIRA, conheceu-ana época em que a Declarante e JEANE trabalham naEMBRATEL, sen<strong>do</strong> que a mesma veio a constituir aempresa CACTUS, posteriormente; QUE JOSÉ LINODA SILVA, ERA FUNCIONARIO DA Embratel naépoca em que a Declarante ali trabalhava; QUE adeclarante atribui a empresa CACTUS a falsificação desua assinatura nos <strong>do</strong>cumentos ora questiona<strong>do</strong>s...” (fls.910/911- destaquei).Ora, quan<strong>do</strong> a Sra. Elenilza atribui à empresa CACTUS afalsificação de sua assinatura, por se tratar de uma pessoa jurídica, elaestá se referin<strong>do</strong> as pessoas que estão à frente da referida empresa, ouseja, os recorrentes, que obviamente respondem pelos seus atos.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


370Por outro la<strong>do</strong>, o fato da Sra. Elenilza ter passa<strong>do</strong> aintegrar os quadros da CACTUS apenas em 16.10.1998 não é motivopara afastar a responsabilidade <strong>do</strong>s recorrentes pela falsificação deseus <strong>do</strong>cumentos, até porque o depoimento daquela mostra que arelação com os recorrentes começou antes da constituição da empresaCACTUS, pois era ligada ao SINDCOM e já tinha trabalha<strong>do</strong> com oSr. Lino e a Sra. Jeane em perío<strong>do</strong> anterior. Ademais, o fato da Sra.Elenilza não pertencer à família de Jane Alves não é essencial paracaracterizar o envolvimento nas fraudes perante o SINDCOM e asempresas envolvidas, até porque a ligação familiar estava latente nonúcleo da organização criminosa, haven<strong>do</strong> o envolvimento de outraspessoas que não apresentavam laço familiar com Jane Alves e osrecorrentes, como é o caso da própria Sra. Elenilza.Ainda em relação à alegação de que o recorrente José Linoda Silva, na condição de advoga<strong>do</strong>, poderia perfeitamente subscrevero estatuto da entidade e posteriormente o contrato da empresa Seridó,tem-se que, realmente, de início, esse ato isoladamente considera<strong>do</strong>não é reputa<strong>do</strong> como ilegal, entretanto, no caso <strong>do</strong>s autos, não se tratade evidência isolada, mas, sim, de mais um <strong>do</strong>s elementos probatóriosda participação <strong>do</strong>s recorrentes na articulação para a criação <strong>do</strong>referi<strong>do</strong> Sindicato de trabalha<strong>do</strong>res, por pessoas ligadas à categoriapatronal, com intuito de se beneficiarem, em prejuízo darepresentatividade e das atividades <strong>do</strong> órgão.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


371Das irregularidades praticadas pelos recorrentes durante aexistência <strong>do</strong> SindicatoAfirmam os recorrentes que a sentença de origem nãoapontou, dentre as várias irregularidades arguidas pelo MinistérioPúblico <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, quais teriam si<strong>do</strong> cometidas especificamentepelos recorrentes, sen<strong>do</strong> a única exceção a referência a um acor<strong>do</strong>coletivo firma<strong>do</strong> entre o SINDCON e a Cactus Locação de Mão deObra Ltda., cujo objeto refere-se ao parcelamento de verbasrescisórias. Além disso, afirma que esse único suposto favorecimentoilegal teria ocorri<strong>do</strong> em 2000, ano em que se firmou o acor<strong>do</strong> coletivo,razão pela qual não há como relacionar esse evento com a constituição<strong>do</strong> SINDCOM.Sem razão.Inicialmente, conforme já ressalta<strong>do</strong> acima, o fato de osrecorrentes terem cria<strong>do</strong> a empresa ADS poucos meses antes de JaneAlves, irmã e cunhada <strong>do</strong>s recorrentes, ter funda<strong>do</strong> um (pseu<strong>do</strong>)Sindicato para representar a categoria profissional que prestariaserviços a empresa <strong>do</strong>s recorrentes, confirma a articulação em torno dacriação <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> Sindicato (que deveria ser de trabalha<strong>do</strong>res) porpessoas ligadas a categoria patronal, para comprometer a suarepresentatividade e as suas atividades.Tal tese é corroborada pelo acor<strong>do</strong> coletivo celebra<strong>do</strong>entre o SINDCOM e a empresa pertencente aos recorrentes, preven<strong>do</strong>de forma absurda e ilegal, o parcelamento <strong>do</strong> pagamento da rescisãoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


372em 5 meses, (fls. 419/424). Ademais, ressalta-se que o fato <strong>do</strong> referi<strong>do</strong>acor<strong>do</strong> coletivo ter si<strong>do</strong> celebra<strong>do</strong> no ano 2000, não descaracteriza asua ligação com a criação fraudulenta <strong>do</strong> SINDCOM, pois a fraudenão se limitou apenas a sua criação, mas se perpetuaram ao longo <strong>do</strong>sanos em que esteve ativo.Ressalta-se, ainda, que a celebração desse acor<strong>do</strong> coletivonão foi a única atitude ilegal da qual os recorrentes estiveramenvolvi<strong>do</strong>s, uma vez que há nos autos grande quantidade de elementose provas – inclusive decisões judiciais transitadas em julga<strong>do</strong> –comprovan<strong>do</strong> que Jane Alves de Oliveira Miguel da Silva mantinhaatividades empresariais vinculadas aos recorrentes, (sua irmã ecunha<strong>do</strong>), concorren<strong>do</strong> para a série de irregularidades praticadas pelasempresas. Nesse senti<strong>do</strong>, é interessante mencionar o Termo deVerificação Fiscal elabora<strong>do</strong> pela Secretaria da Receita Federal (fls.1928 e seguintes) e anexo aos autos pelos próprios recorrentes, <strong>do</strong>qual se destacam os seguintes trechos, “in verbis”:7. o Sr, Eduar<strong>do</strong> Targino Cavalcante declarou:(380/384)(...)u) Que não lidava com os <strong>do</strong>cumentos (faturas elicitações) da PREST-SERVICE, pois isso era feito pelaADS, através de Jane;(...)Jonas Alves da Silva, chefe <strong>do</strong> Deptº de Pessoal daPREST-SERVICE no perío<strong>do</strong> de 0104/1999 a23/06/2000 prestou declarações (fls. 412/416), em queafirmou:(...)R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


373d) Que quem comandava a Prest-Service eram asempresas CACTUS/ADS e o grupo EMVIPOL, pois ocontrato com a Secretaria de Saúde <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>RN</strong> era“racha<strong>do</strong>” entre esses <strong>do</strong>is grupos;e) Que os cheques emiti<strong>do</strong>s pela Prest-Service saiam dedentro da EMVIPOL e de dentro da ADS;(...)g) Que na ADS, quem entregava os cheques eram Linoe sua esposa Jeane:(...)k) Que tanto Hebert como Lino, da ADS, compareciamà Prest-Service para dar ordens;(...)Ante os fatos apura<strong>do</strong>s, conclui a fiscalização:1. Que a empresa PREST-SERVICE foi constituídafraudulentamente e compôs um quadro societário compessoas sem capacidade econômica para tal (“laranjas”);(...)3. Que os reais proprietários e administra<strong>do</strong>res daPREST-SERVICE são as empresas <strong>do</strong>s gruposEMVIPOL E CACTUS/ADS, bem como seusrespectivos sócios. (destaquei)Além disso, a atuação <strong>do</strong> grupo familiar era de formaarbitrária, violan<strong>do</strong> vários direitos trabalhistas, como podemos citar,dentre vários outros elementos probatórios, as declarações de exfuncionáriosda CACTUS perante o Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>,no seguinte senti<strong>do</strong>:que alguns emprega<strong>do</strong>s assinaram os termos de rescisãoem face da necessidade de receber o pouco que lhes eraofereci<strong>do</strong>; que durante o aviso prévio trabalharam ajornada normal, não lhes sen<strong>do</strong> concedida a redução dehorário, cujo excesso a empresa havia se comprometi<strong>do</strong>a pagar quan<strong>do</strong> da rescisão, o que não foi feito; que osdepósitos <strong>do</strong> FGTS estão com quatro meses de atraso;que a empresa deixou de incorporar em seus saláriosR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


374vários reajustes concedi<strong>do</strong>s á categoria; que por volta <strong>do</strong>mês de maio lhes foi descontada, compulsoriamente esem possibilidade de oposição, parcela referente ácontribuição assistencial sindical, esta revertida aoSINDCOM/<strong>RN</strong>... (fl. 419- destaquei).É relevante ressaltar que o fato da maioria <strong>do</strong>s chequesemiti<strong>do</strong>s pela Prest Service não estarem nominais a empresaADS/CACTUS ou aos seus sócios não significa que não tenham si<strong>do</strong>beneficia<strong>do</strong>s pelo esquema criminoso, até porque, conforme jámenciona<strong>do</strong>, era prática comum <strong>do</strong>s réus a utilização “laranjas”. Alémdisso, o Sr. Jonas Alves da Silva, que foi chefe <strong>do</strong> Deptº de Pessoal daPREST-SERVICE declarou que o “os cheques emiti<strong>do</strong>s pela PrestService saíam de dentro da ENVIPOL e da ADS” (fls. 1928 eseguintes), corroboran<strong>do</strong> a informação de que não tinha nenhumarelevância prática a definição formal de quem era o sócio de cadaempresa, uma vez que to<strong>do</strong> o grupo tinha poderes de man<strong>do</strong> e gestãonas empresas e no Sindicato <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, frise-se, cria<strong>do</strong> porpessoas vinculadas à direção patronal.Em relação ao envolvimento nas atividades ilícitasrelacionadas à empresa Manpower, (que inicialmente foi constituídacom o nome de fantasia REPROX), os elementos probatórios tambémmostram a relação <strong>do</strong>s recorrentes na sua atuação, principalmente darecorrente Jeane Alves, que colocou a sua irmã Janice como “laranja”,como se pode constatar pelo depoimento <strong>do</strong> Sr. Carlos AugustoSouza Cerqueira, presta<strong>do</strong> na Polícia Federal, “in verbis”:R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


375“que veio a Natal em 1999 passar férias com seu tio,quan<strong>do</strong> conheceu JANICE ALVES DE OLIVEIRA DONASCIMENTO, e passou a ter um envolvimentoamoroso com a mesma;...; que, e março de 2001, airmão de JANICE, JEANE ALVES DE OLIVEIRA,montou a empresa REPROX para a mesma; queJANICE nunca chegou efetivamente a trabalhar naempresa, mas recebia ajuda de custo da irmã JEANE;que JEANE ALVES DE OLIVEIRA é <strong>do</strong>na dasempresas CACTUS LOCAÇÃO DE MÃO DE OBRA EA.D.S. SEGURANÇA PROIVADA LTDA; que JOSÉLINO DA SILVA é o mari<strong>do</strong> de JEANE ALVES DEOLIVEIRA e também é sócio da A.D.S. E CACTUS”(fls. 352/353- destaquei)É relevante também transcrevermos um trecho <strong>do</strong>depoimento <strong>do</strong> fiscal <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, Joel A<strong>do</strong>nias Dantas Neto, perantea Polícia Federal, onde relata as semelhanças na gestão entre asempresas:“QUE durante a fiscalização da MANPOWER verificoualgumas coincidências: o programa de folha depagamento utiliza<strong>do</strong> e os centros de cursos eram osmesmos da PRESTSERVICE; a auxiliar de pessoal,JANILE CAVALCANTE NOGUEIRA também eramesma para as duas empresas; MARIA SUELIMOREIRA auxiliar de escritório, também trabalhou noescritório da PRESTSERVICE e um <strong>do</strong>s sócios daMANPOWER, CESAR AUGUSTO SOUSACERQUEIRA, ser sobrinho de JANE ALVES,Presidente <strong>do</strong> SINDCON/<strong>RN</strong> e de JEANE ALVESesposa de um <strong>do</strong>s sócios da ADS e da CACTOS...”(fls.354/355)Portanto está claramente evidencia<strong>do</strong> que os recorrentesnão só participaram da criação, mas também manipularam e utilizaramR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


376o SINDCOM para a prática de ilícitos, haja vista que há muito tempomantinham relações e interesses pessoais e econômicos vincula<strong>do</strong>s avárias empresas de prestação de serviços (não só a empresaCACTUS/ADS), inclusive mediante condutas fraudulentas. Portanto étotalmente descabida a alegação recursal de que a empresa da qual osrecorrentes são sócios participou de forma mínima das atitudes ilegaisenvolven<strong>do</strong> o SINDCOM/<strong>RN</strong>, uma vez que está evidencia<strong>do</strong> que asadministrações das empresas se confundiam, e os recorrentesmantinham ligação íntima na administração de outras empresasenvolvidas no esquema fraudulento.Ou seja, a fraude da qual participavam os recorrentesfuncionava mediante a organização de uma cadeia criminosa muitobem organizada e arquitetada, com a criação de várias empresas comobjetivos pareci<strong>do</strong>s (prestação de serviços de locação de mão-deobra),uma suceden<strong>do</strong> a outra, e em algumas delas eram coloca<strong>do</strong>s“laranjas” como sócios, mas, na realidade, o coman<strong>do</strong> permanecia acargo <strong>do</strong>s réus, que pertenciam ao mesmo grupo liga<strong>do</strong> pelos laçosfamiliares e jurídicos, com a única intenção de sonegar obrigaçõesprevidenciárias e burlar os direitos <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res da categoria,favorecen<strong>do</strong> os empresários que eram beneficia<strong>do</strong>s pelas práticasilícitas, contan<strong>do</strong> com o apoio <strong>do</strong> Sindicato.Por outro la<strong>do</strong>, também não há qualquer pertinência aalegação <strong>do</strong>s recorrentes referente à ausência de enriquecimento ilícitoem prejuízo <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, pois diante <strong>do</strong>s fartos elementosR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


377probatórios nos autos, especifica<strong>do</strong>s de forma objetiva e sequencialnos fundamentos da sentença recorrida, a importância <strong>do</strong> SINDCOMna teia de interesses econômicos das pessoas (entre elas osrecorrentes) que integram as empresas ligadas ao grupo é manifesto,diante <strong>do</strong> critério de contratação por meio de licitação em que a regraprevalente é a <strong>do</strong> menor preço.Além disso, posteriormente, havia efetiva participação <strong>do</strong>referi<strong>do</strong> Sindicato ao final <strong>do</strong>s contratos, subscreven<strong>do</strong> acor<strong>do</strong>s comas empresas, transacionan<strong>do</strong> direitos <strong>do</strong>s ex-emprega<strong>do</strong>s ehomologan<strong>do</strong> as rescisões <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res sem que os valores deface <strong>do</strong>s Termos de Rescisão fossem efetiva e integralmente quita<strong>do</strong>s,é evidente que as empresas integrantes <strong>do</strong> grupo que gerenciava osindicato sempre tinham vantagens ilícitas expressivas por meio desonegação e dispensa de direitos básicos e indisponíveis <strong>do</strong>strabalha<strong>do</strong>res, contratuais e rescisórios.Dessa forma, é totalmente descabida a tese recursal nosenti<strong>do</strong> de que nenhuma das irregularidades apontadas adveio dascondutas <strong>do</strong>s recorrentes, daí porque a sentença recorrida deve sermantida intacta.Recurso ordinário não provi<strong>do</strong>.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


378III – DISPOSITIVOConheço <strong>do</strong> recurso ordinário, e, no mérito, nego-lheprovimento.José Barbosa FilhoDesembarga<strong>do</strong>r RelatorAcordam os Desembarga<strong>do</strong>res Federais e a Juíza da 1ªTurma de Julgamentos <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ªRegião, por unanimidade, conhecer <strong>do</strong> recurso ordinário. Mérito: porunanimidade, negar provimento ao recurso ordinário.Natal, 10 de maio de 2011.José Barbosa FilhoDesembarga<strong>do</strong>r RelatorFrancisco Marcelo Almeida AndradeProcura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>Divulga<strong>do</strong> no DEJT nº 730, em 17/05/2011(terça-feira).Trasla<strong>do</strong> nº 664/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


379Acórdão nº. 98.999Manda<strong>do</strong> de Segurança nº 26600-73.2008.5.21Desembarga<strong>do</strong>r Relator:Ronal<strong>do</strong> Medeiros de SouzaImpetrante: Sindicato Intermunicipal <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res naIndústria da Construção Civil Pesada, Montagens, Instalações e Afins<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte – SINTRACOMP e outrosAdvoga<strong>do</strong>s: Eduar<strong>do</strong> Serrano da Rocha e outrosAutoridade coatora: Juíza da 7ª Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> de Natal/<strong>RN</strong>Litisconsorte: Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> – PRT 21ª RegiãoOrigem: TRT da 21ª RegiãoMANDADO DE SEGURANÇA. QUEBRA DOSSIGILOS BANCÁRIO E FISCAL. INSTRUÇÃODE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DEILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER.Trata-se de procedimento calca<strong>do</strong> em leiinfraconstitucional, com a devida observância <strong>do</strong>princípio da razoabilidade e da proporcionalidade,resultante da relevância <strong>do</strong> interesse público naobtenção da verdade real para a solução pacífica dalide havida entre as partes, a justificar a ação estatalrestritiva ao direito fundamental <strong>do</strong> cidadão.Ressalte-se, ainda, a existência de jurisprudência daSuprema Corte no senti<strong>do</strong> de que os direitos egarantias fundamentais não se revestem de caráterabsoluto.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


380I – RELATÓRIOTrata-se de manda<strong>do</strong> de segurança, com pedi<strong>do</strong> liminar,impetra<strong>do</strong> pelo Sindicato Intermunicipal <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res naIndústria da Construção Civil Pesada, Montagens, Instalações e Afins<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte – SINTRACOMP, Francisco deAssis Pacheco Torres, Luciano Ribeiro da Silva, Francisco Fernandesde Oliveira e Jorge Dantas <strong>do</strong> Nascimento, com o intuito de revogarato pratica<strong>do</strong> pela Exma. Juíza da 7ª Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> de Natal, quedeterminou a quebra <strong>do</strong>s sigilos bancário e fiscal <strong>do</strong>s réus e seuscônjuges.Aduzem os impetrantes, em síntese, que a determinação daquebra <strong>do</strong>s sigilos bancário e fiscal <strong>do</strong>s réus e seus cônjuges, é medidaarbitrária, pois que tolhe direito líqui<strong>do</strong>, certo e exigível à intimidade esigilo de da<strong>do</strong>s, ampara<strong>do</strong> no art. 5º, incisos X e XII da ConstituiçãoFederal e art. 21 <strong>do</strong> Código Civil, já que a realização de períciacontábil nas contas da entidade, já deferida pelo juízo a quo, seriasuficiente para esclarecer se os autores promoveram algumairregularidade nas contas da entidade sindical, como afirma oMinistério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, na Ação Civil Pública impetrada.Aduzem ainda, os autores, que a juíza prolatora da decisãodeferiu “a quebra de sigilo bancário e fiscal, fundamentan<strong>do</strong> suadecisão em face <strong>do</strong> depoimento presta<strong>do</strong> pela “testemunha” <strong>do</strong>“Parquet” e que tal decisão “subverte toda a lógica processual, semR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


381falar que, passa a atacar a vida privada <strong>do</strong>s impetrantes, antes mesmode verificar se houvera alguma irregularidade nas contas da entidadesindical e em sua contabilidade.”Este Desembarga<strong>do</strong>r Relator indeferiu a liminar, conformedecisão de fls. 83/9.Os impetrantes interpuseram agravo regimental, o qualnão foi conheci<strong>do</strong>, conforme certidão de fl. 112, por defeito derepresentação.A autoridade coatora prestou as informações de estilo,ressaltan<strong>do</strong> que “ficou claro, pois, que não houve condução <strong>do</strong>processo por testemunha ou pelo autor, houve mera provocação, e adecisão foi proferida com base na análise <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos. Valesalientar que as decisões interlocutórias podem ser modificadas nocurso <strong>do</strong> processo, não haven<strong>do</strong> qualquer óbice no particular. Aquebra de sigilo se deu em razão da sua imprescindibilidade para arealização da perícia. Entende esta magistrada que não houve violaçãode direitos, pois a decisão levou em conta o interesse público, anecessidade da diligência e a busca da verdade real, em um processode grande complexidade e de importância para toda uma categoria detrabalha<strong>do</strong>res.” (fl. 107).O litisconsorte, Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> – PRT 21ªRegião, apresentou sua manifestação às fls. 125/87, peloindeferimento <strong>do</strong> manda<strong>do</strong> de segurança, em face de não seR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


