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Sonia Maria DorceA Queridinha do Meu Bairro


Sonia Maria DorceA Queridinha do Meu BairroSonia Maria Dorce ArmoniaSão Paulo, 2008


GovernadorJosé Serra<strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong> do Estado de São PauloDiretor-presidenteHubert AlquéresColeção AplausoCoordenador GeralRubens Ewald Filho


entre nós, ampliando o campo de trabalho paraatores, dramaturgos, roteiristas, músicos e técnicos;multiplicando a cultura, a informação e oentretenimento para a população.A Coleção Aplauso reúne depoimentos de genteque ajudou a escrever essa história. E que continuaa escrevê-la, no presente. Homens e mulheresque, contando a sua vida, narram tambéma trajetória de atividades da maior relevânciapara a cultura brasileira. Pessoas que, numa linguagemsimples e direta, como que dialogandocom os leitores, revelam a sua experiência, o seutalento, a sua criatividade.Daí, certamente, uma das razões do sucesso destaColeção junto ao público. Daí, também, umdos motivos para o lançamento de uma ediçãoespecial, dirigida aos alunos da rede pública deensino de São Paulo e encaminhada para 4 milbibliotecas escolares, estimulando o gosto pelaleitura para milhares de jovens, enriquecendosua cultura e visão de mundo.José SerraGovernador do Estado de São Paulo


Coleção AplausoO que lembro, tenho.Guimarães RosaA Coleção Aplauso, concebida pela <strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong>,visa a resgatar a memória da cultura nacional,biografando atores, atrizes e diretores quecompõem a cena brasileira nas áreas de cine ma,teatro e televisão. Foram selecionados escri torescom largo currículo em jornalismo cultural , paraesse trabalho em que a história cênica e audiovisualbrasileiras vem sendo re constituída dema nei ra singular. Em entrevistas e encontrossuces sivos estreita-se o contato en tre biógrafos ebio gra fados. Arquivos de documentos e imagenssão pesquisados, e o universo que se recons tituia partir do cotidiano e do fazer dessas personalidadespermite reconstruir sua trajetória.A decisão sobre o depoimento de cada um na primeirapessoa mantém o aspecto de tradição oraldos relatos, tornando o texto coloquial, como seo biografado falasse diretamente ao leitor .Um aspecto importante da Coleção é que os resul -ta dos obtidos ultrapassam simples registros biográficos, revelando ao leitor facetas que tambémcaracterizam o artista e seu ofício. Bió grafo ebiogra fado se colocaram em reflexões que se estenderam sobre a formação intelectual e ideo ló gicado artista, contex tua li zada naquilo que caracterizae situa também a história brasileira , no tempo eespaço da narrativa de cada biogra fado.


São inúmeros os artistas a apontar o importantepapel que tiveram os livros e a leitura em sua vida,deixando transparecer a firmeza do pensamentocrítico ou denunciando preconceitos secularesque atrasaram e continuam atrasando nossopaís. Muitos mostraram a importância para a suaformação terem atuado tanto no teatro quantono cinema e na televisão, adquirindo, portanto,linguagens diferenciadas – analisando-as comsuas particularidades.Muitos títulos extrapolam os simples relatosbio gráficos, explorando – quando o artista permite– seu universo íntimo e psicológico , revelandosua autodeterminação e quase nunca acasua lidade por ter se tornado artista – comose carregasse desde sempre, seus princípios, suavocação, a complexidade dos personagens queabrigou ao longo de sua carreira.São livros que, além de atrair o grande público,inte ressarão igualmente a nossos estudantes, poisna Coleção Aplauso foi discutido o intrinca doprocesso de criação que concerne ao teatro, ao cinemae à televisão. Desenvolveram-se te mas comoa construção dos personagens inter pretados, bemcomo a análise, a história, a importância e a atualidadede alguns dos perso nagens vividos pelosbiografados. Foram exami nados o relacionamentodos artistas com seus pares e diretores, os processose as possibilidades de correção de erros noexercício do teatro e do cinema, a diferença entreesses veículos e a expressão de suas linguagens.


Gostaria de ressaltar o projeto gráfico da Coleçãoe a opção por seu formato de bolso, a facili dadepara ler esses livros em qualquer parte, a clareza eo corpo de suas fontes, a icono grafia farta e o registrocronológico completo de cada biografado.Se algum fator específico conduziu ao sucessoda Coleção Aplauso – e merece ser destacado –,é o interesse do leitor brasileiro em conhecer opercurso cultural de seu país.À <strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong> e sua equipe coube reunir umbom time de jornalistas, organizar com eficácia apesquisa documental e iconográfica e contar coma disposição, o entusiasmo e o empe nho de nossosartistas, diretores, dramaturgos e roteiris tas. Coma Coleção em curso, configurada e com identidadeconsolidada, constatamos que os sorti légiosque envolvem palco, cenas, coxias, sets de fil magem,cenários, câmeras, textos, imagens e palavrasconjugados, e todos esses seres especiais –que nesse universo transi tam, transmutam evivem – também nos tomaram e sensibilizaram.É esse material cultural e de reflexão que podeser agora compartilhado com os leitores de todoo Brasil.Hubert AlquéresDiretor-presidente da<strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong> do Estado da São Paulo


Este livro é dedicado a Francisco Dorce,meu primeiro e inesquecível mestre;Da. Mariquinha, minha primeira fã;Admir Armonia, o amor de minha vida;Anna Paula e Renata, os benditos frutos; eDanilo e Gustavo, as verdadeiras dádivas


Sonia e Vida Alves, em evento da Pró-TV


PrefácioEste é um momento de felicidade para mim, poiscomeço a escrever o prefácio deste livro de SoniaMaria Dorce – A Queridinha do Meu Bairro.Ser escolhida para prefaciar um trabalho é sempreuma honra... Mas de Sonia Maria, ainda mais.É que a conheço há muitos anos, desde que erauma menininha, e sempre a admirei. Aliás, conheciantes seu pai, o maestro Francisco Dorce,que foi tão bom para mim, marcou com carinhoe amor o começo de minha carreira, quando memeti a ser cantora. A paciência do Chico Dorce,sua bondade, sua suavidade enfeitaram aquelafase da jovem atriz-cantora-apresentadora e seilá mais o que. E cantora o fui, mais pela bondadedele, do querido maestro e professor ChicoDorce, do que por mérito meu.13Pai de Sonia Maria, Chico Dorce foi um sábio. Tinhasabedoria de viver, de educar, de equilibrara vida de artista, e ele era-o, com a de pai, demaestro, de diretor de programa infantil, em queé necessário estar com as crianças artistas, alémde suportar suas mães, as famosas e chatas mãesde artistas. Vejam que a palavra chula, usadahá pouco, é minha e por isso o grifo; não dele,que nunca a disse, sempre paciente com aquelasencantadoras senhoras, todas achando suas crias,a maior, a melhor, a única, a estrela.


14Nem Sonia Maria, sua filha, deixou que assimse considerasse. Era dele que vinha o equilíbrioda menina, que tinha tudo para ser celebridade,pois ninguém jamais, antes ou depois, tevetanta popularidade. E Sonia Maria foi sempreisso: a inteligência, a cultura, a arte, a graça, abondade, tudo isso numa mulher só.É para descobrir isso que peço àqueles que vãoler este livro, e sei que serão muitos, que o façamcom delicadeza, sem pressa, pois é verdadeirafiligrana, é ouro em pó o texto de Sonia Maria.Sua dificuldade em se auto-elogiar fez com queusasse o recurso de, às vezes, usar a terceira, e àsvezes, a primeira pessoa. Sua inteligência e suacultura, mal disfarçadas, surgem nas frases, nascitações, nas lembranças.Sonia Maria é dona de temperamento fortetanto que inabalável. Hoje, avó, e portanto mãe,etc., mantém-se ainda menina. Ser advogada ediretora jurídica da Pró-TV, entre outros cargosque exerce e exerceu em sua vida, não tiramdela o prazer de viver, de enfeitar a vida, de rir,de contar piada, de ser artista, como ela mesmaconfessa, de ser criança, de ser mulher. Repito,portanto, e faço-o à guisa de orientação, ao leremeste livro, em sua primeira parte, principalmente,façam-no devagar, com suavidade, poisestarão entrando no coração de uma grandemulher. E nele há tanto o que aprender...Vida Alves


AgradecimentosMeu primeiro agradecimento é a você, leitor,que se propôs a ler as lembranças aqui transcritas,por favor, entenda que não sou escritoranem jornalista, sou apenas dona de uma memóriaincrível, tenha paciência comigo.Este relato, despretensioso e meio apaixonado,se não foi bom ou bem-feito, fluiu sem traumasou dificuldades, esteja certo, porém, de que foi,acima de tudo, sincero.Talvez, a memória tenha me traído algumasvezes. Há momentos, nesta história em que euera muito pequenina para avaliar as coisas e osfatos, que me foram sendo narrados no decorrerda minha vida.Fui testemunha casual de um momento muitoimportante na história da televisão, das artes eda cultura de meu país, e assim sendo, reconheçoque, como não sou uma historiadora nemtenho tal pretensão, este trabalho está eivadode erros e impropriedades. Em Direito, a provatestemunhal é colhida com certa reserva, ela émeramente circunstancial.Aceite meu depoimento como mera prova circunstancial.Os erros e as omissões aqui cometidos, nãoos leve a mal, atribua ao meu despreparo comocientista, jamais como má-fé ou desrespeito àverdade dos fatos.15


Agradeço às pessoas que deram depoimentose com isso contribuíram, em muito, para enriqueceresse trabalho, exaustivo, mas extremamenteprazeroso.Agradeço, também, a todo o pessoal da Pró-TV –Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadoresda Televisão Brasileira por suagenerosidade em abrir-me seus arquivos paraconsultas e, em especial, à Lu Bandeira por seucarinho e paciência.16


IntroduçãoHá menos egoísmos na imaginação quena memóriaMarcel ProustNuma certa manhã de sol, começava o outono efui entrevistar Rubens Ewald Filho para o Boletimda Pró-TV – Associação dos Pioneiros, Profissionaise Incentivadores da Televisão Brasileira, noseu elegante e aconchegante apartamento nobairro de Higienópolis.Conversa vai, conversa vem e ele me contou sobreo projeto da <strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong> sob sua coordenação,chamado Coleção Aplauso, que resgata amemória de artistas, diretores, roteiristas, enfim,pessoas que fizeram parte da cultura e das artesdeste Estado e por motivos vários não tinha tidoaté então, o registro adequado.Gentilmente, convidou-me a colaborar com oprojeto, relatando minhas experiências como aprimeira criança da televisão brasileira.Agradeço-lhe muito a confiança em mim depositada,e aqui estou eu tentando passar para osleitores um pouco das minhas vivências, comocriança, adolescente e jovem que viveu praticamentetodo esse tempo dentro de uma emissorade rádio e televisão e minhas relações com osadultos e outras crianças nesse período.17


18Escolhi para narradora nessa caminhada a Dra.Sonia Maria Dorce Armonia, uma velha conhecidaminha, uma jovem senhora, meio lúcida emeio comedida, só meio, porque, convenhamos,lucidez e comedimento demais também incomodam,que acompanhou todo o processo de vida edesenvolvimento da Sonia Maria Dorce e talvezpossa dar ao leitor uma visão menos intimista emais objetiva dos acontecimentos, sem nuncaesquecer o valor da poesia e da fantasia que ponteiae às vezes domina os passos dos artistas.Juntas, elas começaram a remexer o baú daslembranças e recordações, das boas e das más.Quantas emoções foram encontradas, lágrimasperdidas, sonhos desfeitos, ilusões aindaaprisionadas, alegrias reconstituídas, muitos,muitos sorrisos, risadas e até um montão degargalhadas, momentos que pareciam perdidosao longo da jornada.Finalmente, constata-se que emoções renovadassão emoções revividas e que o coração, esse incorrigívelsentimental, não envelhece jamais.Mas isso não é tudo, é impossível e não seria salutarficar vivendo eternamente de lembranças.Elas são boas mas não alimentam nossa alma,sedenta de movimento, de ação, de progresso.Assim, com a bagagem das lembranças, descobrique a melhor maneira de prever o futuroé escrevê-lo.


Esperamos que a narradora possa ser, o maispossível, fiel aos fatos e que a memória afetivanão obscureça a realidade.No entanto, se pensarmos bem, a realidade é tãoprecária que, às vezes, deve-se mesmo permitiro caminho livre da imaginação.Que estas singelas lembranças possam contribuircom algo para quem com elas deparar,pois os tempos aqui relatados foram vividoscom intensidade e com muito amor e, só porisso, valeram a pena. Convido o leitor a acompanhar-menessa caminhada.A autora19


Francisco Dorce,D. Francesca Dolce e D. Mariquinha, emBelo Horizonte


Parte ICapítulo INasce uma EstrelaEsqueci o berço, não esqueci o colo.Álvaro MoreyraO sábado amanheceu chuvoso, meio frio lá paraas bandas das Alterosas. Era o mês de maio do anode 1944, a guerra continuava na Europa, implacávele violenta, havia blecaute, nem sempre seencontravam todos os alimentos, as guloseimaspreferidas, cada vez mais raras, mas vivia-se bem.Pelo menos em Belo Horizonte, Minas Gerais nosolar antigo, majestoso e bem cuidado da famíliaDolce, vivia-se bem.21Era uma casa cheia de amor, de firmeza, umverdadeiro matriarcado, comandado por quematravessara o oceano para tentar a vida do outrolado do mundo e não se intimidava com qualquercoisa. Eram duas mulheres fortes e valorosas –Francesca e Maria Yolanda.O filho mais velho, Franceschino, partira há muitotempo, buscando mais espaço para seus ideaislibertários e para sua música.A filha caçula, Maria Yolanda, que devia seunome à filha do rei da Itália, inteligente, sensívele trabalhadeira, restou sempre ao lado de suamãe, a matriarca Francesca Pieratoni Dolce.


22O velho Guido Dolce, o pai, por incompatibilidadede gênios, afastou-se da família no passado, porém,no fim de sua vida, como um velho guerreiropediu refúgio no castelo e lá foi bem recebido.Começou lá pelas 21h e a Mariquinha, frágil etemerosa, sofria e não fazia segredo de seustemores e de suas dores de parto.A signora Francesca, como era conhecida, posicionava-secontra mulheres darem à luz em maternidades.Bobagens, invencionices inúteis, costumescompletamente ignorados em Spazzavento, suaterra natal, um pequeno “paese” na longínqua eamada Toscana. Além disso, podia haver o riscode o bebê ser trocado. O bebê, porque não haviaa menor possibilidade de ser uma menina.Pois o fato é que o sábado virou domingo e faltavapouco para o raiar da aurora e nada da cegonhatrazer o rebento. Brevemente, viria o Sol,algo envergonhado, pois chovera pra valer nosdias anteriores, mas ele prometia estar presentena manhã de domingo, no entanto, as estrelasno céu relutavam em deixar seu lugar.Para a felicidade dos participantes da procissãoem louvor à Virgem Maria, que, às 5h, desfilavaem frente da casa da Rua Rio Casca, pararade chover.Dona Mariucha, a parteira, gorda que só ela, passaraa noite em claro, obrigando a parturientea fazer força, muita força. As outras mulheres


da casa, meio assustadas, obrigavam-se a mantero fogo aceso e a água fervendo, exigindo oconsumo de uma quantidade imensa de lenha,incessantemente cortada pelo velho Guido.(Nunca entendi por que ao se dar à luz em casaé preciso ferver tanta água).Francesca, em silêncio, apreensiva, testemunhavao sofrimento da nora, sempre acompanhadapelo seu rosário de pedras negras. Os gritosespalhavam medo entre os moradores da casae seus vizinhos próximos.Passado algum tempo, a parteira solenementeinformou: Não há nada que eu possa fazer, épreciso chamar uma ambulância, meus trabalhosterminam aqui. A parturiente precisa de um médicourgente, se não morrem mãe e filho.O quê?, esbravejou Maria Yolanda. A senhoranão arreda pé daqui. Corajosamente, pegouD. Mariquinha, pelos ombros, a parturienteesquálida, enfraquecida e quase desvalida, eordenou-lhe: Faça força, Maria (ela sempre serecusou a chamá-la por seu apelido), seu filhoprecisa nascer.Ela atendeu a esse apelo terminante e definitivo,fez a força final e eis que o bebê veio ao mundo.Berrando, como um verdadeiro Dolce, de boacepa, com sangue italiano nas veias, combinadocom muito Chianti e Valpolicela e outras misturas,não tão nobres, tomadas pelo pai e pelo avô.23


24A parturiente quase se foi, tamanho o esforçocometido, e por isso mereceu atenção de todosnaquele instante dramático, esvaindo-seem sangue.Esqueceram-se da criança, nem festejaram suachegada, tamanha aflição e martírio sofridospela mãe.Somente o Vô Guido percebeu que, nessa hora,se apagaram as estrelas do céu. Muito justo, começavaa brilhar uma estrelinha aqui na terra.Algum tempo depois, a própria parteira olhoupara o lado e viu um ser feinho e enrugado,embrulhado na toalha de linho do enxoval desua avó, que clamava a todos os pulmões e proclamou:É uma menina!Aquela informação caiu como uma bomba, avô,avó, tia, padrinho Ariston Santiago, amigos, todosesperavam um garoto, essa era a tradição nafamília italiana o primeiro filho deve ser maschio.Só a mãe da garotinha, em silêncio, festejou eagradeceu sorrindo o presente que o meninoJesus lhe enviara, finalmente teria, só para si,uma boneca de cachinhos dourados.No entanto, aquela aflição durou apenas umafração de segundo, pois a criança passou decolo em colo e depois de ter conferido os dedinhose outras partes do corpo em perfeitascondições, obteve a aprovação da matriarca,foi abençoada pelo avô e reconhecida como


herdeira, primogênita de uma antiga família,quase sem recursos financeiros, mas com muitadignidade, cujos primórdios, descobriu-se depois,remontam ao século XIII.Todo esse intróito foi para dizer que nascemoseu e a Sonia Maria no dia 14 de maio de 1944,em Belo Horizonte, Minas Gerais, precisamenteàs 6h5, uma manhã de domingo.O pai estava ausente, fora para Belo Horizonte,apresentar sua esposa à família e criar o corpomusical e de balé do Cassino da Pampulha, comolicença especial concedida pela Rádio Tupi-Difusorade São Paulo, para a qual prestava serviçoscomo maestro e pianista. Tão logo o local ficoupronto, a casa funcionando e o show encantandoos mineiros, teve que partir para seus compromissospaulistas.Lá deixou a mulher, gravidíssima impossibilitadade enfrentar a viagem de avião de volta, e só depoisde seis meses do nascimento de sua filha, éque pode conhecê-la, quando ambas retornaramà paulicéia para aqui fixar residência.No aeroporto, a emoção era demais, o pai nãosabia o que fazer, muita gente reunida pararecepcionar o bebê, que embora nascida mineira,seria paulista de coração, fé, convicçãoe eleição.Esperavam o avião, em Congonhas o clã dosBazoni, (família da mãe da criança) – tia Laura,25


tio Ninim, os primos Sheila, Sergio e um bandode amigos.O pai, já coruja e emocionado, com a filha nocolo disse: Ela é linda como os amores, talvezfosse mesmo. E foram todos tomar vinho e comeruma bela pasta sciutta na Rua Borba Gato, (hojeVirgílio de Carvalho Pinto), em Pinheiros, ondea nova família fixaria residência.A casa não era tão imponente, nem senhorialcomo aquela de Belo Horizonte, mas era um lar,na expressão total da palavra. Lá havia muitoamor, algumas briguinhas sem importância,claro, mas ali se comia muito bem. D. Mariquinhaera exímia cozinheira, aprendera com D.Carmen, sua mãe, que viera, recentemente deJaboticabal, em seu auxílio (muito tempo antesdeixara Cropalatti, Calábria, Itália) e lhe ensinaratodos os truques da cozinha calabresa.Aquela era uma casa repleta de fantasia, poesia,música e de artistas, pois ali eram ensaiados osnúmeros de canto e de orquestra dos programasde rádio dos quais Francisco Dorce fazia parte,e eram muitos.O nome original da família é Dolce. Por um errode ortografia o nome de Francisco foi grafadoDorce e esse erro comunicou-se à sua mulher –Maria Bazoni Dorce – e às suas duas filhas e filho –Sonia Maria Dorce, Márcia Dorce e FranciscoDorce Filho.27Sonia em seu primeiro aniversário


Despedida do cantor Machadinho do Clube Papai Noel,onde se vê Sonia aos dois anos de idade (frente à direita)


Capítulo IIOs Primeiros PassosNão importa quando nem como, sempre que sefizer necessário, acontecerá.Sonia DorceNinguém modifica ninguém, a gente nascecom os defeitos e qualidades, que no decorrerda vida vão se avolumando, aperfeiçoando oudeteriorando.O velho Chico Dorce sempre dizia quando asmães de criancinhas maravilhosas e geniaisapareciam pedindo-lhe que ensinasse sua prolea cantar, declamar, enfim, que transformasse osfilhos em artistas.29Minha senhora, eu posso tentar ministrar umaeducação musical no seu filho; ensiná-lo a serartista, jamais; isso é um dom, nasce com aspessoas. E, convenhamos, Sonia Maria nasceucom esse dom.No ano de 1946, o lar da família Dorce foi enriquecidocom a chegada de outra filha, a Márcia.Essa vinda trouxe muitas alegrias para todos epreocupação para os pais da pequena Sonia,que reinara sozinha até então. Como forma dealegrar a menina, além dos muitos presentesrecebidos, seu pai resolveu levá-la, com maisfreqüência, à Rádio Tupi e deixá-la, aos poucos,acompanhar um conjunto de crianças que fazia


30o coro de acompanhamento a um solista noprograma infantil que dirigia.Assim, timidamente, começou a aparecer nopalco da Rádio Tupi-Difusora, no programaClube Papai Noel. Esse programa tinha a direçãoartística de seu pai Francisco Dorce e a direçãogeral de Homero Silva.A proximidade de sua casa com a Rádio Tupi-Difusoraera tamanha que a menina fazia, às vezes,confusão e nem mesmo sabia onde terminavasua casa de verdade e onde começa a emissorade rádio.Homero Silva foi, nos fins dos anos 40 e início dos50, um dos maiores ídolos nacionais, criados pelorádio. Sim, porque graças à grande à potência daRádio Tupi e Difusora que chegava muito longe,atingindo muitos ouvintes, conjugados com suavoz marcante e personal, grande capacidade deimprovisação e inteligência, encantava a todos e,literalmente, arrasava os corações das moçoilasda época.Pode-se dizer, sem sombra de dúvidas, que HomeroSilva foi um dos mais importantes radialistasde seu tempo, sendo seu valor reconhecido porconta de inúmeros prêmios recebidos, da mesmaforma que, por aclamação popular, se tornou umpolítico de sucesso, tendo sido eleito duas vezespara o mandato de vereador e também por duasvezes ocupado cadeira na Assembléia Legislativado Estado de São Paulo.


Pelo programa Clube Papai Noel, passarammuitas crianças que se tornaram artistas – algumasdelas - Vida Alves, Lia de Aguiar, AldaPerdigão, Erlon Chaves, Walter Avancini, RegisCardoso, Lurdinha Pereira, Laura José Ribeiro,Wilma Bentivegna, Jane de Moraes, CidinhaCampos, Wanderley Cardoso e também SoniaMaria Dorce.No final dos anos 40, as pessoas não tinhammuita diversão, tudo era muito limitado, e orádio era a grande referência, transportava aspessoas para longínquas paragens e realizava osmais diversos sonhos.Na casa da família Dorce não era diferente, ouvia-serádio noite e dia, acompanhando os noticiários,as novelas, os programas de variedades,os concertos, enfim... Tudo.Numa manhã de março de 1947, ainda fazia frioe logo pela manhã houve um grande movimentode pessoas, estava chegando um caminhão enorme.Homens estranhos levaram o pequeno pianousado e meio desbotado e em seu lugar chegavaum reluzente alemão, marca C. Bechstein, novinhoem folha, com o teclado reluzente comoum sorriso impecável, e de cor bordô, bem forte,certamente em homenagem ao vinho tinto queo Velho Dorce tanto apreciava.Foi nesse piano que Sonia Maria aprendeu comseu pai, muito rigoroso e exigente, as primeirasnotas e de lá saíram muitos dedilhados, valsas de31


Chopin e algumas sonatas de Beethoven, infelizmente,deixadas para trás e esquecidas. Tambémera com esse instrumento que as crianças eartistas ensaiavam, era essa afinal a ferramentade trabalho de seu pai.Nas noites de segundas-feiras, quando o painão trabalhava à noite, a casa enchia-se de melodia,faziam-se saraus íntimos, D. Mariquinhacantava e acompanhava-se ao violão, entre asmúsicas, o inesquecível Corguinho, de Paraguaçu,estava sempre presente. As meninas eramapresentadas à boa música popular e clássicae aos livros, inicialmente os infantis e depois àgrande literatura.Também se contavam muitas estórias, de viagens,de fadas, de fantasmas, do passado, dasrevoluções vivenciadas e muito mais daquelassonhadas. Havia também as estórias do Bolim-Bolacho, que era um pouco o menino Francisquinho,mas também um personagem mistode ficção e realidade, baseado nas aventuras edesventuras do pai. Tamanhas eram as façanhas,que as filhas sempre indagavam: papai, issoaconteceu, realmente? Ao que ele respondia,sorrindo: se não aconteceu, a culpa é da realidade,tão pobrinha, tão sem imaginação!A menina, então, constatou que quem abre aboca, abre a imaginação.Seu pai tinha verdadeira adoração por livros.Comprava-os em grande quantidade, dos mais33


34variados temas, ficção, literatura, política. Para ascrianças, todo o tipo de novidades, com históriasinfantis, como a coleção de Monteiro Lobato,(livros com maravilhosa encadernação, marrom edourada) e também uma coleção que se chamavaO Tesouro da Juventude. Era uma coletânea comintenção enciclopédica, feita para crianças e jovense ajudava muito nos trabalhos escolares.Ele teatralizava todos os seus atos e gostavamuito de metáforas, naquela ocasião, disse paraas meninas: escondida dentro dessa coleção,há uma chave, quem encontrá-la será dono deum imenso tesouro. Sabendo disso, as meninascomeçaram a folhear os livros na busca da chaveespecial. Só mais tarde, puderam alcançar osimbolismo da expressão. E este dito virou brincadeiraentre eles.Naquela época e ainda hoje, as emissoras derádio resumiam-se em algumas diminutas salas,de pequenos estúdios e sonoplastia, além dosetor administrativo.Nos altos do Sumaré, um bairro meio afastadodo centro comercial da cidade de São Paulo,Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira deMelo, cabra valente e destemido, comprovandoa máxima de que não há limites para o homemque tem a capacidade de sonhar, começava aconsolidar parte de seu grande império, o embriãodas Emissoras Associadas – a Rádio Tupi eDifusora –, complexo que se costumou chamar


a Cidade do Rádio, ele que já era conhecido,de sobejo, no meio jornalístico, com os DiáriosAssociados e também porque iniciava o acervodo que veio a se constituir no mais importantemuseu de arte do Brasil – o MASP – Museu deArte de São Paulo Assis Chateaubriand.Esse conjunto de emissoras, além de grandepotência de transmissão, possuía muitas salaspara radionovelas, que eram o grande destaquedo momento, espaços para programas de variedades,noticiários, salas de ensaio para atores eorquestras, isso mesmo, havia muitas orquestras,entre elas, a Grande Orquestra Tupã, cujo regentee responsável era o maestro Francisco Dorce.Dentre seus músicos mais diletos sobressaíamClóvis e seu irmão Casé, que se tornaram famosossaxofonistas, e um jovem pistonista, carinhosamentechamado de Chupeta, por conta de suapouca idade – começara a tocar menor de idade -,Mário Pellegrini, e suas ladies crooners, - VidaAlves e Hebe Camargo.O final dos anos 40 e início dos 50 marcaram épocapor ser a era de ouro das orquestras. A GrandeOrquestra Tupã fazia muito sucesso em bailes,sobretudo os de formatura. Quase todo final desemana, percorria o interior de São Paulo comum repertório muito eclético, tocava foxtrote,boogie-woogie, samba e até mesmo tango, poisinserida na orquestra havia uma típica argentina,com bandoneons e tudo o mais.35


Havia também na Av. Alfonso Bovero local paraum grande auditório, onde eram apresentadosos programas humorísticos, de variedades, musicaise aos domingos lá pelas 10h o esperadoClube Papai Noel – cujo slogan era o Clube deRádio das Crianças do Brasil.O interesse do público era tão grande que, jápelas primeiras horas da manhã, se formavamimensas filas de pessoas interessadas em assistirGrande Orquestra Tupã, com Francisco Dorce ao piano


ao espetáculo dos artistas mirins. As senhoras,em roupas de festa, os homens com paletó egravata e as crianças todas engalanadas.A força de penetração do rádio era imensa.Como maior veículo de comunicação de massada época, os ouvintes praticamente viam tudoque era falado no rádio.Radionovelas e radioteatros, os programas devariedades, os noticiários, os musicais e até osconcertos eram acompanhados pelos ouvintescom devoção quase religiosa.A menina lembra-se de uma radionovela acompanhadapor sua mãe, avó Carmem, e Tia Laura –era uma estória de patinadores. Ela nem sabiabem o que isso significava. Nunca vira um rinquede patinação em sua vida, mas vibrava com asperipécias dos atores, sobretudo quando a heroínapatinava, ao lado de seu amado, ao somda Valsa dos Patinadores.37Tempos depois, chegou à capital o espetáculoHoliday On Ice com um verdadeiro rinque de patinaçãono gelo, coisa absolutamente inédita noBrasil. A família Dorce inteira foi assistir ao show.Mas para desilusão da pequena Sonia, aquelerinque de patinação, que ela vira, idealizara nanovela do rádio era mais bonito, mais colorido,mais enfeitado, porque fora elaborado por suaimaginação infantil.


