Ecologi@ 4: 31-42 (2012) <strong>Artigo</strong>s <strong>de</strong> Revisão1.1. A expansão marítima e aconstrução navalPortugal foi <strong>de</strong>s<strong>de</strong> s<strong>em</strong>pre um país d<strong>em</strong>arinheiros pelo que o comércio marítimoe as pescas foram importantes motores daeconomia a partir do século XII. Aexpansão do território para sul nos séculosXII e XIII realizou-se através da conquistados portos <strong>de</strong> Alcácer do Sal, Silves e Faroo que foi conseguido através da preciosaajuda da Marinha(http://www.marinha.pt). Em 1312 foicriada pelo rei D. Dinis (1279-1325) umaforça naval permanente para acções <strong>de</strong><strong>de</strong>fesa do Reino. O rei D. Fernando (1367-1383) preocupou-se com a criação <strong>de</strong> umaMarinha forte que servisse as suasaspirações militares e enriquecesse oReino, tendo instituído <strong>em</strong> 1377,privilégios aos proprietários <strong>de</strong> navios commais <strong>de</strong> 100 toneladas(http://www.marinha.pt). No entanto apolítica <strong>de</strong>sastrosa com Castela queconduziu à crise <strong>de</strong> 1383-1385 arruinougran<strong>de</strong> parte da nossa capacida<strong>de</strong> naval(DHP, 1992b) que veio a ser <strong>de</strong> novoincr<strong>em</strong>entada pelo Mestre <strong>de</strong> Aviz, D. JoãoI (1385-1433).Durante o século XIV o <strong>de</strong>sequilíbrio entrea procura <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e a oferta comorig<strong>em</strong> nacional acentuou-se o quedificultou a regeneração da florestaportuguesa (Devy-Vareta, 1986). Apolítica <strong>de</strong> expansão marítima que seacentuou no século XV e se prolongoupelo século seguinte fez florescer aconstrução naval não só no litoralPortuguês como também no litoralAtlântico da Europa Oci<strong>de</strong>ntal. Porex<strong>em</strong>plo, na conquista <strong>de</strong> Ceuta <strong>em</strong> 1415,primeira cida<strong>de</strong> da costa africana ocupadapor europeus, participaram 212 navios.A conquista <strong>de</strong> Azamor <strong>em</strong> 1513, na costaAtlântica <strong>de</strong> Marrocos, fez-se através <strong>de</strong>um po<strong>de</strong>roso ataque naval com cerca <strong>de</strong>500 navios. Mamora, outra cida<strong>de</strong> nacosta Atlântica <strong>de</strong> Marrocos, foiconquistada <strong>em</strong> 1515 por uma força naval<strong>de</strong> aproximadamente 200 navios(Amândio, 1998) <strong>em</strong>bora meta<strong>de</strong> da frotatenha sido <strong>de</strong>struída com severas perdashumanas.A “Caravela” ou “Caravela Latina” queteve papel prepon<strong>de</strong>rante nas <strong>de</strong>scobertasno século XV apresentava <strong>em</strong> média 50toneis (2) <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> (DHP, 1992b)enquanto os navios do século XVI jáatingiam entre 400-600 toneis, como erao caso dos que faziam a Carreira da Índia(Domingues, 2004). A capacida<strong>de</strong> eraencarada como uma medida do volumeinterno das áreas permanent<strong>em</strong>entefechadas que eram ocupadas naactivida<strong>de</strong> comercial, apesar <strong>de</strong> estaavaliação ser muitas vezes controversa.No comércio marítimo o aumento dacapacida<strong>de</strong> dos navios tentava compensaro custo da distância (Moreira, 1994).Por questões logísticas, os principaisestaleiros portugueses tinham <strong>de</strong> ter porperto importantes áreas florestais, <strong>em</strong>borapor ex<strong>em</strong>plo, o estaleiro <strong>de</strong> Viana tivesse<strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo dificulda<strong>de</strong> <strong>em</strong> obtermatéria-prima. Aliás, por razões técnicasligadas à construção naval as partesfundamentais da estrutura do naviodificilmente podiam ter orig<strong>em</strong> nosmercados externos. O corte <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>irapara essas partes (cavernas e balizas)obrigava os mestres carpinteiros a<strong>de</strong>slocar<strong>em</strong>-se à floresta e a escolher<strong>em</strong>as árvores a<strong>de</strong>quadas (Baeta-Neves,1990). Com as florestas do litoral, <strong>em</strong>particular do Pinhal <strong>de</strong> Leiria, exauridas, aárea <strong>de</strong> intervenção alargou-se paraAbrantes, Sesimbra e coutos <strong>de</strong> Alcobaça(Costa, 1997). Contudo, para os mastrossó o pinho nórdico (Pinus sylvestris)apresentava as características necessárias– peça única, já que eram muito escassosos ex<strong>em</strong>plares <strong>de</strong> pinheiro bravo com asdimensões <strong>de</strong>sejadas.A crise <strong>de</strong> construção naval no século XVIInão era apenas Portuguesa. A escassez d<strong>em</strong>a<strong>de</strong>ira po<strong>de</strong> explicar a <strong>de</strong>cadência, maso custo dos navios (<strong>em</strong> geral triplicou aolongo do século XVI), o agravamento dopreço dos factores <strong>de</strong> produção e adrástica redução da longevida<strong>de</strong> dosnavios (Costa, 1997) foram aspectos quecontribuiram <strong>de</strong>cisivamente para o <strong>de</strong>clíniodo sector. A pirataria moura que infestoua costa Portuguesa <strong>em</strong> finais do séculoXVI e <strong>de</strong> forma crescente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1609tornou-se um obstáculo ao comércio doReino, quer à circulação interna d<strong>em</strong>ercadorias, quer ao transporte paralongas distâncias (Magalhães, 1997).Corsários ingleses, franceses e holan<strong>de</strong>sesforam igualmente atraídos pelas riquezas(ouro, especiarias, açúcar) associadas àsnovas <strong>de</strong>scobertas provocando danosirreparáveis no comércio e na frota <strong>em</strong>geral.1.2. Outras activida<strong>de</strong>s responsáveispelo <strong>de</strong>clínio florestalA construção naval e o comércio marítimoassociado foram o principal motor da<strong>de</strong>sflorestação, <strong>em</strong>bora as activida<strong>de</strong>sindustriais (pesca, metalurgia, sabão,ISSN: 1647-2829 34