382caracterizar o ato judicial como abusivo ou ilegal, inexistin<strong>do</strong> violaçãoa direito líqui<strong>do</strong> e certo <strong>do</strong>s impetrantes.Este e. TRT da 21ª Região, mediante Acórdão nº 75.995(fls. 294/300), cujo redator foi o e. Desembarga<strong>do</strong>r José BarbosaFilho, por maioria, concedeu parcialmente a segurança para suspendera imediata quebra <strong>do</strong> sigilo bancário e fiscal <strong>do</strong>s impetrantes até aconclusão <strong>do</strong> lau<strong>do</strong> pericial contábil, venci<strong>do</strong>s este Desembarga<strong>do</strong>rRelator e a Juíza Revisora que a denegavam, confirman<strong>do</strong> o teor daliminar anteriormente indeferida (cf. Certidão de Julgamento à fl.290).Este Desembarga<strong>do</strong>r Relator colacionou Justificativa deVoto, às fls. 301/6, na qual entende pela não configuração <strong>do</strong>selementos necessários à concessão da segurança.O Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, mediante <strong>do</strong>c. de fls.309/11, objetivan<strong>do</strong> assegurar a prerrogativa processual de serintima<strong>do</strong> pessoalmente, requereu a remessa oportuna <strong>do</strong> processo àProcura<strong>do</strong>ria <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ª Região, a fim depossibilitar, se entender cabível, o exercício <strong>do</strong> direito de recorrer.Feita a remessa <strong>do</strong>s autos conforme solicita<strong>do</strong>, oMinistério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, mediante petição de fls. 314/9, opôsembargos de declaração, suscitan<strong>do</strong> a existência de omissões nojulga<strong>do</strong>.Este e. TRT da 21ª Região, mediante Acórdão nº 77.015(fls. 325/8), cujo Relator foi o e. Desembarga<strong>do</strong>r José Barbosa Filho,R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


383por unanimidade, conheceu e rejeitou os referi<strong>do</strong>s embargosdeclaratórios.Por sua vez, o Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>inconforma<strong>do</strong> com a decisão regional de fls. 294/300 (que concedeuparcialmente a segurança para suspender a sua imediata quebra <strong>do</strong>sigilo bancário e fiscal <strong>do</strong>s impetrantes até a conclusão <strong>do</strong> lau<strong>do</strong>pericial contábil), interpôs recurso ordinário às fls. 332/76.O Presidente desta e. Corte Trabalhista, Desembarga<strong>do</strong>rJosé Barbosa Filho, proferiu despacho à fl. 382, receben<strong>do</strong> o apelointerposto pelo Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> no só efeito devolutivoe determinan<strong>do</strong> vista à parte contrária para, queren<strong>do</strong>, oferecer contrarazõesno prazo legal.Por sua vez, o Sindicato Intermunicipal <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>resna Indústria da Construção Civil Pesada, Montagens, Instalações eAfins <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte – SINTRACOMP, Franciscode Assis Pacheco Torres, Luciano Ribeiro da Silva, FranciscoFernandes de Oliveira e Jorge Dantas <strong>do</strong> Nascimento apresentaramsuas contra-razões às fls. 391/407.Posteriormente, os cita<strong>do</strong>s impetrantes apresentarampetição às fls. 413/4, requeren<strong>do</strong> a juntada de perícia, a teor da Súmulanº 08 <strong>do</strong> TST.Todavia, o Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> (fls. 487/9),manifestou-se pela impossibilidade da juntada de <strong>do</strong>cumentos novos ede constituição de provas após a propositura <strong>do</strong> mandamus,R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


384protestan<strong>do</strong> pelo desentranhamento <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos junta<strong>do</strong>s peloSindicato, e alegan<strong>do</strong> que o direito líqui<strong>do</strong> e certo não depende decomprovação posterior.O <strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, mediante despacho defl. 492, determinou à Coordena<strong>do</strong>ria que oficie à 7ª Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>de Natal a fim de que a autoridade dita coatora informe se aindahaveria necessidade de se proceder à quebra <strong>do</strong> sigilo bancário e fiscal<strong>do</strong>s réus e seus cônjuges, determinada nos autos da Ação Civil Públicanº 689/2007-007-21-00-7.Em resposta a tal determinação, a d. Juíza da 7ª Vara <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong> de Natal (fl. 501) afirmou ainda haver interesse <strong>do</strong> juízo emobter os da<strong>do</strong>s bancários e fiscais <strong>do</strong>s réus, a fim de complementar aperícia, a qual, a propósito não foi totalmente concluída.Por fim, o <strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> proferiu acórdãoao recurso ordinário em manda<strong>do</strong> de segurança, às fls. 540/3, nosenti<strong>do</strong> de não conhecer <strong>do</strong> recurso ordinário por incabível,determinan<strong>do</strong> o retorno <strong>do</strong>s autos ao <strong>Tribunal</strong> de origem para que,concluída a elaboração <strong>do</strong> lau<strong>do</strong> pericial, profira decisão de méritosobre a violação ou não <strong>do</strong> direito líqui<strong>do</strong> e certo veicula<strong>do</strong> nomanda<strong>do</strong> de segurança, como entender de direito.Dessa decisão, houve oposição de embargos de declaraçãopelo Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> às fls. 548/52, ten<strong>do</strong> o C. TST,mediante decisão de fls. 555/7, acolhi<strong>do</strong> os referi<strong>do</strong>s embargosdeclaratórios para, retifican<strong>do</strong> erro de percepção de que o acórdãoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


385impugna<strong>do</strong> fora proferi<strong>do</strong> em sede de agravo regimental, quan<strong>do</strong> ofora em sede de julgamento <strong>do</strong> manda<strong>do</strong> de segurança, prestar osesclarecimentos conti<strong>do</strong>s na fundamentação, mantida inalterada aparte dispositiva <strong>do</strong> acórdão embarga<strong>do</strong>.Houve remessa <strong>do</strong>s presentes autos a esta e. Corte <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong>, após o trânsito em julga<strong>do</strong> da referida decisão <strong>do</strong> C.<strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, conforme certidão de fl. 562.A Presidência, mediante despacho de fl. 569, determinouque a Secretaria <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> Pleno realizasse redistribuição para novorevisor, ten<strong>do</strong> em vista a desconvocação da Exma. Juíza JoseaneDantas <strong>do</strong>s Santos.Enfim, os autos foram redistribuí<strong>do</strong>s e conclusos ao novorevisor, qual seja o Desembarga<strong>do</strong>r José Rêgo Júnior, de acor<strong>do</strong> como <strong>do</strong>c. de fl. 570.É o relatório.II - FUNDAMENTOS DO VOTOO presente manda<strong>do</strong> foi protocoliza<strong>do</strong> a tempo e a mo<strong>do</strong>,preenchen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os pressupostos para seu processamento. Admito aação.Preliminar de intransponibilidade por vinculação aoquorum <strong>do</strong> primeiro julgamento.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


386O advoga<strong>do</strong> <strong>do</strong>s impetrantes, bacharel Eduar<strong>do</strong> Serrano daRocha, suscitou, em sede de sustentação oral, a preliminar deimpedimento de parte da composição deste <strong>Tribunal</strong> por violação aoprincípio <strong>do</strong> juízo natural. Alegou que são duas as garantias <strong>do</strong>princípio <strong>do</strong> juízo natural, quais sejam, a de que ninguém seráprocessa<strong>do</strong> nem sentencia<strong>do</strong> senão pela autoridade competente (incisoLIII, <strong>do</strong> art. 5º, da CF), e a de que não haverá juízo ou tribunal deexceção (inciso XXXVII, art. 5º, CF). Argumentou, ainda, que agarantia <strong>do</strong> juiz natural des<strong>do</strong>bra-se em três conceitos: a) só sãoórgãos jurisdicionais os instituí<strong>do</strong>s pela Constituição Federal; b)ninguém pode ser julga<strong>do</strong> por órgão constituí<strong>do</strong> após a ocorrência <strong>do</strong>fato; c) entre os juízos pré-constituí<strong>do</strong>s se dá a ordem taxativa decompetências inalterável a arbítrio de quem quer que seja.Salientou que, às fl. 290, vol. 2, existe a composição que,naquela oportunidade, concedia a segurança para que a quebra <strong>do</strong>sigilo só se desse se necessário fosse. Tal composição era a seguinte:Des. José Barbosa Filho, Des. Ronal<strong>do</strong> Medeiros de Souza, Des.Eridson Medeiros, Des. Maria de Lourdes, Juíza Joseane Dantas e, naépoca, Juiz Sílvio Caldas. Ressaltou que a modificação no tocante aoRevisor fere o cita<strong>do</strong> princípio constitucional uma vez que o julga<strong>do</strong>já se encontra em trâmite.Sem razão.Não há qualquer violação ao princípio constitucional <strong>do</strong>juiz natural, uma vez que é da competência originária <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong>R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


387Pleno a apreciação de Manda<strong>do</strong> de Segurança contra decisão de Juizde primeiro grau, conforme disposto no art. 22 <strong>do</strong> Regimento Internodeste e. TRT da 21ª Região, senão vejamos:“Art. 22 – Compete ao <strong>Tribunal</strong> Pleno:I – Processar e julgar, originariamente:a) os dissídios coletivos no âmbito de sua jurisdição,suas revisões e os pedi<strong>do</strong>s de extensão das sentençasnormativas;b) os manda<strong>do</strong>s de segurança e os habeas corpusinterpostos contra atos e decisões, inclusive asadministrativas, <strong>do</strong> próprio <strong>Tribunal</strong>, <strong>do</strong> seu Presidente,<strong>do</strong>s seus Desembarga<strong>do</strong>res e <strong>do</strong>s demais Juízes sob asua jurisdição;” (grifos nossos).Outrossim, a vinculação <strong>do</strong> primeiro quorum dejulgamento dar-se-ia se, e, somente se, tivesse havi<strong>do</strong> uma suspensãona análise <strong>do</strong> mérito <strong>do</strong> manda<strong>do</strong> de segurança, ou seja, no exame daocorrência de violação ou não ao direito líqui<strong>do</strong> e certo, o que nãoocorreu. De fato, a decisão de fls. 294/300 – que determinou asuspensão da imediata quebra <strong>do</strong> sigilo bancário e fiscal <strong>do</strong>simpetrantes até a conclusão <strong>do</strong> lau<strong>do</strong> pericial contábil – foi recebidapelo <strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> com o caráter de liminarincidental, ou seja, de decisão interlocutória, a qual já teve os seusefeitos exauri<strong>do</strong>s.Tanto que o <strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> proferiuacórdão ao recurso ordinário em manda<strong>do</strong> de segurança, às fls. 540/3,no senti<strong>do</strong> de não conhecer <strong>do</strong> recurso ordinário por incabível,determinan<strong>do</strong> o retorno <strong>do</strong>s autos ao <strong>Tribunal</strong> de origem para que,R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


388concluída a elaboração <strong>do</strong> lau<strong>do</strong> pericial, profira decisão de méritosobre a violação ou não <strong>do</strong> direito líqui<strong>do</strong> e certo veicula<strong>do</strong> nomanda<strong>do</strong> de segurança, como entender de direito.Ora, tratan<strong>do</strong>-se de novo julgamento (para prolatação dadecisão de mérito) e não de continuação <strong>do</strong> primeiro, não há que sefalar em vinculação <strong>do</strong>s membros integrantes <strong>do</strong> quorum anterior, oqual foi composto para, nos termos da decisão proferida no c. TST,apreciar a liminar incidental <strong>do</strong> manda<strong>do</strong> de segurança, e não o seumérito.Por outro la<strong>do</strong>, importa salientar que, em relação àcomposição <strong>do</strong> Pleno deste e. TRT, é totalmente inviável a restauração<strong>do</strong> primeiro quorum de julgamento, uma vez que, no presente caso, éimpossível se manter os mesmos julga<strong>do</strong>res para a referida sessão dejulgamento.É que a substituição ocorrida nos presentes autos foirealizada de forma legal e regimental. Ora, o Des. Sílvio Caldas já estáaposenta<strong>do</strong> compulsoriamente, sen<strong>do</strong> impossível a sua participação noatual julgamento. No tocante à substituição da d. Juíza JoseaneDantas, a Presidência deste <strong>Tribunal</strong>, mediante despacho de fl. 569,determinou que a Secretaria <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> Pleno realizasseredistribuição para novo revisor, ten<strong>do</strong> em vista a desconvocação daExma. Juíza Joseane Dantas <strong>do</strong>s Santos. Assim, os autos foramredistribuí<strong>do</strong>s, em conformidade com o art. 60 <strong>do</strong> Regimento Interno,R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


389e conclusos a novo revisor que, de acor<strong>do</strong> com o <strong>do</strong>c. de fl. 570, foi oDesembarga<strong>do</strong>r José Rêgo Júnior.De fato, a figura da vinculação <strong>do</strong> quorum de julgamentocomo preliminar intransponível vai contra o próprio interesse <strong>do</strong>impetrante, dada a impossibilidade de julgamento <strong>do</strong> processo, umavez que o acolhimento de tal preliminar implicaria obrigatoriamente aextinção <strong>do</strong> processo sem julgamento <strong>do</strong> mérito, ante aimpossibilidade de restauração <strong>do</strong> quorum anterior de julgamento.Assim, rejeito a preliminar.DO MÉRITO.Este Desembarga<strong>do</strong>r Relator ratifica integralmente a suafundamentação constante da Justificativa de Voto, colacionada às fls.301/6, nos seguintes termos:“Envolve o manda<strong>do</strong> de segurança a questão sobre aquebra <strong>do</strong>s sigilos bancário e fiscal <strong>do</strong>s impetrantes, o que os levou ase utilizar desta medida heróica invocan<strong>do</strong> o argumento de que talmedida é arbitrária, pois que já havia si<strong>do</strong> determinada perícia contábilpara a verificação de possíveis irregularidades nas contas <strong>do</strong>Sindicato-impetrante, denunciadas pelo Ministério Público <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong> através da Ação Civil Pública.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


390Aduzem ainda os impetrantes, que a medida determinadatolhe direito líqui<strong>do</strong>, certo e exigível à intimidade e sigilo de da<strong>do</strong>s,ampara<strong>do</strong> no art. 5º, incisos X e XII da Constituição Federal e art. 21<strong>do</strong> Código Civil, e que foi fundamentada em depoimento presta<strong>do</strong> por“testemunha” <strong>do</strong> “Parquet”.Vejamos.Ao prolatar sua decisão, assim fundamentou a autoridadecoatora (fl. 66):A testemunha, por sua experiência no assunto,considerou imprescindíveis certos <strong>do</strong>cumentos,corroboran<strong>do</strong> as alegações <strong>do</strong> Parquet. Analisan<strong>do</strong> otema, percebo que de fato os <strong>do</strong>cumentos junta<strong>do</strong>s eacima lista<strong>do</strong>s são insuficientes para se ter um quadrogeral de toda a atividade desenvolvida pelo sindicato eseus dirigentes. A mera análise <strong>do</strong>s livros produzi<strong>do</strong>sunilateralmente, sem os <strong>do</strong>cumentos que os respaldem,não fornece uma descrição perfeita <strong>do</strong> que ocorreu nagestão <strong>do</strong>s réus.E vale salientar que tais informações, se não ajudaremem muito ao perito, com certeza não irão prejudicá-lo.(...)Quanto aos sigilos fiscal e bancário, salientoinicialmente que o Supremo <strong>Tribunal</strong> Federal entendeque tais direitos não são absolutos, poden<strong>do</strong> o juizdecidir a respeito da conveniência de vulnerar o sigiloem caso de interesse público.Não há dúvida acerca <strong>do</strong> relevante interesse público quepermeia a presente ação, interesse este que prevalecesobre o direito priva<strong>do</strong> ao sigilo. A partir <strong>do</strong> teor dasdenúncias formuladas pelo Parquet, considero tambémque somente a análise de tais da<strong>do</strong>s poderá fornecerelementos para o julgamento, sen<strong>do</strong> imprescindível atémesmo para, se for o caso, haver a indubitáveldesoneração <strong>do</strong>s réus em relação às duvidas e acusaçõesque sobre eles pairam.” (grifos nossos).R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


391Como se vê, a autoridade coatora não fundamentou suadecisão apenas no testemunho trazi<strong>do</strong> pelo MPT, como querem fazercrer os impetrantes, baseou-se, também, na necessidade da colheita deda<strong>do</strong>s que pudessem esclarecer quaisquer dúvidas sobre a condutadestes, já que estão sen<strong>do</strong> acusa<strong>do</strong>s de práticas ilícitas.O direito ao sigilo bancário é antes de tu<strong>do</strong> um direito <strong>do</strong>cidadão à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, consagra<strong>do</strong>constitucionalmente, direito este que não é absoluto, deven<strong>do</strong> cederdiante <strong>do</strong> interesse público, <strong>do</strong> interesse da sociedade e da justiça,como bem dito na decisão citada.A isso não me oponho. Ao contrário, para a averiguaçãoda verdade, deve-se determinar a quebra <strong>do</strong> sigilo bancário e/ou fiscal,a fim de que crimes e apropriações indébitas sejam desmascara<strong>do</strong>s, eaté, de forma irrefutável, possa o suspeito comprovar sua plenaisenção.Contu<strong>do</strong>, para que essa determinação não impliqueviolação <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> cidadão, deve-se atentar para que haja fortesindícios de culpabilidade de quem se busque rastrear a conta e/oubens, e que esta determinação seja por via judicial, e não ao alvitre <strong>do</strong>administra<strong>do</strong>r de instituição bancária, quan<strong>do</strong> julgar que esteprocedimento deve ser a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>.É exatamente esta a situação <strong>do</strong> caso em tela, diante <strong>do</strong>srequerimentos formula<strong>do</strong>s na Ação Civil Pública movida peloMinistério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ª Região contra os presentesR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


392impetrantes, onde existem denúncias sobre a prática de irregularidadesna administração <strong>do</strong> SINTRACOMP, o juízo a quo, determinou, alémda feitura de perícia contábil, a quebra <strong>do</strong>s sigilos bancários e fiscais<strong>do</strong>s acusa<strong>do</strong>s, no intuito de juntar o maior número de elementos quepudessem ajudar na apuração de supostas denúncias, estan<strong>do</strong>presentes to<strong>do</strong>s os elementos autoriza<strong>do</strong>res desta “invasão” da esferaprivada <strong>do</strong>s impetrantes.Não há aqui, qualquer arbitrariedade na ordem expedida,posto que o juiz, como dirigente <strong>do</strong> processo, pode determinar arealização da produção das provas que julgar necessárias para odeslinde da causa, como prescrevem os arts. 765, da CLT e 130 <strong>do</strong>CPC, conferin<strong>do</strong>-lhe poder para determinar, de ofício ou arequerimento da parte, como já dito, as provas necessárias à instrução<strong>do</strong> processo. Grifa-se o adjetivo necessárias com o evidente propósitode indicar que como tais, considera-se apenas aquelas provas queguardem pertinência com a pretensão de direito material deduzida emjuízo (res in judicium deducta) e com a causa de pedir (causapetendi), resultan<strong>do</strong>, pois, absolutamente impertinentes as queexcedam desse caráter, conforme cada causa.No caso em tela, estas observações são inteiramentepertinentes, pois o objeto da Ação Civil Pública interposta pelo MPTcontra os presentes impetrantes é, exatamente, a apuração de supostasirregularidades e fraudes cometidas durante a administração <strong>do</strong>Sindicato - SINTRACOMP.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


393Com isso demonstra-se a necessidade de se negar a açãomandamental, conforme os limites traça<strong>do</strong>s na decisão que negou aliminar requerida, de forma a respaldar os atos pratica<strong>do</strong>s pelo juízode primeiro grau.Cito a seguinte jurisprudência:“Manda<strong>do</strong> de Segurança. Quebra de sigilo bancário.Instrução de reclamação trabalhista. Medidaproporcional e razoável. Investigação de justa causapara dispensa, por ato de improbidade. Se o impetranteera Emprega<strong>do</strong>r-autor de reclamação trabalhista e tinhacontra si suspeitas de que recebera propina, o quejustificaria a sua despedida por justa causa, o fato de oJuízo tomar as providências necessárias ao atingimentoda verdade real, na instrução de uma reclamaçãotrabalhista, não contraria frontalmente os preceitosfundamentais inseri<strong>do</strong>s no art. 5º, X e LVII, daConstituição Federal, pois, se havia uma instruçãoprocessual e a necessidade de investigação da verdadereal, era proporcional e razoável a medida impingida.Recurso ordinário desprovi<strong>do</strong>”. (TST-ROMS-33722/2002-900-02-00.3; Rel. Ministro Ives GandraMartins Filho, in DJU 07/03/2003).seguinte:Do corpo <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> acórdão consta o“É certo, porém, que a proteção ao sigilobancário constitui espécie <strong>do</strong> direito à intimidadeconsagra<strong>do</strong> no art. 5º, X, da Constituição Federal,direito esse que se revela uma das garantias <strong>do</strong>indivíduo contra o arbítrio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Entretanto, osigilo bancário, assim como o fiscal e o telefônico,ainda que representem projeções específicas <strong>do</strong> direito àintimidade (CF, art. 5º, X), possuem, por vezes,relevante natureza probatória, compreendida a suaquebra no âmbito <strong>do</strong>s poderes de instrução <strong>do</strong> Juiz.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