38O programa Clube Papai Noel não se resumiaem ser somente uma transmissão radiofônica, ascrianças se reuniam com os dirigentes, HomeroSilva, Francisco Dorce, José Paniguel, o locutore amigo, Zita Martins, professora de canto e depiano, que ensaiava alguns pequenos cantores,muito pais e mães das crianças partícipes, todosunidos, realizavam um trabalho voluntário ebenemérito donde aflorava um verdadeiro clubesocial, com troca de conselhos e experiências, auxiliomútuo, de receitas, de costuras, havia umapreocupação com o desempenho escolar e social,chegando até a se suspender a apresentação dascrianças que não correspondessem aos padrõesde comportamento desejado. Era algo sui generis,uma manifestação como não houve igual norádio brasileiro. Acabou inspirando programasde rádio, nos mesmos moldes, pelo Brasil.O Clube Papai Noel foi transmitido de 1938 até1967, ficou 29 anos no ar, mais ou menos com omesmo formato. Na maior parte desse período,o programa foi apresentado por Homero Silvae em suas ausências, por Sonia Maria.Faziam-se também diversas campanhas beneméritasem prol das crianças carentes, como ocaracterístico Natal das Crianças Pobres, quelevava para os altos do Sumaré uma quantidadeenorme de pessoas buscando as cestasde alimentos e brinquedos arrecadados pelosfamiliares e amigos das crianças do programaD. Mariquinha e Sonia a caminho do Clube Papai Noel


Festa de aniversário de Clube Papai Noel, com Sonia eHomero Silva, ao fundo


Clube Papai Noel e da população em geral.Havia uma mobilização, uma integração daspessoas nesse trabalho voluntário, do qual participavamtodos os artistas na venda de rifas earrecadação de alimentos e brinquedos.As pessoas ligavam e pediam que determinadoartista fosse até sua casa com os talões das rifas.Para ter esse privilégio era preciso comprar pelomenos um talão completo de rifas, que corresponderia,nos dias de hoje, algo em torno deR$500,00 (quinhentos reais).Muitas vezes, Sonia era convidada a ir até a casados fãs. Ela gostava muito, pois era quase semprerecebida com festa, doces, refrigerantes e,às vezes, até brinquedos, além das casas seremlindas e todos muito gentis, aproveitava a oportunidadepara conhecer gente muito importanteda sociedade paulistana. As famílias se reuniame compravam muitos talões. Sonia Maria era acampeã de vendas. Também, a menina declamavamuitas poesias, em troca das rifas. Os prêmiosdas rifas eram ótimos, mas ninguém ligava muitopara isso; o público queria mesmo ter seus artistasnas suas casas.Numa dessas ocasiões, foi convidada pela famíliaMatarazzo a ir até lá, pois iriam comprar 10 talões.Foi uma data memorável, além de ser umaótima venda, a menina iria ingressar por aquelesmagníficos e protegidos portões no casarão daAv. Paulista.41


42Sonia foi acompanhada de seu pai e teve nachegada uma calorosa recepção. Eles não tiveramnem tempo de conhecer a casa, pois haviammontado uma verdadeira festa nos jardins, emvolta da piscina e Sonia, que queria tanto conhecera casa, ficaria só na vontade.Foram servidos lanches e doces, refrigerantes,sucos e sorvetes e a menina morrendo de curiosidadede conhecer o interior, para depois contarvantagens para suas amiguinhas. Lá pelas tantas,conseguiu escapar das vistas de seu pai e entrounuma das salas, cuja porta estava aberta. Paraseu desespero, uma formidável e estridentecampainha começou a soar, alertando todo oquarteirão, e em segundos apareceram muitosseguranças, além de todo o pessoal da casa. SoniaMaria, aterrada, estancada no meio da sala,não entendendo o que se passava. Estava ligadoum alarme no chão da sala, assim que a meninapisou nele... O mundo veio abaixo! (ou acima,como queiram). Foi um terror!O velho Chico Dorce, na hora, ficou muito embaraçado,depois, o caso foi motivo de muitosrisos, até hoje lembrado pela família.Guardadas as devidas proporções, as campanhasdaquela época, assemelhavam-se às feitas hoje emdia pelas grandes redes de televisão, em termosde mobilização das pessoas, só que tudo era feitopessoalmente, mão na mão, olho no olho, poisnão havia a contribuição (?!) da tecnologia.


Das festas de final de ano, nas quais havia umagrande confraternização, participavam não só osintegrantes do Clube Papai Noel, mas de todosos artistas da emissora. Eram realizadas na Caixad’Água da Sabesp – nem sei se a empresa já tinhaesse nome -, em frente à Rádio e TV Tupi. Aempresa cedia o espaço, outras ajudavam, comoa Companhia Antárctica Paulista oferecendo asbebidas, mesas e cadeiras, a Companhia Paulistados Refinadores enviava açúcar e café, as pessoasprovidenciavam as comidas, doces e salgados,havia música, muita música, cantoria e alegriade vida, a criançada corria solta pelos jardins.Para as meninas da família Dorce e, certamentepara as outras crianças também, aquele lugarera algo como uma floresta encantada, tantoespaço, tantas árvores, tantas plantas, se possívelfosse a comparação.Um dia desses, voltamos aos jardins da velhaCaixa d’Água. Para nossa surpresa o lugar continuamágico, envolvido no manto diáfano dafantasia, das doces lembranças infantis, por suasvielas pudemos escutar o riso abafado e os passosesquecidos daquelas crianças maravilhosas quefomos um dia.Dentro desse ambiente, Sonia Maria Dorce, com3 anos fez sua estréia no rádio, cantando Taí, equase pondo em perigo a carreira da PequenaNotável, a inigualável Carmen Miranda. Essemomento memorável foi registrado em disco43


44de acetato por Arlindo Cocilfo, que com DarcyCavalheiro eram responsáveis pela sonoplastiado programa. Deu início a sua atuação nos meiosartísticos, só interrompida às vésperas de seucasamento, em 1968.O programa Clube Papai Noel tinha uma horade duração, e Sonia Maria começou cantando edepois declamava poesias do cancioneiro nacional,as dos românticos e parnasianos, passandopelos modernistas e contemporâneos, comoCastro Alves (Vozes D’África e Navio Negreiro),Olavo Bilac, Colombina, Guilherme de Almeida,Jorge de Lima, Carlos Drummond de Andrade,Manuel Bandeira, Raul de Leoni, Heitor Maurano,Menotti Del Picchia, Olegário Mariano, LuluBenencase, diretor de um famoso programa derádio, Festa na Roça, escrevia poemas caipiras,especialmente para ela.Coripheu de Azevedo Marques, renomadojornalista do célebre programa Frente Sonora,que também tinha uma sensível veia poética,escreveu-lhe diversos poemas, entre eles, o maisfamoso, Recordação, que por conta da enormerepercussão, fez as pessoas acreditarem quea pequena era realmente órfã de mãe, tamanharealidade dominava sua interpretação, elaprópria chorando e levando às lágrimas todosaqueles que a assistiam.Para registro aí vai a poesia, inédita até agoraque, por sua singeleza e sensibilidade, mereceser lembrada:


RecordaçãoCoripheu de Azevedo MarquesMamãe,Tenho uma saudade louca de você...Me lembro muito de você,Quando pequena mal sabia andar, me faziade dura,Botava um pé aqui, outro lá, caía no chão, começavaa chorar,E você, assustada, me acariciava, me embalava,cantava, pra me fazer rirMamãe,Tenho uma saudade louca de você....Me lembro muito de você,Me lembro dos brinquedos que juntas brincamos,Roda, cabra-cega, berlinda, chicote-queimado,Mas eu gostava mais de brincar de esconder.Você ficava atrás da porta e eu procurava, procurava,E quando cansava, bastava fazer um beicinhopra chorarE você logo aparecia pra me acariciar,E eu tudo esquecia pra rir.Mamãe,Tenho uma saudade louca de você...Um dia, você inventou um novo brinquedo,Ficou quieta, sossegada, nem falava.Depois foi pra dentro de um caixão,Tomou um carro feio,Todos diziam pra mim45


Sua mãe foi se esconder.Então, eu procurei você, procurei,Fiz beicinho, chorei, e você nunca mais apareceu.Fiquei com raiva do brinquedo de esconder!46Em muitas poesias que recitava havia palavrasdifíceis, desconhecidas da menina. Nova intervençãodo Chico Dorce, ele com paciência,muitas vezes, procurando no dicionário, praticamentetraduzia o alcance e significado decada expressão, para que as palavras tivessemsentido, justificando a interpretação da menina.Esta providência rendeu excelentes frutos, poisaumentou o vocabulário dos dois, sendo útilpela vida afora, inoculando o germe do amor erespeito às palavras, cultivado até hoje.Após sua estréia, no meio radiofônico, por seruma menininha saliente, com grande memória,falante e desinibida, era convidada a participarde outros programas para o público adulto eeventos na Rádio Tupi-Difusora, tornando-se averdadeira mascote das emissoras.O tempo passava e na primeira infância é valioso,pois as referências são muitas e há sempre umaenorme sede de aprender por parte das crianças.Nesta época, foi vital a participação de seu painesse aprendizado. Ele mesmo um autodidata,não poupou esforços para transmitir à garota omáximo de informação possível, ao que ela aten-


Sonia entregando a medalha de Os Melhores do Rádio eda TV a Régis Cardoso (segurando o microfone)


dia prontamente, sem nenhuma dificuldade. Erauma diversão para ambos.Apesar da infância, foi adquirindo tarimba e familiaridadecom o microfone e, sobretudo, como público. Os fãs escreviam muitas cartas e quemas respondia era sua mãe, D. Mariquinha, pois,apesar de matriculada no jardim-de-infância doColégio Machado de Assis, obviamente não sabialer nem escrever.D. Mariquinha, mãe de Sonia, nasceu Maria BazoniDorce, foi cantora desde tenra infância, eapreciadora inconteste dos velhos carnavais desua terra natal, Jaboticabal, onde nasceu aos20 de fevereiro de 1917, falecendo no dia 10 denovembro de 1999.O Grêmio Juvenil TupiQuando as crianças atingiam a idade de 14 anos,se quisessem continuar suas atividades artísticaspassavam a integrar o Grêmio Juvenil Tupi,programa mais ou menos nos mesmos moldesdo Clube Papai Noel, mas com enfoque para ajuventude, em que praticamente os jovens compunhama programação, sob a direção artísticade Francisco Dorce e supervisão de Homero Silva,também apresentador.Era feita uma grande festa de despedida dojovem artista que se desligava do Clube e outrarecepção de chegada no Grêmio Juvenil.49


50Esse programa ia ao ar imediatamente, depois doClube Papai Noel, e por lá passaram ilustres personagens,quase todos artistas mirins do antecessore também circulava por lá, um jovenzinhoainda tímido, meio verde, mas muito promissor,que fazia um pouco de tudo – José Bonifácio deOliveira Sobrinho – o nosso querido Boni.


Capítulo IIIO Aparecimento da TelevisãoE não sabendo que era impossível, ele foi e fez.Sonia DorceTelevisão. O que seria isso?Certamente essa preocupação não povoava nemimpressionava o imaginário de Sonia Maria,envolvida em seu pequeno mundo de fantasiasinfantis, brinquedos e bonecas.No entanto, uma grande preocupação dominavaa atenção dos artistas, diretores e técnicos derádio, todos estavam ressabiados com esse desconhecidoveículo de comunicação, que poderiaser do bem, aceitá-los e aumentar-lhes a renda,mas também um agente do mal, a rejeitá-lose até destruí-los. Quais seriam os aceitos pelopúblico, como seriam as imagens, enfim, milinterrogações e temores.51Questionava-se, tal como ocorrera há tempos,por ocasião do advento do cinema falado, emcontraponto ao cinema mudo, quais seriam asimplicações que esse novo objeto transmissorde imagens poderia ter. Será que o rádio iriaacabar? Mas antes de tudo isso, pairava umaligeira desconfiança no ar, uma incredulidadeaté – viria mesmo televisão para o Brasil? Quemoperaria os equipamentos, quem seriam os atorese apresentadores?


52E mais, qual deveria ser o comportamento daspessoas diante de uma câmara de TV, qual a atitude,que tipo de roupa vestir, como se pentear,se movimentar, os óculos seriam bem aceitos(questão que se levanta até os dias de hoje),enfim muitas indagações.Comentava-se na ocasião que Hebe Camargo, joveme muito bela, uma cantora que conquistavaa todos por sua simpatia e espontaneidade, teriaperguntado a Homero Silva, se era verdade quea televisão tornava as pessoas feias e gordas, aoque Homero retrucou: Não se preocupe, Hebe,você ficará muito bonita.A televisão para a maioria dos atores e mesmodos técnicos era um enigma, uma surpresa, umainterrogação!O que se sabe é que uma pequena equipe detécnicos foi enviada aos Estados Unidos paraaprender o manuseio dos equipamentos, entreoutros o engenheiro Mário Alderighi e o técnicoJorge Edo. Para os artistas nenhum ensinamentomais especializado, eram todos crias do rádio eninguém tinha sequer visto televisão na vida.Dos Estados Unidos veio um engenheiro, WalterObermuller, da RCA americana, para supervisionara equipe. As primeiras inspirações de comointerpretar diante de uma câmara de TV forambuscadas no cinema, mas na verdade a linguagemera outra.


Silas, Zezinho do Pandeiro, Hebe Camargo, Nelson Novais,Francisco Dorce e Lolita Rodrigues, nos estúdios da Rádio Tupi


54Quando se escrever a História do século XX, noBrasil, principalmente o período da fase difícilde sua consolidação como nação livre, deveráter registro especial e destacado o nome de AssisChateaubriand. Jornalista primoroso, professorrespeitado, empresário vitorioso, intelectual,animador cultural, político, diplomata, divulgadorapaixonado das coisas e das causas de seupaís, líder de muitas campanhas nacionalistas.Outros empreendedores, responsáveis pelas empresas,juntaram-se aos sonhos e delírios de Chateaubriand,tais como a Companhia AntárcticaPaulista, a Sul América de Seguros de Vida e suassubsidiárias, o Moinho Santista e a OrganizaçãoFrancisco Pignatari.Em janeiro de 1950, chegaram ao Brasil, peloporto de Santos, os equipamentos da TV Tupi deSão Paulo, vindos dos Estados Unidos. Toda essaparafernália subiu a Serra do Mar com destinoao Sumaré, depois de, praticamente, paralisar ocentro da cidade.A torre de transmissão foi transferida para osaltos do edifício do Banco do Estado de SãoPaulo, na esquina da Av. São João, no coraçãoda cidade, o local mais alto, a fim de possibilitarimagem de boa qualidade a todos os telespectadores,que eram muito poucos. Na mesmaépoca, previdente que era, Assis Chateaubriandpensou: Não adianta nada trazer equipamentospara gerar imagens de televisão, se não houveraparelhos receptores das transmissões.


Mandou vir dos Estados Unidos, mais ou menosduzentos aparelhos de televisão e distribuiu-ospor alguns lugares mais ou menos públicos dacidade, como a Casa Mappin, Mesbla, Cássio Muniz,Jóquei Clube Paulista, o prédio da Rua Setede Abril, onde funcionavam os Diários Associadose ainda deu alguns, para amigos e conhecidos.Francisco Dorce, além de seu emprego na RádioTupi Difusora, desempenhando funções demaestro, pianista, arranjador, produtor, diretor,etc., para poder manter sua família (mulher,duas filhas e a sogra) também fazia gravaçõesde jingles para rádio e ainda tocava em boatese nightclubs, como L’Auberge de la Marianne,de propriedade da Marjorie Prado, no CabaretOK, de propriedade do velho Arcuri, na boatedo Hotel Esplanada, nas boates Oásis, Chicote,Muradas e outros. Muitos desses locais freqüentadospor Assis Chateaubriand, quando de suaspassagens por São Paulo.Foi daí que nasceu uma camaradagem entre osdois, e já havendo uma simpatia mútua, acentuou-se,com a graça da pequena Sonia, o VelhoCapitão, como veio a ficar conhecido Chateaubriand,resolveu dar-lhe também um aparelhode televisão.Era um móvel imponente, que ocupava um grandeespaço na sala de visitas, de cor escura, comportinholas adornadas por puxadores dourados.55


56Era lindo, mas completamente sem utilidade,pois, quando as portas eram abertas, nada sepodia colocar lá dentro, pois havia uma tela de19 polegadas, que não transmitia nenhuma imagem.Na verdade, era um trambolho. Confirmandoo que se dizia, jocosamente, na época: Teatroé vida, cinema é arte, televisão é mobília.Passaram-se os tempos, aquele móvel tornouseum mero elemento decorativo e todas assegundas-feiras, dia de feira nas proximidades,D. Mariquinha enfeitava a casa dispondo sobreo móvel encantado, um lindo vaso de flores.Um belo dia, o professor Dorce resolveu ligar ofio na tomada e apareceu a figura enorme de umíndio americano, mal-humorado, cheio de chiados,que povoara o imaginário dos presentes,e ele profetizou que sua filhinha iria aparecernaquela telinha. Ninguém acreditou.Um pouco mais distante, no Sumaré, a agitaçãoera grande. Dermirval Costalima comandava adireção artística e um jovem intrépido e valoroso,com apenas 23 anos de idade, tomou para si asresponsabilidades de assessorá-lo: seu nome CassianoGabus Mendes. Era filho de Otávio GabusMendes, importante homem do rádio paulista,que também fora diretor artístico da Rádio Tupi-Difusora, seguiu-lhe os passos e, tempos depois,acabou sobrepujando-o.Passados os primeiros tempos, Cassiano foi-seaperfeiçoando na arte de decifrar a televisão e


esteve, durante muitos anos, à frente da TV Tupi,como diretor artístico e depois, supervisor geralda programação. Nos idos de setembro de 1950,contudo era praticamente um garoto talentosoe lá no Sumaré, ultimavam-se os preparativospara a grande função de estréia.Os apresentadores Homero Silva, Walter Forster,atores e atrizes todos empenhados naquelaimportante ocasião, quando estava nascendo aPRF3TV – Tupi e Difusora – Canal 3.Começaram as transmissões de experiência parase testar os equipamentos e os apresentadores.Numa delas cantou o Frei Mojica, que fizeramuito sucesso no passado como ídolo do rádioe cinema mexicanos e agora abraçava o sacerdócio.Lima Duarte faz troça até hoje, observando,o contra-senso de um homem trajando hábitoreligioso cantar apaixonadas canções de amor,que compunham seu repertório. O mais interessanteé que as pessoas estavam fazendo história,antecipando um grande momento nacional enão tinham preocupação com isso.Todos estavam concentrados para dar o melhorde si, com garra, determinação e uma consideráveldose de improviso, que caracteriza a almanacional. Anunciou-se que a inauguração datelevisão se daria no dia 5 de setembro, o queacabou não ocorrendo, a verdadeira inauguração,depois de algumas experiências em circuitofechado no prédio dos Diários Associados, acon-57


58teceu no dia 18 de setembro de 1950, às 22h00,e a transmissão se deu para a capital, num raiode 100 quilômetros.Um pouco antes do dia 18 de setembro, o ChicoDorce também ensaiava seus primeiros passoscomo dublê de técnico em televisão, com o auxíliodo Roberval de Sousa, esse sim um especialista:improvisaram uma antena, no alto de um prédio,vizinho de sua casa, para captar melhor a imagemenviada pelo Sumaré, pois nas tentativas detransmissões só se viam chuviscos, acompanhadosde muitos chiados. No dia da primeira transmissãooficial, nada disso poderia acontecer.Sua providência foi colocar o enorme aparelhode TV na janela da frente de sua casa para queos vizinhos e passantes da rua pudessem presenciaro acontecimento, sobretudo porque doismoradores da casa, ele mesmo e sua filhinhairiam aparecer. Dizem que foi um sucesso, a ruasimplesmente parou, sua avó serviu bolo de fubáe café e as pessoas ainda um pouco incrédulaspuderam testemunhar esse fato histórico. Oprograma de inauguração – TV na Taba – reuniupraticamente toda a equipe de artistas, cantores,músicos, humoristas, técnicos e diretores daRádio Tupi-Difusora.Os letreiros foram desenhados por Mario Fanucchi,diretor de arte, apresentando as atrações –só um pouco depois iria nascer o Curumin, oindiozinho, também de sua autoria, que setransformaria na marca da Tupi.


Como não podia deixar de ser, também estavamlá as crianças do Clube Papai Noel e entre elasa pequenina Sonia Maria Dorce, do alto de seusseis anos, com um cocar de índio na cabeça, maisuma brincadeira do Chateaubriand, foi convocadapara, de dentro de um pequeno estúdio,que era a cabine dos locutores, dizer: Boa-Noite,está no ar a televisão do Brasil.Eram três as câmeras que fariam as transmissões,um pouco antes do início do programa, umadelas quebrou.O engenheiro americano não suportou a tensão,e crendo que não seria possível levar-se ao arum programa de variedades com 90 minutosde duração, tendo somente duas câmeras funcionando,foi para o hotel, afogar seus temoresem vapores etílicos.Independentemente da presença do americano,valeram a garra, competência e dedicaçãodaqueles brasileiros, os quais, não só puseramno ar a emissora, como realizaram um belíssimoprograma com a verdadeira prata da casa. Entreos cameramen, destacavam-se Walter Tasca, ÁlvaroAlderighe, Carlos Alberto; Zogomar Martinsoperou o boom; Gilberto Botura era o homem dailuminação; o maquinista, responsável pela montagemdos cenários, José Fortes; entre os técnicosaprendizes destacava-se Elio Tozzi (que mais tardeviria a se casar com Lucia Lambertini, a primeira einesquecível Emília, do Sítio do Pica-pau Amarelo,imortal criação de Monteiro Lobato).59


60O prefixo musical de abertura, na inauguração eque acompanhou a emissora até o encerramentoera um tema de Heitor Villa-Lobos, feito porum coral de índios Parecis, reunido, ensaiado edirigido por Lucila Villa-Lobos.Estavam presentes os apresentadores HomeroSilva, Lia de Aguiar, Yara Lins; quase todo o conjuntode cantores: Wilma Bentivegna, Os 4 Amigos,entre eles Sidney de Moraes, Rosa Pardini,Osny Silva e outros; os comediantes Mazzaropi,Geny Prado e João Restiffe fizeram o quadroRancho Alegre; o humorista Pagano Sobrinho;as atrizes Miriam Simone, Helenita Sanches(que mais tarde se casaria com Cassiano GabusMendes); o cronista esportivo Aurélio Campos; abailarina Lia Marques dançou o balé Romance Espanhol,com o cantor Marcos Ayala; um pequenoteatro escrito e interpretado por Walter Forster,com Lia de Aguiar; um solo de piano com o elegantemaestro Rafael Pugliese; a Escolinha doCiccilo, escrita e dirigida por Paulo Leblon, comos artistas Xisto Guzzi, João Monteiro, Simplício,Lulu Benencase, Walter Avancini; a madrinhada televisão, a poetisa Rosalina Coelho LisboaLarragoni; Maurício Loureiro Gama leu a crônicaEm Dia com a Política; a orquestra do maestroGeorges Henry e o solista Willian Fourneaud; omaestro Renato de Oliveira; enfim, estou citandomeramente alguns nomes, e tenho medo de esqueceralguém, salientando que Lolita Rodriguescantou o Hino da Televisão, poema de autoria de


Guilherme de Almeida com música de MarceloTupinambá, pois Hebe Camargo, escalada parafazê-lo, teve um compromisso inadiável e nãopôde estar presente.Houve também uma atração internacional, algoque se chamaria atualmente de clip, da cantoracubana Rayto de Sol (escandalosa, com as pernasà mostra) e seu bongozeiro Don Pedrito.Por volta da meia-noite, a programação foi encerradaao som de Acalanto, música de DorivalCaymmi. Nesta altura dos acontecimentos, SoniaMaria dormia o sono do dever cumprido em suacasa.Dizem os presentes que, após o término doprograma, todos, artistas, técnicos e auxiliares,fizeram um verdadeiro carnaval nos estúdios.Brinquedo novoPalavras de Cassiano Gabus Mendes em entrevistaà revista Propaganda, de Armando Ferrentini,25 depois da inauguração:A gente abria a câmara no estúdio, punha aHebe Camargo, o Aurélio Campos para fazeruma ceninha e ia testando, vendo como funcionavao switch, aquelas coisas todas e tambémpondo nome em tudo, porque até nomenclaturafaltava. Não havia ninguém para ensinar, tudoera na base da intuição. Eu definiria, assim, ocomeço da televisão: Tínhamos um brinquedonovo nas mãos e fomos brincando com ele atéaprender a usá-lo como devia.61


Sonia na tela da TV Tupi


Hino da Televisão Tupi-DifusoraGuilherme de Almeida e Marcelo TupinambáVingou como tudo vingaNo teu chão PiratiningaA cruz que Anchieta plantouPois, dir-se-á que ela hoje acenaPor uma altíssima antenaA cruz que Anchieta plantouE te dá num amuletoO vermelho, branco e pretoDas contas do teu colarE te mostra num espelhoO preto, branco, vermelhoDas penas do teu cocar.Inegavelmente, os primeiros anos foram marcadospelo aprendizado, constituindo-se numa descobertadiária, numa incansável improvisação aovivo. Os atores e os técnicos não tinham a necessáriaformação profissional. Os recursos tecnológicoseram primários, com o equipamento mínimo esuficiente para manter a emissora no ar.Mas mesmo assim, em janeiro de 1951, inaugurava-sea TV Tupi – Canal 6 no Rio de Janeiro;em março de 1952, a TV Paulista, Canal 5; emsetembro de 1953, a TV Record – Canal 7, ambasem São Paulo.Embora ainda longe de ter encontrado uma linguagempropriamente televisiva, naquela época,São Paulo era considerado o melhor centroprodutivo, além de pioneiro.63


64Com reduzido horário de permanência no ar,em geral das 18h às 22h, com exceção da programaçãodos domingos que se iniciava às 9he encerrava às 14h para retornar às 18h, nosprimeiros tempos, a linha dos programas erabastante variada e cobria diferentes áreas deatividades. Mas os programas eram inconstantes,saindo do ar após curta duração.Lista das emissoras da rede das Associadas pioneirasda televisão do BrasilPRF 3 TV Tupi de São Paulo, Canal 3 – São Paulo18/9/1950TV Tupi – Canal 6, Rio de Janeiro – 20/1/1951TV Itacolomy – Canal 4, Belo Horizonte8/11/1955TV Piratini – Canal 5, Porto Alegre – 20/12/1959TV Rádio Clube – Canal 6, Recife – 4/6/1960TV Brasília – Canal 6, Brasília – 20/4/1960TV Rádio Clube – Canal 4, Goiânia – 7/9/1960TV Itapoá – Canal 5, Salvador – 19/11/1960TV Ceará – Canal 2, Fortaleza – 26/11/1960TV Paraná – Canal 6, Curitiba – 19/12/1960TV Goiânia – Canal 4, Goiânia – 5/9/1961TV Marajoara – Canal 2, Belém – 30/9/1961TV Vitória – Canal 6, Vitória – 16/12/1961TV Borborema – Canal 9, Campina Grande21/9/1963TV Coroados – Canal 6 – Londrina – 1963Assis Chateaubriand era fascinado pelas coisasdo Brasil, sobretudo pelos índios. Em 1935, o


slogan de sua primeira estação de rádio eraTupi – A Cacique do Ar. Continuou batizandocom nomes indígenas as demais emissoras queintegravam a rede das Emissoras Associadas peloBrasil afora.Dessa forma, surgiram a Rádio Tamoio, Poti,Tupã, até o apelido geral de Taba Associada.Foi o responsável pela implantação da televisãoem 11 dos 21 Estados brasileiros existentesna época, além da de Brasília. A Rede Tupi deTelevisão era formada por estações como Piratini,Itacolomy, Marajoara, Itapoã, Tamandaré,Borborema, Anhangüera, Corumbá, Uberaba eassim por diante.(Almanaque da TV – 50 Anos de Memória e Informação,por Rixa)Sonia Maria participou do programa, no momentoda apresentação do grupo, representando oClube Papai Noel declamando uma poesia deLulu Benencase, O Bêbado. Para interpretar essenúmero, vestia-se como um menino, dando maiorforça à personagem, algumas crianças cantaramacompanhadas ao piano por Francisco Dorce.Mas o tempo foi correndo, o programa, marcadopara entrar às 21h, começou com atraso de quaseuma hora, os artistas foram-se apresentando,conforme o roteiro, tudo corria bem; lá pelas22h30, seu pai ainda tinha que acompanhar aopiano o número de Rosa Pardini. A menina, cansada,não teve dúvida, encontrou um praticável65


66desimpedido atrás do grande cenário, criadopor Carlos Jacchieri, auxiliado por Ruben Barra,e tirou um cochilo. O Chico Dorce, acabada aaudição, veio em seu auxílio e tomaram o rumode sua casa, deixando para trás a grande festade comemoração, que se realizou no JóqueiClube Paulista, seguido de um jantar de gala naCantina do Romeu para os funcionários.Houve algum folclore a respeito das celebrações:conta-se uma estória que Chateaubriand, numato arrojado, teria espatifado uma garrafa dechampanhe em uma das câmeras de TV, danificando-a.Pura fantasia, não se imagine que umhomem sagaz, que enfrentou tantas dificuldadese problemas para tornar realidade um feitodaquela natureza, iria cometer tamanho desatino.Nos estúdios, figuras ilustres da sociedadepaulistana: o Governador do Estado, Sr. LucasNogueira Garcez, diretores dos Diários Associados,entres eles Edmundo Monteiro, Rui Aranha,o bispo auxiliar de São Paulo, Dom Paulo RolimLoureiro. A verdade é que o bispo abençoou acasa, aspergindo água benta no equipamento,todavia sem causar dano algum.No meio de seu discurso, dizem ter Chateuabriandproferido essas palavras: Vamos saudar ainauguração do mais subversivo instrumento dacomunicação deste século. (Seria um dito jocosoou profético?)Estava oficialmente inaugurada a televisão doBrasil - PRF 3 TV Tupi-Difusora, Canal 3 – a pio-


neira da América do Sul, a quarta televisão domundo, na cidade de São Paulo, graças à determinaçãode um homem que se recusava a aceitarum não como resposta, o valente e indomávelAssis Chateaubriand, que teve o respaldo debravos companheiros, dispostos a enfrentar odesafio e a superá-lo.Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira deMello, seu nome completo. Para os mais íntimosChatô. Seus empregados e seguidores maispróximos o chamavam de Dr. Assis ou Dr. Chateaubriand.Mas, popularmente, era conhecidocomo Assis Chateaubriand, pois assim assinavaseus artigos diários, também cognominado OVelho Capitão. Nasceu em Umbuzeiro, Estadoda Paraíba, filho de Francisco ChateaubriandBandeira de Melo, em 5 de outubro de 1892 efaleceu em São Paulo em 4 de abril de 1968.Chatô pontificou no jornalismo brasileiro comouma estrela de primeira grandeza, falando porsi não somente o seu valor literário, que o levouà Academia Brasileira de Letras, mas tambémo mundo jornalístico por ele criado, fazendofuncionar dezenas de jornais, rádios e emissorasde televisão por todo o território nacional sob adenominação de Diários e Emissoras Associados,num trabalho, à época, de bandeirantismo eintegração nacional.Não se pode negar que a televisão inauguradaem 1950 transmitia programas variados, alguns67