Ecologi@ 4: 31-42 (2012) <strong>Artigo</strong>s <strong>de</strong> Revisãovidro) e a expansão d<strong>em</strong>ográfica tenhamtambém contribuído para a perda <strong>de</strong>floresta.O comércio marítimo po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong> longadistância ou proximida<strong>de</strong>. No primeirocaso, pod<strong>em</strong>os referir o que se iniciou pelomenos a partir <strong>de</strong> 1373 entre Portugal e aLiga Hanseática. Ao incr<strong>em</strong>ento dasactivida<strong>de</strong>s pesqueiras pela LigaHanseática faltava o indispensável sal queera aqui procurado, oferecendo <strong>em</strong> troca,cereais, ma<strong>de</strong>ira e outros produtos doNorte da Europa. Com o aprofundamentodas relações comerciais, Portugal começoua ven<strong>de</strong>r, também, cortiça, vinho e azeite(DHP, 1992c). Outros ex<strong>em</strong>plos, diziamrespeito ao comércio <strong>de</strong> açúcar do Brasilpara Portugal - século XVI eespecialmente primeiro quarto do séculoXVII (Moreira, 1984) ou ao comércio <strong>de</strong>proximida<strong>de</strong> entre Viana e a Galiza e asAstúrias que era muito intenso a avaliarpelas entradas <strong>de</strong> navios provenientes<strong>de</strong>ssas regiões (78%) nos anos <strong>de</strong> 1566 e1567 (Moreira, 1984) e pela diversida<strong>de</strong><strong>de</strong> produtos transportados.O consumo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira pelas indústrias dovidro e <strong>de</strong> refinação <strong>de</strong> açúcar foi objecto<strong>de</strong> preocupação pela interdição dainstalação <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s nas proximida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> importantes manchas florestais(Documentos 1957-1962).Em relação à pesca longínqua do bacalhaunos bancos da Terra Nova, a primeiranotícia data <strong>de</strong> 1527 e reporta um<strong>de</strong>scarregamento <strong>de</strong> bacalhau no porto <strong>de</strong>Vila do Con<strong>de</strong>. Dados sobre o movimento<strong>de</strong> pesca do bacalhau no porto <strong>de</strong> Vianaentre 1566-1567 são igualmentereferenciados (Moreira, 1994). Em finaisdo século XV, princípio do século XVIiniciou-se a exploração <strong>de</strong> atum noAlgarve. O crescimento <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong>pesca <strong>de</strong>veu-se ao processo <strong>de</strong> salgaintroduzido por sicilianos eacondicionamento <strong>em</strong> barris que sevendiam pelo Reino e se exportavam paraItália (Magalhães, 1970). A partir <strong>de</strong> 1620a pesca do atum entrou <strong>em</strong> perdairrecuperável pelos <strong>de</strong>cénios seguintes(Magalhães, 1993) com reflexos naactivida<strong>de</strong> tanoeira, indispensável para otransporte <strong>de</strong> peixe conservado a longasdistâncias.Acontecimentos naturais como oterramoto <strong>de</strong> 1755 e a reconstrução <strong>de</strong><strong>Lisboa</strong> b<strong>em</strong> como a série <strong>de</strong> anos frios esecos e os maus anos agrícolas davirag<strong>em</strong> do século (Devy-Vareta e Alves,2007) <strong>de</strong>v<strong>em</strong> também ter contribuído parao agravar da <strong>de</strong>sflorestação.A área cultivada passou <strong>de</strong> 1886 ha <strong>em</strong>1867 para 3111 ha <strong>em</strong> 1902 o quecorrespon<strong>de</strong> a um aumento <strong>de</strong> 35.1%(Lains, 1995), enquanto sensivelmente nomesmo período o efectivo populacionalpassou <strong>de</strong> 3.8 milhões <strong>de</strong> habitantes <strong>em</strong>1864 para 5.0 milhões <strong>em</strong> 1900 (DHP,1992b).A construção da ferrovia que se iniciou <strong>em</strong>meados do século XIX é mais um durogolpe no <strong>de</strong>pauperado coberto florestal docontinente. Data <strong>de</strong> Dez<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1844 afundação da Companhia das ObrasPúblicas, cujo principal objectivo eraconstruir o caminho-<strong>de</strong>-ferro, <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>até à fronteira <strong>de</strong> Espanha. O primeirotroço entre <strong>Lisboa</strong> e Carregado foiinaugurado <strong>em</strong> 1856, sendo a ligação aEspanha assegurada <strong>em</strong> 1863 e a linha doNorte concluída <strong>em</strong> 1864 (DHP, 1992a).No que diz respeito ao número <strong>de</strong>quilómetros <strong>de</strong> vias construídas, os dadosmostram a seguinte evolução (Tabela 3).Tabela 3. Evolução número quilómetros construídosAnoKmaté 1877 9521885 15291894 23531902 23811907 27531912 2974Fonte: DHP (1992a)ISSN: 1647-2829 35