394Conforme bem observa Canotilho, nadeterminação <strong>do</strong> âmbito de proteção da norma queconsagra um direito ou uma garantia individual, épreciso considerar que os bens protegi<strong>do</strong>s por essanorma abrangem apenas as atividades lícitas, fican<strong>do</strong>fora de proteção as atividades ilícitas (DireitoConstitucional, Livraria Almedina, Coimbra, 4ª ed.,1987, p. 478).(...) Essa exigência alcança inegávelmagnitude quan<strong>do</strong> se trata de um juízo de ponderaçãoentre o interesse público na produção da prova e asgarantias constitucionais de sigilo e privacidade por elanecessariamente comprometidas. Assim, os direitosfundamentais estão, por vezes, em conflito com outrosbens ou direitos constitucionalmente protegi<strong>do</strong>s,segun<strong>do</strong> preleciona Canotilho, impon<strong>do</strong>-se a utilização<strong>do</strong>s princípios da razoabilidade e da proporcionalidade,que têm assumi<strong>do</strong> uma dupla feição no direitogermânico, de onde se originou. Por um la<strong>do</strong>, constituiinstrumento de vedação ao arbítrio na restrição dedireitos fundamentais; por outro, como racionalizaçãoda função, velan<strong>do</strong> pela adequação e proporcionalidade,procura determinar o sacrifício de certos bens, interessesou valores, proporcionais ao objetivo a ser alcança<strong>do</strong>.Para tanto, faz-se mister que o legisla<strong>do</strong>r fixe, de formaprecisa, as regras de organização e processo(procedimento) necessárias para que as informaçõesobtidas para determinada finalidade não venham a serutilizadas com propósitos diversos.A <strong>do</strong>utrina constitucional mais modernaenfatiza que, em se tratan<strong>do</strong> de imposição de restrição adireitos, deve-se indagar não apenas sobre aadmissibilidade constitucional da restriçãoeventualmente fixada (reserva legal), mas também sobrea compatibilidade das restrições estabelecidas com oprincípio da proporcionalidade.Essa orientação, que permitiu converter oprincípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) noprincípio da reserva legal proporcional (vorbehaltendesverhältnismässigen Gesetzes), pressupõe não só alegitimidade <strong>do</strong>s meios utiliza<strong>do</strong>s e <strong>do</strong>s fins persegui<strong>do</strong>spelo legisla<strong>do</strong>r, mas também adequação (Geeignetheit)desses meios para a consecução <strong>do</strong>s objetivosR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


395pretendi<strong>do</strong>s e a necessidade (NotwendigkeitoderErforderlichkeit) de sua utilização.Um juízo definitivo sobre aproporcionalidade ou razoabilidade da medida restritivahá de resultar da rigorosa ponderação entre o significa<strong>do</strong>da intervenção para o atingi<strong>do</strong> e os objetivospersegui<strong>do</strong>s pelo legisla<strong>do</strong>r (proporcionalidade emsenti<strong>do</strong> estrito) (Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandrada Silva Martins, Sigilo bancário, direito deautodeterminação sobre informações e princípio daproporcionalidade, in Repertório IOB deJurisprudência/92).Com efeito, para a decretação de quebrade sigilo bancário, deve-se demonstrar, a partir deindícios suficientes, a existência concreta de causaprovável que legitime a medida excepcional (ruptura deesfera de intimidade de que se encontra sobinvestigação), justifican<strong>do</strong>, assim, a necessidade de suaefetivação no procedimento investigatório.”Como anteriormente coloca<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> da apreciação daliminar, a decisão enseja<strong>do</strong>ra desta medida heróica colocou-se clara efundamentada quanto à quebra <strong>do</strong> sigilo de da<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s impetrantes, e aexcepcionalidade da medida encontra fundamento no brocar<strong>do</strong> vitaminpendere vero (arriscar a vida pela verdade). Merece que se ponhaem xeque a garantia constitucional da inviolabilidade da intimidade,quan<strong>do</strong>, em defesa <strong>do</strong> interesse social, busca-se a verdade real. Talprocedimento, guarneci<strong>do</strong> com as cautelas de praxe de resguardar asegurança das informações, vai de encontro até mesmo com osinteresses <strong>do</strong>s impetrantes que, certamente, almejam provar a lisura desua atividade sindical.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


396A facilitação <strong>do</strong> processo investigatório obti<strong>do</strong> pelo atojudicial impugna<strong>do</strong> possibilitará que se chegue a um termo de formamais célere, possibilitan<strong>do</strong> um pronunciamento judicial mais seguro,consubstancia<strong>do</strong> em prova de qualidade, autorizan<strong>do</strong> para isso aalegada violação de direito material. Fiat iustitia et ruat caelum.Quanto ao momento para a<strong>do</strong>ção da medida o feito chegouao ponto máximo de sua instrução, a realização de perícia contábilpara aferição das supostas irregularidade alegadas na inicial.Constituin<strong>do</strong> tais <strong>do</strong>cumentos elemento facilita<strong>do</strong>r da prova queservirá de base à entrega jurisdicional, faz-se presente o momentopróprio para a a<strong>do</strong>ção da medida.Assim, ante a relatividade da garantia da inviolabilidadeda intimidade e de da<strong>do</strong>s, admitida na previsão legal econsubstanciada na jurisprudência <strong>do</strong>minante; ante a presença daa<strong>do</strong>ção de medida pela autoridade coatora de mo<strong>do</strong> a preservar osigilo das informações dentro <strong>do</strong> âmbito <strong>do</strong> processo, e, por fim,consideran<strong>do</strong> que o momento de a<strong>do</strong>ção da medida excepcionalcorresponde ao momento da produção da prova técnica principal <strong>do</strong>feito, colocan<strong>do</strong>-se a informação de tais da<strong>do</strong>s como fator essencial aoesclarecimento justo <strong>do</strong>s fatos, possibilitan<strong>do</strong> uma justa e seguradecisão jurisdicional, tenho como não configura<strong>do</strong>s os elementosnecessários à concessão da segurança.”R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


Diante <strong>do</strong> exposto, admito a ação mandamental e, nomérito, denego a segurança.397III –DISPOSITIVOIsto posto, rejeito a preliminar de impedimento de parte dacomposição <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> por violação ao princípio <strong>do</strong> juízo natural,suscitada em sustentação oral pelo advoga<strong>do</strong> <strong>do</strong> impetrante. Admito aação mandamental e, no mérito, denego a segurança.Acordam os Desembarga<strong>do</strong>res Federais e a Juíza <strong>do</strong><strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ª Região, por unanimidade,rejeitar a preliminar de impedimento de parte da composição <strong>do</strong><strong>Tribunal</strong> por violação ao princípio <strong>do</strong> juízo natural, suscitada emsustentação oral pelo advoga<strong>do</strong> <strong>do</strong> impetrante e admitir a ação.Mérito: por unanimidade, denegar a segurança. Por unanimidade,deferir o requerimento da Representante <strong>do</strong> Ministério Público <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong>, no senti<strong>do</strong> de ser notificada, pessoalmente, da lavratura <strong>do</strong>presente acórdão, nos termos <strong>do</strong> art. 18, inciso II, alínea “h”, da LeiOrgânica <strong>do</strong> Ministério Público da União.Natal/<strong>RN</strong>, 25 de novembro de 2010.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


398Ronal<strong>do</strong> Medeiros de SouzaDesembarga<strong>do</strong>r RelatorIzabel Christina Baptista Queiróz RamosProcura<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> Procura<strong>do</strong>ra-ChefeDivulga<strong>do</strong> no DEJT nº 620, em 07/12/2010(terça-feira) ePublica<strong>do</strong> em 08/12/2010(quarta-feira). Trasla<strong>do</strong> nº 1381/2010.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


399Acórdão nº 103.585Recurso Ordinário nº 207200-43.2009.5.21.0004Desembarga<strong>do</strong>r Relator: José Rêgo JúniorRecorrente: Companhia de Processamento de Da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> RioGrande <strong>do</strong> Norte S.A.-DATANORTEAdvoga<strong>do</strong>s: Alícia Maria Bezerra da Costa e outrosRecorrente: Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> NorteProcura<strong>do</strong>r: João Carlos Gomes CoqueRecorri<strong>do</strong>: Companhia de Processamento de Da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> RioGrande <strong>do</strong> Norte S.A.-DATANORTEAdvoga<strong>do</strong>s: Alícia Maria Bezerra da Costa e outrosRecorri<strong>do</strong>: Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> NorteProcura<strong>do</strong>r: João Carlos Gomes CoqueRecorri<strong>do</strong>: Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> - Procura<strong>do</strong>ria<strong>Regional</strong> 21ª RegiãoProcura<strong>do</strong>r: Rosival<strong>do</strong> da Cunha OliveiraOrigem: 4ª Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> de NatalAÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSOSORDINÁRIOS DA DATANORTE (RÉ) E DOESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE(ASSISTENTE SIMPLES). CONTRATAÇÃOIRREGULAR DE EMPREGADOS PÚBLICOS DECONFIANÇA. DANO MORAL COLETIVO.QUANTUM INDENIZATÓRIO. É certo que acontratação de pessoas para ocupar empregospúblicos em comissão sem o preenchimento <strong>do</strong>srequisitos constitucionais exigi<strong>do</strong>s para tanto revelaafronta aos princípios da moralidade e da eficiênciaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


400administrativa, desvio de finalidade <strong>do</strong> ato e, emúltima instância, má gestão <strong>do</strong> dinheiro público, emse consideran<strong>do</strong> que a quase totalidade das ações quecompõem a ré pertencem ao Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande<strong>do</strong> Norte. Tal situação atenta indubitavelmentecontra o patrimônio imaterial de toda a coletividade,à vista da repulsa e indignação provocada peloquadro de descalabro administrativo verifica<strong>do</strong>nestes autos, não haven<strong>do</strong> que se cogitar de exclusãoda condenação ao pagamento de indenização pordano moral coletivo. Todavia, o valor arbitra<strong>do</strong> nasentença deve ser reduzi<strong>do</strong>, a fim de adequá-loproporcionalmente aos parâmetros atinentes aodano e ao efeito pedagógico da condenação.Recursos ordinários parcialmente conheci<strong>do</strong>s eprovi<strong>do</strong>s.Trata-se de recurso ordinário interposto pela ré,COMPANHIA DE PROCESSAMENTO DE DADOS DO RIOGRANDE DO NORTE S.A.-DATANORTE, e de recurso ordináriointerposto pelo assistente, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE,em face da sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> deNatal (Dra. Rachel Vilar de Oliveira Villarim), fls. 991-1003,complementada por decisão de embargos de declaração, fls. 1034-1035, que julgou parcialmente procedente a pretensão formulada emação civil pública, constan<strong>do</strong> <strong>do</strong> dispositivo da sentença: “(...) rejeitaras preliminares de incompetência da Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> echamamento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>RN</strong>, para declarar o feito EXTINTO SEMEXAME DE MÉRITO, por ilegitimidade passiva, quanto a Genil<strong>do</strong>Pereira da Costa e julgar PROCEDENTE EM PARTE a ação civilpública interposta pelo Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, para deferir,R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


401liminarmente, o pleito de antecipação de tutela formula<strong>do</strong>, a fim deque a Datanorte seja proibida de admitir novos trabalha<strong>do</strong>res a títulode emprego em comissão (cargo em comissão), sem que tenhamingressa<strong>do</strong> na ré, mediante concurso público, salvo para ocupação <strong>do</strong>scargos relativos ao Conselho de Administração, ao Conselho Fiscal eà Diretoria Executiva, sob pena de pagamento de multa no valor deR$ 20.000,00 (vinte mil reais) por trabalha<strong>do</strong>r admiti<strong>do</strong> nestascondições, valor reversível ao FAT. Este Juízo determina, ainda, que aDatanorte afaste, no prazo máximo de 30 dias, os trabalha<strong>do</strong>rescontrata<strong>do</strong>s ilegalmente para ocupação de to<strong>do</strong>s os cargos emcomissão, salvo para ocupação de cargos relativos ao conselho deadministração, ao conselho fiscal e à Diretoria executiva, arbitran<strong>do</strong>semulta diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada trabalha<strong>do</strong>rem situação irregular. No mérito, a 4ª Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> de Natal julgaa Ação Civil Pública PROCECENTE EM PARTE, para que aDatanorte abstenha-se de contratar (nomear), sem prévia admissão,mediante concurso público, pessoal para ocupação de cargo (emprego)em comissão ou função de confiança (gratificada), salvo paraocupação <strong>do</strong>s cargos relativos ao Conselho de Administração, aoConselho Fiscal e à Diretoria Executiva, sob pena de pagamento demulta no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por trabalha<strong>do</strong>radmiti<strong>do</strong> nessas condições, reversível ao FAT.Fica a Datanorteobrigada a, no prazo máximo de 30 dias, afastar os trabalha<strong>do</strong>rescontrata<strong>do</strong>s ilegalmente para ocupação de to<strong>do</strong>s os “cargos emR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


402comissão”, salvo para ocupação de cargos relativos ao Conselho deAdministração, ao Conselho Fiscal e à Diretoria Executiva, fixan<strong>do</strong>-semulta diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por cada trabalha<strong>do</strong>r emsituação irregular.Condena-se a demandada ao pagamento da quantiade R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) a título de reparação pordanos causa<strong>do</strong>s aos direitos difusos e coletivos <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>rescoletivamente considera<strong>do</strong>s, corrigida monetariamente até o efetivorecolhimento em favor <strong>do</strong> FAT”.Em suas razões recursais, fls. 1042-1107, a ré insurge-se,preliminarmente, em relação aos seguintes títulos: incompetênciamaterial da Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, ilegitimidade ativa ad causam eintervenção processual <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte. No mérito,insurge-se em face <strong>do</strong> julgamento procedente da ação civil pública, noque tange à nulidade <strong>do</strong>s contratos de trabalho <strong>do</strong>s ocupantes decargos em comissão/funções de confiança e, consequentemente, àprocedência <strong>do</strong>s pleitos autorais de obrigação de não contratar pessoaspara o exercício dessas atividades - salvo para ocupação dasatribuições relativas ao Conselho de Administração, ao ConselhoFiscal e à Diretoria Executiva -, sob pena de multa de R$ 20.000,00,reversível ao Fun<strong>do</strong> de Amparo ao Trabalha<strong>do</strong>r - FAT, em caso deeventual descumprimento, bem como de afastar to<strong>do</strong>s os ocupantes decargos em comissão/funções de confiança contrata<strong>do</strong>s ilegalmente, noprazo de 30 dias, sob pena de multa de R$ 10.000,00, reversível aoFAT, a cada trabalha<strong>do</strong>r manti<strong>do</strong> em situação irregular. Ainda,R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


403sustenta ser incabível o deferimento da antecipação <strong>do</strong>s efeitos datutela no tocante às mencionadas obrigações de fazer e não fazer. Porfim, pugna pela exclusão da condenação ao pagamento de indenizaçãopor dano moral coletivo, ou, se mantida, pela redução <strong>do</strong> montanteindenizatório, por considerar a pena por demais severa.Em seu recurso ordinário, fls. 1104-1111 (fax) e 1112-1119 (original), o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte, assistente simples,requer o deferimento da preliminar de incompetência material daJustiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>. No mérito, pugna pela reforma da sentença notocante à condenação da ré às obrigações de fazer e não fazer acimareferidas e ao pagamento de indenização por dano moral coletivo.Foram apresentadas contrarrazões pelo autor, MinistérioPúblico <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> - Procura<strong>do</strong>ria <strong>Regional</strong> 21ª Região, às fls. 1120-1148.É o relatório.VOTO1. ADMISSIBILIDADESatisfeitos os pressupostos de admissibilidade recursal,conheço <strong>do</strong>s recursos ordinários.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


4042. MÉRITO2.1. Preliminar. Incompetência material da justiça <strong>do</strong>trabalho. Recursos ordinários da ré (datanorte) e <strong>do</strong> assistentesimples (esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> rio grande <strong>do</strong> norte). Matéria em comum.Análise conjunta.As recorrentes insurgem-se em face <strong>do</strong> indeferimento dapreliminar de incompetência material da Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>. Emsíntese, argumentam que a relação jurídica objeto da controvérsia,atinente à legalidade da criação e ocupação de cargos em comissão noâmbito da ré - sociedade de economia mista integrante daAdministração Pública indireta estadual -, tem naturezaadministrativa, e não trabalhista. Nesse contexto, conforme sustenta aré, a apreciação <strong>do</strong> feito por esta Justiça Especializada afronta oentendimento <strong>do</strong> Supremo <strong>Tribunal</strong> Federal plasma<strong>do</strong> na decisãoliminar proferida na ADI 3.395-6/DF, a qual suspendeu toda aqualquer interpretação dada ao inciso I <strong>do</strong> artigo 114 da ConstituiçãoFederal que inclua na competência da Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> o exame dematéria relativa a servi<strong>do</strong>res vincula<strong>do</strong>s ao Poder Público por relaçãoestatutária ou jurídico-administrativa.Consideran<strong>do</strong> que a ré desta ação civil pública constitui-sesociedade de economia mista, cumpre observar o disposto no artigo173, § 1º, II, da Constituição Federal, verbis:R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


405Art. 173. Ressalva<strong>do</strong>s os casos previstos nestaConstituição, a exploração direta de atividadeeconômica pelo Esta<strong>do</strong> só será permitida quan<strong>do</strong>necessária aos imperativos da segurança nacional ou arelevante interesse coletivo, conforme defini<strong>do</strong>s em lei.§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresapública, da sociedade de economia mista e de suassubsidiárias que explorem atividade econômica deprodução ou comercialização de bens ou de prestação deserviços, dispon<strong>do</strong> sobre:(...)II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresasprivadas, inclusive quanto aos direitos e obrigaçõescivis, comerciais, trabalhistas e tributários;(...) (Destaquei).Como corolário desse dispositivo constitucional, associedades de economia mista não se submetem ao regime jurídicoadministrativo, mas sim ao regime próprio das empresas privadas,inclusive no tocante aos direitos e obrigações trabalhistas.Consequência disso é que seus funcionários são exercentes deempregos públicos regi<strong>do</strong>s pela CLT, e não titulares de cargospúblicos de natureza estatutária, muito embora estejam igualmentesubmeti<strong>do</strong>s à regra de admissão mediante concurso público, nostermos <strong>do</strong> artigo 37, II, da Constituição Federal, sob pena de nulidadeda contratação.Diante <strong>do</strong> acima exposto, é possível inferir que a eventualdesignação de indivíduo alheio aos quadros funcionais da sociedadede economia mista para ocupar cargo em comissão/função deconfiança, nos moldes <strong>do</strong> inciso V <strong>do</strong> artigo 37 da ConstituiçãoFederal - ainda que discutível a juridicidade desse ato e aR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


406nomenclatura empregada -, não tem o condão de transmudar o vínculocontratual-trabalhista, regra para a Administração Pública indireta dedireito priva<strong>do</strong>, em relação jurídico-administrativa. Do contrário,haveria a concomitância de <strong>do</strong>is regimes jurídicos de pessoal diversosno âmbito desses entes, o que parece violar frontalmente o senti<strong>do</strong>teleológico <strong>do</strong> artigo 173, § 1º, II, da Constituição Federal.Em abono a esse entendimento, colhe-se o seguinteprecedente específico <strong>do</strong> Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, exara<strong>do</strong> emsede de conflito de competência entre a Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> e a JustiçaComum Estadual:“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.CARGO EM COMISSÃO. SOCIEDADE DEECONOMIA MISTA. REGIME JURÍDICOPRIVADO. REGIME TRABALHISTA.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.1. Independe a denominação <strong>do</strong> cargo ou empregoatribuí<strong>do</strong> ao servi<strong>do</strong>r público contrata<strong>do</strong> por entepúblico de direito priva<strong>do</strong>, que sempre estará sujeito àsregras trabalhistas desse regime, conforme o disposto noinciso II <strong>do</strong> § 1º <strong>do</strong> art. 173 da CF.2. Inadmite-se a figura <strong>do</strong> funcionário público nosquadros das empresas públicas e sociedades deeconomia mista, pois entes de direito priva<strong>do</strong> nãopodem possuir vínculos funcionais submeti<strong>do</strong>s aoregime estatutário, por ser este característico daspessoas jurídicas de direito público.3. Conflito conheci<strong>do</strong> para declarar a competência <strong>do</strong>Juízo da 1ª Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> de Porto Velho/RO,suscita<strong>do</strong>” (STJ, CC 37.913/RO, Rel. Min. Arnal<strong>do</strong>Esteves Lima, Terceira Seção, DJ 27/06/2005).Aliás, nesse mesmo senti<strong>do</strong>, encontra-se a decisãoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