68considerados elitistas, em virtude do seu públicotelespectador, pois em decorrência dos altospreços dos aparelhos, comprados somente pelaspessoas de alto poder aquisitivo, desconheciaseainda, a força de comunicação popular donovo veículo.Dentre os gêneros encarados com seriedade, oteleteatro, o jornalismo e a novela tiveram permanênciamais duradoura. Importantes obrasnacionais e estrangeiras eram exibidas comexcelentes níveis de adaptação e interpretação.Os cenários, apesar dos poucos recursos, eramextremamente criativos, e os adereços, complementadospelos atores.O telejornalismo, outro gênero constante, eratodo ele lido pelos apresentadores, as filmagensnos locais dos acontecimentos vieram aos poucos,as externas eram complicadas e custosas,requerendo um equipamento especial, além depessoal qualificado.As telenovelas apesar de constantes na programação,desde 1951, não tinham a duração das atuaisnem eram exibidas diariamente. As mais significativasforam as novelas infanto-juvenis, com bomnível de encenação e intenção educativa. No geraleram levadas ao ar duas vezes por semana.Entre muitos erros e representativos acertos, osconhecimentos técnicos foram se aprimorando,os profissionais sendo diplomados pela prática.Em meados da década de 50, o veículo iniciou


sua imposição como meio de comunicação,definindo seus caminhos, dando sinais de suapermanência. No dizer do saudoso Luiz Gallon,pioneiro e talentoso na direção de TV: Éramospoucos, mas tão unidos que parecíamos um só.Começaram a aparecer as primeiras publicaçõesespecializadas em divulgar a programação enovidades sobre os artistas, consumidas avidamentepelas pessoas, sobretudo por aquelas quenão possuíam aparelho televisor.As fontes de informação, mesmo precárias, acabavamproduzindo certo efeito e todos ficavamsabendo o que estava acontecendo nas emissorase nas vidas dos artistas de rádio e agoratambém na televisão. As falsas informaçõespululavam, guardadas as devidas proporções,como hoje em dia.A televisão proporcionava farta matéria paraa mídia impressa. Nos primeiros tempos, quemfornecia a programação diária da televisão era ojornal O Diário de São Paulo, do próprio grupo Associado.Logo depois surgiria a revista Sete Dias naTV, lançada por Roberto de Almeida Rodrigues,tendo sido a primeira revista especializada nessenovo veículo, resistindo por mais de 15 anos.Depois vieram outras com boa tiragem, entre elas,São Paulo na TV. A então já famosa Revista do Rádionão perdeu tempo, e ampliou seu título paraRevista do Rádio e da Televisão, para que seusleitores não migrassem para outras publicações.69


Sonia e Homero Silva em cena de Gurilândia


Capítulo IVO Dia Seguinte e os Outros DiasNão espere a sede para cavar o poço.provérbio árabePassado o rebuliço do primeiro dia, eis-nos dianteda realidade de dar continuidade à programação.É bem verdade, como salientado, essa não era,nem de leve a preocupação da nossa heroína, maso caso é que a televisão fora inaugurada numa segunda-feira,e em verdade o único programa queestava pronto para ser apresentado era o ClubePapai Noel, que por sugestão do próprio HomeroSilva, na telinha passara a se chamar Gurilândia,e assim foi feito. No domingo seguinte à inauguração,as crianças a postos, compenetradas,desempenhando suas funções, e nesse primeiroprograma lá estava Sonia Maria declamando apoesia de Jorge de Lima, Nega Fulô. E continuouapresentando-se regularmente.71Fora da TV era convidada, com muita freqüência,para fazer shows em clubes, cinemas, teatros,hospitais e casas de saúde, orfanatos e asilos develhos, e onde mais houvesse um espetáculo epúblico ávido para assisti-lo.Ao menos uma vez por mês, fazia shows gratuitos,nos quais cantava, declamava, contava pequenasestórias para as crianças e adultos do Hospital das


72Clínicas, no Leprosário Santo Ângelo, no Hospitaldo Câncer, pois era membro honorário do Clubedo Siri, da saudosa D. Carmen Prudente.Os médicos comentavam sempre que, após essesespetáculos, havia uma significativa melhora doestado geral dos pacientes. A menina cumpriabravamente essa longa jornada, e seu pai, crendoque esse era um dom da criança jamais cobrouum centavo por qualquer dessas apresentações.Esse era o espetáculo que todos queriam sempre,e com ela iam também algumas crianças do ClubePapai Noel, o professor Dorce, certamente, eos membros de sua família, mãe e irmã e às vezesaté a prima Sheila, que sempre esteve muitoperto das duas meninas.Sua irmã Márcia, mais nova e ainda bem pequenina,certa feita reclamando desses longos e àsvezes, inconvenientes expedientes, confessoua Ana Maria Neuman, na época jovem garotapropaganda,novata na carreira: Eu não queroseguir a carteira artística, é muito chato!Iniciava-se o ano de 1951, e foi nessa época que apequena começou a perceber que na folhinha osnúmeros mudavam, e com ele os dias, os mesese o ano. Parece que a partir dessa descoberta,os anos começaram a correr vertiginosamente enão pararam mais.Nessa ocasião, a popularidade de Sonia Maria começavaa crescer em face de suas apresentaçõesnos programas infantis. Sua graça e espontanei-


Em Gurilândia, com Homero Silva, Célia Silva, Florinha eDécio Zilberkan (ao fundo), no quadro Sala de Visitas


74dade conquistavam a todos; semanalmente recebiamuitas cartas, com perguntas sobre sua vidapessoal, sua carreira e com pedidos de fotos.O número de televisores ainda era pequeno emSão Paulo, porque custavam caríssimo, algo emtorno de U$ 5000.00 (cinco mil dólares) e aindanão havia as facilidades do crediário, e depois porqueo número de aparelhos disponíveis para vendaera pequeno, eles ainda eram importados.Foi só a partir de 1952 ou 53, que começaram achegar, de fato, os aparelhos para o grande público,com preços mais acessíveis, e, logo depois,iniciou-se a fabricação dos primeiros aparelhosnacionais, pela marca Invictus, de propriedadede Bernardo Kojubej, cuja filha Raquel veio aestudar, em 1957, com nossa menina no ColégioRio Branco.É importante ressaltar que a televisão brasileirafoi feita por profissionais vindos quase todos dorádio, sem nenhuma experiência nesse veículode comunicação; assim, conclui-se que não seimitou ninguém, contrariando a máxima doimortal Chacrinha: Em televisão, nada se cria,tudo se copia. Naquela época, era exatamente ocontrário, tudo era criado, original, de primeirae, diga-se, já se faziam programas com elevadaqualidade artística, realizando um trabalho degrande valor cultural. Vivia-se num mundo maravilhoso,onde não havia preocupação comercialou mesmo com a audiência. Era quase no estiloArs pro Artia (A arte pela arte)


Por conta da escassez de aparelhos de televisão,criou-se uma figura esdrúxula e sem parâmetrosanteriores: o televizinho. Os vizinhos mais amigos,e às vezes, os nem tanto, interessados emassistir àquele fenômeno com sons e imagensdentro de casa, eram convidados ou mesmotomavam a iniciativa, e chegavam na hora dedeterminados programas, partindo logo queacabasse. Os mais íntimos ficavam até o fim daprogramação, o que acontecia por volta das 22h;ainda não havia programação vespertina oumatinal, com exceção do domingo. Praticamenteestava encerrado o chá da tarde, ou pelo menosseriamente comprometido; o chá, cafezinho,os bolos e bolinhos foram transferidos para oshorários dos programas. Na casa da Rua BorbaGato estavam, espalhadas pela sala de visitasinúmeras cadeiras extras, destinadas aos televizinhos,e certamente a freqüência aumentavaquando Sonia Maria aparecia na telinha, paraorgulho de sua avó.Por ocasião do fim do ano, o programa ClubePapai Noel realizava uma grande festa de encerramento,geralmente no Teatro Municipal deSão Paulo, com um show de uma hora e meia deduração cuja apresentação era feita por HomeroSilva e a condução por Sonia Maria Dorce. Atemporada durava 3 dias, de quinta a sábado,na primeira semana de dezembro.Dessa audição especial, além de astros da TVTupi e das crianças participantes do programa,75


76também eram convidadas artistas mirins deoutras cidades e Estados, que participavamde semelhantes programas infantis e, assim,mobilizavam-se toda a garotada além dos maisexpressivos cantores nacionais.Vinham crianças de muitos lugares; em contrapartida,em épocas especiais, eram nossascrianças que os visitavam. Os ingressos para osespetáculos eram vendidos e muito disputados,sendo a renda revertida em prol da Campanhado Natal das Crianças Pobres.Essas apresentações foram realizadas entre osanos de 1950 e 1957. Quando não havia agendano Teatro Municipal, o show era transferido parao Teatro Santana ou Teatro Colombo.Era uma glória essas apresentações, a casa cheia,as crianças vibrando, e o público deliciando-secom o bom espetáculo apresentado.Por conta dessas apresentações, em 1952, foioferecida para Sonia e sua irmã Márcia, pelaProfessora Diva Leite Chaves de Faria e seu marido,Sr. Carlos Coelho de Faria, proprietáriosdo Externato Meira, situado na rua Padre JoãoManuel, nos Jardins, uma bolsa de estudoscompleta. Também foram estudar no colégio osfilhos de Homero, Célia e Homerinho.O colégio era lindo, cheio de árvores, com muitosbrinquedos, até o ônibus escolar ia buscaras irmãs. Mas como as irmãs moravam longe,eram as primeiras a entrar no ônibus escolar e as


últimas a serem entregues. Às vezes, as meninaschegavam dormindo, tão longo era o percurso;outras vezes, esse expediente atrasava seu horáriode ensaio nas novelas; enfim não foi umaboa experiência para a família, e, sendo assim,seu pai, no final do ano, resolveu, depois deconfabular com a mulher, tirar as meninas docolégio, e assim foram as duas matriculadas noGrupo Escolar Alfredo Bresser, que acabava deser reinaugurado, bem perto de sua casa, ondeelas nem sequer precisavam de condução, e ondecompletaram o curso primário. Sonia Maria,depois iria estudar no Colégio Rio Branco, ondefaria o curso ginasial e clássico, seguindo diretopara a Faculdade de Direito do Largo de SãoFrancisco – USP.Túlio de Lemos, um notável autor de programaspara o rádio, que mais tarde viria consagrar-secomo redator responsável pelo famoso programaO Céu é o Limite, apresentado inicialmentepor Aurélio Campos, o criador da expressãoAbsolutamente Certo!, aproveitando o carismada menina, sugeriu a criação de um seriado,em 1951, que se chamaria De Mãos Dadas, comHeitor de Andrade e Sonia Maria Dorce. Era orelato de aventuras e desventuras de um paiviúvo e de sua filhinha. O mote do programaera a imagem das mãos dadas dos atores principais,simbolizando a amizade e carinho entre ospersonagens, pai e filha. Foi ao ar, pela primeiravez, no mês de março de 1951.77


78Este programa era inicialmente, patrocinadopela RCA Victor, e Sonia Maria acabou ganhandoseu segundo aparelho de televisor, que foi paraa casa de sua tia Laura, irmã de sua mãe.O sucesso foi grande, ela começou a ser chamadade garota-prodígio, pois ela era muitodesinibida, falava sobre diversos assuntos, emocionava-sede verdade, chorava nas cenas maistristes, sem usar nenhum recurso artificial, alémde declamar poesias quilométricas.Começaram também as comparações com ShirleyTemple, atriz americana que fizera um estrondososucesso, nas décadas de 30 e 40, nos EstadosUnidos. A comparação poderia ser feita, mas aintenção de imitá-la, jamais, pois a pequena SoniaMaria jamais assistira a um só filme da artista americanaque a precedeu em fama e desempenho.As diferenças eram imensas, a atriz americanaera bem empresariada, tinha um esquema publicitáriogrande à sua volta, foi devidamente comercializadapela indústria do cinema. Ganhoualém de muito prestígio, dinheiro.A atriz brasileira ficou só com o carinho de seusfãs. E como a glória é efêmera e de curta duração,hoje convive com o carinho de amigos e familiares.E isso lhe basta, sem nenhum ressentimento. Parafalar a verdade, o dinheiro nunca lhe fez falta, elateve todas as coisas que seu dinheiro pode comprare mais, teve todas as outras que seu coraçãopode sonhar. Isto é ser verdadeiramente rica.


Sonia e Heitor de Andrade, ensaiando De Mãos Dadas


Sonia e Heitor de Andrade, na novela De Mãos Dadas


Naquele tempo, não havia possibilidade detreinar uma criança para falas arranjadas ementrevistas e aparições públicas. Tudo era feitoao vivo, quase sem ensaio ou preparação elaborada,e as respostas eram espontâneas e porvezes embaraçosas também.Muitas pessoas pensavam ser ela órfã por contada declamação emocionada do poema Recordação,quando as lágrimas afloravam comfacilidade, e agora, com o advento da série emque interpretava novamente uma menina órfãde mãe, os fãs tiveram a confirmação do fato. Aeterna confusão entre persona e personagem.Cartas chegavam aos montes, com oferecimentode adoção para a pequena, ao que todos em casariam, pois D. Mariquinha, felizmente, estava bemsaudável, à frente da orientação e educação desua primogênita.Os programas de que participava, em sua grandemaioria, eram dirigidos ao público adulto.Tratavam, quase sempre, de dramas familiares,com um fundo de moral ou educativo e a participaçãoda menina transforma-se no pontocentral da trama.O elenco da TV Tupi era de alta qualidade técnicae artística, atores experientes, quase todosadvindos do rádio, mas o elenco não era muitonumeroso. Não havia tantas caras novas, comoatualmente. São tantos os atores e atrizes quenem dá para decorar-lhes os nomes, e logo em81


82seguida começa outra novela, sobrepujando-seà anterior, e o telespectador fica perdido naprofusão de nomes e personagens e tramas.No início da era da televisão, justamente por faltade pessoal, os artistas se revezavam nos maisdiversos papéis, nas telenovelas, grandes teatrose também fazendo as vezes de apresentadores.O mesmo acontecia com a Sonia Maria, sendoa única menina no elenco da TV Tupi, oficialmentecontratada, praticamente não saía dovídeo. Faziam até piada, dizendo que a meninaaparecia mais que o indiozinho, símbolo da TVTupi. Foi filha, irmã mais nova, neta, sobrinha depraticamente todo elenco da Tupi. Os programasde que participava, quase sempre, tinham essaapresentação:PRF 3 - TV Tupi ApresentaSonia Maria Dorce em...Por não saber ler direito, uma vez que estavacomeçando a cursar o primeiro ano primário econseguindo somente soletrar as sílabas, seu paie sua mãe respondiam às cartas, decifravam-lheos textos. Geralmente, os programas tinhamentre meia e uma hora de duração e poucospersonagens, as suas falas eram muitas, mas porconta da sua boa memória e de seus poucos anos,as coisas fluíam facilmente. Pai e mãe de artistasofrem, ao que sua irmã Márcia completaria:irmã também.


O seriado De Mãos Dadas ia ao ar às 20h, às terçase quintas-feiras e os scripts saíam sempre unsdois dias antes. Era só o tempo de pegar o textoe ir correndo para casa decorar. A pequena tinhasempre as falas na ponta da língua e desempenhavacom tanta naturalidade que o diretor decena, muitas vezes o próprio Cassiano, quasenenhum retoque fazia, apenas apontava-lhe amarcação. Os mais velhos tinham enorme dificuldadepara decorar, pois vindos do rádio, aindanão haviam se habituado com essa nova modalidade.Muitas vezes, Sonia, percebendo que seuparceiro esquecera a fala, dizia para o ator ouatriz o que ele/ela deveria falar, salvando muitasvezes a cena no ar, pois tudo era ao vivo.Certa feita, seu pai pegou o script e levou paracasa para ensinar a pequena a decorar. Às 15hera o ensaio, e o programa seria transmitido às20h do mesmo dia.Quando começaram os ensaios, Sonia percebeuque estava com o texto errado, seu pai pegara ocapítulo da semana seguinte. Pânico!! A garotatinha uma grande participação, e a questão era:daria tempo para decorar as falas?Felizmente deu tempo, graças à perícia de seuspais e a dedicação da pequena. Às 20h o programaentrou no ar e todo o texto foi cumprido.Coisas da TV ao vivo!Sonia continuou fazendo programa na rádiotambém. O Encontro das Cinco e Meia era um83


84programa tradicional na Rádio Tupi e em cadadia uma dupla de atores reunia-se para suasaventuras radiofônicas.Quintas-feiras eram o dia do encontro de SoniaMaria com seu pai radiofônico, Amaral No vaes,que era o autor e diretor do programa. No rádio,toda a programação era lida, como estavainiciando seu alfabetizado, decorava suas falas,pois seria impossível ler o script.Sonia adorava fazer rádio, continuou nessa atividade,independentemente de sua atuação natelevisão. Fazia muita coisa, novelas, programasinterativos, de conselhos amorosos e de variedades,e também declamava poesias. Muitosde seus colegas de faculdade iam até o Sumaréassistir a esses programas de rádio, e era umadiversão acompanhar seu desenrolar, as seqüênciascom o contra-regra e tudo mais.Muito precários, ou propriamente inexistentes,o guarda-roupas e decoração dos cenários. Asroupas usadas em cena eram dos próprios artistas,e quando se precisava de algum elementodecorativo especial para complementar o cenário,os artistas traziam de suas casas. Só bem maistarde, tivemos o Seu Henrique Canales, irmão doWalter Stuart, para cuidar da contra-regra.Durante todo o ano de 1951, empenhou-senas apresentações do seriado De Mãos Dadas –1ª Fase.


Um dia, em meados de 1951, seu pai foi chamadoao Departamento do Pessoal da empresa edisseram que ele precisaria providenciar algunsdocumentos para a formalização de seu contratoprofissional. Iam ficando para trás os temposde amadorismo.A emissora pedira carteira profissional de menor,para a assinatura do contrato de trabalho,documento impossível de ser obtido, uma vezque a legislação não permitia que menores de12 anos trabalhassem.A solução foi recorrer-se a um alvará especial, concedidoanualmente pelo juizado de menores.Para obtê-lo era necessário ir à Rua Asdrubaldo Nascimento, no centro da cidade, onde selocalizava a sede do Juizado de Menores, pois ojuiz de menores da época exigia sua presença.Na verdade, ele era seu fã e essa seria uma oportunidadede vê-la declamando especialmentepara ele e para seus funcionários. Esta práticafoi mantida até Sonia Maria completar 14 anose obter sua carteira profissional de menor; forammuitas as tardes lá no Juizado de Menores, mastambém muitos amigos foram feitos.A concessão dos alvarás anuais tornava-se umafesta, pois ao final sempre alguém servia docinhos,salgadinhos e refrigerantes.Foi então que, com sete anos de idade, a pequenatornou-se profissional, ganhando Cr$ 500,0085


(quinhentos cruzeiros) por mês, que mal pagavamas vacinas antialérgicas importadas, que eramaplicadas pelo Dr. Varoli, para o tratamento antiasmático(no final das contas, elas nem fizeramtanto efeito, pois a asma perdura até os dias dehoje. Dra. Cássia, sua médica pneumologista,que o diga!).As irmãs Dorce: Márcia e Sonia


Mas, de qualquer forma, era uma ajuda, e serviriampara mais tarde, custear-lhe os estudos ecomprar alguns alfinetes.À medida que ficava mais conhecida, apareciampessoas interessadas em dar-lhe presentes,oferecer um mimo de qualquer natureza, doces,fotos, imagens de santos, amuletos, flores,bichinhos de pelúcia, fotos, roupas, sapatos,enfim coisas interessantes e outras inusitadas,que acabavam por abarrotar o quarto que Soniadividia com a irmã.No início da televisão, uma dupla de comediantesfazia grande sucesso – Fuzarca e Torresmo.Foram os primeiros palhaços a se apresentaremna telinha, com seu humor saudável e brincadeirasinocentes, que tinham participação fixa epredominante no programa Gurilândia, levandoencantamento e diversão para as crianças comseu humor ingênuo e sadio.A dupla foi vista atuando no Teatro Odeon, porHumberto Simões, que a recomendou ao CassianoGabus Mendes. Fizeram enorme sucessoe conseguiram, tempos depois, um programapróprio, As Aventuras de Fuzarca e Torresmo.Nele, também, atuava o filho do Torresmo,ainda bem jovem como o palhaço Pururuca. Oprograma teve 14 anos de duração.Torresmo cujo nome real era Brasil José CarlosQueirollo, faleceu aos 78 anos, no dia 19 de87


Sonia participando de As Aventuras de Fuzarca e Torresmo


agosto de 1996. Torresmo vinha de uma de tradicionalfamília circense; seu pai fora o famosopalhaço Chicharron, que encantou as platéiasinfantis pelo mundo afora.Albano Pereira, o Fuzarca, vez ou outra representavaem novelas e espetáculos para o públicoadulto e, estranhamente, interpretava papéis devilão, mal-encarado; ele, que caracterizado de seupersonagem infantil era adorado pelas crianças.A dupla também realizava inúmeros shows forada TV, tendo iniciado o hábito tão comum hojeem dia de animar festas infantis, nas quais aítoda a família participava, mulher e filhos.Outra dupla de palhaços que, mais tarde, tambémagradaria muito às crianças era Arrelia ePimentinha, tio e sobrinho; Waldemar e WalterSeyssel, se apresentavam no Canal 7, TV Record,por volta de 1954/55, em programa próprio, oCirco do Arrelia.89Arrelia, antes de começar seu esquete, fazia umapantomima com a bengala que o caracterizava,assim como o diálogo que se repetia:Como vai, como vai, como vai? Como vai comovai, vai, vai.Eu vou bem, respondia Pimentinha.Muito bem, muito bem, muito bem. Muito bem,muito bem, bem, bem.


90Todas as crianças presentes participam aos gritosdesse repetido e divertido cumprimento.O que caracterizava o humor dos anos 50 e iníciodos 60 na TV eram a ingenuidade e brejeirice.Os humoristas, em geral, e os palhaços em especial,dirigiam seus textos, quase que, exclusivamente,para as crianças, e o próprio públicoadulto não aceitava piadas picantes ou gestosindecorosos na televisão, nem mesmo insinuaçõesmaliciosas ou vestidos curtos demais, transparentese estimulantes, como hoje em dia.Essa também era a linha de conduta norteadorados programas humorísticos, o que traz à mentecom clareza dois programas: a Escolinha do Ciccillo,na TV Tupi, canal 3, e a Praça da Alegria,no início da TV Paulista, canal 5, comandadopor Manoel de Nóbrega, pai de Carlos Alberto.Durante muitos anos, manteve-se no ar, semprenos mesmos moldes, com os passantes da praça,contando sua proezas, de maneira inocente ejocosa, que fazia a delícia das noites paulistas.Os prêmiosNo início do ano de 1952, chegou ao solar dosDorce uma carta da ABEARRE (era a Associaçãoque concedia o mais categorizado prêmio dorádio e da televisão), informando que Sonia Mariafora agraciada com o prêmio Roquette Pintocomo Revelação Feminina, e que haveria umagrande festa no Teatro Cultura Artística para aentrega, no começo do ano seguinte.


Roquette Pinto (nascido no Rio de Janeiro em25 de setembro de 1884, faleceu em 1954)foi importante homem público, antropólogoe explorador intrépido, ao lado de CândidoRondon teve grande atuação em prol dos índiosdo Brasil e na fundação de Rondônia. Foipraticamente o fundador do rádio brasileiro,realizando em abril de 1923, somente três anosdepois da criação do rádio nos Estados Unidos,a primeira transmissão especial de rádio – fundandoa Rádio Sociedade do Rio de JaneiroPR1 – A. No dia 1º de maio do mesmo ano, feza primeira transmissão experimental na PraiaVermelha, no Rio de Janeiro. No início do governodo presidente Arthur Bernardes, graças aseus esforços, viu sair a autorização para irradiaçõesno Brasil, desde que para fins educativos.Criou o lema: O Rádio é a escola dos que nãotêm escola, é o jornal dos que não sabem ler,é o mestre dos que não podem ir à escola, é odivertimento gratuito do povo.O pai de Sonia não cabia em si de contentamento,pois esse era o mais prestigioso e cobiçadoprêmio outorgado aos artistas de Rádio e agoratambém de TV, e sua filhinha estava entre oscontemplados. A menina logo foi informada:Soninha, você vai ganhar o papagaio! Era, assim,que carinhosamente as pessoas apelidavam oprêmio, pois representava a figura de um papagaioem frente a um microfone.91


92A notícia deixou-a extremamente alegre, poispor causa de seu problema alérgico jamais puderater em casa nenhum animal de estimação.Mas aquele caso era diferente, tratava-se de umprêmio e sua mãe não poderia recusar abrigoao bichinho.Os agraciados com o prêmio foram convidadospara um almoço de confraternização no RestauranteItamaraty, no Largo de São Francisco,próximo à Rádio Record, cujo endereço era RuaQuintino Bocaiúva.Quem recepcionava era o querido e saudoso BlotaJúnior, coordenador e mestre de cerimôniasdo prêmio, naquela ocasião. Em meio à festança,perguntou à Sonia como se sentia pelo fato deser a primeira criança a receber o prêmio. Aoque ela prontamente respondeu: Estou muitocontente, mas o único problema é que tenhoreceio que minha mãe não me deixe ficar com obichinho, e além de tudo não sei como cuidar deum papagaio, nem sei o que ele come!, crenteestava que receberia um papagaio de verdade.Os presentes riram muito da inocência da criança,mas tiveram de comunicar-lhe que não setratava de um papagaio de verdade, mas de umtroféu feito de bronze e latão, representandoum papagaio.Um pouco decepcionada, ela agradeceu a honraria,pois se tanta gente muito mais importantee famosa do que ela estava presente e


tão alegre por causa do prêmio, devia ser umacoisa boa, e ficaria muito deselegante mostrarseu desapontamento.Chegou, finalmente, o dia da entrega dos prêmios.Sonia Maria estava divina com um vestidocor-de-rosa, de tule e rendas, especialmenteconfeccionado pela Casa Clô para a ocasião,cabelo cacheado, sapato novo, e improviso deagradecimento decorado, previamente preparadopor seu pai.A festa estava esplendorosa, como num contode fadas, afinal corriam os maravilhosos e fulgurantesanos 50, e para as festas de gala, eraexigido traje social completo. Toda a sociedadepaulistana e pessoas do meio artístico e culturalestavam presentes.Os artistas homenageados, na segunda parte doespetáculo, costumavam fazer um número especial,Sonia Maria faria uma pequena representação,com um texto chamado Vitrine de Brinquedos,escrito e dirigido por Ribeiro Filho, seria a bonecae Erlon Chaves o palhacinho de brinquedo.A entrega dos prêmios foi no Teatro CulturaArtística, que naquela ocasião, era muito grandee estava lotado. A festa foi irradiada somentepela Rádio Record e Emissoras Unidas, da famíliaPaulo Machado de Carvalho. Por ser um eventodaquela empresa, a TV Tupi não transmitiraa programação, apesar de muitos dos artistas93


94de seu elenco serem agraciados com o prêmio.Assim, a televisão não transmitiu esse feito, poissomente em setembro de 1953 a Rede Recordiria inaugurar suas atividades.Para ela, aquela festa fora a maior e mais bonitaque tinha presenciado. Todas aquelas flores,as luzes, a música, aquelas pessoas tão bonitas,perfumadas e bem-vestidas, os repórteresquerendo saber como ela estava, tirando fotos,eram demais para um pequenino coração. Todosa postos na coxia, e seu nome foi chamadopor Blota Júnior, elegantíssimo em black-tie,acompanhado por sua não menos elegantemulher Sonia Ribeiro.Entrou no palco, sendo muito aplaudida, poisera a maior novidade conceder-se um prêmio daqueleporte para uma criança, jamais aconteceraantes. Havia algo mais inusitado em cena: ao ladodo apresentador, que segurava o prêmio, estavauma imensa gaiola com um lindo papagaio verde,com um grande cartaz: Soninha este já foi batizado,chama-se Roque. Estavam lá para ajudar aentregar os prêmios, Blota Júnior e Sonia Ribeiro,Armando Rosas e Vicente Leporace.A imprensa fartou-se de noticiar esse presente. Eo bichinho viveu muitos anos na casa dos Dorce,sempre cuidado pela avó Carmen, pois apesar dechamar a menina o dia inteiro, ninguém podiachegar perto da gaiola, tão arisco ele era.


Com o papagaio Roque


PRF 3 TV96Sonia Maria Dorce, a garotinha colosso da TVTupi, foi contemplada com o Roquette Pinto1952, como a revelação feminina do ano. Tivemosa ocasião de ouvir a cerimônia de entregado prêmio que lhe coube, e ficamos verdadeiramenteemocionados com os aplausos de todosquantos lá estiveram para receber os prêmios.Além do papagaio de bronze, a Soninha recebeuda ABEARRE, um papagaio de verdade que lhefoi entregue por Blota Júnior e Armando Rosas.O Papagaio foi batizado de Roque.(Mauro Pires, Folha da Noite)E foram todos para casa, a família aumentada deum personagem – o pequeno Roque, e tambémo prêmio, que até hoje ocupa lugar de destaquena estante de livros. A esta honraria seguiramsemuitas outras, também diplomas, medalhascomo Os Melhores do Ano, em 1955, prêmioconcedido pela Gazeta Esportiva; Os Melhoresda TV, em 1956, prêmio do jornal Última Hora,em reconhecimento ao seu talento e trabalho;ainda, no ano de 1955, outro Roquette Pintocomo melhor atriz infantil, prêmio especialmenteinstituído para ela e jamais tendo sidoconcedido a outra criança.


Capítulo VDo Ziguezague para a TelaDesceu correndo as letras do alfabeto e chegouao princípio do mundo.Paulo BonfimNo final de 1951, Francisco Ricci, um apaixonadopor cinema, que há muito sonhava em realizarum longa-metragem, associou-se ao fotógrafoJosé Pinto Filho e puseram-se a trabalhar noargumento e na captação de recursos para concretizaro projeto. Convidaram Sonia Maria paraestrelar o filme cujo título seria A Queridinhado Meu Bairro.O filme foi rodado com poucos recursos técnicose financeiros; os atores, amadores em sua maioria,mas contava com a força do nome de algunspioneiros do rádio e da TV, como Rosa Maria, aprimeira garota propaganda, que na película erapar romântico de Roberto Oropallo, um jovemmuito boa-pinta, para se usar uma expressão daépoca, que por coincidência, era seu irmão navida real (hoje ele é um dos proprietários da Casada Fazenda, no Morumbi, e continua amigo dafamília), além de Maria Estela Barros, veteranano rádio, entre outros.Havia algumas cenas no filme que não agradavamà menina, muitas vezes tentava reveros diálogos, observando que as pessoas não97


Em cena do filme A Queridinha do Meu Bairro


falavam daquele jeito, chegando até a ensinaras inflexões (ela era muito metidinha). Algumasvezes, teimava em mudar as cenas, os diálogos eas marcações, e o mais estranho é que na maioriados casos, ela estava certa, pois acabavam serendendo a todos aqueles palpites impositivos.No entanto, o produto final parece ter agradadoao grande público, que acorreu solícito aos cinemasda capital e de outras cidades do Brasil, comoRio de Janeiro, Santos, Campinas, Sorocaba, Jundiaí,Curitiba e Belo Horizonte, para onde SoniaMaria foi obrigada a se locomover para promovero filme e estar mais perto de seus fãs.Essas viagens eram um verdadeiro acontecimentona família. Iam todos, o casal e as duasfilhas. Viagens de avião, hospedagens em hotéismaravilhosos, restaurantes de luxo, todas asmordomias de uma grande estrela.Nessas ocasiões, prevalecia sempre o espíritoinfantil e as duas irmãs procuravam divertir-seao máximo, esquecendo-se que tudo aquilo eraum trabalho e não uma grande farra.As crianças de outras cidades e mesmo de outrosEstados jamais tinham visto a pequena na TV, poisas transmissões eram restritas à capital, mas porforça da publicidade iam aos cinemas para conhecerde perto o novo ídolo mirim que surgia.Até mesmo os políticos reivindicavam sua presença,assim, nas viagens às cidades, era preciso cum-99


prir uma série de formalidades e visitas oficiaisEram inúmeras audiências em câmaras de vereadores,prefeituras e até palácios do governo.Na volta dessas viagens, ficava enriquecido o arsenalde brinquedos e suvenires ofertados pelos fãs,que eram guardados com distinção. Não se ganhavadinheiro, mas recebia-se muito carinho.Certa feita, encontrando-se com Silvio de Abreu,na noite de lançamento do livro do Boni, 50 por50, celebrando os 50 anos da TV, nos salões doJóquei Clube Paulista, este lhe confessou quechegou a pensar em lançar uma série para TVGlobo chamada A Queridinha do Meu Bairro,uma paródia do filme, tendo Cláudia Raia comoestrela, mas em seguida a artista engravidou eo projeto foi esquecido.O filme fez uma carreira considerável para aépoca, pois ficou mais de três meses em cartaz,na capital, inicialmente no Cine Art Palácio, tendoestreado no dia 20 de dezembro de 1953, seguindocarreira no antigo Cine Bandeirantes, no Largodo Paiçandu, e depois nos bairros e em outrascidades. Institui-se a prática da menina se apresentarao vivo antes de algumas sessões. Quemfazia a apresentação da garota antes da exibiçãodo filme era a atriz Vera Nunes, depois todos iamao Restaurante Papai, na Av. São João.E o apelido pegou. Sonia passou a ser tratada pelaimprensa como Queridinha. Esse apelido nunca foide seu agrado, mas assina as cartas e bilhetes parasuas filhas com MQ - Mãezinha Queridinha.101Em cena do filme A Queridinha do Meu Bairro


102O enredo do filme tratava de uma criança, filhade mãe solteira, uma moça de família muitorica, que não poderia suportar escândalo dessanatureza. A moça, por imposição de seus pais, foiobrigada a deixar a criança em um matagal paraser encontrada e criada por outra família. Quemachou a criança foi um senhor solteirão, que crioua menina como se fosse sua filha e ela, muitoboa e dengosa, por seus atos e obras, tornou-sea queridinha do bairro. O tema é singelo, bem agosto das crianças de então. Não vou contar todaa história para não tirar o sabor do mistério, casoalguém tenha a chance de vê-lo.A título de informação, o Museu da Imagem edo Som de São Paulo tem uma cópia do filme,em péssimo estado de conservação, infelizmente.Quem conseguiu para a família uma cópiaincompleta do filme foi Primo Carbonari, quepossui um acervo maravilhoso, que mereceriamais atenção dos órgãos especializados.Sem recursos financeiros e sem patrocínio, ofilme demorou mais de ano para ser rodado eum tempo imenso para ser editado, musicado,dublado, enfim terminado. Mas quando o filmefoi lançado, a garota estranhou ver sua cara natelona. Sua família, é claro, adorou.Em verdade, é um filme de limitado valor artísticoou técnico, apesar da excelente fotografiade Toni Rabatoni, mas vale como registro deuma época em que era possível fazer cinema


com parcos recursos e mobilizar grande públicopara acompanhá-lo.Não houve pagamento antecipado, nem mesmocontrato pelo seu desempenho no filme, se houvessealgum retorno financeiro, seria algo advindodo desempenho da arrecadação nos cinemas,o chamado bordereau (borderô, o faturamentoda bilheteria). Nas primeiras três semanas, o filmeesteve num circuito de 10 cinemas entre os docentro e os de bairro, bem razoável para a época,e pelo fato de a menina estar presente no CineArte Palácio na semana de estréia, depois noCine Bandeirantes, os demais cinemas do circuitotambém quiseram ter essa primazia.Lá ia a família para as sessões da matinê e vesperalpelos cinemas dos bairros de São Paulo, dosmais próximos aos mais distantes. Nessa ocasião,havia fila para autógrafos, para entrega de florese de presentes. O público precisava ser contidopor seguranças, tamanho o assédio.Uma noite, a família já ia se recolher, apareceJosé Pinto Filho, que já se tornara íntimo, tamanhaa convivência ao longo desse dois anos, comum bolo enorme de dinheiro. Era o resultadodo borderô, não sei quanto havia, mas erammuitas notas.Entregaram o dinheiro nas mãos de Sonia Maria,que sem saber o que fazer jogou-as para o alto,como se fosse confete, causando um grandesusto em todos, especialmente para sua mãe,103


104que não gostava desses arroubos, sobretudo comdinheiro, elemento que ela respeitava sobremaneira,pois fazia grandes exercícios para regularo orçamento doméstico, sempre apertado.O fato é que eram muitas notas, mas quase todasde valor muito pequeno e a quantia era praticamenteinsignificante, para ser computada comopagamento pelo desempenho em um filme, secomparada aos dias de hoje. Também não foidesta vez que ela iria enriquecer.A Queridinha do Meu Bairro foi lançado no fimde 1953, e sua exibição decorreu no ano de 1954,coincidindo com os festejos do IV Centenário daCidade de São Paulo, efeméride em que Soniatambém teve participação.O filme foi distribuído pela Companhia Cinedistrie foi desta maneira que se consolidou umagrande amizade com a família Massaini, sobretudocom Oswaldo, o patriarca, que persiste atéagora, na pessoa de Aníbal, seu filho.Uma grande parte do filme foi rodada nos estúdiosna companhia Maristela, em Mairiporã, eoutra, na Vera Cruz, em São Bernardo do Campo,e lá também foram feitas as dublagens. Muitosdos arranjos musicais foram compostos por FranciscoDorce, que também regeu a orquestra.Sonia Maria recebeu prêmios da Rádio Gazeta edo jornal Última Hora, do jornal A Hora, por suaatuação nesse filme como melhor atriz infantil


e como revelação, pois já veterana na televisão,se iniciava nesse novo campo artístico.Em seguida ao lançamento, de seu primeiro filme,foi convidada a rodar outro, A Um Passo da Glória.Também esse filme foi realizado pelo Estúdio PintoFilho, e como de outra feita, o fator financeiroera mínimo, mas o Chico Dorce, mais escolado, fezum contrato de prestação de serviços, prevendotambém uma participação na bilheteria.O filme, desta vez, era dotado de melhores recursostécnicos e artísticos, estrelado por SoniaMaria Dorce, Alice Miranda e Alfredo Nagib ede outros atores, do rádio e da televisão.Teve também bom público e fez uma longa carreiranos cinemas da cidade. Outra vez, a meninaestava presente nas matinês e nas principaissessões recebendo os fãs, dando autógrafos edistribuindo fotos. Para divulgar o filme, voltoua viajar para muitas cidades do Brasil. Era umtrabalho muito cansativo e penoso. Muitas vezes,era apresentada: A queridinha do meu bairroestá de volta!Por decisão de seu pai, não repetiu mais a experiênciacinematográfica, pois era algo muitooneroso, causava muitos problemas, com a demorada gravação das cenas, com dublagens eoutras providências o que obrigava a ausênciasno colégio, e estudar sempre foi primazia navida da garota.105


106O velho Dorce, matreiro e bem preparado pelavida, jamais permitiu que a fama lhe subisse àcabeça, que a menina se achasse muito importante,ou que se julgasse especial, diferente dasoutras crianças. Dentro de casa, era rigoroso comos estudos, não admitia falhas ou notas baixascomo desculpas por seus trabalhos na televisão.Dizia sempre que Sonia Maria teve mais oportunidadesque os outros e o sucesso foi decorrênciadessa sorte. Insistia sempre: A glória é efêmera,você é engraçadinha, diferente, algo inusitadopara o público. No momento em que deixar desê-lo, é preciso estar preparada. O estudo é ameta para um futuro melhor.Esses conselhos foram ouvidos e jamais esquecidose valeram muito, pois ela sabia quanto sacrifícioseu pai fazia para mantê-la na escola, para dar àfamília uma vida digna, sem grandes privações.Uma lição ela aprendeu nesta vida: nada substituio prestar atenção, em tudo, sempre. Aquelemomento, aquela informação podem ser únicosna vida, não valem a pena perdê-los, é como umcipó que passa, pode ser um fato exclusivo navida, é preciso usufruir as oportunidades que avida nos apresenta.Foi dentro desse espírito de luta e perseverançaque seus pais lhe forjaram o caráter. Esse é seuúnico orgulho e patrimônio, aprendeu e nuncamais esqueceu que aquilo que você tem, alguémpode subtrair de alguma forma, e muitos já o


fizeram; o que você é jamais será surrupiado, éseu, morre com você.Gravou também alguns discos, as célebres bolachasde 78 rotações. O primeiro deles foi paraa gravadora RCA Victor, em 1952, uma música,O Papai e a Filhinha, em dupla com um cantorfamoso na época, Wilson Roberto; o outro ladocontinha uma prece para o Dia das Mães. Odisco vendeu tantas cópias que recebeu váriosprêmios, entre eles o que seria considerado Discode Ouro, de hoje em dia.Por ocasião das filmagens do primeiro filme,A Queridinha do meu Bairro, houve tambémgravações de discos, editados pela Copacabana;foram seis ao todo, com doze gravações contendopoesias, homenagem ao dias das mães e àscrianças, em geral músicas dedicadas ao públicoinfantil que, como os dias de hoje, tambémobrigavam seus pais a comprá-los. As gravaçõeseram feitas à noite, para que o barulho da ruanão interferisse no som, nos estúdios da RádioBandeirantes, na Rua Paula Souza.As gravações transformavam-se numa epopéia.Era tudo meio fantástico, estar na rua no meioda noite, diferente e inusitado. No fim, tudoacabava virando uma grande farra, pois, emgeral, havia muitas crianças, as músicas, quasesempre tinham coral acompanhando, e entre oslanches e ensaios havia muita brincadeira, quedeixavam o Dorce muito bravo.107


O disco, com a gravação da música Queridinhado Meu Bairro, tinha a produção musical deFrancisco Dorce, de um lado, do outro uma precedirigida a Nossa Senhora Aparecida com textode Lela Cardim e música de Francisco Dorce.Também recebeu prêmios no ano de 1954, pelonúmero de cópias vendidas.Festa de aniversário de Homero Silva, ainda no ClubePapai Noel, com Sonia a seu lado, José Paniguel de costase a cantora Jane de Moraes ao fundo, ao lado do piano


Capítulo VIVida de ArtistaA vida imita a arte muito mais do que a arteimita a vidaOscar WildeDurante os anos de 1951 até 1965, os convitespara programas foram se sucedendo e as responsabilidadesaumentando.Veja abaixo uma relação de alguns programas deque Sonia Maria participou. É preciso salientar,ninguém da família preocupou-se em organizarum arquivo com a relação dos trabalhos realizados,guardar scripts, ou qualquer outro documento.Algumas poucas fotografias, contudo,foram guardadas e servem de ilustração paraesse trabalho. Na época, as coisas aconteciamnaturalmente, não havia a preocupação do registroe anotações, por isso a grande importânciadesta obra de resgate da memória da televisãodos primeiros tempos e daqueles que participaramde sua história.Gurilândia (1950/1963)Direção Geral: Homero SilvaDireção Artística: Francisco DorceEsse foi o primeiro programa infantil da televisãobrasileira. Foi ao ar pela primeira vez, nodomingo seguinte à inauguração da TV.Era uma réplica do programa Clube Papai Noel:crianças cantavam, declamavam, tocavam instru-109


110mentos ou representavam pequenas cenas. Soniaera a secretária do programa e também recitavaos poemas escolhidos por seu pai.O programa tinha alguns quadros: Sala de Visitas;Caixa de Brinquedos; Secretaria, quandoeram respondidas as correspondências; Momentodo Fuzarca e Torresmo, e durante um tempo,Escolinha da D. Zélia, nos moldes da famosaEscolinha do Ciccillo, escrito e dirigido porFrancisco Dorce. O papel de D. Zélia, a professora,era interpretado por Célia Silva; os alunos:Márcia Dorce, Homerinho, Cidinha Campos, quefazia a Maria Cascadura, uma aluna levada,que não sabia as lições, e Edmilson Assunção,o João Bonzinho, e até mesmo Adriano Stuartparticipava. Esse quadro agradava muito, e ascrianças enviavam cartas querendo fazer parteda Escolinha.De Mãos Dadas (1ª Fase – 1951/1952)Autor e diretor: Túlio de LemosDireção Artística: Cassiano Gabus MendesDireção de TV: Luiz GallonAtores permanentes: Heitor de Andrade e SoniaMaria Dorce.Seriado que ia ao ar duas vezes por semana, às20h, terças e quintas-feiras, narrando o cotidiano,aventuras e desventuras de um viúvo e suafilhinha. Diversos atores faziam parte do seriado,que tinha um forte apelo sentimental, pelo fatode a pequena ser órfã e todos quererem suprira falta do carinho materno.


Salathiel Coelho, sonoplasta pioneiro, criadordas trilhas sonoras para os atores, escolheu comotema de Sonia Maria a música Too Young. O efeitofoi tamanho que esta passou a ser o tema musicalda menina mesmo em outros programas.De Mãos Dadas (2ª Fase – 1955/1956)Os mesmos, autor, diretor e atores centrais fixos,com a diferença de que agora são duas irmãsgêmeas – Maria Clara e Maria da Graça –; a primeiratem uma pinta no rosto que a diferenciade sua irmã, além do gênio irascível, a primeiraé atrevida e sapeca, a outra é a suave, boazinhae vítima de suas traquinagens. Também faziamparte do elenco fixo Maria Vidal, como a velhaempregada maquiada de negra; Adriano Stuart,como Cisco, amigo e parceiro das brincadeiras;Fernando Balleroni, Guiomar Novaes, TuríbioRuiz, como jardineiro; e outros. Nesta segundafase, o patrocinador era a Sadia, cuja logomarcaera uma holandesinha, personificada por SoniaGreiss (que se casou depois com o grande atorJayme Barcelos).Certa vez, durante a demonstração da delicia dosalaminho da Sadia, Sonia abriu a gaveta ondedeveria estar um prato cheio da iguaria.Para sua surpresa, o prato estava vazio e ela emalto e bom som, disse: Só pode ter sido a SoniaMaria Dorce quem comeu o salaminho!Isto tudo ao vivo. Só restou ao Luiz Gallon, eficientediretor de TV cortar imediatamente.111


112Esse é um detalhe para mostrar como as coisaseram espontâneas e naturais, tudo ao vivo; àsvezes, até com alguns erros, mas sempre commuita criatividade, talento e imaginação.Vestidos de Minha Vida (1951/1952)Autor: Cassiano Gabus MendesDiretor: Gaetano GherardiAtores: Sonia Maria Dorce (a dona dos vestidos)e todo o elenco de atores da Tupi, um grupodiferente a cada semana. Contava a estória deuma garota com o auxílio dos seus vestidos. Opatrocinador era a Rhodia, e os vestidos eramcedidos pela Casa Clo.48 Horas com Bibinha(1953/1954, uma vez por semana)Autor e diretor: Cassiano Gabus MendesAtores: Márcia Real, José Parisi, Dionízio de Azevedo,Astrogildo Filho, Rosa Maria, David Neto,Maria Cecília, Albano Pereira (o Fuzarca, dadupla Fuzarca e Torresmo) e Sonia Maria Dorce,que interpretava a Bibinha. Trata-se do dramade uma família muito rica, seus pais, José Parisi eMárcia Real, por conta de uma intensa vida sociale mundana, descuidavam-se na educação de suaúnica filha, até que um dia, esta foi raptada porDionísio Azevedo, um marginal de bom coração,que aos poucos se encanta com a criança, fogede seus comparsas e acaba devolvendo-a a seuspais, sã e salva. Antes disso, os telespectadoressofreram muito, pela sorte da menina. Os cenárioseram decorados com enfeites vindos da casa


dos atores e o quarto da menina, com bichos depelúcia do filho recém-nascido de Cassiano. Opatrocínio era do Leite Moça.Família Sears (1953/54)Autor: José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni)Atores: Walter Stuart, Adriano Stuart, MariaVidal e Sonia Maria Dorce.Aventuras de uma família meio complicada, emque o pai geralmente se saía muito mal e semprebrigava com a sogra e os filhos peraltas.Era puro merchandising, ainda que FernandoSeverino, diretor comercial negasse o fato. Tudoque estava em cena poderia ser encontrado naLoja Sears, só que ninguém tocava no assunto. Iaao ar, às 3 as e 5 as - feiras, às 20h30. Sonia adoravaquando sua família de verdade se reunia para astradicionais compras de final de ano na Sears; aloja era moderna, bonita e os produtos estavamà mão do consumidor. Além disso, em frentetinha uma lanchonete que inventou o cremede chantilly. Uma delícia! Será que alguém selembra disso?Nos Tempos da Vovó (1954/55)Escrito e dirigido por Theófilo de Barros Filho,aproveitando o sucesso que a dupla Maria Vidale Sonia Maria Dorce fazia no rádio, resolveramlançar o programa na TV. As complicações deuma avó meio amalucada e sua compenetradanetinha. Muitos atores e atrizes da Tupi complementavamo elenco.113


Em cena de De Mãos Dadas - 2 a fase com Adriano Stuart(à esquerda), e em Vestidos da Minha Vida, patrocinadapela Casa Clô (acima)


116Tinha a duração de 15 minutos e ia ao ar às 2 as -feiras, um pouco antes do Circo Bombril, apresentadoe dirigido por Walter Stuart.Passeando Pela História (1954/55)Autor e diretor: Silas RobergAtores: Sonia Maria Dorce, Adriano Stuart, Torresmo,David Neto, Maria Cecília, Luiz Orione,Nea Simões e grande elenco.Patrocinado pelo Banco do Canguru Mirim. Erauma série educativa e de aventuras, na qualse procurava ensinar um pouco de HistóriaUniversal e do Brasil ao público em geral, massobretudo às crianças, que, após a leitura de umtrecho de um livro de História, sonhavam estar vivenciandoos mesmos fatos históricos. Viajavamaté o Descobrimento do Brasil, outras vezes iampara o Egito e seus faraós, com direito a cameloe tudo mais no estúdio, e assim por diante.Foi lançada uma musiquinha que todas as criançascantavam:Um cruzeiro, dois cruzeiros,Papai vai dar para mim,Vou guardar o meu dinheiro,no Canguru-Mirim.O Pequeno Mundo de Don Camilo (1955/56)Autor: Giacomo Guarescchi, com adaptação edireção de Walter George DurstAtores: Otelo Zeloni e Heitor de Andrade nasfiguras de Don Camilo (o padre) e Don Peppone(o prefeito comunista), Sonia Maria Dorce,


Adriano Stuart, como seus filhos e Norah Fontessua mulher, além de grande elenco.As peripécias, avenças e desavenças de um padrede uma aldeia italiana, do pós-guerra, e seu prefeitocomunista, cuja família, para seu desgosto,era católica fervorosa.Em cena de Passeando Pela História com Adriano Stuart


118As Aventuras de Robin Hood (1955/56)Autor e diretor: Péricles LealIa ao ar duas vezes por semana.Aventuras do herói lendário da Idade Médiainglesa, simbolizava a resistência dos saxõesaos invasores normandos, atuando na florestade Sherwood, nos tempos do Rei Ricardo, comHenrique Martins, como o personagem-tema,Walter Stuart, Norah Fontes, Percy Ayres, AidaMar, Henrique Canales, Sonia Maria Dorce,Adriano Stuart e grande elenco.Sonia adorava fazer programas de época, imbuía-sedo espírito da personagem, encantava-secom as roupas e adereços da Casa Teatral. Aofinal do programa, não queria trocar de roupa,às vezes, queria ir embora com a fantasia, paradesespero de sua mãe.Pollyana (1954/55)Adaptação de Túlio de Lemos, extraída da obrade Eleonor PorterDiretor: Cassiano Gabus MendesAtores: Márcia Real, como a malvada Tia Polly,Sonia Maria Dorce, como Pollyana, Cachita Oni,como a criada, amiga da heroína; Clenira Michel,Turíbio Ruiz e grande elenco. Menina órfã, quevem para a casa da tia sem filhos, faz o jogo docontente e acaba por conquistar o público, opessoal da casa e, finalmente, a sisuda parenta.Ia ao ar duas vezes por semana, às 4 as e 6 as -feiras,com o patrocínio de Mappin.


Grandes Atrações Pirani(1ª Fase – 1955/56 - 2ª Fase 1958/1960)Programa de atrações variadas, cantores, balé,informações, notícias e quadros humorísticos. Eraapresentado por Homero Silva. Ia ao ar domingoà noite, às 20h. Era uma espécie de Fantástico, exibidopela Rede Globo, atualmente. Sonia Mariafazia as chamadas nos intervalos, e a propagandado anunciante principal – Loja Pirani, denominadaA Gigante do Brás. Para tal, usava um conjunto decalça comprida, casaca, cartola e par de sapatosde salto alto, tudo isso bordado em lantejoulas,azuis e prateadas – uma glória! A menina gostavatanto dessa fantasia que passava todo o tempoassim vestida, para espanto da vizinhança, e, nosdias do programa, o sapato estava todo esfolado.Esse programa voltou a ser exibido, mais ou menos,nos mesmos moldes, no fim do ano de 1959e início dos anos 60; nessa ocasião, integrava ocorpo de baile uma dançarina chamada SoniaMaria, que logo ficou sua amiga e, mais tarde,usaria o nome artístico de Susana Vieira.Ciranda Cirandinha (1956/586)Autora e diretora: Vida AlvesAssistente: Beatriz OliveiraAtores: David José, Adriano Stuart, Sonia MariaDorce, Márcia Dorce, Henrique Ogala, Beatrizde Oliveira, Carlos Menon.Narrava as peraltices e fantasias de uma turmade crianças e pré-adolescentes, na cidade de SãoPaulo e no interior. A diretora do seriado sofria119


120um bocado, pois os atores mirins levavam tão asério suas brincadeiras que era difícil manter adisciplina. A série era um sucesso e tinha fila decrianças inscritas querendo fazer parte do seriado,que era patrocinado por Brinquedos Estrela.Ia ao ar todas as 6 as -feiras. No dia do programa, ascrianças do elenco fi cavam brincando na parte detrás da Tupi, na Rua Catalão. Na hora do ensaio,era muito difícil fazê-los entrar. Estavam suados,excitados, dispersos, era tarefa árdua controlartanta energia. Mas, Vida Alves, usando de astúciae inteligência, conquistou a meninada, sendo maismoleque que eles mesmos.Os Menores da Semana (1957/59)Autor e diretor: Oscar NimitzApresentadores: Sonia Maria Dorce e David José.Era transmitido às 5 as -feiras, às 18h30.Era uma paródia do programa de Airton Rodrigues– Os Melhores da Semana -, apresentado porHomero Silva e Márcia Real. Tendo em vista osinúmeros programas infantis existentes na épocaem todas as emissoras de TV, concedia, semanalmente,prêmios, o Troféu Estrela aos melhoresdesse setor, crianças, jovens e seus professores.Era um verdadeiro estímulo aos educadores e artistasmirins. Patrocinador Brinquedos Estrela.Programa Pim Pam Pum (1956/1958)Diversos autoresPrograma diário para o público infantil, ia aoar às 18h. Dividia a apresentação com Adriano


Sonia e David José apresentam Os Menores da Semana


Stuart e David José. Com patrocínio de BrinquedosEstrela, cada dia da semana tinha umaatração diferente: Desenhos Animados, TeatroInfantil, O Chá das Bonecas e, assim por diante.Esse trio de apresentadores metia medo emtodos os câmeras, contra-regras e ajudantesde estúdio, pois os três, cada um na fase dapré-adolescência, com 11, 12 e 14 anos, respectivamente,costumavam fazer a maior algazarrano estúdio.O Adriano era o mais levado, a Sonia a mais teimosa,o David, o mais bem-comportado, até queera seduzido pela dupla e aderia, completamente,às brincadeiras. Um dia, no meio do ensaio doprograma TV de Vanguarda, aproveitando umafolga, o trio resolveu explorar o telhado do estúdio,e foram caminhando, no meio de cabos efios, até que alguém começou a berrar, que elesestavam correndo perigo, os fios eram de altatensão, precisavam sair logo dali. Chico Dorcefoi informado dessa perigosa travessura e elateve que ficar semanas sem falar com os amigosperaltas e jurar que não repetiria a bravata.Teatro da Juventude (1954/60)Autora: Tatiana BelinkyDireção: Júlio GouveiaAos domingos, por volta da 11h eram apresentadaspeças infantis em 3 atos; quando não encenavapeças originais, representavam-se outrastraduzidas e adaptadas pela própria Tatiana, dofolclore internacional.123David José o programa Pim Pam Pum


124No tempo de Sonia Maria, o TESP havia-se mudadoda Liberdade e agora estava instalado noutrocasarão, na Al. Santos, onde residia D. LeonorPacheco, irmã da Lúcia Lambertini.Sonia Maria adorava participar desses programas,porquanto ensaiar com o Júlio Gouveiae compartilhar a convivência com o casal, eraum aprendizado de vida, pois o Júlio não sóensinava inflexões ou marcações, como abria asportas para o imaginário e deixava a fantasiacorrer solta e além disso, aos sábados, havia osbailinhos nos quais os garotos como AdrianoStuart, David José, Maria Adelaide Amaral,Verinha Darcy e outros compareciam.Façamos Hoje os Homens de Amanhã (1955/57)Era um programa dirigido ao público infantojuvenilcom historietas completas sempre comfundo de moral.Direção e autoria: Francisco Dorce, como assistenteFernando Buck, e elenco infantil e adultoda TV Tupi. Sonia Maria, além de atuar, ajudavana direção artística e na produção. Tambémauxiliavam na direção do programa dois jovensidealistas, que estavam iniciando e tornaramsegrandes amigos da família, Chico de Assis eAntunes Filho.Concertos Matinais para a Juventude (1955/56)No primeiro domingo do mês, às 11h, o TeatroMunicipal abria suas portas para a garotada.Concertos de música erudita, da melhor qua-


lidade, eram realizados, com entrada franca,mediante prévio agendamento. O teatro lotado,da platéia às galerias, o público prestigiavaessas apresentações, em que também marcavapresença grande número de adultos, aproveitandoa dupla oportunidade: conhecer o TeatroMunicipal e apreciar a boa música.O programa era apresentado por Sonia e Heitorde Andrade e contava com a participação domaestro Eleazar de Carvalho que, quando estavadisponível, explicava aos telespectadores osentido das peças que seriam tocadas.Cine Trol (1958/59)Autor: Clenira MichelDireção: Francisco DorceProdução: Sonia Maria DorceO Cine Trol – transmissão do Canal 3, às 18 horas-, já está se tornando tradicional e queridoteatrinho infantil que conta com a participaçãode elementos do Clube Papai Noel. Ainda hojeteremos, no horário, uma pecinha sob o título deDona de Casa, produção de Sonia Maria Dorce escript de seu pai Francisco Dorce e supervisão deClenira Michel. Trata-se de alta comédia infantil,amplamente recomendável à garotada, dela participandoem papéis de destaque Jussara Michel,Jussania Michel, Luis Canales, Maria AparecidaCampos, (Cidinha Campos) Ivani Pagliuso, MárciaDorce. Vamos assistir.(Jornal Diário da Noite)125


126Chopin – Sua Vida, Seus Amores (1962)Com Cláudio Marzo no papel-título, Laura Cardoso(como Georges Sand), Maria Valeira, JaymeBarcellos, Fernando Balleroni, Márcia Real,Georgia Gomide, Percy Ayres, Luiz Orione, SoniaMaria Dorce e outros.Teatro na Tarde (1961/63)Autores e diretores: Fernando Faro e Walter NegrãoEram encenadas peças, comédias românticas e leves,com duração de uma semana, sobre assuntosda atualidade, com diversos artistas, geralmentejovens, como Susana Vieira, Patrícia Mayo, GuyLoup, Adriano Stuart, David José, Luiz Gustavo,Cláudio Marzo, Lisa Negri e Sonia Maria Dorce,além do elenco adulto.Sonia tinha ainda participação esporádica emdiversos seriados e programas: O Falcão Negro;Lever no Espaço; Clube dos Artistas; Almoçocom as Estrelas (com Airton Rodrigues e LolitaRodrigues); Alô Doçura, sempre que precisavamde uma criança; Caravana da Alegria,transmitido diretamente do Cine Oásis, ondeàs quintas-feiras fazia o quadro Nos Tempos daVovó, na companhia de Maria Vidal, os apresentadoreseram J. Silvestri e Cláudio de Luna, noqual também o Boni escrevia alguns quadros;Antártica no Mundo dos Sons, sob a direção domaestro Georges Henry; Música e Fantasia, deAbelardo Figueiredo. Participou até mesmo deoperetas realizadas por Pedro Celestino, irmãode Vicente Celestino.