407monocrática da Min. Ellen Gracie (STF, RCL 5.786, DJe 06/02/2008),a qual indeferiu pedi<strong>do</strong> de liminar formula<strong>do</strong> pela Empresa Brasileirade Infra-Estrutura Aeroportuária (INFRAERO), empresa públicafederal, nos autos de reclamação constitucional ajuizada em face dejulga<strong>do</strong> que apreciou matéria idêntica à desta ação civil pública,encampan<strong>do</strong> a tese de que “(...) não há que se falar em violação àdecisão <strong>do</strong> Excelso Supremo <strong>Tribunal</strong> Federal na ADI-MC 3395/DF,uma vez que, nos termos da referida decisão, foram excluí<strong>do</strong>s dacompetência da Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> os servi<strong>do</strong>res estatutários,qualidade que não ostentam os trabalha<strong>do</strong>res comissiona<strong>do</strong>s queforam admiti<strong>do</strong>s ao quadro funcional da Infraero por meio decontratos especiais, para o exercício de funções de confiança”(destaque no original).Verifica-se, portanto, que o objeto da presentecontrovérsia encontra-se abarca<strong>do</strong> pelo inciso I <strong>do</strong> artigo 114 daConstituição Federal, de mo<strong>do</strong> que a Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> detémcompetência material para apreciá-la.Rejeito.2.2. Preliminar. Ilegitimidade ativa <strong>do</strong> ministériopúblico <strong>do</strong> trabalho. Recurso ordinário da ré.A recorrente suscita, preliminarmente, a ilegitimidade <strong>do</strong>Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> para propor ação civil pública naR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


408hipótese <strong>do</strong>s autos. Argumenta que o autor, “(...) ao ajuizá-la,embrenhou-se numa seara impertinente à sua atuação delineada, querna Carta Política, quer na legislação infraconstitucional, qual seja, nopoder discricionário que o Esta<strong>do</strong> tem, através de sua administraçãodireta e indireta, de traçar suas condutas de acor<strong>do</strong> com suasconveniências e oportunidades, no que tange à liberdade de escolhas<strong>do</strong>s critérios que devam a<strong>do</strong>tar na condução e gestão da coisa pública”(fls. 1067-1068).Por definição, a legitimidade ativa ad causam écaracterizada pela pertinência subjetiva para a propositura da ação.Diante disso, não há que se cogitar da ausência de legitimidade <strong>do</strong>Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> para o ajuizamento de ação civilpública destes autos.A despeito de o inciso III <strong>do</strong> artigo 83 da LeiComplementar nº 75/93 dispor que compete ao Ministério Público <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong> “promover a ação civil pública no âmbito da Justiça <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong>, para defesa de interesses coletivos, quan<strong>do</strong> desrespeita<strong>do</strong>sos direitos sociais constitucionalmente garanti<strong>do</strong>s”, o âmbito deaplicação desse dispositivo é expandi<strong>do</strong> pelo inciso III <strong>do</strong> artigo 129da Constituição Federal, segun<strong>do</strong> o qual é função institucional <strong>do</strong>Parquet “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para aproteção <strong>do</strong> patrimônio público e social, <strong>do</strong> meio ambiente e de outrosinteresses difusos e coletivos”, disposição esta que também secoaduna com o inciso I <strong>do</strong> artigo 83 da Lei Complementar nº 75/93.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


409Nesse contexto, o Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>encontra-se investi<strong>do</strong> de legitimidade para figurar no polo ativo dapresente ação, porquanto requer a apreciação <strong>do</strong> exame dalegitimidade <strong>do</strong>s atos de designação de ocupantes de cargos emcomissão/funções de confiança em sociedade de economia mista, emplena consonância com o artigo 129, III, da Constituição Federal, hajavista os indícios de ilegalidade e prejuízo ao erário, não haven<strong>do</strong> quese cogitar de intromissão no mérito administrativo - exame deoportunidade e conveniência - desses atos.Rejeito.2.3. Preliminar. Intervenção processual <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>Rio Grande <strong>do</strong> Norte. Recurso ordinário da ré.A recorrente insurge-se em face <strong>do</strong> indeferimento <strong>do</strong>pedi<strong>do</strong> de chamamento à lide <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte.Argumenta que o ente público é acionista majoritário da sociedade deeconomia mista ré, possuin<strong>do</strong> responsabilidade subsidiária pelosdébitos desta, em razão <strong>do</strong> disposto no artigo 592, II, <strong>do</strong> CPC, demo<strong>do</strong> que deve integrar o polo passivo da demanda.Insta observar que, até o presente momento, o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>Rio Grande <strong>do</strong> Norte participa da relação processual como assistentesimples da ré, nos termos <strong>do</strong> artigo 50 <strong>do</strong> CPC, conforme deferi<strong>do</strong>pelo Juízo a quo; ou seja, não integra o polo passivo da demanda naR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


410qualidade de parte, de forma que não se sujeita aos eventuais efeitosda coisa julgada, a teor <strong>do</strong> artigo 472 <strong>do</strong> CPC, primeira parte: “Asentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, nãobenefician<strong>do</strong>, nem prejudican<strong>do</strong> terceiros”.Dito isso, extrai-se da leitura tanto da contestação quantodas razões recursais que a reclamada, ora recorrente, invocan<strong>do</strong> oinstituto processual <strong>do</strong> chamamento à lide, almeja que o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> RioGrande <strong>do</strong> Norte passe a integrar o polo passivo da demanda naqualidade de litisconsorte.O chamamento ao processo - previsto nos artigos 77 a 80<strong>do</strong> CPC - pressupõe a existência de relação jurídica entre chamante echama<strong>do</strong> da qual resulte dívida comum (STJ, Ag 876.781/RS, Rel.Min. Nancy Andrighi, DJ 15/06/2007). De pronto, constata-se queisso não ocorre na hipótese <strong>do</strong>s autos, porquanto não há relaçãojurídica entre a DATANORTE e o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norteque obrigue este a responder indistintamente pelos débitos daquela, aqual possui personalidade jurídica própria.Frise-se que a possibilidade de constrição <strong>do</strong>s bens <strong>do</strong>sócio de ente priva<strong>do</strong>, prevista no artigo 592, II, <strong>do</strong> CPC, é medidaexcepcional a ser empregada em sede de execução de sentença,observadas as hipóteses legais, não se prestan<strong>do</strong> à ampliação subjetiva<strong>do</strong> polo passivo <strong>do</strong> processo de cognição.Assim, consideran<strong>do</strong> o mero interesse jurídico <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte na tutela jurisdicional favorável àR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


411demandada, afigura-se razoável a sua admissão como assistentesimples, nos termos <strong>do</strong> artigo 50 <strong>do</strong> CPC.Rejeito.2.4. Emprega<strong>do</strong>s públicos de confiança. Validade dacontratação. Efeitos. Recursos ordinários da ré e <strong>do</strong> assistentesimples. Matéria em comum. Análise conjunta.A ré insurge-se em face <strong>do</strong> julgamento procedente da açãocivil pública, no que tange à nulidade <strong>do</strong>s contratos de trabalho <strong>do</strong>socupantes de cargos em comissão/funções de confiança e,consequentemente, à procedência <strong>do</strong>s pleitos autorais de obrigação denão contratar pessoas para o exercício dessas atividades - salvo paraocupação das atribuições relativas ao Conselho de Administração, aoConselho Fiscal e à Diretoria Executiva -, sob pena de multa de R$20.000,00, reversível ao FAT, em caso de eventual descumprimento,bem como de afastar to<strong>do</strong>s os ocupantes de cargos emcomissão/funções de confiança contrata<strong>do</strong>s ilegalmente, no prazo de30 dias, sob pena de multa de R$ 10.000,00, reversível ao FAT, a cadatrabalha<strong>do</strong>r manti<strong>do</strong> em situação irregular. Inicialmente, discorresobre sua natureza jurídica de ente da Administração Pública indiretade direito priva<strong>do</strong>, possuin<strong>do</strong> poder de auto-organização <strong>do</strong> seuquadro de pessoal, uma vez que não é criada por lei, a qual apenasautoriza a sua criação. Acrescenta que a criação de cargos emR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


412comissão/funções de confiança em sociedade de economia mista nãonecessita decorrer de lei, bastan<strong>do</strong> que haja previsão em normasinternas da empresa estatal, não representan<strong>do</strong> ofensa ao artigo 37, V,da Constituição Federal. Outrossim, assevera que “(...) não há que sefalar em desvio de função e/ou cargo em comissão cria<strong>do</strong> eminobservância ao disposto no art. 37, V da Constituição Federal, poisto<strong>do</strong>s os atuais cargos em comissão existentes na estrutura daCompanhia Reclamada necessariamente estão diretamente vinculadasàs funções de chefia, assessoramento ou direção” (fl. 1091). Por fim,argumenta que “(...) não se desincumbiu a exordial em individualizare/ou identificar os cargos em comissão cria<strong>do</strong>s em dissonância com oconceito excepcional conti<strong>do</strong> no art. 37, II da Constituição Federal”(fl. 1092).Já o Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte, assistente simples,sustenta que a exigência de previsão em lei não se aplica à criação deempregos públicos - efetivos e comissiona<strong>do</strong>s - em empresas públicase sociedades de economia mista, a teor <strong>do</strong> disposto no artigo 169, § 1º,II, da Constituição Federal, bastan<strong>do</strong> que haja previsão em ato deorganização funcional dessas entidades. Em seguida, aduz que “(...) acontratação de empregos em comissão sem previsão em lei não violaqualquer dispositivo constitucional, não deven<strong>do</strong> os contratosadministrativos <strong>do</strong>s ocupantes de tais empregos serem ti<strong>do</strong>s pornulos” (fl. 1117), pugnan<strong>do</strong> pela total reforma da sentença.Cinge-se o mérito da presente ação civil pública emR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


413perquirir a legitimidade - assim entendida a conformidade não só coma literalidade da norma legal positivada, mas também com osprincípios jurídicos regentes da matéria - da ocupação de cargos emcomissão/funções de confiança por indivíduos não pertencentes aoquadro permanente de emprega<strong>do</strong>s da ré, sociedade de economiamista estadual.Para tanto, o primeiro questionamento de ordem jurídica aser enfrenta<strong>do</strong> diz respeito à possibilidade de criação de cargos emcomissão/funções de confiança em sede de entes da AdministraçãoPública de direito priva<strong>do</strong>, quais sejam, empresas públicas esociedades de economia mista.A esse respeito, cumpre observar o que dispõe aConstituição Federal em seu artigo 37 e incisos:Art. 37. A administração pública direta e indireta dequalquer <strong>do</strong>s Poderes da União, <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s, <strong>do</strong> DistritoFederal e <strong>do</strong>s Municípios obedecerá aos princípios delegalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade eeficiência e, também, ao seguinte:(...)II - a investidura em cargo ou emprego público dependede aprovação prévia em concurso público de provas oude provas e títulos, de acor<strong>do</strong> com a natureza e acomplexidade <strong>do</strong> cargo ou emprego, na forma previstaem lei, ressalvadas as nomeações para cargo emcomissão declara<strong>do</strong> em lei de livre nomeação eexoneração;(...)V - as funções de confiança, exercidas exclusivamentepor servi<strong>do</strong>res ocupantes de cargo efetivo, e os cargosem comissão, a serem preenchi<strong>do</strong>s por servi<strong>do</strong>res decarreira nos casos, condições e percentuais mínimosR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


414previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições dedireção, chefia e assessoramento;(...) (Destaquei).Conforme estatui o inciso II <strong>do</strong> artigo 37 da ConstituiçãoFederal, a regra é o preenchimento de cargos e empregos públicosmediante concurso público, ao passo que “as nomeações para cargoem comissão declara<strong>do</strong> em lei de livre nomeação e exoneração”figuram como exceção àquela exigência. Isso se justifica porquedeterminadas atividades somente podem ser desempenhadas porpessoas que mantêm uma relação subjetiva de fidúcia com aautoridade responsável pelo seu provimento - as quais eventualmentenão possuem nenhum vínculo funcional com a Administração Pública-, o que restaria inviabiliza<strong>do</strong> pela obediência incondicional à regra <strong>do</strong>concurso público.Todavia, consideran<strong>do</strong> que os dispositivos constitucionaisacima transcritos referem-se a “cargo em comissão”, pode-se pensar, apartir de uma interpretação literal da norma, que apenas em sede daAdministração Pública direta e autárquica - que mantêm com seusservi<strong>do</strong>res um vínculo jurídico de natureza estatutária - seria permitidaa existência dessas atividades de confiança. Estariam excluídas dessepermissivo, portanto, as empresas públicas e sociedades de economiamista, cujos “empregos públicos” são regi<strong>do</strong>s pela CLT.Tal méto<strong>do</strong> interpretativo, contu<strong>do</strong>, não parece ser o maisrazoável, pois não há como negar que tais entes, embora sujeitos aR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


415regime de direito priva<strong>do</strong>, submetem-se a controle finalístico daAdministração Direta a fim de que não se afastem ou divirjam dasdiretrizes governamentais. Em decorrência disso, é preciso que osocupantes de determinadas atividades funcionais - tais como gerentese assessores - sejam livremente escolhi<strong>do</strong>s pelos dirigentes da empresapública ou sociedade de economia mista, ou seja, com a dispensa <strong>do</strong>concurso público. Em uma interpretação sistemática, extrai-se que “amesma “ratio” que justifica a exceção constitucional para os cargospúblicos da Administração Direta e autárquica aponta para anecessidade desta ser estendida também para as atividades funcionaisde confiança nas entidades estatais de direito priva<strong>do</strong>” (CARDOZO,José Eduar<strong>do</strong> Martins. As empresas públicas e as sociedades deeconomia mista e o dever de realizar concursos públicos no direitobrasileiro. Disponível em: . Acesso em: 02.abr. 2012).Note-se que o texto constitucional não limita a existênciadessas atividades de confiança à Administração Pública direta eautárquica. E onde a lei - aqui, a Constituição Federal - não distingue,não cabe ao intérprete distinguir (ubi lex non distinguit, nec nosdistinguere debemos).Faz-se necessário um esclarecimento terminológico.Consideran<strong>do</strong> que nas empresas públicas e sociedades de economiaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


416mista não há cargos públicos sujeitos ao regime estatutário, mas simempregos públicos de natureza contratual-trabalhista, não se podedizer que em tais entidades existam verdadeiros “cargos emcomissão”, embora registre-se com frequência a utilização atécnicadesse termo. Assim, mostram-se mais apropriadas as denominações“empregos públicos de confiança” ou “empregos públicos emcomissão”. Nestas expressões enquadram-se, igualmente, as funçõesde confiança.Portanto, em consonância com o disposto no artigo 37, II eV, da Constituição Federal, é plenamente possível a existência dafigura <strong>do</strong> emprego público de confiança, a ser eventualmente ocupa<strong>do</strong>por indivíduo alheio ao quadro funcional permanente da empresapública ou sociedade de economia mista, em exceção à regra <strong>do</strong>concurso público.Nesse passo, em haven<strong>do</strong> a possibilidade de criação dessesempregos públicos de confiança em empresas públicas e sociedadesde economia mista, impende verificar se para isso é necessária aprevisão em lei stricto sensu, a teor <strong>do</strong> disposto no artigo 37, II e V, daConstituição Federal.Também aqui é necessário que o texto constitucional sejainterpreta<strong>do</strong> sistematicamente. Ora, nos termos <strong>do</strong> inciso XIX <strong>do</strong>artigo 37 da Constituição Federal, as próprias empresas públicas esociedades de economia mista não são criadas por lei, o que somenteocorre com as autarquias. A instituição <strong>do</strong>s entes priva<strong>do</strong>s daR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


417Administração Pública indireta exige apenas autorização legislativa,porém a sua efetiva criação dá-se mediante a inscrição <strong>do</strong>s seus atosconstitutivos no registro público competente. Outrossim, o artigo 61, §1º, II, “a”, da Constituição Federal dispõe que é competência <strong>do</strong>Presidente da República - o que, pelo princípio da simetria, estende-seaos chefes de Poder Executivo estadual e municipal - a “criação decargos, funções ou empregos públicos na administração direta eautárquica ou aumento de sua remuneração”. Desse mo<strong>do</strong>, infere-seque a reserva legal, no que tange à matéria em apreço, não se estendeàs empresas públicas e sociedades de economia mista.Nesse senti<strong>do</strong>, colhe-se o seguinte precedente específico<strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> de Contas da União:“REPRESENTAÇÃO. CRIAÇÃO DE CARGOS EFUNÇÕES COMISSIONADAS POR ATOADMINISTRATIVO, NO ÂMBITO DE SOCIEDADEDE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE.IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO.ARQUIVAMENTO DOS AUTOS. (...) O art. 61, §1º,inciso II, alínea ‘a’, da Constituição Federal estabeleceque são de iniciativa privativa <strong>do</strong> Presidente daRepública as leis que disponham sobre criação decargos, funções ou empregos públicos na administraçãodireta e autárquica ou aumento de sua remuneração.Portanto, a Constituição não prevê a elaboração de leipara a criação de empregos na administração indireta,exceto quanto às autarquias. Se não há necessidade delei para a criação <strong>do</strong>s empregos que são provi<strong>do</strong>smediante concurso público, não seria razoável entenderque seria exigida lei para a criação de ‘empregos emcomissão’, em muito menor número” (TCU, Proc.012.019/2005-6, Rel. Min. Ubiratan Aguiar, Acórdão56/2007 - Segunda Câmara, DOU 08/02/2007).R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


418Dessarte observa-se que a criação de empregos públicosefetivos das empresas públicas e sociedades de economia, a seremocupa<strong>do</strong>s mediante concurso público, não exige previsão em lei emsenti<strong>do</strong> estrito, decorren<strong>do</strong> de atos internos da empresa estatal, assimcomo ocorre em qualquer outra entidade de direito priva<strong>do</strong>.Consequentemente, carece de lógica jurídica exigir que a criação <strong>do</strong>sempregos públicos de confiança - de livre designação e destituição -derive de previsão em lei da unidade federativa institui<strong>do</strong>ra, quan<strong>do</strong>tal exigência sequer existe em relação aos empregos públicos <strong>do</strong>quadro permanente da empresa pública ou sociedade de economiamista.Na hipótese <strong>do</strong>s autos, conforme apura<strong>do</strong> pelo MinistérioPúblico <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, em 2007 a DATANORTE contava com umquadro total de 1.133 empregos públicos, <strong>do</strong>s quais 54 eram cargoscomissiona<strong>do</strong>s e 43 eram funções gratificadas, conforme terminologiaa<strong>do</strong>tada pela ré. Entre 14/09/2009 a 02/10/2009, pouco antes <strong>do</strong>ajuizamento da presente ação, havia 58 ocupantes de empregospúblicos de confiança não pertencentes ao quadro permanente dasociedade de economia mista estadual.Em razão <strong>do</strong> que foi acima exposto, no que tange à formade criação <strong>do</strong>s empregos públicos de confiança nas sociedades deeconomia mista, em que se concluiu pela possibilidade deregulamentação da matéria mediante ato interno da entidade, constataseque os cargos comissiona<strong>do</strong>s e funções gratificadas daR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


419DATANORTE - abstratamente considera<strong>do</strong>s - não padecem denenhum vício de constitucionalidade ou legalidade. Isso porque osmesmos eram cria<strong>do</strong>s por ato normativo da Diretoria, a qual detém,nos termos <strong>do</strong> artigo 30, III, <strong>do</strong> Estatuto Social, fls. 72-82,competência para “organizar o quadro de pessoal e implantar orespectivo sistema de recrutamento, seleção, classificação,treinamento e disciplina, segun<strong>do</strong> a política definida no Conselho deAdministração” (fl. 78). Nesses moldes foram editadas todas asresoluções da Diretoria juntadas às fls. 831-851, regulamentan<strong>do</strong> acriação e extinção de empregos públicos de confiança.Nesse contexto, ao contrário <strong>do</strong> entendeu o Juízo a quo,não se pode dizer que somente os cargos <strong>do</strong> Conselho deAdministração, <strong>do</strong> Conselho Fiscal e da Diretoria Executiva daDATANORTE - os quais têm previsão no próprio Estatuto Social -gozam de constitucionalidade e legalidade. To<strong>do</strong>s os demais empregospúblicos de confiança cria<strong>do</strong>s nos atos normativos da Diretoria daentidade são igualmente legítimos <strong>do</strong> ponto de vista formal.Todavia, ainda que se admita que a forma de criaçãodesses empregos públicos de confiança obedeceu aos ditamesconstitucionais e legais, é necessário perquirir se o mo<strong>do</strong> de ocupaçãodesses postos não padecia de nenhum vício. Isso porque, embora seconsidere que os empregos públicos de confiança são de livredesignação e destituição, tal liberdade não é plena e irrestrita, mas simbalizada pelo artigo 37, caput e inciso V, da Constituição Federal.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