Algumas novelas semanaisO Sonho do Vovô (1954)Autor: Nelson MachadoCom: Fernando Balleroni, Laura Cardoso,PercyAyres, Adriano Stuart, Flora Geny, Sonia MariaDorce e grande elenco.O Palhaço (1956)Autor: Nelson MachadoCom: Jayme Barcellos, Maria Vidal, Márcia Real, CleniraMichel, Ada Mar, Célia Rodrigues, João Monteiro,David José, Sonia Maria Dorce e outros.O Anjo de Pedra (1957)Baseado num conto de Tenneesse WilliamCom: Laura Cardoso, José Parisi, Geórgia Gomide,Luiz Gustavo, Rita Cleós, Elk Alves, SoniaMaria Dorce e outros.O Direito de Nascer (1964/65)Autor: Félix Caignet - Adaptação de TeixeiraFilho e Walter George DurstDireção de TV: Regis CardosoCom Amilton Fernandes, Guy Loup, NathaliaTimberg, Isaura Bruno, como mamãe Dolores.Dramalhão mexicano que narra a busca incessantedo médico Albertinho Limonta por suamãe. A novela fez tamanho sucesso que a atrizGuy Loup mudou seu nome para Isabel Cristina,nome de seu personagem. Sonia fez uma participaçãoespecial: era a estudante que, no inícioda trama, aparece no consultório do médico,grávida, e pede ao médico para fazer um abor-127


128to, pois não tinha condições de criar seu filho ea sociedade repressora não aceitaria um filhobastardo. É para a jovem que o médico insisteque todos têm o direito de nascer e conta suahistória. Este foi o ultimo programa que Soniaparticipou na televisão.Certa vez, encenando uma peça no Teatro daJuventude – Um Cupido às Soltas -, em que tambémparticipavam Felipe Wagner, Rita Cleós eWilma Camargo, entre outros, aconteceu algoinusitado. Seu personagem era o de Cupido, odeus do amor. Mas não era aquele cupido tradicional,ao qual estamos acostumados. Era ummoleque, que ao invés de asas tinha patins, umsó, no lugar do arco e fecha, um bodoque (umestilingue). Nosso cupido era um pouco atrapalhado,mas tinha interesse em aproximar osenamorados, soltando pedras de amor ao invésde flechadas. Era uma peça em três atos e, pelofato de serem poucos personagens, a meninatinha muitas falas. Começou a audição e cada vezque o cupido dizia certas palavras, as pedrinhaseram disparadas. Logo no começo do primeiroato, Sonia Maria, inadvertidamente, disse a falaque encerraria o ato e uma das pedras seriamsoltas. Isso tudo, no ar e ao vivo. O programa estavaperdido! Valeu o dom da improvisação e eladeu um jeito, reverteu a situação, consertandoa fala errada, e com auxílio de Luiz Gallon, queatuava na direção de TV, fechou a cena e depoisabriu, no mesmo instante, e os telespectadoresnem perceberam o equívoco.


Outra vez, também no Teatro da Juventude, o JúlioGouveia inventou de fazer o cenário fechado,com quatro paredes. Havia entre as tapadeiras(as paredes dos cenários) um espaço, e os atoresdeveriam se posicionar para as câmeras poderemenquadrá-los. Era uma verdadeira revolução noconceito de televisão, pois, comumente, são ascâmeras que procuravam os artistas e não o contrário.A peça chamava-se Mão Furada - estóriade uma menina muito desastrada, que quebravatudo que mexia (mais ou menos o que aconteciana sua vida real).Os atores, além de decorar as falas, precisavamprestar muita atenção nas marcações, pois corriamo risco de nem aparecer no vídeo se malposicionadosestivessem.Em determinado momento, Sonia, sem quererbateu o braço num vaso de cristal, que veioabaixo e quase caiu, foi salvo por causa de umaperipécia. Muito esperta, a menina saiu do ânguloda câmera, e esta falha não foi notada pelostelespectadores.Tradicionalmente, segunda-feira era o dia dedescanso das companhias teatrais, que naquelaépoca faziam espetáculo corrido, de terça a domingo.Foi criado o Grande Teatro Tupi, que iaao ar todas as segundas-feiras, a partir das 22h,levando peças, geralmente de três atos.Muitas companhias importantes apresentaramsenesse programa, aproveitando o dia livre para129


130levar peças, algumas concomitantemente emcartaz nos teatros paulistas, como as de Dulcina eOdilon, Bibi Ferreira e seu pai Procópio Ferreira,Jayme Costa, Cacilda Becker e Walmor Chagas,Eva Todor e Jorge Dória, entre outros, e contouaté mesmo, com a participação de um espetáculoda Comédie Française de Paris, França, faladoem francês. Depois de certo tempo, o programapassou a ser realizado com os artistas da casa,sob a direção de Wanda Kosmo. A mais altadramaturgia era exercida por devotados atorese atrizes, que com apenas uma semana de ensaiolevavam peças de três atos, ao vivo. A grandepreocupação era fazer um espetáculo de altogabarito com muita arte e sensibilidade.Sonia Maria era, freqüentemente, escalada parao Grande Teatro Tupi, tendo encenado diversaspeças, como A Malvada, Um Deus Dormiu lá emCasa, As Irmãs Brancas, A Jaula, Fogo Morto, Casadas Bonecas, As Cartas que Eu Escrevi, RainhaElizabeth, e muitas outras.Certa vez encenava-se para o Grande Teatro Tupia peça A Canção de Bernadete, do autor tchecoFranz Wefel, numa adaptação de Wanda Kosmo.Naquela época já havia videotape, e vestidas defreiras, as atrizes Norah Fontes, Geny Prado, LauraCardoso e Sonia Maria, estavam descansandona porta da capela da Faculdade de Direito daPontifícia Universidade Católica de São Paulo –PUC, uma vez que as gravações foram feitas


Em cena de O Ramalhete no Teatro da Juventude,com David José


Em cena de As Irmãs Brancas, no Grande Teatro Tupi


em seu interior. Sonia Maria, no papel-título,acabara de gravar a cena em que fazia os votospara entrar no convento. Logo em seguida, passaramas crianças de um colégio religioso dasredondezas e todas elas, em fila, começaram abeijar as mãos das atrizes, acreditando seremelas freiras de verdade. As crianças estavam tãocontritas que ninguém teve coragem de desmentir.As atrizes representaram seus papéis,seriamente e, no momento seguinte, quando ascrianças partiram, foi uma gargalhada só. SoniaMaria que estava vestida de noviça não recebeua deferência das crianças.Foram também inúmeras suas participações emprogramas adultos, como TV de Vanguarda,criado e dirigido por Walter George Durst, noqual mais mocinha, desempenhou, certa vez, parromântico com Luiz Gustavo, na peça O Cravona Lapela, de Pedro Bloch.Também na série O Contador de Histórias, dirigidopor Cassiano Gabus Mendes, encenou entreoutros autores, Tchecov, em Olhos Mortos deSono; Seis Personagens à Procura de um Autor,de Pirandello, A Casa de Bernarda Alba, de Lorca,e muitos outros clássicos.Atuava também no TV de Comédia, sob adireção de Geraldo Vietri, apresentou-se emmuitas peças, entre outras: Nu com Violino,com Lima Duarte, Laura Cardoso, Luiz Gustavo,Gian Carlo e outros.133


Sonia, já adolescente


Em cena de Olhos Mortos de Sono, de Tchecov, noprograma O Contador de Histórias, com Clenira Michel


136Durante a encenação de um TV de Comédia –na peça E as Luzes Ficaram Acesas – original deGeraldo Vietri, com Laura Cardoso, Lima Duarte,Amilton Fernandes, Luiz Gustavo e grandeelenco, aconteceu um fato inusitado, própriode audições ao vivo. Tratava-se de uma comédiaromântica, bem brejeira à moda do teatrode vaudeville. A todo o momento, um ator saíapor uma porta e quando voltava, geralmenteestava com um traje diferente. Havia muitastrocas de roupas durante o espetáculo, essaera das questões principais da peça. As roupasficavam penduradas em pregos e cabides, atrásdo cenário, com o nome do ator e a hora certada troca. Evidentemente, não tinha ninguémpara ajudar e todos os movimentos deveriam serrápidos. Pois bem, nossa heroína entrou portaadentro, e rapidamente deveria voltar.Olhou para suas roupas, e pela ordem (que comcerteza, algum engraçadinho trocara), deveriavestir um pijama, com chinelinho e tudo mais.Assim vestida, abriu a porta e desceu, o cenáriotinha uma linda escada meio circular. Constatoupara seu desespero, que a cena era a da festa degala da peça, e os demais atores estavam assimvestidos. Foi difícil suportar os risos sufocadosdos demais atores. Todos mantiveram-se firmese a cena correu perfeita até seu final. Foi a primeiravez que ela foi a uma grande festa emtrajes tão íntimos.


Em anúncio da Casa Bambini


Em anúncio das Meias Bresser


No final dos anos 50, houve uma grande modapelas televisões brasileiras: as dublagens. Algunsartistas especializaram-se no gênero, artistas mirinstambém tentavam imitar os adultos cantandoem cima de melodias gravadas. O Cassiano,em tom de brincadeira, resolveu colocar o AdrianoStuart e a Sonia Maria no programa AtraçõesPirani, fazendo uma dublagem da célebre duplaLouis Amstrong e Ella Fitzgerald cantando Cheekto Cheek. O jovem casal, vestido a caráter, comoartistas americanos dos shows da Broadway,interpretou o número com tanta naturalidadee compenetração, mesmo sem entender uma sópalavra do que diziam, que tiveram de repetir onúmero em outros programas.A chegada do videotape - VTSomente no final de 1959, apareceu o vídeotape,e os técnicos e artistas não sabiam como utilizálodevidamente. Freqüentemente, ocorria o fatode gravar-se o programa, como o Grande TeatroTupi, ou TV de Vanguarda ou TV de Comédia,por exemplo, durante todo o dia, e devido aproblemas técnicos, o terceiro ato, representavaseao vivo. Era uma insanidade, mas dava certoe o público adorava. A presença do vídeotapeagitou os meios artísticos. Praticamente toda aclasse foi contra a novidade.Uns diziam que a verdadeira representação deveriaser feita ao vivo com toda a emoção presente,programa gravado, com cortes e repetição,139


140correção de erros não era mais arte, a televisãoestaria travestida em outra coisa.Outros mais objetivos reclamavam, com razão, diziamque o trabalho seria muito mais demorado eque as horas despendidas não seriam contabilizadascomo extras (no que estavam certos sob esseaspecto, ninguém jamais recebeu salário extra poressas horas a mais de trabalho). Um programa,executado em duas ou três horas, poderia levaraté três dias para ser finalizado em VT.Houve também sérios desentendimentos entre osetor administrativo da emissora e o artístico. Pordeterminação da alta direção, a partir dos anos60, se não me engano, todos os funcionários daTupi deveriam assinar ponto, duas vezes ao dia,na entrada e na saída. Era uma burocracia, inaceitávelno meio artístico, como se fosse possívelaferir o trabalho artístico pelas horas trabalhadas.Mas, enfim... Contestou-se tal deliberação,mas todos sucumbiram a ela. Os atores e atrizeseram muito sábios, já praticavam a máxima queas ordens podem ser discutidas, mas acima detudo precisam ser cumpridas. Sobretudo as dessanatureza, com risco de corte de salários.Pois bem, certa feita, encenávamos um TV deVanguarda e todo o elenco assinou ponto nodomingo de manhã, quando começaram os ensaiosfinais. Começaram as gravações e durantea encenação o videotape quebrou diversas vezese, como já mencionei, o terceiro ato foi levado


ao vivo. A peça era muito longa e só foi terminarapós as 24h, portanto em plena segunda-feira.Até retirar a maquiagem, mudar as roupas, já sepassara algum tempo e quando fomos assinaro ponto, o relógio mudara para o dia seguinte.Ninguém percebeu o fato. Para surpresa de todos,no final do mês os artistas tiveram um diade trabalho descontado – justamente aqueledomingo em que se trabalhara um período extra.Dá para imaginar a confusão que deu!Os artistas liderados por Lima Duarte e Dionisode Azevedo conversaram seriamente com a direçãoe o departamento do pessoal voltou atráse os ânimos se acalmaram. Mas a obrigação deassinar o ponto persistiu.Demorou certo tempo, até o pessoal aprendera utilizar corretamente a novidade tecnológica.Faziam-se cortes desnecessários, às vezes atémesmo, inutilizando a fita. Isso sem contar asquebras da cabeça do VT e o tempo infindávelpara consertá-las. Ao contrário dos americanos,naquele tempo reaproveitava-se a fita, fazendoinúmeras gravações sobrepostas. Dessa forma,foram perdidos muitos programas. Esse hábitopermaneceu até o início dos anos 90.Com o passar do tempo, foi-se percebendo amaravilha do VT. Além de corrigir os erros, osprogramas poderiam ser gravados com antecedênciae, assim, os feriados e dias especiais,desfrutados com a família. Além dos registros141


142dos programas, que poderiam ser arquivadose repetidos, quando necessário. Quando esseconforto foi definitivamente instituído SoniaMaria começou a afastar-se da TV.Sonia encarava aquela vida atribulada com muitanaturalidade, não percebia o quanto sua vidaera diferente das outras crianças. Já desde muitonova, assumira responsabilidades de adulto,inicialmente decorando imensas poesias, depoisos scripts e como, com freqüência tinha papeldestacado, competiam-lhe muitas falas, queela sempre trazia decoradas, graças ao esforçoe dedicação de sua mãe, que ficava passando otexto horas a fio.Em 1952, a família se mudou para o elegante elongínqüo bairro do Alto de Pinheiros, numa travessada Av. Pedroso de Moraes, que nem estavapronta e era conhecida como Av. dos Canos, naRua Dr. Rodrigues Guião, numa casa maior, comquintal, três quartos, salão de estudos, numa ruabem tranqüila. A vida, que já era boa, passou aser melhor, pois pelo fato de ser uma ruela meioparticular e bem longe do burburinho do centro,as crianças faziam do leito da rua o própriopátio de recreações, e todos pareciam uma sófamília. Era bem longe do Sumaré, ficava pertoda Estrada das Boiadas e, às vezes, pela manhã,havia vacas pastando no jardim de sua avó.A casa situava-se bem perto da igreja Mãe doSalvador, mais conhecida como Igreja da Cruz


Torta, que seus pais ajudaram a construir. Mesmomorando a 10 quilômetros do fim do mundo,como os amigos diziam, conseguia dar conta deir ao colégio, participar ativamente da televisão eestudar balé, outra grande paixão de sua vida.Inicialmente, estudou com Lia Marques, depoiscom Laura Moretti, na época esposa de Zeloni,a seguir no Kitty Bodenhein e finalmente comMadame Oleneva.Fazia também curso de inglês, mas sempre arranjavatempo para brincar muito com as criançasda vizinhança e cumprir seus compromissoscom a rádio e a televisão. É bem verdade queseu pai dava uma mãozinha levando-a de carro,sempre que possível, e a locomoção era razoavelmentefácil, pois a cidade não tinha aindaesse trânsito infernal.Mas nem tudo são flores, numa noite de sextafeira,em meados do mês de fevereiro de 1953,o Chico Dorce prometera uma bacalhoada paraseus amigos, daquelas que só D. Mariquinhasabia fazer. Estavam convidados Homero Silva,Túlio de Lemos, Aurélio Campos, Ribeiro Filho eoutros, todos habitués e fãs dos quitutes saborososda patroa.As meninas jantaram antes, naquela época ascrianças ainda ficavam segregadas em seus cantose costumavam obedecer a seus pais.A mesa estava posta, com toalha de linho ecroché e a melhor porcelana, o vinho Gatão, na143


parte baixa da geladeira só para resfriar, maspassava das 21h e o pessoal não chegava.É claro que ainda não se tinha telefone, o maispróximo, só no Largo de Pinheiros, muito distante.A família sem notícias, esperava, sem alarme,pois acostumadas estavam com os atrasosdos artistas.Lá pelas 22h, chega um carro com Homero e Aurélio,assustados, mas tentando acalmar a família,informaram, constrangidos, que o carro de seu paitivera um abalroamento com um caminhão dosCorreios. O Dorce, disseram, sofrera uma pequenafratura, nada grave, estava no pronto-socorro,sendo medicado e logo voltaria para casa.Voltou, realmente, só que não tão logo, forauma tremenda fratura exposta danificando orádio e o úmero. A recuperação nunca se deuintegralmente e foram dois longos anos, custaram-lhetrês operações e um enxerto com seupróprio osso, pois o organismo rejeitara todasas tentativas com diversas próteses.Foi um grande transtorno para todos. O chefeda família, doente; o maestro, impossibilitado dereger a orquestra; o pianista, sem poder tocarpiano; como ficariam suas atividades, seus compromissosde trabalho e os financeiros, a casacomprada de pouco, tantas contas!....Nessa hora, valeu e muito o espírito benemerentede Assis Chateaubriand, criador para seus145Em cena doméstica, com sua mãe, D. Mariquinha


146funcionários da Caixa Médica – uma entidademantida pelas Associadas – que fornecia medicamentos,consultas médicas e dentárias, alémde hospitalização gratuitas. Algo realmenteinédito no Brasil, daquele tempo, permitindoum atendimento de primeira, pois o caso foramuito grave, e apesar do esforço e competênciada equipe médica do antigo Hospital São Jorge,situado na Rua da Consolação, a recuperaçãofoi demorada. O maestro perdera parte dosmovimentos do braço direito. Depois de muitosofrimento, muita fisioterapia e dedicação, asarticulações melhoraram um pouco, mas a seqüelaficou para toda vida.Foram tempos difíceis, dois anos para o restabelecimento,mas o maestro e pianista deram lugarao professor e este partiu para aulas de canto, depiano, de violão, até de interpretação e dicçãoe fonética para futuros atores e locutores a fimde manter a família. A casa virou filial da TVTupi, pois por lá passavam todo tipo de artistase aspirantes, ensaiavam-se os teleteatros, ministravam-seaulas de canto, piano, solfejo, músicase conjuntos musicais eram ensaiados.O lado bom de tudo isso, porém, foi que comtodo o tempo disponível, para se distrair, ensaiavacom a filha, dava-lhe aulas de piano eaproveitava para ensinar-lhe mais poesias, contarmais histórias, recomendar-lhe mais aindao gosto pela leitura, enfim foi um período de


Francisco Dorce, com o braço fraturado, e seu cunhadoOswaldo Bazoni


148grande aproximação para todos. Criou-se entreeles um código secreto não decifrado pelos nãoiniciados. Era como se falassem outra língua. Institui-setambém uma linguagem com os olhos, asfilhas eram controladas à distância pelos pais e,curiosamente, sabiam o que eles queriam dizer,com simples olhar ou imperceptíveis movimentosda face. Foi essa a maneira encontrada parasuperar as adversidades. Como não temiam asdificuldades, a família passou por aqueles anosdifíceis com galhardia e tudo isso serviu paratorná-los ainda mais unidos e fortes.A vida de artista tem também suas regalias.Corria o ano de 1954, as coisas estavam meio difíceisno solar da família Dorce; achavam todosque o Natal seria muito simples, diferente dosoutros, pois o pai, ainda em fase de recuperação,só recebia salário da Tupi, (todo o tempo queesteve em reabilitação a Rádio Tupi continuoupagando-lhe o salário integral), mas era pouco,ele ganhava muito mais trabalhando à noite,nas casas noturnas, no entanto, nas condiçõesatuais, isso era impossível. Veio então o inusitadoconvite. Uma fã, desconhecida até então, ElzaMalzoni convidou toda a família para passar oNatal em sua residência, com direito à presençade um Papai Noel, ceia, com mil delícias e, melhor,um monte de brinquedos. Aquela era umacasa fantástica, mágica mesmo. Tudo falava,tudo cantava!.... As canecas, as caixinhas e asmaravilhosas bonecas.


As irmãs Dorce ficaram fascinadas e foram presenteadascom duas bonecas, que além de falare cantar, tinham cabelo de verdade. Foi umNatal inesquecível. Elza, querida, onde você estiver,obrigada por ter-nos proporcionado essaalegria e por povoar nossa infância com essasdoces lembranças.Conselho não é bom para ninguém, muito menospara as crianças. Elas, mais do ninguém, precisamde ações, de exemplos. Observadora que era, econvivendo com artistas, pessoas especiais e sensíveis,teve a oportunidade de passar por diversasexperiências. Notou que no meio artístico haviaatores intuitivos, não importando os anos deescola freqüentados, sabiam transmitir a belezae a poesia dos textos interpretados.Outros chamavam sua atenção pela capacidadede improvisar, de bem falar, de escrever e dirigirprogramas, pessoas que tinham algo mais, que sedistinguiam, tais como Homero Silva, Cláudio deLuna, Vida Alves, para citar alguns. Coincidênciaou não, esses três eram advogados. Os dois sempreeram convocados para apresentar grandesprogramas, para servir de mediadores em eventosimportantes. Vida Alves, além de atriz, escreviaprogramas e também os dirigia, falava bonito,comportava-se como uma verdadeira dama.Eles transitavam num mundo diferenciado, sementender bem por que aquela realidade e aquelemodo de vida encantavam e atraíam a atençãoda menina.149


Sonia e dois companheiros da TV Tupi: Walter Foster...


... e Erlon Chaves


152Foi ainda na tenra idade, sem saber muito bemo que isso significava, tomou a seguinte decisão,que perseguiu até o fim: quando crescer, sereiadvogada, e tem que ser no Largo de São Francisco,a velha, sempre jovem Academia. Corriao ano de 1955. Demorou, mas esse sonho setornou realidade.Artista não escolhe dia para trabalhar, e haviaprogramas que coincidiam com os feriados, sábadose domingos, datas especiais, época em queas pessoas estão de folga, curtindo o ócio.Aconteceu algumas vezes de ser escalada paraprogramas no dia de seu aniversário, e os amigosficavam em casa com bolo e festa, esperandoo término do programa; às vezes, eram datasespeciais para a família, outras ocasiões, dia deNatal, de Páscoa, de Carnaval e outros afins.Mas era responsabilidade assumida e não davapara recusar.Num domingo do mês de janeiro de ano de1962, ela estava escalada para um TV de Vanguarda,sob a direção de Walter George Durst.Participaria do programa entre outros atores,um jovem talentoso, que ficou logo seu amigo,pois era ex- aluno do Colégio Rio Branco, e essefato os aproximara, Tarcísio Meira, que faria parromântico com Geórgia Gomide.Infelizmente, Geórgia teve um sério problemade saúde e, no sábado pela manhã, foi substi-


tuída por Gloria Menezes, que também iniciavaseu trabalho na TV Tupi. Glória decorou todoo script de um dia para outro, e era uma peçaem 3 atos, mas em compensação casou com omocinho, pois foi, a partir desse programa, queo casal ficou junto definitivamente.Ocorre que, nessa mesma semana, sua avó forahospitalizada e seu estado era delicado. D. Carmemera uma pessoa muita querida, que estevesempre presente em sua vida, ajudou sua mãe acriá-la. Em conseqüência dos ensaios na semanatoda, não pôde ficar com a avó como gostaria.Logo cedo, naquele domingo, sua avó viria afalecer. Sonia desempenhou seu papel, ninguémno set soube do ocorrido, seu senso profissionalfalou mais forte, a jovem cumpriu seu dever naíntegra e só, depois do encerramento, pôdeparticipar do velório daquela que lhe devotaratanto carinho e de quem se lembra com muitoafeto e saudade, até hoje.A Pré-adolescênciaComeçou a ficar mocinha, adolescente não muitodesenvolvida, e baixinha, mas mesmo assim, começarama aflorar os encantos da menina-moça.Redobravam-se os cuidados do velho Dorce, esuas ordens expressas eram: Nada de entrar emsalas fechadas, com pessoas estranhas, ou ficardando confiança para qualquer um. Namorar,nem pensar, atenção com as roupas, maquiagem153


D. Carmen (à esquerda), e Sonia com sua mãe, a irmã e aavó (acima)


Sonia com Sonia Terezinha Conceição (cujo nome éhomenagem a Sonia Dorce) e sua irmã Marcia


só para entrar em cena, (as meninas adoravampintar os olhos) e assim por diante. Entrar emcarro de amigos, de jeito nenhum. Para sair ànoite, ir aos bailinhos, só na companhia de seuprimo Sergio, que já era mais velho e tomavaconta direito das meninas.Nessa ocasião, apareceu um fã obsessivo. Nuncalhe soube o nome. Essa situação inconvenientedurou meses, atormentando toda a família. Aprincípio, começou a enviar fotos. Tudo que amenina fazia e saía no jornal, aparecia em suacasa, em forma de colagem em cartas não identificadas.Depois, foram flores, bombons. Depoisroupas, sapatos e, um dia, uma jóia. Declaraçõesde amor, de ódio e, no fim, até ameaça de morte.A família começou a ficar preocupada, poisfoi nessa época que começaram, também, telefonemasanônimos, alguns fazendo propostas,convites, outros falando obscenidades. O casocomeçou a tomar dimensões catastróficas. Afamília nervosa, a menina em pânico, não atendiamais telefone, ainda não havia aparelhosidentificadores de chamada, mas os pais pediramaté a interferência da polícia.Por indicação de um delegado de polícia, amigoda família, a menina marcou um encontro como fã desconhecido, no intuito de pegarem ofarsante e acabar com essa brincadeira desmedida.O local escolhido por ele foi o Aeroportode Congonhas, pois ele se dizia piloto da Real,companhia aérea da época.157


158Deu certo e deu errado, pois ele não apareceuno encontro, mas por conta do aparato policialque acompanhava Sonia e seu pai, o indesejadofã encerrou sua carreira e não mais incomodoua menina.Tempos depois, apareceu outro fã, uma rapazloiro, bem-apessoado, propondo-lhe casamento.O moço deveria ter uns 20 anos e a menina, 16.Disse ao pai dela que era muito rico, na Romêniae propôs-lhe casarem-se. Depois do casamento,iria morar na Europa, pois lá sua família eramuito considerada. Ninguém pôde constatar averacidade dos fatos. Só foi notado que ele tinhaas unhas cheias de graxa e sua aparência não eraa de um príncipe encantado.Claro que o pedido foi rechaçado, e o pretendente,muito triste, desapareceu, completamente.Todos os demais fãs, jamais lhe causaram problemas,só lhe trouxeram alegria com a demonstraçãode carinho e reconhecimento peloseu trabalho.


Amigas na adolescência: Rosinha, Marcia (Irmã), Sonia,Gilda e Maria Edith


Capítulo VIIA Participação na Vida Cívica e PolíticaAs idéias não se herdam como se herda um narizadunco. Adquirem-se, como se adquire umnariz quebrado.Lewis BrownAs casas de família, antes da televisão, restavamensimesmadas em seus problemas domésticos.Diante da abrangência do novo veículo, abriramsepara a vida pública.Com a intensificação da informação, o mundo,o lado de fora da vida, passou a freqüentar asala de visitas das pessoas, e que começarama render-se ao fascínio da comunicação, pois,unidas aos sons do rádio, estavam as imagensda televisão.161Houve por parte da população um aprendizadoe, depois, uma verdadeira necessidade dessa informação,o que aumentou as vendas de jornaise revistas, e a preocupação com as notícias virouuma constante, a partir de então, divulgadasdiariamente pelo Repórter Esso e depois peloMappin Movietone, na voz de Toledo Pereira.Foi desta maneira que a política assumiu, aospoucos, papel relevante na vida das pessoas,pois as campanhas políticas e sociais, mesas-redondase debates, aos poucos começaram a sertransmitidos pela televisão, facilitando o acesso


162às idéias e plataformas governamentais e propiciandouma interatividade com o público atravésde contatos telefônicos e cartas. Começaram aaparecer programas como Mesa-Redonda, PingaFogo, Pingo Nos Is e outros do gênero.Os programas não eram tão pacíficos e pasteurizadoscomo os debates de hoje, a empolgação eratanta que muitas vezes a polícia entrava em cenapara conter os ânimos e garantir a integridade físicados participantes e de seus cabos eleitorais.Não se pode dizer que a menina já tinha convicçõespolíticas, mas em compensação, porela, tinha-as de sobra, seu pai. Ele sempre forameio anarquista, meio socialista, mas sempreum leitor interessado nesses assuntos e nuncase omitiu, manifestava sempre sua opinião, eàs vezes, essa franqueza causava-lhe dissabores.Ele tinha mania de comprar livros, e sua bibliotecaera repleta de volumes sobre o tema –história, políticos e política e alguma coisa deliteratura também.Apesar da pouca idade, Sonia era sempre convidadaa participar de inaugurações de locaispúblicos, de bibliotecas, creches, solenidadescívicas. Até que no dia 19 de novembro de 1951foi-lhe feito um convite oficial pelo presidenteda Comissão Executiva da Festa da Bandeira,General Waldemiro Pereira da Cunha, paraparticipar das celebrações na Praça da Bandeira(naquela época ainda havia uma praça no local),


no começo da Av. Nove de Julho, por ocasião dogrande desfile militar. Ela fez um discurso escritopor seu pai, saudando o pavilhão nacional,no meio de uma multidão de pessoas. Esse foiseu batismo na vida cívica – enfrentando umagrande platéia no meio da avenida, seguido deparada militar. Convenhamos que, aos sete anosde idade, encarar uma praça pública, repleta depessoas, para discursar, é algo considerável.Continuando essa caminhada, em 1952, HomeroSilva se candidata, pela primeira vez, a vereadorpela cidade de São Paulo, seu slogan era o Amigodas Crianças, por causa de sua atuação noPrograma Clube Papai Noel e de seu trabalho,de longa data, em prol das crianças. Apesar deChico Dorce não compartilhar integralmente asidéias do partido escolhido por Homero, a UDN,partiu de corpo, alma e família para a campanhaeleitoral do amigo.Comentário em jornal sobre o lançamento dacampanha eleitoral de Homero Silva:EloqüênciaQuem lançou a candidatura foi essa garotaprodígioque se chama Sonia Maria Dorsey (sic),como fala bem a menina, não disse um erro. Colosso!Se ela crescer com vocação para a política,irá longe. Sei de muitos vereadores que levariamquinau da menina...(Lauro D’Agostini - Folha da Noite)163


Sonia discursando no lançamento da campanha de HomeroSilva a vereador


As campanhas políticas, sobretudo as de vereador,eram muito diferentes das da atualidade.Não havia tempo disponível na televisão, emcompensação, fervilhavam os jingles nas rádiose os comícios em praça pública.Homero Silva era sobejamente conhecido pelogrande público, em vista de seus longos anosde trabalho nas rádios paulistas mas, mesmoassim, teve que lutar bastante para conseguirse eleger.Todos seus amigos, familiares, correligionários,as famílias dos participantes do Programa ClubePapai Noel e fãs empenharam-se nessa batalha.À noite, Chico Dorce enchia seu carro de panfletose cartazes que eram colados nos postese muros da cidade por ele e uma turma, especialmentecomposta dos seus sobrinhos Sheilae Sergio, com a ajuda de D. Mariquinha, dasmeninas, do Homerinho e D. Yolanda e Célia,família do candidato. A cola era feita pela avóCarmen, uma mistura de farinha de trigo, tinhaum cheiro ruim e ainda era preciso levar uma escada,pois os cartazes deveriam ser colados bemno alto, para não serem facilmente rasgados namanhã seguinte.Às vezes, a turma usava uma caminhonete emprestadae todos iam meio temerosos, pois oChico Dorce nunca fora bom motorista e, dirigircaminhonetes não era seu forte.165


166Os comícios eram muitos, espalhados pela cidade,no centro, nas casas das pessoas, nos bairrosmais longínquos. Não se escolhiam os lugares,todos eram bons. Nos palanques, sempre se arranjavaum banquinho para Sonia Maria podersubir e fazer seu discurso pedindo votos.No dia da eleição, a dúvida no ar: Que emoção,será que vai dar?O carro lotado de santinhos, de lanches, de refrigerantes,de cédulas para munir as banquinhas.Naquela época, o eleitor punha num envelope acédula com os nomes de seus candidatos. Então,armavam-se pequenas bancas em frente aos locaisde votação, oferecendo as cédulas. Percebeseque não havia proibição à chamada boca-deurna,pelo contrário, fazia parte da competição.Na frente das banquinhas, em diferentes locaisde votação, os artistas, os amigos e a turma doClube Papai Noel, entre elas a pequena Sonia.Era uma alegria, e muito interessante ver a pequenaconvencendo os eleitores a votar no seuamigo, explicando sua plataforma política.Foi esse seu batismo político e deve vir daí tambémseu grande respeito pela coisa pública e suacompreensão da importância da participação navida política, ainda que somente como eleitora.Tomou gosto e participou de muitas outras campanhaspolíticas. Sempre contestando, brigando,cobrando posição e coerência dos candidatos.Árdua missão.


Um fato bizarro ocorreu após a primeira eleiçãode Homero Silva para vereador. Todos os seusamigos empenhados em sua vitória foram convidadospara participar de um banquete para acelebração do retumbante feito.Muito recentemente Georges Henry e seu irmãoRoger tinham inaugurado um restaurante francêsno Largo do Arouche, La Casserole (aindaestá lá), que virara ponto de encontro de artistase celebridades. O lugar era refinado (e ainda é),com pratos especiais, criados por sua cunhada,Fortunée, recém-chegada da douce France.No dia marcado, estavam todos presentes desdeseus amigos da Tupi, os correligionários,dos mais significativos aos mais simples caboseleitorais. O problema começou na hora dosaperitivos, bastava o garçom oferecer algo meiosofisticado, drinques misturados com champanheou licor francês, canapés com caviar ou foiegras ao que algumas pessoas, as mais simples,não aceitavam, desconfiadas. por não lhes conheceros nomes e origens.Todos a postos, vai ser servida a refeição. Namesa, o aparato do serviço à francesa estavapresente, profusão de flores, candelabros de prata,talheres e copos em abundância e as pessoasperdidas no meio daquela parafernália toda.O Chico Dorce percebeu o constrangimento causadopela dúvida de qual talher escolher, de qualcopo se servir, enfim... Então resolveu ajudar os167


168convivas, mas o William Forneaud, para brincare embaraçar ainda mais os incautos, começoua atrapalhar os talheres e os pratos. Conclusão,a noite que era para ser de festa e alegria, foium verdadeiro terror. O pessoal saiu mais cedoe foi realmente comemorar na Cantina Balila,no Brás, onde não havia tanta cerimônia e ospratos da culinária italiana eram velhos conhecidosde todos.A participação dessa turma amiga repetiu-se nasoutras campanhas políticas de Homero Silva.Por ocasião da posse de Jânio Quadros, em 1953,na Prefeitura do Município de São Paulo, SoniaMaria – que participara ativamente da campanha,pois seus pais eram muito amigos de Porfírio da Paze de D. Filhinha, sua esposa –, foi convidada parafazer a saudação ao novo prefeito e seu vice.O ato cívico ocorreu na Câmara Municipal, quena época ocupava um imponente e tradicionaledifício na Rua Líbero Badaró, infelizmentedemolido. Numa sala imensa, repleta de autoridades,onde havia uma mesa com tampo decristal reluzente foi dado início à cerimônia. Emcerto momento, comandada por seu pai, SoniaMaria subiu em cima dessa mesa e proferiu umdiscurso saudando os recém-eleitos. Jânio ePorfírio ficaram muito comovidos, pois nada daquiloestava previsto e deu-se a primeira quebrade protocolo da gestão do novo prefeito. Masninguém se importou.


Jânio realizou uma administração austera e moralizadora,sem apadrinhamentos, atendimentosde pedidos ou concessões. Mas, meses após suaposse, fez uma viagem ao exterior, bem a seugosto, e Porfírio da Paz assumiu o cargo comoprefeito em exercício. Lá se foram, pai e filhavisitar o novo alcaide. Corria aí o ano de 1954 eseu pai estava com o braço engessado, recuperando-sede um grave acidente automobilísticoocorrido há pouco. Tão logo o oficial de gabineteinformou a presença da pequena Sonia, as portasforam abertas e exigido pelo prefeito: Tragamsorvete de chocolate para a ilustre visitante.Sempre que Soninha visitava a residência da famíliada Paz, o casal, que não tinha filhos, encantava-secom a garota, e a mimavam muito, paradesespero de seus pais. Sempre havia uma bonecanova, um bichinho de pelúcia e muito sorvete dechocolate, iguaria adorada por ela, que sua mãelhe negava, com medo de resfriados indesejados,que podiam desencadear as temidas crises deasma. Naquele dia, havia um plano, maquiavelicamenteentabulado pela família Dorce.Assim, foi formulada a tão esperada perguntapelo novo prefeito: Minha pequena, que presenteeu posso lhe dar? – Boneca, jogo de chá,quebra-cabeça? Ao que a menina escolada,prontamente respondeu: Nada disso. Eu queroum telefone, de verdade!– Ah! Chico Dorce, bandido, ensinando a guria!169


170Mas a verdade é que o telefone saiu. Era difícilter-se um telefone na São Paulo daqueles tempos,simplesmente não havia linhas. Foi puxadoum cabo da Rua Teodoro Sampaio, muito longe,mas tal situação foi justificada porque o Dorce eraradialista, precisava do telefone para seu trabalhoe, ainda por cima, estava convalescente.Eis que, num belo dia de maio, lá estava o aparelhoreluzindo de novo, recém-instalado, como número 80-8789.As meninas penduravam-se por infinitas horasnaquele aparelho. Tornou-se um verdadeirotelefone de utilidade pública, pois sendo umdos poucos da região, muitas pessoas amigas, ousimplesmente conhecidas, utilizavam-se dele.Lá pelo início de 1953, formou-se uma comissãopara tratar das celebrações do IV Centenáriode São Paulo, que ocorreria no ano seguinte.O presidente da comissão era o Dr. Enéas Machadode Assis, que logo convocou a meninapara participar.Ela declamou poesias alusivas à data em diversospontos da cidade e participou durante o mês dejaneiro da maravilhosa Chuva de Prata, que cobriuos céus da cidade, patrocinada pela famíliaPignatari e, no dia 9 de Julho por ocasião dagrande festa na Praça Dom Pedro II, recitou océlebre poema de Guilherme de Almeida – Bandeiradas 13 Listas – combinada com poesias deManoel Bandeira e Colombina.


E veio a campanha das placas do IV Centenário,que eram vendidas pelos artistas, e a presençadela era sempre requisitada por fãs. Tornou-seum marco de civismo as casas ostentarem as mencionadasplacas com a bandeira das 13 listras.Ainda é possível ver-se na frente de casas maisvelhas, as desbotadas placas, demonstrando ocivismo dos antigos moradores.O jornal A Hora, de Denner Medici, em 1953iniciou uma campanha para ajudar menorescarentes, Campanha do Cruzeiro, arrecadandofundos para compra de ambulâncias idealizadapelo jornalista Paulo Barbosa.Lá estava Sonia Maria, à frente da caravana, emais de dez ambulâncias foram doadas paracomunidades, pois se conseguiu mobilizar nãosó a população como também as empresas, queforam solidárias à idéia, iniciando um programade cooperação com postos de saúde da capital.Inspirado no movimento de arrecadação públicapara as crianças carentes, o jornal Diário daNoite iniciou uma campanha para donativos delivros, para formação de bibliotecas em escolaspúblicas da periferia.Madrinha do movimento, Sonia Maria conseguiu,ao longo dos anos, formar mais de 20bibliotecas em escolas municipais em São Pauloe em outras tantas no interior paulista.No ano de 1954, o prefeito da cidade de Sorocabaconvidou Sonia Maria para ser madrinha171


172na campanha para arrecadação de livros parabibliotecas públicas. A campanha deu ótimoresultado e, em seis meses de trabalho, foramimplantadas oito bibliotecas públicas dentro dasescolas municipais urbanas e rurais da região. Aprefeitura comemorou o feito com uma grandefesta da qual participaram também os cantorese artistas da TV Tupi. Naquela ocasião, visitavama cidade o astro de Hollywood Glenn Ford e suamulher Eleanor Powell e o filho do casal, Peter,interessados em comprar terras e possivelmenterodar um filme no Brasil. Não sei se seu primeirointento se realizou, o segundo, tenho a certezaque não. Mas o importante é que a festa foimuito bonita, e a menina acabou entregandoas chaves da cidade para o astro internacional,que se encantou com a ela e convidou-a para irpara os States rodar um filme com ele. Não sepôde constatar a seriedade do convite, pois seupai nem quis ouvir o resto da conversa e disseum veemente e peremptório não.Sonia Maria, já com 14 anos, ainda estava comprometidacom o movimento de criar bibliotecaspúblicas para crianças e adolescentes. Certa vez,foi convidada para inaugurar uma biblioteca infanto-juvenil,numa escola pública e apresentarum show na cidade de Tietê. O autor do convitefoi o compositor e amigo da família Fred Jorge,que tinha amigos e familiares na cidade.Lá foram, em caravana, os cantores, a jovem, suairmã e sua prima Sheila, responsável pelas meninas,pois sua mãe estava adoentada e seu pai


tinha compromissos de trabalho, na capital. Pelofato de a cidade ficar distante e o espetáculo serà noite, foi oferecido alojamento aos artistas, nafazenda do prefeito da cidade.Por razões desconhecidas, não chegou a frasqueirade Sonia Maria, que além de conter objetos deuso pessoal, armazenava o estoque de remédioscontra a asma, que sempre tomava à noite.Esse fato só foi notado, quando todos já estavamacomodados na fazenda, longe da cidade e bemtarde da noite. Sonia passou muito mal, nãoconseguia dormir, em crise de asma, e todos nacasa, solidariamente permaneceram acordados,assustados, pois presenciar uma crise de asmaé algo terrível, ruim para quem sofre e terrívelpara quem assiste.Lá pelas tantas, desesperado com o sofrimentoda menina, o prefeito decretou: Vão até a cidade,acordem o farmacêutico e tragam todos osremédios necessários.Com a chegada dos remédios a menina melhorou,pois, pelo fato de a asma ser uma doença defundo psicológico, só a idéia da falta dos medicamente,desencadeia, por si só, uma crise (essefoi um dos poucos shows de sua vida pelo qualrecebeu cachê, e quase que não valeu a pena).Infelizmente, essa doença a acompanha até osdias de hoje, sempre que tem um grande problema,submetida a grande tensão, ou expostaa fatores alergógenos, a crise se desencadeia.173


174Quando Jânio Quadros se elegeu governador, D.Eloá, sua esposa, que se encantara pela garotade há muito, volta e meia convidava-a para umchá no Palácio dos Campos Elíseos. Era o máximoser conduzida por aqueles imensos carros pretosoficiais, que buscavam-na e à sua irmã e depoistraziam-nas de volta, pois era visita oficial. Asduas sentiam-se um pouco Cinderela, cruzandoaqueles magníficos corredores cobertos de tapetes,quadros e peças raras. As meninas brincavama tarde toda pelos jardins, quando a Tutu, filhado governador, chegava – ela estudava à tarde –os locais mais secretos do palácio eram descobertospelas três, deixando os seguranças aflitos,pois não encontravam as garotas. D. Eloá eramuito carinhosa com as meninas, sempre tinhaum doce especial, ou um brinquedo diferentepara ofertar e isso acabou provocando ciúmesem sua filha. Repentinamente os convites foramsuspensos. Acabou-se a mordomia.Ao longo de sua carreira, foi agraciada comtroféus, medalhas e diplomas em reverência aoseu desempenho artístico e também pelas campanhasbenemerentes que abraçou. Recebeu oreconhecimento de escolas, hospitais, crechespor onde lançou essas pequenas sementes.Certamente, nesses primeiros tempos foramforjados as idéias e o interesse pela política, pelacoisa pública e o apurado senso de cidadania,sedimentados nos tempos universitários e quea acompanham até os dias de hoje.Em anúncio da Casa Clô


Capítulo VIIIOs Patrocinadores e os ComerciaisO que mata o gambá é a publicidade que elefaz de si.LincolnNo início da televisão, não havia preocupaçõescom patrocinadores e, por conseguinte, nemcom o Ibope. Tempos adoráveis em que osprogramas valiam por si só, pelo valor artísticode uma encenação. Será possível crer-se nestaassertiva? Mas era assim mesmo que acontecia.Vantagens do pioneirismo.Os primeiros comerciais foram surgindo aospoucos, mais ou menos como se fazia no rádio,reclames cantados por cantores famosos, e asapresentações dos produtos pelas adoráveisgarotas-propaganda, que eram a sensação domomento, resistir – quem há de?177Um dia, seu pai foi procurado na Rádio Tupi, nasala nº 3, que dividia com Homero Silva, pelaSra. Clotilde, mais conhecida como Madame Clô,proprietária da Casa Clô, uma loja especializadaem roupas infanto-juvenis. A loja chamava-seCasa Clo – enfants et jeunesse (que chique!),situava-se na Rua Bráulio Gomes, quase esquinacom a Rua da Consolação, na sobreloja, pegadaà Biblioteca Mário de Andrade. Era uma casa de


178alta-costura infanto-juvenil, as roupas, da maisalta qualidade, feitas para a nata da sociedadepaulistana, e em cujo estabelecimento sua mãejamais pudera comprar um vestido para a filha,pois os preços eram proibitivos. O caso é que aempresária veio oferecer-se para vestir a garotaem suas apresentações na televisão, em troca dedivulgação e propaganda da loja. Era o embriãodo merchandising.Chico Dorce disse que iria consultar sua filha,falou, só para não dar o gostinho de aceitar imediatamente,pois isso representaria uma grandeeconomia para a família. E, assim, foi feito, a partirde então, meados de 1951. Sonia Maria viroufashion vestida por Madame Clô, transformou-setambém em garota-propaganda da loja.A seguir, a loja interessou-se por fazer um comercialde verdade. Foi feito o que se chamavajingle – uma melodia, especialmente composta,no caso com letra e música de seu pai e um filme,que passava na televisão.A letra era assim: (Lucinha Mendonça, sua querida,saudosa, mas sempre presente amiga, mulherde Marcos Mendonça, sua colega dos tempos doColégio Rio Branco e também da Faculdade deDireito, todas as vezes que a encontrava cantavao refrão da melodia. É até possível que algumavetusta pessoa, mas de boa memória, possalembrar-se da musiquinha):


Alô, papai, papaizinho, alô,Venha cedinho pra casaQue eu estou tão bonitinha,Com meu lindo vestidinho da Casa ClôEntrava a voz de Homero Silva:Clô, etiqueta de valor!Segundo contou-lhe, certa feita, Fernando Severino,diretor comercial da Tupi, este foi um dosprimeiros comerciais feitos fora do pool de empresasassociadas e empreendedoras da TV Tupi.Havia na época um conjunto de empresas quese juntaram a Assis Chateaubriand para tornarpossível a vinda da televisão para o Brasil, e eramesses os anunciantes oficiais. Aos poucos, foramaparecendo outras empresas. Outro marco deseu pioneirismo.Assim, Sonia Maria viu-se envolvida pela propaganda,inicialmente pela Casa Clô, depois vieramoutras, como da Rodhia, dos Biscoitos São Luiz,do Canguru Mirim, Casas Pirani, Loja Sears,Meias Bresser, Lingerie Valisère – que criara umalinha infantil inspirada na garota –, BrinquedosEstrela, depois Brinquedos Trol, Casa Bambini,Sadia, Casas Eduardo e Eduardinho, Foto Léo,DrogaNossa, Cássio Muniz, Casa Mappin, Gessy,Lever, 3 Leões, Frigidaire, Marcel Modas, CompanhiaAntarctica Paulista – para o lançamentodo Caçulinha –, Moinho Santista, Leite Moça daNestlé, Chocolates Lacta, Companhia Paulista de179


180Refinadores – Açúcar União –, Chocolates Dizziolie tantos outros.Na época, não se costumava pagar altos cachêspelas propagandas feitas. Os contatos eramfeitos pelas agências de publicidade, que combinavamcom os atores o texto, hora e filmagemou a inserção nos programas. No caso de SoniaMaria, os pagamentos sempre foram irrisórios,simbólicos, mesmo. Mas em compensação choviamas espécies, objetos das propagandas.Eram roupas, sapatos, brinquedos, grande partesdeles distribuídos entre as crianças pobres,produtos de cozinha da Nestlé, da Sadia, refrigerantes,chocolates uma delícia!Quando fez 10 anos, o Mappin ofereceu-lhe umchá no tradicional recinto no último andar, naPraça Ramos de Azevedo, com serviço de prata,porcelanas, música ambiente, ela convidou todosos seus amiguinhos, uma glória.Encerrado seu compromisso com a Casa Clô, porvolta de 1953/54, começou fazer propagandapara a Casa Bambini. O comercial era feito nasintersecções do programa Fábulas Animadas, deTatiana Belinky e Júlio Gouveia, às segundas, e noSítio do Pica-pau Amarelo, às quartas-feiras.O slogan da casa era: pequena por fora, masgraaaande por dentro. Pois a loja, situada na RuaSão Bento, constituía-se de pequenina entrada,mas no subsolo tinha um enorme salão.


As crianças inscreviam-se para participar do comercial,pois ficavam em cima de um praticável equando Sonia falava como era grande a Casa Bambiniabria os braços e as crianças caíam no chão. Oslugares dos tombos eram muito disputados.Depois do programa, os artistas mirins e a famíliaZilberkan, (o saudoso Jankiel, o patriarca),proprietária da Bambini, com os filhos Florinhae Décio, iam todos comer pizza nas cantinas doBom Retiro.Às vezes, por ocasião de algum lançamento deum vestido ou outro produto especial, Sonia Mariaia dar autógrafos ou mesmo tirar fotos como fotógrafo Viotti, com os compradores. A lojaficava lotada de crianças e de curiosos para verema atriz mirim e conseguirem seu autógrafo.Por ocasião do lançamento de seus discos, tambémia à Casa Pirani, situada na Av. Celso Garcia,chamada A Gigante do Brás, igualmente paraautografar fotos e discos. Também ficou amiga dafamília Pirani, que visitava nas tardes de domingo,para um jogo de bola ou um banho de piscina.Certa feita, no ar ao vivo, Sonia Maria, depoisda exibição da novela De Mãos Dadas, convidouseus amiguinhos para estarem com ela, no diaseguinte, na Casa Bambini, por volta das 15h,onde estaria recebendo os amigos, vendendoseus discos e autografando fotos. Mas, na verdade,a pequena estaria na Casa Pirani, pois erao lançamento de seu disco para o Dia das Mães.181


182Ninguém, nem mesmo seu pai, estava atento atudo, percebeu a troca de endereços feita noar pela menina.Pois bem, no dia seguinte, estavam todos a postosna Casa Pirani, no Brás: a imprensa, repórteres derádio, enfim os profissionais indicados para registraro fato e só vieram algumas pessoas, compradoreshabituais da loja. Onde estavam os fãs deSonia Maria, que geralmente lotavam os lugarespor onde ela passava? Seria o fim precoce de seuprestígio? Não apareceu ninguém! Enquantoisso, uma fila imensa começava a se formar naRua São Bento, em frente à Loja Bambini, semque ninguém entendesse por que. Quando sepercebeu o engano, alguém ligou para a Pirani,pedindo que viessem urgentemente para a Bambini,pois havia princípio de tumulto na porta.Por volta de 1954/55, começam a popularizar-seas geladeiras, vindas da América do Norte, sobretudoas da marca Frigidaire no Brasil, Sonia Mariavirou garota-propaganda. Foi um dia intensode gravação na loja 3 Leões, na Av. São João.Ao fim da gravação, um dos proprietários dissepara ela escolher o que quisesse dentro da loja.A pequena olhou para seu pai, pedindo uma sugestão.Como naquele espaço só havia geladeirase televisores, o pai ficou tranqüilo, pois qualquerdesses produtos seria um bom pagamento.Olhou em redor e viu que dentro da geladeirahavia frutas e algumas tigelas de plástico, quinquilharias,em verdade, mas ela tinha (tem até


hoje) paixão por plásticos em geral, e aqueleseram produtos americanos que ainda não estavamdisponíveis no mercado nacional. Encantadacom aqueles objetos, não teve dúvidas, agarrouseàquele monte de plástico e disse: Quero isso!Risada geral! Seu pai quase teve um colapso. Masos patrocinadores enviaram-lhe uma geladeiranovinha e deram-lhe também um broche deouro, pérolas e brilhantes, representando umacoroa, que era o símbolo da marca.Muito se fala sobre a tirania do patrocinadoratualmente, dando oportunidade para a verve dePaulo Autran criar a seguinte frase: O teatro é aarte principalmente do ator, o cinema é a arte dodiretor e a televisão é a arte do patrocinador.Surgiu até mesmo uma chacota, incessantementerepetida por volta dos anos 60: O televisor éum corretor que mora na casa do comprador.Os comerciais na televisão, no final dos anos 50,eram intermináveis e serviam muitas vezes comotapa-buracos, ou mesmo para ajeitar-se algumagafe cometida pelos artistas. Por vezes, o telespectadorera submetido a um tempo imenso deanúncios, até que se consertasse um problematécnico ou um artista atrasado conseguisse chegar.Em 1961, um decreto presidencial limitou ointervalo comercial a apenas 3 minutos.Os produtos eram oferecidos por irresistíveis garotas-propagandaque encantavam o sonho deconsumo dos telespectadores. A primeira delas183


184foi Rosa Maria, depois vieram Marlene Morel e aTentação do Dia das Lojas Marcel Modas, SoniaGreiss, Odete Lara fazia a propaganda das LojasMappin, Irenita Duarte, que acabou eleita MissTelevisão, Nely Reis, Neide Alexandre, MarlyBueno, Jane Batista, Elizabeth Darcy, WilmaChandler, Idalina de Oliveira, Neusa Amaral,Meire Nogueira, Ana Maria Neumann, MarleneMariano, Márcia Maria, Vininha de Moraes, atémesmo, Vida Alves sucumbiu aos encantos dosprodutos e foi apresentá-los diante das câmeras,e a própria Sonia Maria também.Um dos patrocinadores da novela 48 Horas comBibinha foi a família Simonsen, que na épocarepresentava a General Electric e a fábrica deautomóveis Austin, no Brasil, que fabricava omodelo Morris.Conclusão: Francisco Dorce, Vida Alves, (uma daspoucas mulheres que dirigiam na época, moderninhaa moça!), Cassiano Gabus Mendes, AurélioCampos, Ribeiro Filho obtiveram um financiamentomuito favorável e lá estavam todos ostentandoseus carrinhos novos em folha. Foi um verdadeiromovimento coletivo para a aquisição dos carros,como acontece nas grandes famílias.O nosso era cinza, uma graça. Complicadoera fazer o Dorce prestar atenção na direção,sonhador que sempre fora, com tantas coisaspassando na sua cabeça, e as moças bonitastambém, eram um terror! Fazia-se necessário


um co-piloto, de plantão e atento, para chamarlhea atenção: Olhe o farol! Cuidado o carro!Não corra! Olhe o poste! Pare! Ande!, enfim....Essa função era dividida entre D. Mariquinha ea prima Sheila. A culpa era sempre dos outros.Com o passar do tempo e algumas batidas, eleacabou aprendendo.Certa vez, na volta de um show na cidade deSantos, era uma noite feia, com muita neblinae chuva fina, o motorista, meio cansado, quasedorme na direção.Foi o grito da prima Sheila que despertou oChico Dorce e os passageiros. Apesar de sermuito tarde da noite, ninguém mais cochilounaquele carro. Depois, vieram outros automóveis,até um Fiat, o último deles, apelidado deFrancisquinho, mas não tinham o charme nemo encantamento do primeiro. Os patrocinadoresacabavam ficando amigos dos atores patrocinados,e assim, Sonia Maria passou a freqüentara casa da família Simonsen, uma mansão noJardim América. Foram muitas tardes deliciosase muitos banhos de piscina.Os veículos de comunicação têm suas formaspeculiares de transmissão. Na época do aparecimentodo rádio, disseram que doravante oteatro estava morto. Da mesma forma que serejeitava o cinema falado, logo nos primeirostempos de seu aparecimento. Quando a televisãoaportou por estas bandas, a constatação185


186era de que o cinema estava com os dias contados,acabaria em pouco tempo. Ninguém maisdeixaria o conforto de seu lar para ir ao cinema,podendo, praticamente, tê-lo à sua mão.Tal profecia resultou incorreta, Hollywood emesmo o cinema pátrio continuaram suas produções,as de lá cada vez mais bem elaboradase sofisticadas e as nossas aprimorando-se eseguindo as vertentes nacionalistas. O cinemanacional teve a chance de ver florescer nas décadasde 50/60 uma realidade cinematográficaúnica, sobretudo com o cinema novo de GlauberRocha e de tantos outros talentosos diretores,e atualmente, renova-se com os diretores e artistasreconhecidos internacionalmente.Além de ser pioneiro na televisão, Mazzaropitambém o foi no cinema. Consegui cativar umpúblico fiel, dos adultos às crianças, e lotar oscinemas por onde apareciam seus filmes, mantendo-sesempre como o caipira inocente, que aoinvés de ser enganado, no final, levava semprea melhor e ainda casava com a mocinha. Criouuma companhia cinematográfica a – PAM –Produções Artísticas Mazzaropi, em Taubaté,depois da sua morte, acabou transformado emhotel fazenda e centro de memória.Nas décadas de 80/90, o cinema descobriu umfilão maravilhoso – a platéia infantil. Foi a safrados filmes dos Trapalhões, fusão de aventurase romances, no estilo leve e romântico como as


antigas e deliciosas chanchadas dos bons temposda Atlântica. Depois vieram as comédias românticasestreladas pela Xuxa.Nem mesmo essa teenager, ou já devemos chamarde jovem senhora – a Internet – ameaça,nem a televisão, nem o rádio, nem o livro, nemo jornal. Cada meio de comunicação continuaráa ter seu espaço no mundo civilizado. Só não seiprecisar por quanto tempo, eles ou nós permaneceremoscivilizados.187


Com Claudia, Gilda e Marcia, na casa do Horto Florestal


Capítulo XIA Adolescência e os Costumeiros ConflitosA juventude é boa demais para ser desperdiçadacom os jovensBernard ShawTrilhar novos caminhos para alguns é comoandar sobre o fio da navalha, há pessoas quese iniciam em novas atividades com obstáculoe muito esforço.Não foi o caso de Sonia Maria; seu caminhar navida artística deu-se com muita naturalidade,sem concorrência ou julgamentos. As coisas fluíramtranqüilamente, a rádio e a TV Tupi eramdesdobramentos de sua casa. Seu pai atuavacom intensidade nas Rádios Tupi e Difusora, elaestava por ali, meio disponível, foi entrando, foichegando, foi ficando.189Assim, não houve disputas, filas de espera, ouaqueles célebres: Volte amanhã..., Deixe seunome..., Volte mais tarde..., nem testes, nãofoi preciso seduzir ninguém, pelo contrário, osdiretores e produtores é que foram seduzidospelo talento e graça da pequena.Mas a verdade é que, com o passar dos anos, asi tuação modificou-se, o talento não diminuiu,muito menos os dotes artísticos. O que ocorreué que os tempos começaram a mudar, outrascrianças começaram a chegar, fazendo tam-


190bém sucesso em suas apresentações e o que eranovidade tornou-se corriqueiro tanto para ostelespectadores quanto para a garota, agora jámenina-moça. É bem verdade que a emissoranão soube, ou não se interessou em investir notalento da menina, que sem uma agência ouempresário especializado (elemento desconhecidonaqueles tempos), que a empresariasse econduzisse sua carreira, como ocorre hoje emdia. Foi ficando difícil manter espaço para atelevisão, nos padrões de outrora.Sentia um desconforto em representar certospapéis que a idade lhe impunha, e havia tambéma não aceitação, da parte do público, pela novafigura que surgia – a adolescente.O público apaixonara-se pela criança, que faziapapel de adulto, que chorava, sem artifícios,que improvisava, que os fazia rir e chorar comnaturalidade. Aceitar a jovenzinha que chegavanão era tarefa fácil, para ambos os lados.A televisão começara desenvolver uma formamais rápida e consumista de programas, exigindocada vez mais a renovação com seus artistas. Nadaparecido com os dias de hoje, é claro, mas haviamuito rostinho novo aparecendo e o público e osdiretores querendo sempre mais novidades.Começou a perceber que não havia personagensespeciais para ela, agora geralmente faziapapéis secundários, de coadjuvante, sem muitaimportância. Estava virando móveis e utensílios.Realmente não era esse seu objetivo na vida.


A adolescência é um período, por si só difícil detranspor, sendo uma figura pública como era,sentia-se muito exposta à curiosidade alheia,tudo que fazia virava notícia e aqueles eram, emverdade, os anos dourados, mas eram também osanos de muita repressão por parte da sociedadee nem tudo era permitido a uma senhorinha deboas maneiras, sobretudo oriunda de tradicionale rigorosa família italiana.Quando ia a uma festa era o foco principal daatração dos presentes. As outras meninas comentavam,entenda-se, criticavam seu vestido,sapato ou penteado, os meninos, por sua vezsentiam-se intimidados em tirá-la para dançarcom medo de levar tábua.Sim, naquela época as mocinhas esperavam osrapazes convidarem-nas para dançar e não ficavabem se expor ao máximo, oferecendo-se. Convenhamosque dançar com uma celebridade erauma façanha. Passado o desconforto dos primeirosmomentos, todos acabavam enturmando-se,mas não era fácil enfrentar certas situações.Por isso, muitas vezes, apesar da grande insistênciade sua irmã, Sonia Maria preferia ficar emcasa, lendo ou ouvindo música com um grupopequeno de amigos ou fazendo sua festinhaíntima, especialmente aquelas das tardes desábado, na casa da Gilda, no Horto Florestal,lendo poesia em cima das árvores.Passou a ser difícil enfrentar pequenas aglomerações,sala de espera de cinema, restaurantes,191


192lanchonetes, por exemplo, pois as pessoas seviravam, encaravam, apontavam. O assédio dopúblico, que era engraçado, bem-vindo, na infância,passou a ser extremamente desagradávelnaquele momento. Talvez, porque esse períododa vida dos jovens seja de introspecção e autoconhecimento,sentir-se uma pessoa públicadesagradava-a muito.Conversou com Cassiano, uma ocasião, sobre esseassunto e pediu-lhe para afastar-se um pouco daTV e participar mais de novelas de rádio, comouma forma de se esconder um pouco.A própria televisão estava mudada, com o adventodo videotape, as gravações perderam muitoseu encanto, as cenas eram mais demoradas,repetia-se muito, pois os atores e técnicos permitiam-seerrar e refazer a cena, quantas vezes fossepreciso. Esse procedimento todo foi-se tornandoenfadonho, seu foco de atenção estava centradoem outro lugar – seus estudos. Em via de concluiro curso clássico (o segundo grau daquele tempo),visualizando a Faculdade de Direito, começou aperder o entusiasmo pela televisão.Sentia-se um pouco da velha-guarda, meio deslocada,meio esquecida de seus fãs.Além disso, os papéis ficaram cada vez maisescassos, pois por imposição de seu pai, SoniaMaria não fazia cena de beijos, papéis picantes,ou violentos, e sua atividade foi ficando cadavez mais restrita.