420Assim, além de exigir a observância rigorosa <strong>do</strong>s princípios regentesda Administração Pública, o exercício dessas atividades de confiançadeve limitar-se estritamente a atribuições de direção, chefia eassessoramento. E não é qualquer atividade que pode ser assimconsiderada. Somente aquelas que confiram ao ocupante umdetermina<strong>do</strong> poder de gestão e exijam uma fidúcia especial em relaçãoa seu superior hierárquico legitimam a qualificação como empregopúblico de confiança, sob pena de burla à regra <strong>do</strong> concurso público enulidade da contratação.E é aqui que se verificam as irregularidades levadas aefeito pela DATANORTE. Restou largamente comprova<strong>do</strong>, a partir<strong>do</strong>s depoimentos toma<strong>do</strong>s perante o Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>em sede de inquérito civil, fls. 358-500, que os ocupantes de empregospúblicos de confiança da entidade limitam-se a desempenharatividades técnico-burocráticas, sem nenhum poder de gestão edestituí<strong>do</strong>s de verdadeira fidúcia em relação aos superioreshierárquicos que justifique a exceção à regra <strong>do</strong> concurso público, emfunções como motorista, garçom, secretária e auxiliar de serviçosadministrativos. A título ilustrativo, salta aos olhos o fato de que a rénão conta com nenhum advoga<strong>do</strong> em seu quadro funcionalpermanente, sen<strong>do</strong> o corpo jurídico da entidade totalmente compostopor advoga<strong>do</strong>s comissiona<strong>do</strong>s, em explícita fraude à regra <strong>do</strong> concursopúblico, pois não há nada que justifique a excepcionalidade - salvo emrelação ao chefe <strong>do</strong> setor -, deven<strong>do</strong> tal atividade ser exercida porR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


421emprega<strong>do</strong> público efetivo.Revela-se, assim, afronta aos princípios da moralidade eda eficiência administrativa, além <strong>do</strong> desvio de finalidade <strong>do</strong> ato dedesignação para o exercício de emprego público de confiança. Nostermos <strong>do</strong> artigo 2º, parágrafo único, “e”, da Lei nº 4.717/65 (Lei daAção Popular), “o desvio de finalidade se verifica quan<strong>do</strong> o agentepratica o ato visan<strong>do</strong> a fim diverso daquele previsto, explícita ouimplicitamente, na regra de competência”. Os empregos públicos emcomissão previstos nas normas internas da DATANORTE não têmsi<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>s para o desempenho de atribuições de direção, chefia eassessoramento, mas sim para a contratação fraudulenta - semsubmissão a concurso público - de pessoas alheias ao quadro funcionalpermanente da entidade para o exercício de atividades rotineiras,próprias de emprega<strong>do</strong>s efetivos.Com base nas conclusões acima alcançadas, passa-se aanalisar a pretensão recursal.Inicialmente, merece reforma parcial o julgamentoprocedente <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> de imposição de obrigação de não fazer,consistente em abstenção de contratação de emprega<strong>do</strong>s públicos deconfiança - salvo para ocupação das atribuições relativas ao Conselhode Administração, ao Conselho Fiscal e à Diretoria Executiva -, sobpena de multa de R$ 20.000,00, reversível ao FAT, em caso deeventual descumprimento. Ora, descabe impor essa obrigaçãonegativa pro futuro quan<strong>do</strong> se verifica que, ao menos formalmente,R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


422são legítimos os empregos públicos de confiança da DATANORTE.Portanto, a obrigação de não fazer deve consistir em abstenção defutura contratação de emprega<strong>do</strong>s públicos de confiança paraatribuições técnico-burocráticas, distintas de direção, chefia eassessoramento, deven<strong>do</strong>-se observar estritamente o disposto no artigo37, V, da Constituição Federal, sob pena de multa de R$ 20.000,00,reversível ao FAT, a cada eventual descumprimento. Repise-se que aatividade técnico-burocrática caracteriza-se pela ausência de poder degestão e inexistência de fidúcia especial em relação ao superiorhierárquico.Outrossim, há que se manter o reconhecimento danulidade de to<strong>do</strong>s os contratos de trabalho <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s públicosde confiança objeto da presente ação, por afronta à exigência deprévio concurso público, a teor <strong>do</strong> disposto no artigo 37, II e § 2º, daConstituição Federal e na Súmula nº 363 <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> Superior <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong>. Consequentemente mantém-se a determinação deafastamento de to<strong>do</strong>s os emprega<strong>do</strong>s públicos em comissão acimareferi<strong>do</strong>s. Contu<strong>do</strong>, para viabilizar a execução da determinaçãojudicial sem sobressaltos, afigura-se razoável a extensão <strong>do</strong> prazofixa<strong>do</strong> na sentença, deven<strong>do</strong> a medida ser cumprida em 90 dias, sobpena de multa de R$ 10.000,00, reversível ao FAT, a cada emprega<strong>do</strong>manti<strong>do</strong> em situação irregular.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


423Por tais fundamentos, <strong>do</strong>u provimento parcial aos recursosordinários para: a) reformar a sentença quanto à condenação aobrigação de não fazer, a qual passa a consistir em abstenção de futuracontratação de emprega<strong>do</strong>s públicos de confiança para atribuiçõestécnico-burocráticas, distintas de direção, chefia e assessoramento,deven<strong>do</strong>-se observar estritamente o disposto no artigo 37, V, daConstituição Federal, sob pena de multa de R$ 20.000,00, reversívelao FAT, a cada eventual descumprimento; e, b) estender o prazo paraafastamento de to<strong>do</strong>s os emprega<strong>do</strong>s públicos de confiançacontrata<strong>do</strong>s irregularmente pela ré, deven<strong>do</strong> a medida ser cumpridaem 90 dias, sob pena de multa de R$ 10.000,00, reversível ao FAT, acada emprega<strong>do</strong> manti<strong>do</strong> em situação irregular.Julgada parcialmente procedente a pretensão autoral, ficarestabelecida a antecipação <strong>do</strong>s efeitos da tutela em relação àsaludidas obrigações de fazer e não fazer - cuja suspensão havia si<strong>do</strong>deferida por este Relator nos autos da Ação Cautelar nº 52600-42.2010.5.21 -, deven<strong>do</strong> o seu cumprimento ocorrer a partir da ciênciadesta decisão, independentemente <strong>do</strong> seu trânsito em julga<strong>do</strong>.2.5. Antecipação <strong>do</strong>s efeitos da tutela. RecursoOrdinário da Ré.A ré argumenta que a antecipação <strong>do</strong>s efeitos da tutelasomente se justifica, a teor <strong>do</strong> artigo 461, § 3º, <strong>do</strong> CPC, diante daR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


424relevância <strong>do</strong> fundamento da demanda e <strong>do</strong> justifica<strong>do</strong> receio deineficácia <strong>do</strong> provimento final. Em relação a este requisito, afirma quea manutenção <strong>do</strong>s ocupantes <strong>do</strong>s cargos em comissão até o trânsito emjulga<strong>do</strong> não causará danos ao erário, pois os mesmos continuarãoemprestan<strong>do</strong> sua força de trabalho à empresa recorrente. Ao revés, oprejuízo adviria da ausência dessas pessoas na condução da rotinaadministrativa da entidade. Acrescenta que “(...) nada obriga aRecorrente a realizar certame público, visto que sua condição deempresa em fase de liquidação a coloca distante dessa possibilidade”(fl. 1094).São insubsistentes os argumentos apresenta<strong>do</strong>s pelarecorrente. Conforme demonstra<strong>do</strong> a contento na seção 2.4, ascontratações <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s públicos em comissão da ré encontramseeivadas de nulidade absoluta, sen<strong>do</strong> descabida a manutenção dessassituações funcionais ilegais até o trânsito em julga<strong>do</strong>.Frise-se que as vagas abertas pelo afastamento <strong>do</strong>socupantes de empregos públicos de confiança, cujo prazo paracumprimento foi fixa<strong>do</strong> razoavelmente em 90 dias, podem serfacilmente preenchidas por alguns <strong>do</strong>s mais de mil emprega<strong>do</strong>sefetivos da ré, sem prejuízo da designação de novos emprega<strong>do</strong>s emcomissão alheios ao quadro funcional permanente da entidade, desdeque obedecida rigorosamente a disposição <strong>do</strong> artigo 37, V, daConstituição Federal, ou seja, destinan<strong>do</strong> tais postos aos exercentes daatribuições de direção, chefia e assessoramento, e não a atividadesR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


425técnico-burocráticas, conforme apura<strong>do</strong> nestes autos.Nego provimento, no particular.2.6. Dano moral coletivo. Recursos ordinários da ré e<strong>do</strong> assistente simples. Matéria em comum. Análise conjunta.A ré insurge-se em face da condenação ao pagamento deR$ 500.000,00 a título de indenização por dano moral coletivo, a serrevertida ao Fun<strong>do</strong> de Amparo ao Trabalha<strong>do</strong>r - FAT. Afirma que,segun<strong>do</strong> a tese encampada pelo autor e acolhida na sentença, opretenso dano moral coletivo residiria na ausência da realização deconcurso público para preenchimento de cargos. Todavia, argumentaque, por se encontrar em processo de liquidação, a não realização deconcurso é medida compatível com a moralidade pública e evidenciazelo com seu patrimônio, sen<strong>do</strong> incapaz de gerar dano de qualquernatureza ou dimensão. Acrescenta que não há nos autos nenhumindício concreto de <strong>do</strong>r moral a atingir e coletividade em razão daconduta da empresa. Colaciona precedentes <strong>do</strong> Superior <strong>Tribunal</strong> deJustiça no senti<strong>do</strong> de que o ordenamento jurídico brasileiro nãoalberga o dano moral coletivo. Por fim, acaso mantida a condenação,pugna pela redução <strong>do</strong> montante indenizatório, por considerar a penapor demais severa.O Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte, assistente simples,sustenta a inexistência de dano moral coletivo, pois a investidura nosR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


426empregos em comissão não exige a submissão a concurso público, aopasso que, estan<strong>do</strong> a ré em processo de extinção, não há que se cogitarda realização de novo certame para admissão de pessoal. Outrossim,aduz que a existência de cerca de 50 empregos de confiança nãorepresenta dano a toda a sociedade, conforme consignou o Juízo aquo, o qual superdimensionou a repercussão social da supostailegalidade. Sucessivamente, pugna pela redução <strong>do</strong> valor dacondenação, bem como para que o quantum indenizatório sejareverti<strong>do</strong> a um fun<strong>do</strong> estadual, e não ao FAT.É certo que a contratação de pessoas para ocuparempregos públicos em comissão sem o preenchimento <strong>do</strong>s requisitosconstitucionais exigi<strong>do</strong>s para tanto revela afronta aos princípios damoralidade e da eficiência administrativa, desvio de finalidade <strong>do</strong> atoe, em última instância, má gestão <strong>do</strong> dinheiro público, em seconsideran<strong>do</strong> que a quase totalidade das ações que compõem a répertencem ao Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte. Ora, tal situação atentaindubitavelmente contra o patrimônio imaterial de toda a coletividade,à vista da repulsa e indignação provocada pelo quadro de descalabroadministrativo verifica<strong>do</strong> nestes autos.Ressalte-se que, ao contrário <strong>do</strong> que argumentam osrecorrentes, não se trata da imposição de indenização pela nãorealização de concurso público, porquanto essa medida deve-se regerpelos critérios de conveniência e oportunidade da entidade. Cuida-seefetivamente <strong>do</strong> combate a uma conduta antijurídica levada a efeitoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


427pela ré ao longo de anos em total desprezo pelas regras constitucionaispara contratação de empregos públicos de confiança - e isso restoucabalmente comprova<strong>do</strong> -, o que confere à sociedade como um to<strong>do</strong>direito à reparação requerida pelo autor.Todavia, de acor<strong>do</strong> com o disposto no art. 944 <strong>do</strong> CódigoCivil, “a indenização mede-se pela extensão <strong>do</strong> dano”.Com isso, revela-se de suma importância a averiguaçãodas consequências geradas pelo dano em questão, uma vez que deveexistir uma correspondência entre a mensuração <strong>do</strong>s danos sofri<strong>do</strong>s e aindenização concedida.Assim, o julga<strong>do</strong>r tem a discricionariedade de analisar ocaso concreto e deferir uma quantia que, em seu entender, sejasuficiente para reparar a lesão extrapatrimonial sofrida, como tambémpara punir o infrator, basean<strong>do</strong>-se na proporcionalidade, nanecessidade e ponderan<strong>do</strong> a respeito <strong>do</strong> enriquecimento ilícito à custade quem paga.Ademais, a <strong>do</strong>utrina vem apontan<strong>do</strong> que o quantumindenizatório seja arbitra<strong>do</strong> levan<strong>do</strong>-se em conta o conjunto:circunstâncias econômicas, sociais e culturais <strong>do</strong> ofensor e ofendi<strong>do</strong>,além da intensidade <strong>do</strong> sofrimento, a gravidade da repercussão daofensa, a intensidade <strong>do</strong> <strong>do</strong>lo e da culpa, entre outros fatores.No presente caso, enten<strong>do</strong> que o valor arbitra<strong>do</strong> (R$500.000,00) é desproporcional ao dano, deven<strong>do</strong> ser reduzi<strong>do</strong> para R$250.000,00, a fim de adequá-lo proporcionalmente aos parâmetrosR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


428atinentes ao dano e ao efeito pedagógico da condenação.Não há que se cogitar de reversão <strong>do</strong> montanteindenizatório a um fun<strong>do</strong> estadual, eis que o assistente simples sequerindica qual fun<strong>do</strong> seria este, em substituição ao Fun<strong>do</strong> de Amparo aoTrabalha<strong>do</strong>r - FAT, tampouco comprova sua eventual aptidão para darao montante indenizatório a destinação de proteção aos trabalha<strong>do</strong>res.Por tais fundamentos, <strong>do</strong>u provimento parcial aosrecursos ordinários para reduzir o valor da condenação ao pagamentode indenização por dano moral coletivo para R$ 250.000,00, a serreverti<strong>do</strong> ao FAT.3. CONCLUSÃOAnte o exposto, CONHEÇO <strong>do</strong>s recursos ordinários da rée <strong>do</strong> assistente simples e, no mérito, DOU-LHES PROVIMENTOPARCIAL para: a) reformar a sentença quanto à condenação aobrigação de não fazer, a qual passa a consistir em abstenção de futuracontratação de emprega<strong>do</strong>s públicos de confiança para atribuiçõestécnico-burocráticas, distintas de direção, chefia e assessoramento,deven<strong>do</strong>-se observar estritamente o disposto no artigo 37, V, daConstituição Federal, sob pena de multa de R$ 20.000,00, reversívelao Fun<strong>do</strong> de Amparo ao Trabalha<strong>do</strong>r - FAT, a cada eventualdescumprimento; b) estender o prazo para afastamento de to<strong>do</strong>s osemprega<strong>do</strong>s públicos de confiança contrata<strong>do</strong>s irregularmente pela ré,R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


429deven<strong>do</strong> a medida ser cumprida em 90 dias, sob pena de multa de R$10.000,00, reversível ao FAT, a cada emprega<strong>do</strong> manti<strong>do</strong> em situaçãoirregular; e, c) reduzir o valor da condenação ao pagamento deindenização por dano moral coletivo para R$ 250.000,00, a serreverti<strong>do</strong> ao FAT. Fica restabelecida a antecipação <strong>do</strong>s efeitos datutela em relação às obrigações de fazer e não fazer objeto dacondenação - cuja suspensão havia si<strong>do</strong> deferida por este Relator nosautos da Ação Cautelar nº 52600-42.2010.5.21 -, deven<strong>do</strong> o seucumprimento ocorrer a partir da ciência desta decisão,independentemente <strong>do</strong> seu trânsito em julga<strong>do</strong>.Acordam os Excelentíssimos Desembarga<strong>do</strong>res Federais ea Juíza da Egrégia 1ª Turma <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ªRegião, por unanimidade, conhecer <strong>do</strong>s recursos ordinários da ré e <strong>do</strong>assistente simples. Por unanimidade, rejeitar as preliminares deincompetência material da Justiça <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, de ilegitimidade ativa<strong>do</strong> Ministério Público <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> e de intervenção processual <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande Norte. Mérito: por maioria, dar provimentoparcial aos recursos ordinários para: a) reformar a sentença quanto àcondenação a obrigação de não fazer, a qual passa a consistir emabstenção de futura contratação de emprega<strong>do</strong>s públicos de confiançapara atribuições técnico-burocráticas, distintas de direção, chefia eassessoramento, deven<strong>do</strong>-se observar estritamente o disposto no artigo37, V, da Constituição Federal, sob pena de multa de R$ 20.000,00,reversível ao Fun<strong>do</strong> de Amparo ao Trabalha<strong>do</strong>r - FAT, a cadaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


430eventual descumprimento; b) estender o prazo para afastamento deto<strong>do</strong>s os emprega<strong>do</strong>s públicos de confiança contrata<strong>do</strong>sirregularmente pela ré, deven<strong>do</strong> a medida ser cumprida em 90 dias,sob pena de multa de R$ 10.000,00, reversível ao FAT, a cadaemprega<strong>do</strong> manti<strong>do</strong> em situação irregular; e, c) reduzir o valor dacondenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivopara R$ 250.000,00, a ser reverti<strong>do</strong> ao FAT. Fica restabelecida aantecipação <strong>do</strong>s efeitos da tutela em relação às obrigações de fazer enão fazer objeto da condenação - cuja suspensão havia si<strong>do</strong> deferidapor este Relator nos autos da Ação Cautelar nº 52600-42.2010.5.21 -,deven<strong>do</strong> o seu cumprimento ocorrer a partir da ciência desta decisão,independentemente <strong>do</strong> seu trânsito em julga<strong>do</strong>; venci<strong>do</strong>, em parte, oDesembarga<strong>do</strong>r Ronal<strong>do</strong> Medeiros de Souza que lhe dava provimentoparcial para estender o prazo para afastamento de to<strong>do</strong>s osemprega<strong>do</strong>s públicos de confiança contrata<strong>do</strong>s irregularmente pela ré(aqueles que excedam o percentual mínimo para os cargos emcomissão e os contrata<strong>do</strong>s em função de confiança sem o devi<strong>do</strong>concurso público), deven<strong>do</strong> a medida ser cumprida em 90 (noventa)dias, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), reversível aoFAT, a cada emprega<strong>do</strong> manti<strong>do</strong> em situação irregular; e, reduzia ovalor da condenação ao pagamento de indenização por dano moralcoletivo para R$ 250.000,00, a ser reverti<strong>do</strong> ao FAT. Ficarestabelecida a antecipação <strong>do</strong>s efeitos da tutela em relação àsobrigações de fazer e não fazer objeto da condenação - cuja suspensãoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


431havia si<strong>do</strong> deferida pelo e. Relator nos autos da Ação Cautelar nº52600-42.2010.5.21 -, deven<strong>do</strong> o seu cumprimento ocorrer a partir daciência desta decisão, independentemente <strong>do</strong> seu trânsito em julga<strong>do</strong>.Natal-<strong>RN</strong>, 20 de janeiro de 2011.José Rêgo JúniorDesembarga<strong>do</strong>r RelatorIleana Neiva MousinhoProcura<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>Divulga<strong>do</strong> no DEJT nº 677, em 24/02/2011(quinta-feira).Trasla<strong>do</strong> nº 183/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


432Acórdão nº 108.444Recurso Ordinário nº 112000-63-2010.5.21.0007Juíza Relatora: Lygia Maria de Go<strong>do</strong>y Batista CavalcantiRecorrente: Lucenil<strong>do</strong> Lins de AquinoAdvoga<strong>do</strong>s: Ronal<strong>do</strong> Jorge Lopes da silva e outrosRecorrida: Lojas Insinuante Ltda.Advoga<strong>do</strong>s: André Luís Torres Pessoa e outrosOrigem: 7ª Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> de NatalASSÉDIO MORAL CARACTERIZAÇÃOCONFIGURAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADEE DA CULPA. O assédio moral se caracteriza pelocomportamento abusivo <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r paracumprimento de metas capaz de agredir a esferaíntima <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> recurso a que se dáprovimento.Vistos, etc.Cuida-se de recurso ordinário interposto porLUCENILDO LINS DE AQUINO contra a decisão prolatada pela d.Juíza Titular na 7ª Vara <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> de Natal (fls. 1044/1061), quejulgou improcedentes as pretensões deduzidas na reclamaçãotrabalhista ajuizada contra as LOJAS INSINUANTE LTDA.O reclamante, nas suas razões (fls. 1063/1071), aduziu quea instrução processual foi eficiente para a comprovação das exigênciasR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