Em cena da peça Magda, do Grande Teatro Tupi,com Elke Alves


194Outras crianças foram chegando depois dela,como os mencionados Adriano Stuart, DavidJosé, queridos amigos, conservados até hoje,a Verinha Darcy, irmã do Silvio Luiz e filha deElizabeth Darcy, que com sua graça e talento,encantou os telespectadores, Débora Duarte,filha de Marisa Sanches e Lima Duarte, quecontinua brilhando até hoje; havia por lá umjovem louro e magrinho, meio arredio, quecomeçou fazendo figuração e depois por suatenacidade e talento fez brilhante carreira: FulvioStefaninni. Aos poucos, a partir dos anos 60,começou a chegar uma geração mais juvenil –Susana Vieira, que em verdade se chama Sonia,mas por sugestão do Cassiano, mudou seu nome,pois, duas Sonias na emissora eram demais,Patrícia Mayo, Guy Loup, Lisa Negri, CláudioMarzo, Walter Negrão, o Tatá – Luiz Gustavo –,que apesar de veterano e da velha-guarda, jamaisperdeu o encanto da juventude, formavamum elenco muito animado, e a amizade entre ogrupo tornou-se uma realidade.O Tatá era realmente um sedutor; por convite deSonia passou a freqüentar os bailinhos de sábadoà tarde do Colégio Rio Branco, onde cursava o 3 oano do curso Clássico. Sua presença era um sucessototal. Todas as meninas queriam dançar comele, era o centro de atração, apesar de um poucomais velho, acompanhava a moçada e enciumavaos garotos menos experientes, que ficavamde fora do círculo principal. A animosidade por


parte dos meninos começou a crescer e ele achoumelhor suspender essa prática, pois que, apesarde jovens, os meninos eram fortinhos.Em 1963, prestou vestibular para a Faculdadede Direito do Largo de São Francisco, da Universidadede São Paulo, classificando-se em 4 olugar; começa aí outra etapa importante desua vida, arrastando-a para mais distante datelevisão (Onde é que mora a amizade / Onde éque mora a alegria / No largo de São Francisco /Na velha Academia...).No ano seguinte, veterana e perfeitamente integradaaos meios acadêmicos, surge como calouroAdriano Stuart, seu querido amigo.Nada mais justo que partisse em sua defesacontra os outros veteranos, sedentos na iraacadêmica pelos incautos calouros (era tudouma brincadeira, sem maiores conseqüências,ninguém jamais saiu ferido por causa de trotena faculdade).Essa foi a perdição de seu antigo companheiro.O resultado foi exatamente adverso; seu desejoincontido de defendê-lo acabou acarretando-lhemuitas confusões, repetidos cortes de cabelo emuitas brincadeiras inconvenientes. A situaçãoficava um pouco perigosa quando o odioso CCCtentava intervir (o CCC, dito Comando de Caçaaos Comunistas, que era na verdade uma reuniãode bobalhões, dublês de fascistóides, arruaceirose ignorantes, mas temíveis e perigosos, porque195


196eram fortes e protegidos dos militares no poder).Mas, naquela época, ninguém dava-lhesatenção, e o Adriano conquistou os veteranoscom sua graça e senso de humor aguçados.Assim, logo depois, todos ficaram amigos, e apseudoproteção se fez desnecessária.Na Faculdade, experimentou anos de lutas ede repressão durante os obscuros tempos daditadura. Justamente, num momento tão importantepara sua formação como cidadã, teve avoz abafada e os ideais amordaçados pelo golpemilitar. Fez, a duras penas, seu aprendizado empolítica acadêmica e social e teve o dissabor dever desaparecerem muitos de seus amigos e colegas,alguns exilados, outros mortos.Foram anos fervilhantes, de muitas conversas,muitas leituras; passou a interessar-se por cinema,sobretudo pelo europeu, no qual imperavam aNouvelle Vague e os filmes de Alain Resnais, Trufaut,Agnès Varda, Luis Malle, Lelouche, Godard,Costa Gravas; na literatura prevalecia o NouveauRoman, e eram devorados os livros de MargueritheYorcenar, Michel Butor, Alain Robbe-Grlilet,Nathalie Sarraute, Chabrol; a vida e a políticaacadêmica foram fazendo parte e cada vez maiseram temática de seus interesses e dedicação.Foi um período em que freqüentou muitoscursos extracurriculares no IBDF – InstitutoBrasileiro de Filosofia – como os de filosofia, li-


teratura, semiótica, sociologia e política. Sentiauma necessidade extrema de aprender todas ascoisas, como se o mundo fosse se acabar. Leutodos os livros que pôde e aprendeu muito sobrea vida, sobre a política e até alguma coisasobre o Direito nas intermináveis conversas nopátio da Escola. Sua turma na faculdade erade jovens intelectualizados, sempre em contatocom o pessoal da Filosofia e da Sociologiada Maria Antonia, pois muitos de seus amigosestudavam lá.No pátio da faculdade, com CoraMara Ferreira, Gilda Korn,Clodoaldo Celentano, Lucinha Mendonça e Aloysio NunesFerreira


198Anos rebeldes que lhe valeram, bem como aoAdmir e a seu pai também uma noite de prisãona Faculdade de Direito, por ocasião de protestospolíticos contra a ditadura militar.Havia um receio constante, pois ninguém estavalivre da fúria e da irresponsabilidade dosditadores e repressores, sobretudo os jovensadvogados, que não podiam livremente expressarseu descontentamento, mas, ainda que àsescondidas, defendiam os presos políticos, comofaziam seu marido, Miguel Tebar, José RobertoMelhem, Lucinha e Marcos Mendonça.Encerrava-se o semestre de 1964, a vida acadêmicamuito enfraquecida pela violência do golpemilitar, e numa tarde vazia, Sonia recebeu umtelefonema de sua amiga Gilda, informando quea polícia estava procurando um amigo da Faculdade,o Mafei. Haviam arrombado sua casa, naRua Tupi e prendido alguns de seus familiares.Felizmente, ele conseguira escapar, mas estavaferido e precisava de abrigo. A casa de sua família,como já expliquei, situava-se pra lá do fimdo mundo, um lugar ideal para se esconder umforagido político.Consultada a família, seu pai não só concordou,como aderiu prontamente, pondo-se em contatocom outras pessoas do movimento e familiaresdo refugiado. Virou misto de revolucionário eenfermeiro. Formou-se assim uma verdadeiracélula, dela também fazia parte o Admir.


A situação era de pânico, porquanto a fúria dosmilitares contra estudantes era grande, cartazesforam espalhados pela cidade, com fotos dosprocurados e, ao mesmo tempo, começaram asinvestigações na Rádio Tupi.Um dos primeiros a serem interrogados por ummilitar, incumbido dessa função, na própriaemissora, foi seu pai, pois era conhecido comoantigo militante do Partido Comunista, em seustempos de juventude.As cautelas intensificaram-se na Rua RodriguesGuião, por ordem dos comandantes do movimentoao qual seu amigo era filiado, algumastáticas de relacionamento foram ensinadas.Nada de visitas estranhas ou vizinhas curiosas.Na casa, o vaivém intensificou-se. Muitas pessoas,estudantes e companheiros passaram afreqüentar o local, ainda que tarde da noite,para não levantar suspeitas. Inúmeros cafezinhos,lanches e cinzeiros cheios o tempo todo.Parecia que se iria deflagrar a contra-revoluçãocom discussões inflamadas e planos táticos nuncarealizados. O que significava trabalho intensopara D. Mariquinha, que acabara de perdersua serviçal e enfrentava os serviços domésticossozinha, e esse, francamente, não era seu forte.Em compensação, o velho Dorce estava eufórico,sentia-se um combatente contra o golpe militarque tanto criticava.199


200A ordem era, nunca chegar em casa, sem antesaveriguar se não havia problemas. Era precisoligar sempre e dizer uma senha, que era mudadatodos dois dias.Num determinado dia, a senha era: O céu estáazul? E a resposta correta deveria ser: Sim, o céuestá azul. Antes de chegar em casa, Sonia ligade uma vizinha e diz a senha combinada parasua mãe, que atendera ao telefone. D. Mariquinhaatarefada e meio nervosa, desconhecendoa senha do dia respondeu: Minha filha, eu estoutão ocupada, que nem tive tempo de olhar parao céu. Ela, ao contrário do marido, não faziaparte daquele centro revolucionário.Tempos depois, seu amigo foi transferido paraoutro local. Hoje, ele está muito bem, com umcompetente e bem-sucedido escritório de advocaciafuncionando e ele e sua mulher Ednacontinuam amigos do casal.No início de 1966, pediu sua transferência parao Departamento Jurídico dos Diários Associadose foi estagiar junto ao escritório do Dr. BeneditoPereira Porto e Dr. Pedro Ivan de Resende,que, pacientemente, indicaram-lhe os primeiroscaminhos rumos aos tribunais. Permaneceutrabalhando até às vésperas de seu casamentoem maio de 1968, quando montou com o marido,seu escritório de advocacia e foi brilhar emoutros palcos.


O Departamento Jurídico situava-se na Rua 7 deAbril, 230, prédio onde também se localizava oMuseu de Arte de São Paulo. Sonia teve oportunidadede passar muito tempo percorrendoos meandros daquele ainda exíguo espaço, maspôde conviver, quase diariamente com as preciosidadeslá existentes e iniciar-se em outra paixãode sua vida, as artes plásticas.Sem falar no inusitado que era conviver comPietro Maria Bardi, um incansável professor esua mulher Lina Bo Bardi.O Museu também era freqüentado por umaaustera figura, em sua cadeira de rodas, acompanhadode sua fiel enfermeira. Era o nossoVelho Capitão, Assis Chateaubriand que, acometidopor um terrível mal se via preso a essasituação. Ele não falava, mas conservava intactoseu raciocínio, poder de compreensão e o doceolhar e, mesmo em silêncio, ela teve a honra decompartilhar muitos momentos esquecidos dentrodesse mundo especial de obras de arte.Mesmo fora da televisão, ainda fazia algumasaparições em programas de entrevistas, comona Revista Feminina, de Maria Teresa Gregori,programas de variedades, Almoço com as Estrelas,de Airton e Lolita Rodrigues, ou então,apresentando o Clube Papai Noel, por ocasiãodas ausências de Homero Silva, por conta de suacandidatura a deputado estadual.201


202Ruptura com o fio condutorChega, Dra. Sonia, agora quero recuperar minhavoz e falar por mim mesma, agradeço muitoa atenção, sua gentileza e paciência de nos terconduzido até aqui, especialmente a fidelidadecom que relatou os acontecimentos, mas agoraapós tantos anos decorridos, as veleidadesamainadas, tenho o direito de usar a primeirapessoa, pois não haverá mais louvações, nemqueixas ou retaliações.Sonia Maria Dorce por Sonia Maria DorceA grande magia da carreira do ator é a possibilidadede viver através dos personagens inúmerasvidas, terríveis amores, grandes tragédias, independentementeda sua própria existência. Podeseaté mesmo morrer e como uma fênix, renascer.Como se possível fosse ter duas vidas. Uma parase viver e outra para se representar.Após o espetáculo, despir-se da caracterizaçãodo personagem e poder tomar um cafezinhono bar da esquina, ou uma taça de champanhee abandonar toda a encenação, seus dramas,alegrias ou torturas, nas coxias dos cenários, epoder retomar a sua vida comum é uma experiênciafascinante.O problema surge quando os personagens co meçama perseguir os atores ou marcá-los em blemati camente, a ponto de roubar-lhes a pró priaexis tência. O verdadeiro ator precisa es ta be le cer


sempre uma distância entre suas carac teri zaçõese a vida real. Tênue distância, às vezes, dedifí cil realização.A verdade é que eu jamais consegui abandonardefinitivamente a ribalta. Todo aquele que foiinoculado pelo veneno da arte de representarcontinuará a fazê-lo onde quer que esteja, jamaisse livrará desse encantamento, estará sempreexercitando seu talento e representando, nãoimporta para que platéia, não importando nemmesmo que ela exista. Todo meu esforço deve terservido para algo, tantas crianças vieram depoisde mim, e continuarão a vir.Tive o prazer de conhecer inúmeras Sonias Marias,nomes dados pelas mães às filhas, em homenagema minha pessoa, isso é gratificante.Outro dia, estava no supermercado e eis queencontro uma dessas meninas (hoje não tãomenina assim). Ao nascer, sua mãe queria darlheo nome de Sonia Maria, a família reclamava,a primeira neta deveria ter o nome das avós.Venceram ambos os lados. Ela se chama SoniaTherezinha Conceição.No meio de tanto trabalho, havia o esperadoperíodo de férias, e nos anos 50 a família Dorce,praticamente, mudava-se para Jaboticabal, terrade minha mãe. A emoção começava no momentodo embarque. A família seguia em direção àmonumental Estação da Luz. A viagem era longa,embarcávamos no carro pullman da Companhia203


204Paulista, o trem era um luxo só. As poltronasmagníficas, enormes, giravam sozinhas. Podiamreclinar e quase virar uma cama, ainda havia ovagão-restaurante, os pratos sofisticados, floressobre as mesas, garçons engomados. Era precisose comportar como mocinhas educadas, essa eraa orientação geral dada pela avó, que as meninasseguiam direitinho.Mas a aventura maior estava por vir. Quando otrem chegava na cidade de Rincão, fazia-se baldeação,pois Jaboticabal só tinha bitola estreita.Era preciso correr para não perder o outro trem.As ordens, dadas apressadamente: Meninas, cuidadocom a bagagem, não vão cair nos trilhos,fiquem quietas...Numa dessas viagens, Cidinha Campos, que setornara muito amiga da família, foi junto paraas férias. Ela fez um sucesso terrível, pois era umpouco mais velha e os meninos ficaram encantadoscom seu charme. As meninas enciumadas,não repetiram o convite.Deixávamos aquele trem luxuoso e embarcávamosno maria fumaça, um trem antigo, movidoa lenha, que andava devagar, fazia um barulhoesquisito, mas nós adorávamos. Tínhamos a sensaçãode que, a qualquer momento, um bandode índios ensandecidos iria atacar o vagão eficávamos procurando os mocinhos para proteger-nos.Doces ilusões infantis, influenciadaspor excesso de filmes de bangue-bangue. Nem


índios, nem mocinhos apareciam, mas as viagensvaliam a pena e a fantasia corria solta.Era um tempo adorável, bem diferente da vidana cidade, visitas aos sítios e fazendas de parentese amigos, tardes perdidas em cima das jabuticabeiras,que eram muitas, justificando o nomeda cidade. Essas lembranças fluem facilmente esinto-me como um personagem de Proust, tambémeu À procura do tempo perdido. Eram muitosdoces caseiros, visitas às casas de tias antigas,os perfumes macios, o calor das tardes quentesamenizado na piscina do Clube da Mascagnicuja banda fora fundada por seu avô materno,Arthur Bazoni, e por seus tios Oswaldo e Loriz,muitos anos atrás. Havia também muitos primos,entre eles, o Ayrton, Carmen Maria, Arthurzinho,Tereza Cristina e Izilda, a Maria Carlota,que é prima mais distante e virou prefeita dacidade, as tias Cleofe, Doralice, Narcisa, Carlotae um monte de outras. Acho que a cidade todaera meio parente, pois quase todos imigrantescomo meus avós tinham vindo de algum cantoda Itália. Tio Oswaldo era um patriarca, muitorespeitado e querido na região (quando faleceu,virou nome de rua, na cidade) À noite, muitoseram os causos, contados pelos visitantes, sobretudopelo João Minhoca (quase todos na cidadetêm seu apelido), amigo e pescador, em tornodo imenso fogão de lenha no fundo do quintalda casa grande. Cada um queria superar o outronas maravilhas e encantamentos que juravam ter205


206acontecido. As meninas, por causa dessas estóriasfantásticas, às vezes, dividiam a mesma cama,com medo das assombrações. Havia tambémas encantadoras serenatas que os aspirantes anamorados faziam, supervisionados por seusprimos, Ayrton e Sergio.Mas nem mesmo nesse longínquo rincão estavalivre do assédio dos fãs, pois apesar de a imagemda televisão não chegar até lá, muitas das pessoasque passavam férias ali eram de São Paulo eme conheciam, e assim, invariavelmente, haviaespetáculo no Cine Teatro Polytheama, o maisimportante da cidade, e dá-lhe declamações,cantorias, e tudo mais.Uma noite, fazia um show no Clube Internacional,na cidade de Santos, quando apareceu nocamarim uma jovenzinha dizendo que era minhamaior fã e precisava me ver, de qualquer jeito.Seu nome Iara Gonçalves – a Iarinha tinha umacoleção de fotos e sabia de todos meus passos.Após o espetáculo, convidou-me para jantar emsua casa. Foi toda a comitiva. Depois disso, asirmãs Dorce eram intimadas para passar todasas férias de verão em Santos, como convidadasda Família Gonçalves. Assim foi feito até o casamentode Iara, em 1966. As meninas inverteramo pólo das férias, em vez do interior, agora veraneavamna orla.A casa da Iara, um verdadeiro paraíso, pois eramusicista e exercitava seu talento cantando as


músicas da emergente bossa-nova, além disso,era vizinha de um imponente condomíniochamado Jardim do Atlântico, onde tambémtinham apartamento Homero e D. Yolanda eLolita Rodrigues, e aí era a vez dos intermináveisjogos de buraco, durante a tarde, com as mães,e os adoráveis bailinhos, estilo água e palito ànoitinha, para os jovens. Mais uma vez, a Tupicruzando seus caminhos. Essa amizade com aIara, felizmente, perdura até os dias de hoje.A maturidade e a constataçãoCom o tempo, consegui compreender todo oprocesso, porque passara e aceitar a renovação,dos personagens, até mesmo o esquecimento dopúblico e lembrar, sobretudo das intermináveisconversas com meu velho pai, que sabiamente,prepara-me para esse momento decisivo, a fimde que não houvesse traumas, nem sofrimentos,discorrendo sobre a transitoriedade dafama, do carinho do público, assegurando-meque o verdadeiro sucesso é aquele no qual seconquistam uns poucos apenas, vivenciando oolho no olho. Para a vida, o que vale é a qualidadeda conquista.Outros valores foram dando lugar aos antigos,acabei aprendendo que nem mesmo é precisopescar o peixe. Basta acreditar que ele está lá. Emais, com gostinho do dever cumprido.Ao longo da vida, a gente vê os amigos distanciando-seum pouco, seguindo seus caminhos.207


208Minha irmã, também, foi seguir seu rumo, casousemuito cedo, e agora pode desfrutar a delíciade ver Maria Fernanda, sua filha mais velha,atuando como produtora de arte, Tigrão, o JoséAugusto, que também é meu afilhado, exercitandoseu talento nas artes plásticas, e a Patríciabrilhando como estilista de modas, além de ter agraça de se encantar com os netos, Felipe, Isabel,Amanda e Silvia, a caçulinha.Não posso me queixar da vida, arrependo-mesomente das coisas que não fiz, das lutas dasquais não participei, por incapacidade ou porfalta de oportunidade, nunca por omissão, poistenho a consciência de que ninguém chega aoparaíso de olhos enxutos e devo reconhecer queo caminho não foi tão áspero ou doloroso.Ou, de outra feita, lembrando-me do que estavaescrito no dístico na porta do Colégio Rio Branco –Per aspera ad astra (Por caminhos ásperos chegaremosaos céus). Eles estavam certos.Sempre fui muito contestadora, impaciente,teimosa, crítica com os outros e impiedosa comigomesma e com o meu trabalho (está penosorever esses escritos, sem cortar a metade doque foi dito). Mas concluí que o mesmo direitoque tenho de criticar, de expressar livrementemeu pensamento serve também para elogiar,reverenciar aquilo ou aqueles merecedores dereverência. E tenho exercitado o elogio commuita freqüência.


Com sua mãe, D. Mariquinha; seu pai, Francisco Dorce esua tia, Maria YolandaNas próximas páginas: à esquerda, Sonia e Admir navalsa de formatura da Faculdade de Direito; e, à direita,no dia do casamento, com Admir Armonia, ao lado deFrancisco Dorce


E mais, consegui obter, ao longo dos anos, a dádivada paciência, aprendi que, malgrado a montanha,o rio chega ao mar, contornando-a sabiamente.Esse relato, por sua forma, tornou-se um verdadeiroconfiteor, assim, permitam-me maisesse desabafo: houve, durante esse percurso,maravilhosas aquisições, muitos conhecimentose muitos conhecidos, alguns se tornaram verdadeirosamigos ao longo dos anos.É importante que deixe registrado os agradecimentosàs pessoas que deram sentido à minhavida. A eles, meu preito de gratidão.Velho Dorce, por me mostrar que mais importanteque chegar é percorrer. Muito obrigada.Meiga e forte Mariquinha, por desatar todos osnós para mim, muito obrigada.Houve um momento mágico: a chegada doamor em minha vida. Encontrei o Admir, meumarido, ainda nos bancos escolares, e ele entãotornou todos os meus dias ensolarados e as noitesenluaradas, não importando as borrascas;e aí me vem à lembrança a frase recitada porJean Gabin: Le jour où quel’un vous aime, il faittrès beaux (O dia em que alguém te ama, o solbrilha). Muito obrigada.Anna Paula, minha primogênita, por transformara simples mulher, nesse ser divino que é a mãe,muito obrigada.213Com Anna Paula no colo, esperando Renata


A família em 1976: Admir, Sonia, Renata e Anna Paula e,(à direita) Anna Paula com Danilo e Gustavo


Renata, a filha mais nova


Renata, minha eterna caçulinha, por me ensinara mágica da matemática do amor – a única coisaque dividindo se multiplica, muito obrigada.Hélio, silencioso e impenetrável, que possibilitouuma grande dádiva – ele é o tão desejadoGlauquinho, muito obrigada.Danilo e Gustavo, pelo milagre da renovação,muito, muito obrigada. Quero mais!Ao Wellington que vem chegando agora, comalvíssaras, engrossando a fileira alvinegra, muitoobrigada.Francisco Dorce era um homem de grandes gestos.Repetia sempre essa advertência: Tenha comonorma não criar casos ou fazer escândalos. Naimpossibilidade de cumprir a regra, não os façapequenos. O ridículo está nas pequenas coisas.E foi assim pela vida afora. Qualquer fato corriqueirotornava-se especial, tocado pelo seugrifo. Era sempre o personagem central dasanedotas, aventuras e desventuras que contavae, na maioria das vezes, saia-se mal, provocandorisos na platéia.Assim que entramos na Faculdade, Admir e eu,meu pai arranjou um livreiro, o Cardosinho, quenos acompanha até hoje, e desandou a comprarlivros jurídicos. A gente nem tinha onde colocálos,pois eram muitos e ainda nem tínhamoscapacidade para entendê-los. O que importava217


218é que eles estavam lá (aquela velha estória dachave, dentro dos livros, sempre repetida). Deacordo com sua teoria dos exageros, só compravaobras completas.Assim, lá estão, até hoje, nas prateleiras doescritório: Tratado do Direito Comercial, deWaldemar Ferreira; Tratado do Direito Penal,de Nelson Hungria; Direito Processual Civil, deMoacyr Amaral Santos; Curso de Direito Civil, deWashington Monteiro de Barros; e até a coleçãocompleta do Direito Privado Italiano, e muitosoutros mestres do Direito. Mas era precisoadquirir Pontes de Miranda, a obra definitivado Direito Privado. Ocorre que a coleção –Tratado do Direito Privado –, de sua autoria,estava esgotada; a Editora Saraiva editara asegunda parte da coleção, do volume 23 ao 46;a primeira parte, sem previsão de lançamento.Não teve dúvidas, comprou a coleção, assimmesmo, só a segunda parte. Somente dez anosdepois, o Admir pôde completar a coleção como lançamento da primeira parte. Ele era assimgrandioso, exagerado, perigoso.As festas, dispensava-as todas. Aniversários,casamentos, batizados, carnaval e até velórios,recusava-se a comparecer.Talvez porque, durante quase toda sua vida, osdias festivos representavam dias de trabalho esempre vivera cercado de muitas pessoas, na ve-


lhice, preferia o recolhimento. Passados os anos,podia livremente prescindir delas.Exceção feita ao Réveillon: o último dia doano era sempre comemorado com pompa eestilo, era sua festa predileta, como se foraum ritual. Quase sempre festejava-se em casacom muitos amigos e parentes. Muita comida,bebida e boa música. Os convivas esperavam amensagem do velho professor, lembrando ascoisas boas do ano que acabava e saudando onovo ano que despontava.Terminou assim sua oração do ano de 1982: Meusamigos, vem chegando 1983, aproveitem-no,dancem, brinquem, amem, acendam todas asluzes. A festa dura pouco!Soaram as doze badaladas e ele, feliz com famíliaunida, replicou: emplaquei 83!Parece que Deus ouvira suas preces, mas, ironicamente,às 18h30 do primeiro dia de 1983 elefoi-se. Suas filhas foram surpreendidas com umnovo conceito – o nunca mais.São terríveis, inevitáveis e doloridas as perdaspelo caminho. Os amigos que se foram e deixarammuitas saudades: meu sogro querido,o Seu Vicente, que me chamava de boneca; oMário, que tocava tão suavemente Tenderly, osparentes, os pais.Ouvi dizer que pai e mãe não morrem, ficamencantados e assim estão o Velho Chico Dorce, a219


suave D. Mariquinha, lá longe, reluzindo, comodiz o pequeno Danilo, viraram estrelas no céu.O grande consolo é que vivemos num mundopositivo, a dor da perda nunca é esquecida, apenas,com o passar dos anos, vão esmaecendo ascores dos fatos tristes e em contrapartida, vãoadquirindo tonalidades cada vez mais fortesaquelas recordações boas. As lembranças dasfestas ficam melhores e aquelas das lágrimasvertidas já não são tão amargas.Francisco Doce discursando no Réveillon de 1981


Quando se acha que se sabe tudo sobre suavida, eis que uma porta se abre e muda todaa configuração.Certa tarde, no meu escritório, uma senhoraligou dizendo ser uma pessoa interessada emmeus préstimos profissionais. Marcamos horapara a consulta e no dia aprazado lá estava ela,muito elegante com um ar misterioso. Estávamosem meados de 1990. Cumprimentou-me,apresentando-se, chamava-se Neide.Como cartão de visitas colocou sobre minha mesauma fotografia antiga, meio amarelada. No retratoa criança que sorria era eu, no dia de meusegundo aniversário. Faz algum tempo.Busquei em vão, recorrendo ao arquivo daslembranças mais antigas, reconhecer aquelerosto, que se mostrava amigável, afetuoso, masdesconhecido. Em verdade, eu não a conhecia.Somente ela seguia meus passos à distância. Disse-meque vinha em nome do amor. Essa palavraexerce sobre mim um poder incrível. Calei-me,coisa difícil de acontecer, para ouvi-la.Contou que fora crooner na orquestra do meupai, há muitos anos, cantara em sua orquestraem muitas boates e nigthclubs. Surgiu uma paixãoentre os dois e começaram, secretamenteum romance proibido. O pai dela era militar enão suportava a idéia de ver a filha cantandona noite, mas a vontade de ser artista era maiordo que a repressão paterna. Depois de algum221


222tempo, engravida, tem um filho, cujo nome éFrancisco Dorce Filho e desaparece da vida demeu pai, criou sozinha o menino, com a ajudade familiares, orientada pelo seu rigoroso pai.Nós jamais soubemos de sua existência. Criou-omuito bem. Fez dele um cidadão honrado e umprofissional respeitado e querido de seus companheirosde farda.Francisco Dorce, um pouco antes de morrer,chamou-me, reservadamente, e relatou essefato, dizendo que perdera o contato com essefilho e, se algum dia ele aparecesse em nossasvidas, deveria ser aceito com carinho e respeito,jamais rejeitado. Muito tempo se passara entrea manhã de revelação e aquela tarde, não menosreveladora.Acabara de ganhar um irmão, que é uma excelentepessoa, alegre, brincalhão, coronel reformadoda Polícia Militar, que tem três filhos, todos formados– Juliano, o mais velho é dentista, Nataliee Elton, meus colegas advogados. Natalie, depois,fez estágio em nosso escritório, sob a supervisãoda Renata, de quem ficou muito amiga.Nossa família era pequena, ficou engrandecidacom esses novos membros. A gente não se vêmuito mas existe um grande carinho e afetounindo os irmãos Dorce.Esse fato não denegriu a imagem que tinhade meu pai e muito menos prejudica a de meuirmão. São passagens da vida que não têm ex-


plicação. A gente deve aceitar os fatos, convivercom eles e, se possível, torná-los benéficos. Foio que nós fizemos.Atualmente, sou uma assídua telespectadora.Assisto a tudo, ou quase. E devo confessar quegosto muito pouco do que vejo. Quando abandoneia televisão, tinha muita dificuldade emconcentrar-me nos programas, na história queestava sendo contada. Era-me impossível ver aquarta parede e fechar o cenário.O tempo todo, só conseguia divisar o estúdio,na frente dos atores, eu sabia, estavam os microfones,as câmaras, os refletores, os cabos, opessoal de apoio no estúdio, isso tudo atrapalhavaa compreensão do espetáculo. Com o tempotudo isso foi se esvaecendo e, às vezes, consigoacreditar que estou mesmo dentro de uma modernasala de visitas da casa de um empresário,no meio de um jardim que, na verdade, é umcenário. Quando me pego nesses momentos,sinto-me realizada, sou uma verdadeira telespectadora,não faço mais parte daquele jogo e,por conseguinte, posso criticar livremente o queme desagradaDias desses, fui convidada para inaugurar a televisãode novo. Desta vez, a Interativa. Fiqueiaté com medo, não sabia bem o que era aquilo!Mas disseram-me que o Raul Cortez iria estar lá efiquei mais tranqüila, pois ele é um ator responsávele não iria fazer nada perigoso no palco. Lá223


224fui eu, só que agora, sem cocar na cabeça, masa frase foi semelhante: boa-noite, senhores esenhoras, está no ar a TV Interativa do Brasil.Acho que fiz história outra vez. Pois é isso mesmo– uma empresa de televisão por assinatura,via satélite – A Directv lançou uma modalidadede TV interativa, em que seus assinantes podemexecutar diversas tarefas com o controleremoto em mãos. Bons e diferentes serviçosestão sendo prestados pela TV. O futuro, realmentecomeçou!Às vezes, ainda sonho que estou em frente dascâmeras no estúdio, a campainha soou, a luzinhavermelha acendeu e eu não decorei o script, nãosei o que falar, pânico geral, estremeço, suo, voupedir ajuda ao ponto, cadê o ponto! Como nopoema de Drummond: ponto não há mais!Acordo e a realidade faz-se presente e, aí sim,fico desesperada, possuída por um pânico real,porque não há mesmo script algum, nem diretor,nem falas ou marcações preestabelecidas. Nessasituação, eu mesma preciso criar a cena sozinha,às vezes, dou-me mal, outras até que me saiobem. Como já disse, continuo representandovida afora.Esta é a história de uma parte da minha vida,assusto-me um pouco com tudo que foi revelado,não pensei que tivesse coragem de despir-medessa forma. Foi uma boa vida, orgulho-me decada pedacinho dela. Agradeço todos os diasa Deus pela benção que me concedeu, tendo


formado uma família tão boa, minhas filhas sãomeu grande patrimônio e motivo de orgulho.Pedir mais seria injusto, consegui amealhar umpunhado de amigos, como a Márcia, minha irmã eprimeira amiga; Sheila, prima e fã de muitos anos;Ana, a fiel escudeira de todas as horas; Laércio,Glória, Cláudia, Flávio, Edu, Marcinha, Francisco,o Tiquinho, a solícita Beth, Marcos e Leda Borenstein,Liliana, Lucianne, André, Neusinha, Janete,Vera Ramos, Oswaldo Gallo e a Clorinda, GildaKorn, Miguel Tebar, Joice, Idelma, Zuleica, ZéEduardo, Vida Alves, a outra Beth, a advogada,Celso, Dr. Evaristo (o Eva), Lúcia Cabral, Osmar,Silvia Helena, Heleninha, Leila, Alice, Laura Tosi,Fernandinho Salem, Marcelo, Samir, Lumena,Claudia Tomaselli, Cabeça, Nelson Valente, Fred,Maria Helena, Mauro Correia, Bill, Guido, MauroSalles, Aloysio, Melhem, Marcos Mendonça; enfim,não posso nomear todos, são muitos, perdoem-meos demais, vocês estão no meu coração,considerem-se citados e devidamente osculados.Pode-se dizer que foi uma jornada de muitas lutas,mas sem falsa modéstia, vitoriosa, vivenciada comcoragem e galhardia, diferente, é verdade, damaioria das crianças de meu tempo, mas graçasaos esforços de meus pais, trilhada com naturalidadee sem falsos conceitos ou preconceitos.Aprendi alguma coisa em minhas andanças, entreelas que a criança é dona do mundo, o homem é odono da aldeia, mas o velho é o dono da história.225


226Apesar disso, cheguei à conclusão de que estamosvivendo um tempo de jovens. Jovem éminha sogra, D. Vicentina, a Tininha, presenteem todas as horas, que do alto de seus muitosanos, continua faceira e linda; jovens, sou eu,meu marido, meus amigos, minha irmã, firmes,na batalha, com saúde, lépidos e dispostos;minhas filhas, meu genro, na exuberância eesplendor do início da maturidade são jovens,e meus netinhos, apesar de estarem no jardimda-infânciada vida, já são mocinhos e portantojovens também.Mas o que realmente importa é continuarmostodos entusiastas, sabendo que enquanto houverentusiasmo haverá juventude, sem falsospudores ou pretensos temores, expondo-nos semcovardia, pois tais como os navios, a gente sabeque está mais seguro no porto, mas os naviosforam feitos para navegar.Agora, quando decorrido mais de meio século detodo esse relato, aprendi que o outono tambémé algo que começa e, então, com naturalidade,posso sacudir a cabeça e ouvir o som de meuscabelos embranquecendo e citar as sábias palavrasde James Joyce, lembradas por Lima Duarte:O passado não morreu e não morreu porquenão passou.