433realizadas pela empresa para alcançar as metas estabelecidas, às quaisacabavam por causar constrangimentos delinea<strong>do</strong>res <strong>do</strong> assédio moral.Traz à baila depoimentos testemunhais transcritos na peça recursal.Argumenta acerca <strong>do</strong> depoimento <strong>do</strong> diretor da empresa e dassituações vexatórias a que os funcionários da reclamada foramsubmeti<strong>do</strong>s, consoante gravação de DVD apresenta<strong>do</strong> nos autos.Alega que era obriga<strong>do</strong> a se desnudar na frente de colegas de trabalho,fican<strong>do</strong> apenas de cueca, e que fotografias desses episódios forambatidas, consoante <strong>do</strong>cumentos acosta<strong>do</strong>s aos autos. Tececonsiderações de que a dignidade <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r não pode serdesconsiderada para que a empresa implante reestruturação deprodutiva, ou venha a ser competitiva no merca<strong>do</strong>, obten<strong>do</strong> lucros;nesse senti<strong>do</strong>, o poder diretivo <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r deve sofrer limitações.Requer a condenação da demandada em danos morais em virtude <strong>do</strong>assédio moral sofri<strong>do</strong>.Foram apresentadas contrarrazões, pela reclamada, às fls.1077/1086.Não houve manifestação <strong>do</strong> Ministério Público <strong>do</strong><strong>Trabalho</strong>.É o relatório.VOTO:R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


4341. CONHECIMENTO.O recurso ordinário veio subscrito por advoga<strong>do</strong>devidamente habilita<strong>do</strong> nos autos, conforme cópia <strong>do</strong> instrumento demandato à fl. 806. A interposição ocorreu em 21/10/2010, após aciência <strong>do</strong> decisum em 13/10/2010, nos termos da súmula 197 <strong>do</strong> TST(fl. 1010).Custas dispensadas.Ante o preenchimento <strong>do</strong>s requisitos recursais, conheço.2. MÉRITO.O reclamante requer a reforma da sentença para que secondene a reclamada em indenização por assédio moral. Aduz, paratanto, que sofreu cobranças exacerbadas por desempenho por parte dareclamada e submeteu-se à situações constrange<strong>do</strong>ras por ocasião dasreuniões mensais e anuais sobre o alcance de metas.Entre as situações constrange<strong>do</strong>ras que o reclamante disseter passa<strong>do</strong> registra-se as mais importantes a seguir: nas reuniõesrevelavam estratégias para atingir metas como exemplo o temadenomina<strong>do</strong> “garra insinuante” que a<strong>do</strong>tou alegorias na qual oemprega<strong>do</strong> teria que travar guerra contra a concorrênciaindependentemente da forma que procedessem e em razão disso aempresa elaborou um vídeo de treinamento repassa<strong>do</strong> aos supervisoresR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


435simulan<strong>do</strong> “missões de guerra” a serem cumpridas na qual continhaminstruções ameaça<strong>do</strong>ras. Nessa missão aparece um homem comuniforme militar que passava orientações de batalha com o objetivo deatingir <strong>do</strong>is milhões em venda. Na sua inicial o reclamante transcreveas instruções(fls.7/8) e entre ela consta a instrução 7 nos seguintestermos “os programas de INTV estarão mostran<strong>do</strong> os melhores e ospiores resulta<strong>do</strong>s em cobertura da meta de guerra <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>.” A outratrata-se da reunião em que ao final os emprega<strong>do</strong>s após sopraremcornetas teriam que tirar as roupas permanecen<strong>do</strong> de cuecas e depoisde fotografa<strong>do</strong>s receberam trajes forneci<strong>do</strong>s pela empresa.Os fatos narra<strong>do</strong>s na inicial foram confirma<strong>do</strong>s pelosdepoimentos <strong>do</strong>s autos, inclusive <strong>do</strong> preposto da empresa que apenasafirma não ter havi<strong>do</strong> imposição.O assédio moral caracteriza-se pela exposição <strong>do</strong>semprega<strong>do</strong>s a situações humilhantes e constrange<strong>do</strong>ras no exercíciode suas funções. Há uma degradação das condições de trabalho emque prevalecem atitudes e condutas negativas <strong>do</strong>s chefes em relação aseus subordina<strong>do</strong>s, constituin<strong>do</strong> uma experiência subjetiva queacarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalha<strong>do</strong>r e aorganização.Não restam dúvidas que o estímulo para que ostrabalha<strong>do</strong>res alcancem metas de venda seja forma saudável demotivação organizacional, mas, a atitude da reclamada beirou aoabuso. Não é crível que treinar “solda<strong>do</strong>s” a permanecerem em esta<strong>do</strong>R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


436de guerra contra os concorrentes seja um exercício saudável daprofissão. A guerra não gera sentimento de paz e respeito, traz apenasviolência e <strong>do</strong>r. Com a a<strong>do</strong>ção de treinamento de guerra em campos deum batalhão militar e empresa estimula seus emprega<strong>do</strong>s a verem oconcorrente como inimigo mortal, e, leva a prática da concorrênciadesleal <strong>do</strong> “salve-se quem puder”. E mais. As instruções da “missão”são ameaça<strong>do</strong>ras afinal o emprega<strong>do</strong> que em não atingir metas estaráexposto em TV interna o leva a submissão total às regras impostas,mesmo que entre elas esteja violan<strong>do</strong> seu sentimento mais intimo.Por outra, a campanha que fin<strong>do</strong>u nudez <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>stambém foi ofensiva a intimidade <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s, feriu direitopersonalíssimo. O esta<strong>do</strong> de submissão que se encontram osemprega<strong>do</strong>s naquela hora, especialmente nesta sociedade <strong>do</strong> me<strong>do</strong>, -me<strong>do</strong> <strong>do</strong> desemprego - obriga o emprega<strong>do</strong> a aderir às determinações<strong>do</strong>s superiores, embora esteja interiormente envergonha<strong>do</strong>, violenta<strong>do</strong>instaura-se um “pacto da tolerância e <strong>do</strong> silêncio” no coletivo,enquanto a vitima gradativamente desestabiliza-se, fragiliza-se atéperder sua auto-estima.Por se tratar de responsabilidade civil subjetiva, devesopesar as provas <strong>do</strong>s autos.Em depoimento às fls. 995/999 o reclamante afirmou queno cargo de supervisor regional de vendas, cabia-lhe a parte comerciale administrativa da região onde atuava. Afirmou ainda: “(...)houvemudança na política da reclamada, inclusive com a admissão de novosR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


437gestores, alteran<strong>do</strong> as condições de trabalho ali descritas; que foiefetivada com a mudança a alteração na distribuição de tarefas ecobrança de metas, perden<strong>do</strong> a empresa o seu caráter familiar,passan<strong>do</strong> a fazer exigências mais desumanas; que era atribuição <strong>do</strong>depoente o acompanhamento da cobertura das metas em cada unidadeque supervisionava; que o depoente viajava mensalmente à sede dareclamada para prestação de contas em reunião, onde havia aexposição de relatórios aos presentes; que as metas eram feitas peladiretoria comercial, na época <strong>do</strong> Sr. Lima, que eram superestimadas;que mensalmente o depoente tinha que comparecer reunião à sede daempresa para apresentação de resulta<strong>do</strong>s em data show e era feita aanálise de lojas e unidades; que participavam das reuniões os outrossupervisores, a diretoria da empresa e chefes de departamento, sen<strong>do</strong>60/70 pessoas; que a reunião era realizada em um hotel; que quan<strong>do</strong>da apresentação <strong>do</strong> relatório havia a foto <strong>do</strong>s supervisores, comgracejos e piadas quan<strong>do</strong> o resulta<strong>do</strong> não fosse positivo, com palavrasameaça<strong>do</strong>res; que além das reuniões citadas eram realizadas reuniõessemestrais para campanha; que foi lançada uma campanha chama Sou100% Emoção, Sou Filho Campeão, onde foi contratada uma equipede filmagem e entrevistaram a mãe <strong>do</strong> depoente, sem o seuconhecimento, para que esta gravasse um depoimento; que o depoentefoi verdureiro e a mãe disse no depoente que o depoente <strong>do</strong>rmia emuma caixa; que a campanha marcou o depoente, porque expôs fatospessoais; que houve outra campanha, onde foram tiradas as fotos queR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


438estão nos autos; que o Sr. Lima começou a reunião, dizen<strong>do</strong> quetinham que se despojar de tu<strong>do</strong>, pensamentos, atitudes, pertences,passan<strong>do</strong> a tirar camisa, relógio; que as pessoas que participaram <strong>do</strong>evento estavam trêmulos; que os participantes foram coloca<strong>do</strong>s diantede um paredão e no final trouxeram vestimentas, como fantasias,porque o título da campanha em Sou 100% Verão, as quais foramvestidas posteriormente; que o depoente entende que as fantasiaspoderiam ter si<strong>do</strong> entregues para troca privada; que as fotos foramtiradas pelo Sr. Lima, que circulou com elas por toda a empresa, ten<strong>do</strong>si<strong>do</strong> devolvidas posteriormente; que posteriormente foi lançada acampanha Garra Insinuante, onde oito emprega<strong>do</strong>s se reportaram aodepoente como assedia<strong>do</strong>r, mas na realidade queriam responsabilizar aempresa; que o depoente sempre tratou to<strong>do</strong>s os emprega<strong>do</strong>s comrespeito; que eram fixadas as metas e o depoente era boicota<strong>do</strong>,anuncian<strong>do</strong> a empresa os produtos, mas estes não eramdisponibiliza<strong>do</strong>s para o depoente; que em razão disto o depoente eraobriga<strong>do</strong> a ir para Salva<strong>do</strong>r justificar o não cumprimento; que odepoente não idealizou a campanha Garra com Guerra, mas vítima dapressão, o que desencadeou o seu procedimento em relação aos fatosnarra<strong>do</strong>s; que o depoente era executor das ordens da empresa; que odepoente era obriga<strong>do</strong> a comparecer às reuniões para lançamento decampanhas, sen<strong>do</strong> que, na última campanha, recebeu uniforme militar;que os participantes foram coloca<strong>do</strong>s em um ônibus com as cortinasfechadas, sem saber o destino; que ficaram até meio dia com trajesR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


439militares, no sol, esperan<strong>do</strong> o <strong>do</strong>no da empresa chegar em umhelicóptero; que passaram a fazer exercícios militares, sen<strong>do</strong> que um<strong>do</strong>s participantes quebrou a clavícula, não ten<strong>do</strong> havi<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> emrelação às condições de saúde <strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s; que somente foramdispensa<strong>do</strong>s de participar das atividades as empregadas gestantes; quevárias pessoas ficaram queimadas com as balas <strong>do</strong> paint Ball: quehouve mudança de diretoria nos últimos <strong>do</strong>is anos, com váriasredistribuições, haven<strong>do</strong> divisão na diretoria comercial; que a partir deentão o depoente teve que se reportar a mais pessoas, por segmento ousetor; que, em relação ao trabalho <strong>do</strong> depoente, a mudança foi emrelação à pressão sofrida, como já dito. Perguntas <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s dareclamada: que participavam das convenções a diretoria da empresa,supervisores, gerentes, departamentos e fornece<strong>do</strong>res; que no término<strong>do</strong> treinamento os participantes foram leva<strong>do</strong>s para o hotelMediterranée onde foram repassadas as metas para as regionais, ten<strong>do</strong>permaneci<strong>do</strong> no local por <strong>do</strong>is dias; que não houve tempo parausufruir <strong>do</strong> hotel; que os <strong>do</strong>nos da empresa participaram <strong>do</strong> encontrojuntamente com seus filhos; que a convenção mencionada ocorreu em2005, sen<strong>do</strong> que, depois desta, houve reclamações e somenteaconteceu outra em setembro/2009, no mesmo clube, onde foi focadaa campanha das Cestas Verdes, onde dizia que os participassem nãopoderiam ser as laranjas podres, deven<strong>do</strong> apresentar resulta<strong>do</strong>spositivos; que se não houvesse a participação nas convenções oemprega<strong>do</strong> seria demiti<strong>do</strong>; que o depoente não se recorda <strong>do</strong> nome deR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


440pessoa que tivesse si<strong>do</strong> dispensa<strong>do</strong> por este motivo; que nasconvenções eram distribuí<strong>do</strong>s brindes e eletro<strong>do</strong>mésticos pelosfornece<strong>do</strong>res, porque eram patrocina<strong>do</strong>s e aproveitavam aoportunidade para fazer o lançamento de novos produtos, sortean<strong>do</strong>-osao final; que nos encontros havia oportunidade para oração; queocorreu de o depoente não conseguir alcançar metas, mas não por trêsmeses consecutivos; que em mea<strong>do</strong>s de agosto/2009 o depoentepassou a ser persegui<strong>do</strong> de forma mais acentuada pelos Srs. Lima eGuimarães; que a empresa Rabelo fez um feirão na Zona Norte e odepoente soube <strong>do</strong> fato com antecedência e começou a cobrar daempresa ação para neutralizar o concorrente, o que não foi feito; queem razão disso os resulta<strong>do</strong>s caíram e houve uma reunião <strong>do</strong> depoentecom a diretoria para justificar a queda; que a partir de então odepoente passou a receber e-mails <strong>do</strong> Sr. Guimarães para cobrança demetas; que o depoente passou a não vender porque os produtos nãovinham; que não houve queda de vendas nas lojas <strong>do</strong> <strong>RN</strong> por três anosconsecutivos; que o depoente conhece o Sr. Antenor, proprietário daempresa, tem mais de 80 anos, ten<strong>do</strong> participa<strong>do</strong> da reuniãomencionada, mas não das atividades diretamente, permanecen<strong>do</strong> nohotel; que o depoente não participou de convenção ocorrida na Costa<strong>do</strong> Sauípe.”O preposto da reclamada, em depoimento às fls.1000/1001, afirmou que: “que o depoente trabalha para a reclamada há16 anos; que o depoente é encarrega<strong>do</strong> <strong>do</strong> setor de pessoal,R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


441trabalhan<strong>do</strong> na cidade de Lauro de Freitas, na Bahia, mas roda todasas lojas; que o reclamante era supervisor regional; que varia o númerode regionais; que o reclamante já supervisionou os Esta<strong>do</strong>s dePernambuco, Paraíba e Rio Grande <strong>do</strong> Norte; que, em razão <strong>do</strong>crescimento <strong>do</strong> número de lojas, o reclamante passou a atuarultimamente somente no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Norte; que asalterações decorreram <strong>do</strong> aumento de número de estabelecimentos,não poden<strong>do</strong> dar conta de to<strong>do</strong>s eles; que o reclamante não tinhasuperior hierárquico na região; que existem objetivos de venda aalcançar, que são traça<strong>do</strong>s mensalmente ou dependen<strong>do</strong> da campanha;que o supervisor dá suporte às lojas, tanto comercial quantoadministrativa, na realização de campanhas e representa a empresa naregião ou esta<strong>do</strong> que estiver, toman<strong>do</strong> decisões tanto administrativasquanto comerciais das lojas; que o reclamante era subordina<strong>do</strong> àdiretoria comercial, na pessoa <strong>do</strong> Sr. João Pereira Lima; que odepoente participa de reuniões gerais, mas não regionais; que odepoente já participou de três convenções no hotel Mediterranéé eduas na Costa <strong>do</strong> Sauípe; que o depoente participou das brincadeirasfeita no batalhão, que foi realizada por uma empresa que organizaeventos, inclusive paint ball; que um <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s tinha problemade coluna, ten<strong>do</strong> tropeça<strong>do</strong> e desloca<strong>do</strong> o ombro, não nas atividadesprogramadas, mas em jogo fora, mas permaneceu no local e participou<strong>do</strong> restante das atividades; que o número de pessoas era grande ehouve a reunião das pessoas no campo de futebol, esperan<strong>do</strong> por dezR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


442minutos a chegada <strong>do</strong>s <strong>do</strong>nos da empresa; que o depoente estavapresente na reunião da campanha Sou Filho Campeão; que foramfeitos vídeos sobre alguns emprega<strong>do</strong>s, como o programa ArquivoConfidencial <strong>do</strong> programa de Fausto Silva, onde foram grava<strong>do</strong>sdepoimentos e mostra<strong>do</strong>s em uma convenção realizada no ClubeMediterranéé; que os emprega<strong>do</strong>s não sabiam das gravações, mas osparentes deram as entrevistas e autorizaram a sua divulgação; que odepoente não participou da reunião a que se referem as fotos juntadasao processo; que as metas são cobradas de forma igualitária, sen<strong>do</strong>apresentadas projeções de faturamento e traçadas mensalmente paracada um, que repassavam as metas para os seus gestores; que nãohouve boicote ao reclamante ou a outro emprega<strong>do</strong>, não ten<strong>do</strong> havi<strong>do</strong>dispensa em razão de não atingimento de metas; que as reuniões sedestinam à verificação das providências necessárias para preparar osemprega<strong>do</strong>s para atingir as metas. Perguntas <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s <strong>do</strong>reclamante: que não existiu orientação ou obrigatoriedade para que osemprega<strong>do</strong>s tirassem a roupa na presença de outros; que as perguntasdirigidas aos parentes entrevista<strong>do</strong>s foram elaboradas por empresa depropaganda responsável pela campanha, sen<strong>do</strong> verifica<strong>do</strong> se nãodenegriam a imagem <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>; que o Sr. Antenor participou daconvenção, mas não das atividades, em razão da sua idade; quetiran<strong>do</strong> o fato trata<strong>do</strong> nas reclamações trabalhistas anteriormenteajuizadas contra a empresa, o depoente não tem conhecimento dequalquer problema relaciona<strong>do</strong> ao reclamante; que as reuniões paraR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


443divulgação e resulta<strong>do</strong> de metas eram mensais, sen<strong>do</strong> atualmentetrimestrais, sen<strong>do</strong> que nas regionais é o supervisor quem estabelece afrequência; que o depoente conhece o Sr. Expedito, que foi supervisorda reclamada.”A primeira testemunha da reclamante, Expedito WelingtonChagas Rabelo, ouvida como declarante: “que o depoente trabalhoupara a reclamada por quase 16 anos, fazen<strong>do</strong> supervisão inicialmenteno recôncavo baiano e depois Sergipe, Alagoas, Pernambuco eParaíba; (...) que as reuniões se destinavam à avaliação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>sdas metas fixadas pela empresa nas reuniões anteriores, com análise<strong>do</strong>s números e comportamento da região; que a frequência da reuniãoeram mensal e havia uma anual, feita normalmente no ClubMediterranée, onde eram feitas as avaliações realizadas nas reuniõesmensais, para que to<strong>do</strong>s da parte comercial e administrativa tivessemconhecimento; que as reuniões eram destinadas aos supervisores equan<strong>do</strong> estes não apresentavam números satisfatórios era dito que nãopoderia chegar com tais números, que tinham que melhorar; que o fatoera constrange<strong>do</strong>r, porque os colegas e as pessoas <strong>do</strong> departamentofaziam brincadeiras e isto será coloca<strong>do</strong> na INTV; que nas reuniões osparticipantes viam o que os outros estavam fazen<strong>do</strong> de melhor paraque melhorassem o desempenho; que a foto <strong>do</strong> supervisor apareciajuntamente com os números; que o depoente participou de umareunião para lançar uma campanha ocorrida em Recife, que foipresidida pelo diretor comercial, Sr. João Lima, sen<strong>do</strong> feito grito deR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


444guerra e oração; que os participantes foram convoca<strong>do</strong>s para selevantar e se deslocar para o canto da parede, onde tiraram a roupa,permanecen<strong>do</strong> somente de cuecas e com as mãos para trás, o quecausou constrangimento; que algumas pessoas ofereceram resistência;que foi dito que tal exercício se destinava à renovação <strong>do</strong>sparticipantes; que pessoas da empresa e o próprio diretor tiraramfotos, que circularam pela empresa na diretoria e nas gerências dedepartamento; que estava presente uma secretária da diretoria dareclamada, que, na hora que os participantes tiraram a roupa, saiu <strong>do</strong>local; que logo em seguida foram entregues aos participantes shortscolori<strong>do</strong>s para vestir e uma camiseta com o slogan da campanha; que acobrança de metas era sistemática, feita nas reuniões e através de e-mails, ligações telefônicas, visitas da diretoria para visita das lojas,onde eram avalia<strong>do</strong>s trinta itens e coloca<strong>do</strong> o resulta<strong>do</strong> nas reuniõesmensais, onde compareciam de 60 a 70 pessoas; que o depoenteparticipou <strong>do</strong> lançamento da campanha Garra, onde os participantesforam coloca<strong>do</strong>s em ônibus e envia<strong>do</strong>s a um quartel <strong>do</strong> exército, comas cortinas fechadas; que os participantes vestiram roupas de combatee foram leva<strong>do</strong>s para uma área aberta, onde permaneceram perfila<strong>do</strong>sno sol quente, esperan<strong>do</strong> o presidente por cerca de uma hora, quan<strong>do</strong>fizeram uma preparação, e passaram a fazer exercícios; que a maioria<strong>do</strong>s participantes era sedentária e tinha problemas e a situação era derisco, ten<strong>do</strong> que passar por um tubo de 30 metros, pulan<strong>do</strong> em seguidaem um fosso de água, tinha que pular o muro e entrar em um bunker,R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


445consistente em um fosso abaixo <strong>do</strong> nível <strong>do</strong> solo, onde tinhamosquitos, lama, barata; que na última estação o depoente não tinhamais condições de continuar e teve que ser puxa<strong>do</strong> para fora; quedepois houve uma guerra, com recrutas treina<strong>do</strong>s <strong>do</strong> exército, de bolasde paint ball, cujas bolas, se alcançassem o alvo, queimavam; que odepoente entende a participação nas brincadeiras como obrigatórias,porque os gestores diziam que quem não estava aguentan<strong>do</strong> pedissepara sair; que o depoente também participou de uma reunião em queos parentes de emprega<strong>do</strong>s davam depoimento; que a mãe <strong>do</strong> depoentefoi usada pela empresa, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> dito a ela que isso ia ser bom para avida profissional <strong>do</strong> depoente; que a reunião foi apresentada pelodiretor comercial, Sr. Lima, na presença <strong>do</strong> presidente <strong>do</strong> conselho;que o depoente se sentiu constrangi<strong>do</strong>, porque achou que a sua mãe odepoente estavam sen<strong>do</strong> usa<strong>do</strong> para fins lucrativos da empresa; que odepoente da mãe <strong>do</strong> reclamante foi apresenta<strong>do</strong> na reunião geral emSalva<strong>do</strong>r e divulga<strong>do</strong> na INTV. Perguntas <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s <strong>do</strong>reclamante: que as bolas de paint ball atingiram alguns emprega<strong>do</strong>s,que foram atendi<strong>do</strong>s por profissional habilita<strong>do</strong>; que um <strong>do</strong>semprega<strong>do</strong>s teve um problema na clavícula e teve que ser enfaixa<strong>do</strong> efoi proibi<strong>do</strong> de participar das demais atividades; que o reclamantesofreu perseguição; que os supervisores era persegui<strong>do</strong>s pela diretoriacomercial, citan<strong>do</strong> como exemplo o não envio de produtos oudiminuição <strong>do</strong> seu número, para que não conseguisse os objetivos e osresulta<strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>s nas reuniões não fossem satisfatórios; queR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


446poderia ocorrer que as campanhas não fossem divulgadas em horárionobre para que não houve incremento nas vendas; que tambémpoderia haver avaliação inconsistente no check list (visitas às lojas porparte da diretoria). Perguntas <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s da reclamada: que odepoente já deixou de cumprir metas, cerca de cinco ou seis por ano,chegan<strong>do</strong> próxima em relação às demais, mas não chegava a atingirdiretamente; que a mãe <strong>do</strong> reclamante falava de sua infância, <strong>do</strong> querepresentava para ela, sempre falan<strong>do</strong> coisas boas, colocan<strong>do</strong> no finalque, com o apoio da mãe, se tornaria um filho campeão; que odepoente entende que isto não se tratou de homenagem, porque eraforma de a empresa utilizar a mãe <strong>do</strong>s emprega<strong>do</strong>s para atingir metas,geran<strong>do</strong> desconforto no grupo; que o depoente participou de outrasconvenções antes e depois daquele realizada no Mediterranée; que noano da pré-aposenta<strong>do</strong>ria o depoente deixou de comparecer àsreuniões, não ten<strong>do</strong> recebi<strong>do</strong> punição por isto, porque a empresa nãoexigiu o seu comparecimento; que a reunião realizada em Recife, ondehouve a troca de roupas, foi organizada pela diretoria da empresa ePropeg, empresa de publicidade; que as dinâmicas ocorridas nareunião foram realizadas pela diretoria da empresa, não haven<strong>do</strong>comparecimento de qualquer pessoa da Propeg; que o depoente temconhecimento deste fato por informações <strong>do</strong> Sr. Lima.”A 2ª testemunha <strong>do</strong> reclamante, Márcio Souza de Oliveira,em depoimento de fls. 1004/1007, respondeu: “que o depoentetrabalhou para a reclamada de novembro/1992 a fevereiro/2008, comoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


447vende<strong>do</strong>r, gerente, subgerente e coordena<strong>do</strong>r de distribuição; que apartir de 2005 o depoente trabalhava na regional que compreendia deRecife a São Luís; que o depoente era basea<strong>do</strong> em Natal, mas viajavaconstantemente; que em Natal o depoente trabalhava no depósito datransporta<strong>do</strong>ra; que o reclamante era responsável pelas vendas e odepoente tinha que entregar o que era vendi<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> contatofrequente com aquele, inclusive com telefonemas praticamentediários; que o depoente participou de reuniões em Salva<strong>do</strong>r e algumasnas regionais; que o depoente não participou de convenções anuais;que as reuniões nas regionais tratavam de resulta<strong>do</strong>s e lançamentos denovas campanhas; que a apresentação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s era coloca<strong>do</strong>datashow com desempenho de to<strong>do</strong>s os regionais e foto <strong>do</strong> supervisor;que quan<strong>do</strong> a regional não batia a meta, isto ficava sen<strong>do</strong> <strong>do</strong>conhecimento de to<strong>do</strong>s, com exposição a comentários e risos <strong>do</strong>sparticipantes, com a orientação para que corressem atrás; que odepoente participou <strong>do</strong> lançamento de uma campanha onde houveuma reunião e foram convida<strong>do</strong>s os participantes a ficar de pé,tirassem a roupa e ficassem apenas de cuecas, volta<strong>do</strong>s para umaparede; que depois disto foi da<strong>do</strong> um kit de bermuda, camisetatamanho único e corneta para comemorar uma nova campanha; que okit tamanho único virava piada, porque ficava apertada; que, apesar <strong>do</strong>constrangimento e relutância, nenhum <strong>do</strong>s participantes se negou atrocar de roupa na frente <strong>do</strong>s demais; que o depoente recebia ligaçõesdiárias <strong>do</strong> reclamante e de outros supervisores para saber se tinhaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


448chega<strong>do</strong> merca<strong>do</strong>ria de campanhas que não tinha si<strong>do</strong> enviada.Perguntas <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s da reclamante: que o depoente e oreclamante estão nas fotos de fl. 163, não saben<strong>do</strong> o depoente precisarquem tirou-as; que o depoente soube que as fotos circularam, mas nãopassaram nas suas mãos; que o reclamante sempre teve uma boarelação com os emprega<strong>do</strong>s da reclamada e quan<strong>do</strong> chegava natransporta<strong>do</strong>ra fazia questão de falar e apertar as mãos; que oreclamante era cobra<strong>do</strong> por resulta<strong>do</strong>s e tinha que passar isto para opessoal das vendas; que o depoente nunca presenciou o reclamantedestratar qualquer pessoa; que o reclamante relatou ao depoente que sesentia persegui<strong>do</strong>, dizen<strong>do</strong> que os Srs. João Lima e Guimarães faziamboicote à regional em relação a publicidade, produtos e providênciasem relação a algumas lojas; que a cobrança ao supervisor era feita eme-mails diários, telefonemas e reuniões; que o tom das cobranças ésempre ameaça<strong>do</strong>r; que existia a exposição em caso de nãocumprimento de metas, ten<strong>do</strong> que haver a explicação <strong>do</strong>s motivos; queo depoente desconhece punição disciplinar em razão <strong>do</strong> nãocumprimento de metas; que o depoente teve conhecimento de umacampanha denominada Sou um Filho Campeão, destinada ao dia dasmães; que o depoente não viu o vídeo da mãe <strong>do</strong> reclamante, massoube de sua existência; que o depoente tem conhecimento de que oSr. Barbosa, supervisor de vendas, teve depressão em razão <strong>do</strong>cumprimento de metas. Perguntas <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s da reclamada: que odepoente passou a ser coordena<strong>do</strong>r de distribuição em 2005/2006, nãoR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


449saben<strong>do</strong> precisar com exatidão, não ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> imediatamenteregistra<strong>do</strong> na CTPS; que o depoente exerceu a função de conferentedesde 1998; que o depoente não tinha líder ou gestor, sen<strong>do</strong> vincula<strong>do</strong>ao supervisor; que no organograma o depoente deveria estar liga<strong>do</strong> aodepartamento de logística; que o depoente não tinha metas de vendas,mas de entrega e redução de custos de operação; que o depoenterecebia em seu e-mail mensagem relativas às metas de vendas, porqueera integra<strong>do</strong> à rede; que era o reclamante quem cobrava metas <strong>do</strong>depoente e os gerentes cobravam a realização de entregas; que odepartamento de logística somente passou a ser estrutura<strong>do</strong> em 2006;que a frequência que o depoente via o reclamante variava, poden<strong>do</strong> ser10 dias no mês ou dez vezes em um dia, porque frequentava as lojas eo reclamante ia ao local de trabalho <strong>do</strong> depoente; que depois dacriação <strong>do</strong> departamento de logística o depoente ficou vincula<strong>do</strong> aoSr. Marco Antonio Golo, sen<strong>do</strong> este vincula<strong>do</strong> à diretoriaadministrativa da reclamada; que o depoente viajava to<strong>do</strong>s os meses,sen<strong>do</strong> que às sextas e sába<strong>do</strong>s permanecia em Natal; que para locaismais distantes o depoente se afastava por quinze dias; que o depoenteviajava sozinho; que a reunião onde houve a troca de roupa ocorreuem Natal, não se recordan<strong>do</strong> o depoente a data; que fazia algum tempoque o reclamante não estava conseguin<strong>do</strong> bater suas metas.”A 1ª testemunha <strong>do</strong> reclama<strong>do</strong>, Clênio Rocha Queiroz, emdepoimento às fls. 1007/1008, informou o seguinte: “que o depoentetrabalha para a reclamada há cerca de dez anos, sen<strong>do</strong> gerente de loja;R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


450que o depoente é gerente desde a sua admissão; que o reclamante erasupervisor regional, responsável pelas lojas de Natal; que o reclamantetinha um roteiro de visitação das lojas, comparecen<strong>do</strong> à loja <strong>do</strong>depoente to<strong>do</strong>s os dias, em razão de estar situada no shoppingMidway; que o reclamante fazia cobrança de metas e orientava paraque estas fossem alcançadas; que o tratamento <strong>do</strong> reclamante com odepoente e os emprega<strong>do</strong>s da reclamada era normal; que o depoentenão presenciou o reclamante destratar qualquer emprega<strong>do</strong> dareclamada; que o depoente participou de reuniões em Salva<strong>do</strong>r, Recifee Natal; que nas reuniões eram trata<strong>do</strong>s assuntos relaciona<strong>do</strong>s às metase motivação; que não havia apresentação de resulta<strong>do</strong>s na reunião emSalva<strong>do</strong>r, mas em Natal, onde estavam vinculadas a cada loja; quequan<strong>do</strong> a unidade não atingia a meta, havia a orientação para quepudesse ser batida no mês seguinte, ven<strong>do</strong> os pontos que poderiam sermelhora<strong>do</strong>s; que as fotos de fls. 161 e seguintes foram tiradas em umhotel, onde houve uma reunião, coordenada pela diretoria esupervisão, tratan<strong>do</strong> de metas, campanhas e motivação; que em razãoda campanha teria que haver a troca de roupa e os participantesresolveram fazer isto no local, a título de brincadeira; que o depoentenão sabe quem tirou as fotos; que o depoente não tem conhecimentode que as fotos tenham circula<strong>do</strong>, não ten<strong>do</strong> recebi<strong>do</strong>-as; que odepoente participava de convenções; que o depoente participou <strong>do</strong>evento de lançamento da campanha Garra, ocorri<strong>do</strong> em Salva<strong>do</strong>r; quese tratava de uma campanha motivacional, onde foram leva<strong>do</strong>s paraR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


451quartel <strong>do</strong> exército, participan<strong>do</strong> quem quisesse das brincadeiras; queestavam presentes os filhos e o <strong>do</strong>no da empresa; que o depoente nãose recorda da programação ou da circunstância <strong>do</strong> deslocamento; queninguém se machucou no evento; que o depoente assistiu a um vídeofeito com a mãe <strong>do</strong> reclamante, em uma campanha de homenagem;que o depoente não se recorda <strong>do</strong>s termos <strong>do</strong> depoimento da mãe <strong>do</strong>reclamante. Perguntas <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s da reclamada: que era oreclamante quem fazia seus próprios roteiros de visita; que o depoentejá deixou de cumprir metas, não ten<strong>do</strong> recebi<strong>do</strong> penalidade por estefato; que os emprega<strong>do</strong>s da reclamada se candidatam a participar dasconvenções porque se trata de campanha motivacional e o hotel ébom; que o depoente não se sentiu humilha<strong>do</strong> em qualquer ocasião emtais convenções; que a troca de roupas na reunião foi uma brincadeiraentre os gerentes; que o pessoal da diretoria também participou datroca de roupa. Perguntas <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s <strong>do</strong> reclamante: que odepoente não se recorda de ter visto o vídeo da campanha Garra; que odepoente não passou mal nas atividades da campanha Garra.”.A 2ª testemunha <strong>do</strong> reclama<strong>do</strong>, Luis Carlos BarretoGuimarães, em depoimento às fls. 1008/1009, respondeu o seguinte:“que o depoente trabalha para a reclamada há mais de cinco anos,sen<strong>do</strong> atualmente diretor de vendas; que o depoente exerceu a funçãode supervisor por três anos, ten<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong> um ano como gerenteregional antes de exercer a função referida; que era o depoente quempassava os objetivos de metas a atingir pelas regionais, fazen<strong>do</strong> aR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


452cobrança delas; que existia um planejamento, sen<strong>do</strong> o depoenteresponsável pelo repasse das metas para as regionais e estas faziam acobrança para as lojas; que eram feitas reuniões para acompanhamentode metas, com frequência mensal, realizadas em Salva<strong>do</strong>r; que havia aapresentação <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s de desempenho para to<strong>do</strong>s osparticipantes; que não era colocada foto <strong>do</strong> supervisor nasinformações dadas na reunião; que não havia qualquer procedimentonas reuniões quan<strong>do</strong> a regional ou as unidades não batiam a meta; quenão havia penalidade para aquele que não cumprisse metas; que odepoente não participou de reunião realizada em Natal onde houvetroca de roupas pelos participantes; que o depoente participou <strong>do</strong>lançamento da campanha Garra em Salva<strong>do</strong>r; que os gestores foramleva<strong>do</strong>s para Salva<strong>do</strong>r para fazer motivação para a campanha Garra;que os participantes foram leva<strong>do</strong>s para um quartel para fazer umadinâmica realizada por uma empresa contratada, deslocan<strong>do</strong>-seposteriormente ao hotel; que não houve comunicação aos participantesde que seriam leva<strong>do</strong>s ao quartel; que foram realizadas váriasatividades, sen<strong>do</strong> uma de ultrapassar obstáculos e também umadisputa de paint ball; que os participantes poderiam escolher aatividade da qual participariam ou a não participação; que o depoentenão tem conhecimento de que algum participante tenha passa<strong>do</strong> malem tais atividades; que há convite para a participação na convenção,não existin<strong>do</strong> obrigatoriedade; que as pessoas têm interesse emparticipar da convenção, diante <strong>do</strong> seu caráter motivacional; que oR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


453depoente não trabalhava na empresa na época da campanha em quehouve a gravação em vídeo de depoimento pela mãe <strong>do</strong> reclamante.Perguntas <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s da reclamada: que não há exposição <strong>do</strong>snúmeros das unidades na INTV. Perguntas <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s <strong>do</strong>reclamante: que o acompanhamento de metas era feito através detelefone, existin<strong>do</strong> o envio da meta mensal por e-mail para a pessoa;que não existia frequência fixa para tal procedimento; que o envio <strong>do</strong>e-mail poderia ser em qualquer horário, mas a caixa postal somente éaberta no horário da loja; que os e-mails somente podem ser abertosnos computa<strong>do</strong>res da empresa; que o depoente confirma o envio dasmensagens contidas no processo às fls. 29 e seguintes; que o depoentenão conhece os <strong>do</strong>cumentos de fls. 26/28.”A 3ª testemunha da reclamada, Kenio Borges Caetano, emdepoimento de fls. 1009/1010, alegou: “que o depoente trabalha para areclamada há quase dez anos, sen<strong>do</strong> gerente de loja de Igapó; que oreclamante comparecia à loja <strong>do</strong> depoente mais ou menos a cada dezdias; que o reclamante fazia cobrança de metas ao depoente portelefone, e-mail e pessoalmente; que o reclamante tinha tratamentorespeitoso com o depoente e os demais emprega<strong>do</strong>s; que o depoentenão presenciou o reclamante destratar qualquer pessoa; que o depoenteparticipou de reuniões, em filiais e em hotéis; que o depoenteparticipou de uma reunião em Natal onde houve troca de roupa pelosparticipantes; que era o lançamento de uma campanha trimestral,destinada ao verão, e os participantes resolveram trocar de roupa; queR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


454não houve determinação no senti<strong>do</strong> de que tirasse a roupa no local;que o depoente conhece o Sr. Márcio, testemunha <strong>do</strong> reclamante, quefoi responsável pela parte de logística da reclamada, consistente norecebimento e entrega de merca<strong>do</strong>ria; que a testemunha mencionadanão era vincula<strong>do</strong> hierarquicamente ao reclamante, mas tinham quetrabalhar em parceria; que a testemunha era contatada para entrega ouabastecimento de loja; que desde a admissão <strong>do</strong> depoente já existe odepartamento de logística da reclamada, sen<strong>do</strong> o responsável em Natalo Sr. Márcio. Perguntas <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s da reclamada: que o Sr.Márcio não participava de reuniões onde eram tratadas questõesrelativas às metas. Perguntas <strong>do</strong>s advoga<strong>do</strong>s <strong>do</strong> reclamante: que odepoente não sabe dizer quem tirou as fotos <strong>do</strong> evento onde houve atroca de roupas; que o depoente conhece o Sr. Clênio, que tambémparticipou da reunião; que a pessoa mencionada participou <strong>do</strong>lançamento da campanha Garra.” (to<strong>do</strong>s os depoimento destaca<strong>do</strong>spor mim)Diante das informações trazidas pelas partes e testemunhanão tenho dúvidas de que a reclamada extrapolou seu poder diretivono afã de atingir a excelência em vendas e, em consequência, auferirmais lucro. Com isso olvi<strong>do</strong>u-se <strong>do</strong> zelo pela imagem <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r ede que ali se trata de um ser humano <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de personalidade edignidade. Ao ferir direito personalíssimo deve reparar a vítima comuma pena pecuniáriaR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


455Amauri. Mascaro, em importante artigo (“O assédio moralno ambiente <strong>do</strong> trabalho”, in <strong>Revista</strong> LTr, 68-07/922), conceituaassédio moral como “a conduta abusiva, de natureza psicológica, queatenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada eque expõe o trabalha<strong>do</strong>r a situações humilhantes e constrange<strong>do</strong>ras,capazes de causar ofensa à dignidade ou à integridade psíquica, e quetenha por efeito excluir a posição <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> no emprego oudeteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho noexercício de suas funções.”Evidente que a conduta abusiva de natureza psicológicaacaba por gerar danos ao trabalha<strong>do</strong>r, chegan<strong>do</strong> a ferir sua honra, suadignidade. E, a dignidade da pessoa humana é fundamento básico daRepública Federativa <strong>do</strong> Brasil, estampada no art. 1º, III, da CartaPolítica, assim como direito fundamental <strong>do</strong> cidadão, impresso nomesmo <strong>do</strong>cumento em seu artigo 5º, incisos V e X.Nada obstante, o artigo 7º da Constituição Federal, incisoXXVIII é expresso em determinar a regra sobre a responsabilização<strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r, aduzin<strong>do</strong> que é direito <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> a indenizaçãoquan<strong>do</strong> o emprega<strong>do</strong>r incorrer em <strong>do</strong>lo ou culpa, consagran<strong>do</strong> a teoriasubjetiva <strong>do</strong> dano para a responsabilização nas relações de trabalho.É certo que a questão <strong>do</strong>s danos morais, por ter naturezajurídica de responsabilidade civil e seus fundamentos nos direitosconstitucional e civil, tem maior regulamentação nestas searas.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


456Assim, importante destacar o artigo 186 <strong>do</strong> Código Civil,verbis: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ouimprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda queexclusivamente moral, comete ato ilícito.”A necessidade de indenizar o ato ilícito não estánormatizada apenas na Carta de 1988, mas também no artigo 927 <strong>do</strong>referi<strong>do</strong> código, senão vejamos:Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),causar dano a outrem, fica obriga<strong>do</strong> a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,independentemente de culpa, nos casos especifica<strong>do</strong>sem lei, ou quan<strong>do</strong> a atividade normalmentedesenvolvida pelo autor <strong>do</strong> dano implicar, por suanatureza, risco para os direitos de outrem.A natureza jurídica <strong>do</strong> assédio moral é de ato ilícito,nada obstante, o presente caso não trata da exceção trazida peloparágrafo único <strong>do</strong> art. 927, ou seja, responsabilidade objetiva <strong>do</strong>emprega<strong>do</strong>r, na medida em que a atividade de supervisor nãorepresenta atividade de risco.Chega-se à conclusão que a responsabilidade dareclamada é de natureza subjetiva, ou seja, ao ser comprovada aprática reiterada <strong>do</strong>s abusos alega<strong>do</strong>s pelo reclamante, agiu de formailícita.A ilicitude está vinculada a comportamentos, estesmuito bem delinea<strong>do</strong>s por Alice Monteiro de Barros, in Curso deR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


457Direito <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong>, 6ª Ed., páginas nº 928/930, dentre os quaisatitudes relacionadas ao comportamento interpessoal, com ignoran<strong>do</strong> apresença <strong>do</strong> indivíduo; deixan<strong>do</strong> a vítima isolada, sem serviços aprestar; ainda desacredita<strong>do</strong> ou desqualifica<strong>do</strong>, perante os colegas,atribuin<strong>do</strong>-lhes tarefas em exíguo espaço de tempo, com a finalidadede fracasso <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>; assim como as chamadas “técnicaspunitivas”, que visam colocar a vítima sob pressão, como no caso <strong>do</strong>exemplo utiliza<strong>do</strong> por Alice Monteiro de Barros, de que um simpleserro cause relatório contra o emprega<strong>do</strong>, com finalidade de prejudicálo.É de se observar a intensidade da violência psicológicae o prolongamento no tempo, na medida em que episódicosesporádicos não caracterizam o assédio moral, mas sim práticasreiteradas. Importante constatar que o dano psíquico, em ocorren<strong>do</strong>,agrava o quantum indenizatório, em se caracterizan<strong>do</strong> o assédiomoral, mas não é condição essencial para configuração <strong>do</strong> ato ilícito,bastan<strong>do</strong> que esteja comprova<strong>do</strong> nos autos a perseguição aoemprega<strong>do</strong>, com o objetivo de decompor seu esta<strong>do</strong> psicológico,muitas vezes para que venha a pedir demissão.Em análise aos depoimentos testemunhais acimatranscritos verifica-se que a reclamada tem como prática o exercíciode cursos motivacionais, onde busca incutir no emprega<strong>do</strong> técnicas demotivação e vendas, utilizan<strong>do</strong>-se de inúmeros artifícios, a to<strong>do</strong>s osparticipantes <strong>do</strong>s cursos, nada obstante, como dito alhures extrapolouR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


458em seus méto<strong>do</strong>s ferin<strong>do</strong> direito personalíssimo ao submeter a vítimaa situações vexatórias, discriminatórias, constrange<strong>do</strong>ras, dehumilhação. Diga-se de passagem, restou comprovada a práticareiterada de atitudes nesse senti<strong>do</strong> dirigidas ao grupo, mas cada umsabe “a <strong>do</strong>r e a delícia de ser o que é” como diria o poeta.As fotografias apresentadas, embora impugnadas peloreclama<strong>do</strong>, são provas que trazem o reclamante como personagem,pois assim confirma a segunda testemunha, ao afirmar, verbis: que odepoente e o reclamante estão nas fotos de fl. 163. e não foramrefutadas no depoimento <strong>do</strong> preposto e das demais testemunhas. Defato houve o episódio, assim como os demais, como a “batalha”conforme depoimentos fotos e DVD, este arquiva<strong>do</strong> na Vara (<strong>do</strong>c fl.24).Os <strong>do</strong>cumentos de fls. 29/131 correspondem a cópia decorrespondências eletrônicas entre o autor e integrantes da reclamada,onde se trata, em muitos deles, das metas a serem atingidas na região<strong>do</strong> autor. Apesar não se observar uma cobrança anormal as estratégiascomplementam o seu caráter exacerba<strong>do</strong> capaz de desestabilizarpsicologicamente o emprega<strong>do</strong>.Na realidade a função <strong>do</strong> autor de Supervisor <strong>Regional</strong>,cargo análogo ao de gerência, sen<strong>do</strong> responsável, inicialmente, pelasupervisão de mais de um Esta<strong>do</strong> da Federação, passan<strong>do</strong> a ficarresponsável apenas pelo Rio Grande <strong>do</strong> Norte devi<strong>do</strong> ao crescenteR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


459número de lojas da Insinuante na região, exigia <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> maiorresponsabilidade no alcance das metas para garantir seu posto.Forçoso interpretar que a redução de regiões asupervisionar por si só não caracterizaria assédio moral, pois ocontrário também poderia ser alega<strong>do</strong>, ou seja, aumento de número deestabelecimentos a supervisionar sem a possibilidade humana de fazêlo,geran<strong>do</strong> cobrança indevida e distúrbios psicológicos advin<strong>do</strong>s detal desiderato, como também em relação ao vídeo que o mesmo alegaofensivo. O vídeo foi realiza<strong>do</strong> com sua genitora, a qual autorizou autilização <strong>do</strong> mesmo, e trazia sua realidade quan<strong>do</strong> na infância. Se oreclamante poderia ser caracteriza<strong>do</strong> com pobre, quan<strong>do</strong> criança, nãohá motivos para se sentir humilha<strong>do</strong>, não há mal algum nisso, pois adesigualdade social é uma realidade latente no Brasil, deven<strong>do</strong> sermotivo de orgulho conseguir superar, de forma honesta, asdificuldades apresentadas pela vida.Mas os depoimentos testemunhais demonstraram umaconduta abusiva de natureza psicológica, na forma de conduzir ascampanhas em total desrespeito aos valores humanos expon<strong>do</strong> não sóo reclamante como os demais emprega<strong>do</strong>s a situações humilhantes econstrange<strong>do</strong>ras, causan<strong>do</strong> ofensa à personalidade e à dignidade.Nesse passo, para caracterização <strong>do</strong>s danos moraisadvin<strong>do</strong>s de assédio moral necessário se faz a demonstração daexistência <strong>do</strong> assédio caracteriza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dano moral, o nexo deR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


460causalidade entre o fato alega<strong>do</strong> e o ato ilícito pratica<strong>do</strong> peloemprega<strong>do</strong>r, além de sua culpa.Também não se comprovou que o reclamante tenhasofri<strong>do</strong> boicote, por parte da empresa, ante o fato alega<strong>do</strong> de que emdeterminadas campanhas sua região não recebia os produtosanuncia<strong>do</strong>s. Importante destacar que as testemunhas foram uníssonasem afirmar que não havia punição caso não se atingisse alguma metaestabelecida pela empresa.Existe, portanto, o nexo de causalidade entre o danosofri<strong>do</strong> pelo reclamante e ato ilícito pratica<strong>do</strong> pelo emprega<strong>do</strong>r,quanto as formas abusivas aos treinamentos de vendas e campanhas aque era submeti<strong>do</strong>, por isso também existe culpa, <strong>do</strong>is requisitosinafastáveis para a obrigação de indenizar.Quanto à indenização deve ser fixada dentro <strong>do</strong>spadrões de razoabilidade, que sobre a qual deve o Juiz limitar aopatamar compatível com a lesão ousada, a fim de evitarenriquecimento sem causa, também deve ser leva<strong>do</strong> em conta àcapacidade <strong>do</strong> emprega<strong>do</strong>r para que a indenização concedida que nãoesvazie sua finalidade pedagógica, por isso deve o Juiz levar em contaàs peculiaridades <strong>do</strong> caso e a condição econômica <strong>do</strong> lesante e asituação <strong>do</strong> lesa<strong>do</strong>, não estan<strong>do</strong> atrela<strong>do</strong> aos limites da petição inicial.Para fins de indenização por dano moral tenho mevali<strong>do</strong> <strong>do</strong> Código Penal Brasileiro, especificamente o art. 49, 1º c/c 60<strong>do</strong> mesmo Diploma, e assim, fixo em 60 dias-multa ao valor de <strong>do</strong>isR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


461salários mínimos correspondentes a R$ 61.200,00 (sessenta e um mil eduzentos reais).Todavia, encampei o voto <strong>do</strong> Exmo Desembarga<strong>do</strong>rEridson João Fernandes Medeiros que arbitrou em R$ 30.000,00,(trinta mil reais) o valor da indenização a ser paga ao reclamante sob ofundamento de a<strong>do</strong>ção da pena, apenas como forma pedagógica.Não há honorários advocatícios posto que nãopreenchi<strong>do</strong>s os requisitos enuncia<strong>do</strong>s nas Súmulas 219 e 329 <strong>do</strong> TST.Diante <strong>do</strong> exposto, <strong>do</strong>u provimento ao recurso ordinário<strong>do</strong> reclamante e condeno a reclamada a indenizá-lo em R$ 30.000,00.Custas incidentes de R$ 600,00. Sem previdência ante a naturezaindenizatória da verba.Acordam os Desembarga<strong>do</strong>res Federais e a JuízaConvocada da Egrégia 2ª Turma <strong>do</strong> <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da21ª Região, por unanimidade, conhecer <strong>do</strong> recurso ordinário. mérito:por maioria, dar provimento parcial ao recurso ordinário <strong>do</strong>reclamante e condenar a reclamada a indenizá-lo em R$ 30.000,00.Custas incidentes de R$ 600,00. Sem previdência ante a naturezaindenizatória da verba; venci<strong>do</strong> o Desembarga<strong>do</strong>r Carlos NewtonPinto que lhe negava provimento. Por unanimidade, deferir orequerimento <strong>do</strong> Representante <strong>do</strong> Ministério Público, no senti<strong>do</strong> deser notifica<strong>do</strong>, pessoalmente, nos autos, da lavratura <strong>do</strong> presenteR. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


acórdão, nos termos <strong>do</strong> artigo 18, inciso II, alínea "h", da Lei Orgânica<strong>do</strong> Ministério Público da União.462Natal/<strong>RN</strong>, 25 de maio de 2011.Lygia Maria de Go<strong>do</strong>y Batista CavalcantiJuíza RelatoraDivulga<strong>do</strong> no DEJT nº 743, em 03/06/2011 (sextafeira)e Publica<strong>do</strong> em 06/06/2011 (segunda-feira). Trasla<strong>do</strong> nº00767/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


463Acórdão nº 111.041Embargos de Declaração nº 56700-40.2010.5.21Juíza Relatora: Simone Medeiros JalilEmbargante: Caixa Econômica Federal – CEFAdvoga<strong>do</strong>s: Myerson Leandro da Costa e outrosEmbarga<strong>do</strong>: Sindicato <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res em Empresas deCrédito de Mossoró e Região – SINTECAdvoga<strong>do</strong>s: Waltency Soares Ribeiro Amorim e outrosOrigem: TRT – 21ª RegiãoEMBARGOS DECLARATÓRIOS. AUSÊNCIA DEOBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO.Não ocorreu nenhuma contradição ou mácula nojulgamento <strong>do</strong> agravo regimental proposto contradecisão liminar <strong>do</strong> Desembarga<strong>do</strong>r Relator, no qualo Desembarga<strong>do</strong>r-Presidente proferiu o voto dedesempate no senti<strong>do</strong> de cassar a liminar por aqueledeferida, uma vez que, à luz da interpretação lógicosistemático-teleológicadas normas, a previsão <strong>do</strong> art.175 <strong>do</strong> Regimento Interno deste <strong>Tribunal</strong> refere-seapenas às hipóteses <strong>do</strong>s incisos I e II <strong>do</strong> art. 173 <strong>do</strong>mesmo diploma normativo.I. RELATÓRIOTrata-se de embargos de declaração opostos pela CaixaEconômica Federal, em face <strong>do</strong> v. Acórdão nº. 106.148 (fls.1719/1729), que deu provimento ao agravo regimental para cassar aliminar da ação rescisória.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


464A embargante alega, preliminarmente, ausência deinteresse protelatório. No mérito, aduz que o v. acórdão encontra-secontraditório e obscuro quanto ao conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> dispositivo, que assimdispõe: “(...) Mérito: por maioria, pelo voto de desempate <strong>do</strong>Excelentíssimo Senhor Desembarga<strong>do</strong>r Presidente, dar provimento aoagravo regimental para cassar a liminar da ação rescisória; (...)”.Afirma que o art. 175, §§1° e 2°, <strong>do</strong> Regimento Interno deste C.<strong>Tribunal</strong> prevê que prevalecerá o despacho agrava<strong>do</strong> na hipótese deempate no julgamento <strong>do</strong> agravo regimental. Em seguida, pugna queseja atribuí<strong>do</strong> aos embargos efeito modificativo, a fim de que sejamantida a liminar deferida no despacho agrava<strong>do</strong>.O embarga<strong>do</strong> oferece contraminuta às fls. 1746/1752.É o relatório.II. FUNDAMENTOS DO VOTO1. AdmissibilidadeEmbargos tempestivos, uma vez que houve a publicação<strong>do</strong> acórdão embarga<strong>do</strong> em 29/03/2011, conforme certidão depublicação de fl. 1.737, e a protocolização da peça em 30/03/2011(fl.1738). Representação regular, consoante instrumento de mandatopresente à fl. 31. Custas processuais dispensadas. Conheço.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


4652. MéritoNo julgamento <strong>do</strong> Agravo Regimental nº. 56700-40.2010.5.21 assim decidiu este Colegia<strong>do</strong>: “por maioria, pelo voto dedesempate <strong>do</strong> Excelentíssimo Senhor Desembarga<strong>do</strong>r Presidente, darprovimento ao agravo regimental para cassar a liminar da açãorescisória; venci<strong>do</strong>s os Desembarga<strong>do</strong>res Relator, Maria de LourdesAlves Leite e José Barbosa Filho que lhe negavam provimento”(certidão de julgamento de fl. 1718).A embargante afirma que o art. 175, §§1° e 2°, <strong>do</strong>Regimento Interno deste C. <strong>Tribunal</strong> prevê que, na hipótese de empateno julgamento <strong>do</strong> agravo regimental, prevalecerá o despachoagrava<strong>do</strong>, ou seja, que, no caso, não caberia ao Desembarga<strong>do</strong>rPresidente desempatar o julgamento. Desse mo<strong>do</strong>, pede a retificação<strong>do</strong> julga<strong>do</strong> para que seja mantida a liminar deferida no despachoagrava<strong>do</strong>.Em primeiro lugar, mister revisitar o Regimento Internodeste egrégio <strong>Tribunal</strong>, no capítulo que trata <strong>do</strong> processamento <strong>do</strong>agravo regimental, litteris:CAPÍTULO XVIIDo Agravo RegimentalArt. 173 - Cabe agravo regimental, sem efeitosuspensivo, para o <strong>Tribunal</strong> Plenoou Turma, no prazo de 08 (oito) dias a contar da ciênciaou intimação:I - das decisões <strong>do</strong> Presidente:R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


466a) contrárias às disposições legais ou regimentais;b) de indeferimento de recurso administrativo;c) de determinação de sequestro em precatório.II - das decisões <strong>do</strong> Correge<strong>do</strong>r em reclamaçõescorreicionais;III – <strong>do</strong> despacho que indeferir a petição inicial oudecretar aextinção de processo com ou sem julgamento <strong>do</strong> mérito;IV - <strong>do</strong> despacho <strong>do</strong> Relator que conceder ou denegarliminarem manda<strong>do</strong> de segurança ou ações cautelares;V – das decisões proferidas pelo Relator nos pedi<strong>do</strong>s detutelaantecipada;VI – das decisões a que se referem os incisos XI e XII<strong>do</strong> artigo64 deste Regimento;VII – das decisões a que se refere o artigo 139 desteRegimento;§ 1º - Nas hipóteses <strong>do</strong>s incisos I e II, o agravo serádistribuí<strong>do</strong> a Relator que abrirá vista, pelo prazo de 05(cinco) dias, ao prolator <strong>do</strong> despacho agrava<strong>do</strong>.§ 2º - Nas hipóteses <strong>do</strong>s incisos III, IV, V, VI e VII, oagravo será processa<strong>do</strong> nos próprios autos a que serefira, e o Relator é o próprio prolator <strong>do</strong> despachoagrava<strong>do</strong> que, no prazo de 05 (cinco) dias, poderáreformá-lo ou mantê-lo, caso em que submeterá adecisão ao <strong>Tribunal</strong> Pleno ou Turma.Art. 174 - O agravo será submeti<strong>do</strong> a julgamento naprimeira sessão que se seguir ao reexame <strong>do</strong> despachoagrava<strong>do</strong> pelo Relator, independentemente de pauta.Art. 175 - No julgamento, ocorren<strong>do</strong> empate,prevalecerá o despacho agrava<strong>do</strong>.§ 1º - Venci<strong>do</strong> o Relator, o acórdão será lavra<strong>do</strong> peloprimeiro julga<strong>do</strong>r que tiver se pronuncia<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong>da tese vence<strong>do</strong>ra.§ 2º - Lavra<strong>do</strong> o acórdão, os autos retornarão ao Relatorpara prosseguimento da ação.Art. 176 – Da decisão <strong>do</strong> agravo em matériaadministrativa cabe recurso ordinário.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


467Pois bem, a dúvida suscitada nos presentes embargos deveser solucionada à luz <strong>do</strong>s ensinamentos <strong>do</strong>utrinários da hermenêuticajurídica.É certo que, aos conflitos que lhes são apresenta<strong>do</strong>s, omagistra<strong>do</strong> interpreta e aplica a norma jurídica e, para tanto, devebuscar o seu verdadeiro senti<strong>do</strong>, preservan<strong>do</strong> a harmonia <strong>do</strong> sistemalegal.Da interpretação lógico-sistemático-teleológica dasnormas, infere-se que a previsão <strong>do</strong> art. 175 refere-se às hipóteses <strong>do</strong>sincisos I e II <strong>do</strong> art. 173, uma vez que, ocorren<strong>do</strong> empate nojulgamento <strong>do</strong> agravo regimental proposto contra decisão prolatadapelo Desembarga<strong>do</strong>r Presidente Correge<strong>do</strong>r, seria desnecessário ovoto de desempate deste, já que, por óbvio, se posicionaria a favor dedecisão sua que estava sen<strong>do</strong> agravada. Já nos casos <strong>do</strong>s demaisincisos <strong>do</strong> art. 173, ou seja, quan<strong>do</strong> o agravo regimental é propostocontra decisão de outro Desembarga<strong>do</strong>r Relator, não há qualquerimpedimento lógico para que o Desembarga<strong>do</strong>r Presidente profira ovoto de desempate.É importante frisar que o aplica<strong>do</strong>r <strong>do</strong> direito não estáimpedi<strong>do</strong> de se valer de equilibrada ponderação <strong>do</strong>s elementos lógicosistemáticose teleológicos para interpretar e aplicar as referidasnormas e chegar à conclusão que mais se adéque à lógica <strong>do</strong> conjuntonormativo.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


468Ao examinar o texto regimental, sob a ótica dainterpretação lógico-sistemática e finalística, verifica-se que, apesar denão constar expressamente, a exceção prevista no art. 175 refere-seapenas aos incisos I e II <strong>do</strong> art. 173; essa é a única interpretação queconfere senti<strong>do</strong> lógico ao art. 175 <strong>do</strong> Regimento Interno desta Corte, oque autoriza a conclusão de que essa foi a real intenção deste <strong>Tribunal</strong>Pleno no momento da sua elaboração.Dessa forma, conclui-se que não ocorreu nenhuma máculaou contradição no julgamento <strong>do</strong> agravo regimental proposto contradecisão <strong>do</strong> Desembarga<strong>do</strong>r Relator José Rêgo Júnior, no qual oDesembarga<strong>do</strong>r-Presidente proferiu o voto de desempate no senti<strong>do</strong> decassar a liminar por aquele deferida.Isso posto, os embargos devem ser rejeita<strong>do</strong>s.III – DISPOSITIVOConheço <strong>do</strong>s embargos de declaração e, no mérito, osrejeito.Acordam os Desembarga<strong>do</strong>res Federais e a Juíza <strong>do</strong>Egrégio <strong>Tribunal</strong> <strong>Regional</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> da 21ª Região, porunanimidade, conhecer <strong>do</strong>s embargos de declaração. Mérito: porunanimidade, rejeitar os embargos de declaração.Natal/<strong>RN</strong>, 25 de agosto de 2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012


469Simone Medeiros JalilJuíza RelatoraDivulga<strong>do</strong> no DEJT nº 804, em 30/08/2011 (terça-feira) ePublica<strong>do</strong> em 31/08/2011 (quarta-feira). Trasla<strong>do</strong> nº 01189/2011.R. <strong>do</strong> Trib. Reg. Trab. 21ª.R., Natal, v. 17, n.1, p.293– 469, jun. 2012

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!