Com o marido, Admir


Com a turma da Pró-TV: Murilo Antunes Alves, Jane Batista,Baby Gregori, Irenita Duarte, Sonia e Marcia Dorce


Parte IIOs Outros QueridinhosDepoimentos de Astros Juvenis de NossaTelevisãoFoi uma experiência fascinante tomar os depoimentosdessas pessoas que, gentilmente,dispuseram parte de seu tempo para atenderao meu pedido.A princípio, as coisas estavam meio nebulosas,mas à medida que a conversa se desenrolava, aslembranças, também, e a partir de, então, tudodecorria com facilidade e aparecia uma dose deprazer em reviver aqueles momentos esquecidos.Notei que quase todos os entrevistados, ou agrande maioria deles, declararam que tiverame ainda têm uma memória excepcional. Isto éfácil de constatar, pois é uma condição parao exercício da carreira de ator, tantos textos,marcações, deixas, se a memória não for boa, acoisa fica complicada.Entretanto, sempre que questionados a respeitode datas, ou nomes de lugares e até mesmosobre nomes de diretores ou outro detalhe técnico,a memória falhava. Nesse momento, paracompensar, quase sempre me relatavam um casopitoresco, ou algo que a lembrança sentimentaldeixou gravada no fundo do coração, esquecidamuitas vezes.229


230É o que eu chamo de memória afetiva, aquelaque a gente guarda na gaveta do amor e, aolongo dos anos, mesmo sem saber, vai alimentando,lentamente. Notei particularmente,que, apesar de ter convivido longos anos comalguns dos entrevistados, ao me permitirem osdepoimentos, trouxeram à baila sentimentosíntimos, meio desbotados, meio amarrotados enem por isso menos valiosos, que eu certamentedesconhecia. Percorremos juntos uma deliciosaviagem na máquina do tempo, com a ajuda dossentimentos e das recordações. Foi um trabalhoinusitado, pleno de satisfação, foi um mergulhona alma desses meus amigos.Essa característica é o valor principal deste trabalho,foi feito para resgatar a história e o trajeto dacriança nos primórdios da televisão brasileira, masé muito mais um apanhado memorialista, no quala lembrança, uma senhora, amiga e sorridente, decabelos encanecidos, que sentada em sua cadeirade balanço numa tarde ensolarada, deixa-se levarbelo embalo das recordações... Pra lá, pra cá... Pralá, pra cá, docemente, mansamente.Ah! E se possível só lembranças boas, comodiria meu querido amigo Álvaro Moreyra: Asamargas, não!


I. Adriano StuartSonia reinou sozinha no universo da televisãodurante um tempo, depois aos poucos, começarama aparecer outras crianças. Com a chegadadelas acabou seu reinado exclusivo, a novidadenão existia mais.Mas o fascínio ainda permanecia, do seu públicopara com ela e vice-versa, mesmo porque ostrabalhos continuaram.Ela que representara todos os papéis infantis dasnovelas, teleteatros e de outros programas, começavaentão a dividir a cena com outras crianças,igualmente talentosas e ávidas de sucesso.Não houve traumas, disputas ou sentimento deinveja com o fato de outras crianças estarem chegando,mesmo porque o primeiro a chegar foiAdriano Stuart, estava lá no princípio de 1951,mas nessa época, praticamente só trabalhavacom seu pai, vindo de uma família de artistasde circo. Seu pai, Walter Stuart, talentoso ecriativo, comandou programas, como A Bolado Dia, Olindo Topa Tudo e o Circo Bom-Bril emuitos outros.Fui encontrar Adriano, no dia 15 de julho de2004, no Restaurante Elias, no bairro da Pompéia,uma concentração de escritório e oráculo,pois seus amigos ficam em sua volta, sorvendoseus ditos, seus poemas, suas observações sagazes,e, sobretudo, assistindo ao espetáculo231


diário e fascinante de seu convívio. Com a palavraAdriano Stuart, que estava muito inspirado,gentil e sedutor, como sempre.Adriano, de coração aberto, terminou nossaconversa dizendo as últimas falas de Diadorimno livro de Guimarães Rosa, Grande Sertão:Veredas. Esse é Adriano Stuart – antes de tudoum ator, e dos bons.


A televisão entrou em minha vida em dezembrode 1950. Nesse tempo, meu avô vendeu o Circo-Teatro Oni, nome de minha avó. Minha famíliaé de origem espanhola, composta dos Canales,Stuart, escocês, Shumam, alemães, é uma misturadanada, mas o forte são os espanhóis, eviemos de Araxá direto para São Paulo, últimamontagem do circo, e meus pais, em busca deemprego. Com essa venda meu avô dividira odinheiro entre os filhos, ao meu pai coube umaparte, em valores, muito pouco, mas na verdadeestávamos todos desempregados.Meu pai fazia de tudo no circo, filho do dononão pode se dar o luxo de escolher o número oupapel. Fazia trapézio, globo da morte e tambémera Jesus Cristo, o mais absoluto astro do circo,na época da Semana Santa.Nasci em Quatá. Quatá, na verdade, não é umacidade, é um enclave suíço no Brasil. Nascer alifoi, na verdade, um acidente, o circo estava porlá e aí aconteceu.Meu pai, procurando emprego foi dar no Cafédos Artistas, no Largo Paiçandu, que era umreduto de artistas de circo e lá informaram-noque tinham inventado uma coisa nova, uma talde televisão e que talvez estivessem precisandode gente. Ele foi até o Sumaré, pediu empregoe eles realmente estavam precisando de atores,técnicos, enfim de todo mundo. Nós todos fomoscontratados. Meu avô, minha avó, meu pai,minha mãe, minha tia, meu tio e eu.233Adriano Stuart, em foto atual


234Meu pai se chamava Walter Manuel DionisioCanales; minha mãe, Moralina Marques Canales;minha tia, Catita Oni Canales; e meu tio, HenriqueCanales; minhas irmãs, que vieram bemdepois, Maria Cristina de Fátima Canales e MariaMomice das Graças Canales.E eu fui no pacotão. Fizemos teste com OduvaldoViana. No circo todos nós trabalhávamosem tudo um pouco. Eu fazia figuração e todosos números que competiam a alguém da minhaidade, e, na Semana Santa, cantava Hosana,Hosana nas alturas... Fazia também um númeromuito ruim de trapézio, a 1,20 m do chão, umverdadeiro balanção, mas o púbico gostava.Apesar de ter uma memória excepcional, sempreque me perguntam como comecei na Tupi, eupáro para pensar e concluo: não tenho a mínimaidéia. Eu odiava aquilo. Eu vinha de umavida, relativamente deliciosa, eu morava numacasa que viajava, o sonho de toda criança, omeu quintal era o picadeiro, e eu não estudava.Não posso precisar quem me alfabetizou.Certamente, alguém do circo, meus pais não,alguém interessado numa criança analfabeta efeliz, mas era uma vida muito livre, sem limitesde espaço. Passei dessa vida mágica, que se deslocavaincessantemente para diferentes lugarese diferentes culturas, venho para São Paulo, evou morar numa casa fixa, precisando estudar,ficando confinando durante muito tempo num


estúdio, não era nada agradável. Era um horror!Singularmente, porque, ao lado da minha casa,havia um campinho de futebol, na Rua Bruxelas,num local, que hoje mora minha irmã, e era láque eu queria estar o tempo todo. Eu passei aodiar essa nova vida.Quando comecei a atuar, de verdade, eu sabialer direitinho e eu mesmo decorava sozinhomeus textos. Tinha, como tenho até hoje umaboa memória. Memória visual, posso esquecera fala, mas lembro-me do número da página dotexto. Não tive dificuldades.A televisão não atrapalhava meus estudos.Atrapalhava a minha grande paixão, que era eainda é, até hoje, o futebol. Eu voltava da escola,trocava de roupa, almoçava, tinha 10 minutos detempo livre e eu ia para o campinho bater umabola e depois ia para a Tupi.A vida artística, eu não escolhi, ela me foi praticamenteimposta pelas circunstâncias, de nascimentoe família. Aí a coisa foi acontecendo eeu peguei gosto.Eu fazia de tudo. Comecei trabalhando com omeu pai. Era um Walter Stuart em miniatura.Depois, foram aparecendo os programas. Comovocê, eu também fazia todo o tipo de programas,a gente não escolhia. Lembro-me de umaépoca que fiz um seriado com seu pai e sua irmã:A História de Francisquinho, no Teatrol, mastudo que vinha a gente encarava. Programas235


236infantis, de adulto, qualquer coisa. Lembro-mede um programa infantil, com fundo moralista,Os Anjos Não Têm Cor. Mas a gente fazia realmentede tudo.Não tinha o menor medo. Mesmo porque nãohavia outra opção. Até porque vinha do circo elá era tudo ao vivo, pra valer, com o público nafrente. Essa era a única forma existente, a gentefazia sem medo.Alguns papéis que me deixaram lembrançasforam: Oliver Twist, uma série, uma novela, queia ao ar três vezes por semana, era uma adaptaçãodo livro do Charles Dickens, feita pelo SilasRoberg. Alguns atores : Jayme Barcellos fazia ovilão, minha tia Cachita Oni e outros.Houve também o Volta ao Mundo em 80 Shows,quem fazia era o Tatá (Luis Gustavo), Lima Duartee Francisco Negrão, grande galã dos anos 50da TV Tupi; meu pai e eu. Era um programa deaventuras de marinheiros pelo mundo.Humor sempre cabia ao meu pai e a mim, queéramos índios, árabes, enfim, tipos exóticos. Euera muito pequeno, ele me maquiava igualzinhoe ficávamos os dois fazendo as coisas que davamna cabeça dele. Tenho imagens muito claras desseprograma, pois eu gostava de fazê-lo.Comecei a gostar da televisão e de interpretar eda profissão de ator, a partir dos 19 anos. Até,então, foi um saco!


Walter Stuart, com Cuná Canales, Luiz Canales (primos) eAdriano Stuart


Lembro-me também do Passeando Pela História.Era um programa com você, o Torresmo, eu eoutros atores. Era um coelho. Não, era um Canguru,o Mirim (e juntos cantamos a musiquinhado Canguru Mirim. Ele disse que tem uma foto.Prometeu procurá-la. Ficamos discutindo a apresentaçãoe viajamos novamente pelo passado.Lembrou-se, também, da novela De Mãos Dadas(segunda fase), na qual fazia o papel de Cisco, ea Sonia fazia as gêmeas. Fizemos muitas coisasjuntos. De TVs de Vanguarda, Grande TeatroTupi, Contador de Histórias, Ciranda, Cirandinhae muitos outros espetáculos em que fomosanjos, irmãos, primos, amigos, companheiros.Rimos muito ao lembrar da atração Pim PamPum, que representávamos com David José, e dasbrincadeiras que fazíamos no estúdio e muitasvezes em cena).Fiz uma também uma escolinha, dessas que existemhoje em dia, com a Cidinha Campos, que faziaa Maria Cascadura, meu personagem era o seuMinutino, e falava assim: Tô aqui porque cheguei,não tenho dinheiro porque gastei, comi peixe eme engasguei e quem descobriu Brasil, não sei...(o programa era Escolinha de D. Zélia, escrito edirigido por Francisco Dorce). Minha mãe tambémfez uma escolinha, no rádio e na televisão.Minha irmã Cristina não trabalhava na televisão,mas a Momice era a dubladora oficial da BrendaLee, qualquer música, era com ela. Mas não era239Seriado Oliver Twist, com Adriano e Cachita Stuart


propriamente uma profissional, no entanto,fazia direitinho. Em geral, os irmãos não brigavam,a gente se dava bem, mas minha mãe eraterrível, sua preferência por mim era demais,um verdadeiro terror, comportava-se como umaesposa ciumenta. Reclamava contra fumo e eunem fumava na época, chegava ao cúmulo decheirar minhas camisas. Tive excesso de mãe eisso causou problemas com minhas irmãs.No rádio, eu fazia o Teatrinho das Cinco Horas,que você, Sonia, fez também, todavia não muito.Quando criança, eu era normal, nem bom, nemruim. Não dei muito trabalho aos meus pais.(Ele era terrível, fazia arte, em cena e fora dela,com ele era só diabruras, mexia nos cenários,gozava os atores em cena, e aqueles que nãotinham o mesmo jogo de cintura ficavam muitoatrapalhados. Era dono de uma inteligênciasuperior, de um espírito crítico e de um humorconsideráveis para um jovem de sua idade. Essacaracterística fazia parte de sua personalidadee era seu charme principal. Mas ele, quandomenino, deu muito trabalho aos diretores, ensaiadorese contra-regras. Isso, talvez não reconheça,entretanto ainda, há muita gente paratestemunhar o fato).Ocorre que na adolescência, eu adolesci muitocedo, por força das circunstâncias de meu trabalho,meus amigos eram em média 10 anos maisvelhos do que eu. São os mesmos que conservo241Walter e Adriano Stuart em Volta ao Mundo em 80 Shows


242até hoje, muitos deles atores e diretores da Tupi,com exceção de você e do David José, a gente sóconvivia com adultos. Atualmente, a diferençade idade não existe mais, mas naquela época,eu era um moleque, convivendo com marmanjos.Como adolescente, era muito contestador,contudo nunca dei sérios problemas para meuspais. Jamais tive problemas com drogas, brigas,ou esse tipo de coisa. Em razão de minhaadolescência precoce, eu acabei envelhecendomuito depressa. Com 12, 13 anos, tinha a cabeçade um cara de 25. Eram conversas, trocas de informação,muita leitura e mesmo os programasque a Tupi levava, literatura americana, russa,e acabávamos lendo esses livros todos, que naverdade eram muito consistentes para a poucaidade que tínhamos.Lembro-me duma ocasião em que a Wanda Kosmo,que dirigia o Grande Teatro Tupi, eu tinhapor volta de 15 anos, ela queria me dar um papelno qual eu deveria representar um menino quevoltava de férias e eu deveria dizer: Ah, mamãe,eu me diverti muito, cresci 2 centímetros e engordei2 quilos. Eu me rebelei, disse que não fariaisso. Estava grandinho, com 1,78 m e uma cabeçamuito velha. Não, mas só tem você aqui, tem quefazer, ela me disse. Você me suspende, mas essabobagem eu não digo. Desconte do meu salário,suspenda-me, faça o que bem entender. Não melembro o desfecho da história, mas o que eu seié que não disse aquelas falas bobas.Adriano e Walter Stuart


244Como ator sou disciplinado, sigo as regras e determinaçõesdo diretor. Tenho minha cabeça eminhas convicções. Não é possível alguém tentarme impingir valores nos quais eu não acredito.Enquanto ator, obedeço ao diretor, mesmo porquesou diretor também e sei como é isso, masconversando tudo se resolve. As ordens, até asdos diretores, devem ser bem dirigidas, senãovira o Poema Negro.(Adriano se refere ao poema do poeta portuguêsJosé Régio, Cântico Negro, no livro Antologia...Nos versos: Não sei por onde vou / Não sei paraonde vou / sei que não vou por aí)Eu tenho até hoje amigos que participaramdesse primeiro momento da Tupi, tão grandeera o sentimento que nos unia, independentementeda idade. Não tínhamos a exata noçãoda importância da televisão, naquele momento,mas tínhamos a certeza de que era importanteseres humanos trabalhando em prol de umaidéia, relacionarem-se muito bem. Morávamostodos perto, freqüentávamos os mesmos lugares,estávamos juntos o tempo todo.O assédio do público era simpático, nunca tiveproblemas com meus colegas de rua ou de brinquedos.Nada muito grande, alguma coisa narua, mesmo porque o raio de abrangência datelevisão era pequeno. Às vezes, na praia, alguémme reconhecia e não me incomodava. Só nãogostava, como não gosto até hoje, de fã pedindoautógrafo e coisa e tal, prefiro ficar escondido.


Só houve um grande assédio, uma vez, durantea novela, na Record – Algemas de Ouro. Eram38 personagens, o meu no grau de importância,digamos que era o 36º, e eu dei uma guinadae transformei o papel, que era de um primo daSandra Bréa, uma espécie detetive, em personagemcentral da trama, a ponto de casar com amocinha, aquela que viria a ser minha mulher,tempos depois, Márcia Maria. Algo parecidocom o que ocorreu com o Tatá, na novela doCassiano, Elas por Elas, na Globo, em que opersonagem era pequeno, mas o ator reverteue tornou-se a grande sensação, transformado,tempos depois, em seriado, que eu, por sinaldirigi - Mário Fofoca.Fiquei na Tupi por doze, quase treze anos. Saípor volta de 63. Fui fazer uma peça na Companhiade Maria Della Costa – Marido Vai à Caça,de Feydeau, no elenco, Fernando Balleroni,Sebastião Campos, Elias Gleiser –, que ficou umtempo na capital e depois viajou pelo interior.Fiz a Faculdade de Direito e adorei. Os professores,tenho minhas dúvidas. Fiz a faculdadeporque não queria interromper os estudos e detodas as opções possíveis, como cultura humanística,considerei cursar Direito. Para ser umbom médico, você precisa, sobretudo, além dadedicação, cursar uma boa faculdade. Para seradvogado, não. Tenho uma tia e uma irmã quetrabalharam muitos anos no Fórum e sabem245


muitas coisas de processo, que os advogados,muito deles desconhecem.Eu adorei os anos de faculdade, até porquepoliticamente foi uma época muito ruim, e agente, na faculdade tinha um espaço, limitado,é verdade, mas era alguma coisa, naquele universodesolador. Eu cursei de 64 a 68. Fui colegade turma, do Marcos Mendonça, inclusive, alémAniversário de 16 anos de Adriano: os avós, os tios HenriqueCanales e esposa, a mãe Mora, Maria Cristina, Momice, opai Walter, os primos Fernando Balleroni, Leo Romano eMaria Jose, e David José


de ter sido seu calouro. Na época, roubamos, aestátua O Idílio, (cópia da escultura O Beijo, deAuguste Rodin) do túnel da Av. Nove de Julho ecolocamos na praça, considerada território livre,no Largo São Francisco, em frente à Faculdade,onde se encontra até hoje.Nunca advoguei. Não fui estudar com esse objetivo.Achava uma bobagem parar no cursosecundário, tendo disponibilidade e capacidadepara continuar os estudos. Jamais, concebi nãocursar uma faculdade, além do que era pontopacífico para minha mãe.O sonho dela era que eu fosse diplomata, fizesseo curso do Itamaraty e coisa e tal. Para mim afaculdade não significou o canudo, o diplomana parede, como já disse, foi uma preocupaçãohumanista que me levou a estudar Direito.Se fosse seguir a carreira, talvez fosse ser umpenalista, como se tornaram Rildo Gonçalves eantes dele o Cláudio de Luna. Não se trata daletra fria do Código Penal, mas como você o interpretae o que se pode fazer com ele em prolde seu cliente.Tenho muito boas lembranças da faculdade;lembro que havia dois grande partidos – o PARde esquerda e o PRA, este último extremamentereacionário e forte, tendo em vista a situaçãopolítica do país. Nós fundamos o PAM, havia umjornalzinho, em que nós escrevíamos, eu e o Caio,um colega, que se tornou juiz e hoje está aposen-247


248tado, (Caio Graco Barreto Júnior). Esse partidoera composto de anarquistas e fomos o divisorde águas das duas políticas acadêmicas. Assim,convivíamos, com Marcos Mendonça, que representavaa esquerda esclarecida e também comMarcos Flacker, Cássio Scatena, representantesda extrema direita reacionária e privilegiada etambém com o CCC - Comando de Caça aos Comunistas,da mesma forma com João Leonardo,seu colega de turma, que, tempos depois foitrocado pelo embaixador americano e representavaa linha esquerda mais radical. Nossopartido funcionava como órgão regulador, e setivesse que sair na porrada, assim era feito. Issotudo fez parte da minha vida acadêmica e ficoumarcado como um momento libertário da minhavida, em face do momento de repressão em quevivíamos. De alguma maneira, nós mandávamosnesta situação. A gente se posicionava contra ainvasão do Teatro, onde se levava o Roda Viva,do Chico Buarque, na época, e também reclamávamoscontra qualquer radicalismo cometidopela esquerda mais festiva.Aconteceu, meio de repente, de o ator virar diretor,não foi nada planejado. Eu tinha 22 anos,hoje em dia é mais ou menos comum ter-se diretoresbem jovens, mas naquele tempo não erausual. Foi uma espécie de pressão de amigos maisvelhos, Lima, Dionísio, enfim. Foi no programachamado Viva a República, na TV Tupi, eu tinhasaído, depois voltei e esse foi o programa que


deu origem aos Trapalhões, depois passou a sechamar Bonzinhos Até Certo Ponto e Os Insociáveise, finalmente, Os Trapalhões.O elenco do Viva a República – Débora Duarte,Jimy Rocha, Jerry Adriani, Vanusa. Era umarepública de estudantes, com diferentes ascendências,programa de humor, com os grandesnomes da época.Eu comecei escrevendo, depois fui para a direçãoe o Flávio Galvão passou a escrever, às vezes, oWalter Negrão também. A gente fazia um poucode tudo, mas acho que, para dirigir, qualquercoisa, uma empresa, um programa, um time defutebol, o importante é liderar. Se você tem umconhecimento para liderar é por meio dele queas coisas acontecem e as pessoas vão com você.Quando eu dirigia na televisão não acumulavacom a interpretação. Isso aconteceu algumasvezes no cinema. No filme O Bacalhau, umaparódia ao Tubarão, por exemplo, o Ewertonde Castro ia fazer o papel central e por compromissosnão deu certo, então, não tive alternativae acumulei atuação com direção. Isso foi em1975. Depois em outra comédia Kung Fu contraas Bonecas aconteceu de novo, não tinha nadaa ver com a pornochanchada, era uma sátira auma série que era o maior sucesso na televisão.Tive que fazer porque não achei um ator quepudesse interpretar o papel, e como eu tinhafeito karatê, fui eu mesmo.249


250Da Tupi fui para a Record, voltei para a Tupi,fui para a Globo, fiz o Shazam e Sheriff, fuiinicialmente convidado para escrever, com oLauro Cesar Muniz e Walter Negrão, no espaçode uma semana eles saíram para outros trabalhosna emissora e passei a dirigir e foi contratadooutro escritor, pois era muito e não dava paraacumular as funções.No cinema fiz, um monte de coisas. Numa ocasiãofiz 5 filmes num ano, sempre dirigindo. Fiztambém muitos filmes simplesmente atuando,como Boleiros, recentemente, Mas minha profissãode escolha, minha paixão é pela arte deatuar. Houve uma transformação daquele meninoque odiava a profissão para o homem quese diz apaixonado por ela.No momento, estou no teatro, atuando na peçaAquele que Leva Bofetadas, direção de AntonioAbujamra, no Teatro do Sesi. E como tenho certotempo livre, gosto muito de dar algumas dicaspara jovens atores, sem nenhuma pretensãode ensinar, mas para conduzi-los a um tempomelhor, a uma postura correta, ou a um gestosignificativo, em cena. Adoro isso. O teatro doSesi é algo interessante, é gratuito e, portanto,está permanentemente cheio e é um públicomuito receptivo e nada exigente. A peça não éuma comédia, o espetáculo tem essa pretensão.O autor é Leonid Antoniev, é um espetáculomuito elaborado, deslumbrante e pretende-selevá-lo para a Rússia. Recomendo.


Fui diversas vezes convidado a dar aulas de interpretação,mas me recuso. Não acredito que apessoa possa virar ator com somente três mesesde curso de interpretação, além disso, o que éfundamental, é preciso, antes de tudo, talento.Para se formar em qualquer profissão, você precisaestudar 18 anos, para ser ator, três, quatromeses. É impossível.Vejo pouco televisão, hoje em dia, mas pelo queeu percebo, a única televisão que se preocupacom a qualidade dos programas infantis é a TVCultura, fora isso, não há nada sobre o tema.Sinto que as crianças estão abandonadas. Oque existe por aí são programas infantilóides.Os programas precisam ser mais abrangentese, assim, atingir uma faixa maior de crianças epassar alguma mensagem. Além do mais, a grandemaioria deles é de origem norte-americana,muito longe da realidade brasileira.Não creio que seja função da televisão funcionarcomo elemento educativo. O Brasil tem suasfontes de raízes e não precisa buscar na televisãoparâmetros de comportamento. Ninguém,certamente, vai cometer um crime porque oator da novela matou seu desafeto. Agora, ojornalismo é outra coisa, deve ser sério e corajosoo suficiente par a informar corretamenteos telespectadores. Há muitos programas pseudo-jornalísticos,que ficam o tempo todo no ar,torcendo para que alguma catástrofe aconteça251


252para então, com helicóptero, com oito câmerasdetalhar a situação. Isso é condenável. Há umaenorme soma de dinheiro aplicada nesses tiposde programas, que poderiam ser mais bem utilizadasna televisão.Já o cinema nacional está em ótima fase. A retomadado cinema nacional se deu com o filme daCarla Camuratti, Carlota Joaquina. O momento ébom, mas sem mistificações. É preciso trabalharsempre. Gosto muito e estou contente porqueas coisas estão mudando, para melhor.Em TV, fui convidado para dirigir um programa,que se chamará Vila Maluca, na Rede TV! Serãocontados os problemas dos moradores de umavila numa cidade qualquer, e os autores, EdsonBraga, Marcio Tavolari e Ronaldo Ciambroni,estão escrevendo. Vai ser o primeiro programade texto naquela emissora. Ainda não tem datapara estrear.Pretendo também escrever um livro sobre ostempos da Tupi e as mudanças que todo aquelemovimento causaram nas pessoas e na cidade,sobretudo no bairro do Sumaré. Vai ser um trabalhode cunho muito pessoal. Quando estiverpronto, eu aviso.II. Márcia DorceFui pedir o depoimento de minha irmã, a pessoamais próxima de mim, que presenciou toda minhacaminhada, mas com certeza, deve ter umavisão diferente dessa experiência.


Não me lembro de nossa vida antes da RádioTupi. Acho que, antes disso, não existia nada.Tudo começou lá. Eu nunca fui muito de aparecer,deixava isso para minha irmã. Intuitivamentesabia que ela era a mais bem dotada e foratalhada para o negócio.Eu participava, às vezes, do Clube Papai Noel, comeceicantando, com três anos e meio de idade,certamente isso foi uma brincadeira do meu pai,mas a platéia gostava e divertia-se muito.Minha irmã era a grande estrela do programa,declamava, cantava, tocava piano, representavao Clube em outros programas infantis. Eu preferiaficar brincando com as bonecas a ter deenfrentar o público, decorar poesias imensas etextos difíceis.Minha irmã era muito assediada pelos fãs. Todosqueriam falar com ela, dar-lhe beijinhos,pedir-lhe autógrafos. Com muita freqüênciapas savam dos limites, e era preciso meu pai oumi nha mãe intervirem.A vida de irmã de celebridade tem suas vantagense desvantagens. As desvantagens são aquelascostumeiras, o assédio dos fãs da minha irmã,e as incessantes perguntas: você não gostaria detrabalhar na TV, como sua irmã? Ou então: vocênão tem inveja do sucesso que ela faz?As vantagens, por determinação do meu pai, eacho e também para me proteger, todos ou quasetodos os presentes que a Sonia ganhava, eu253


254recebia também, se não exatamente igual, algomuito parecido. Assim, ela fazia o esforço e eucolhia os louros. E chegavam muitos sapatos, vestidos,flores, bombons, e brinquedos. Eram tantosque todo fim de ano a família distribuia para ascrianças da vizinhança e para os pobres, alguns agente levava para os primos de Jaboticabal.Na rua, onde a gente costumeiramente brincava,naquele tempo podia, e nós morávamosnuma rua praticamente particular, minha irmãera a tal, todos queriam falar com ela, pedirautógrafo, perguntar alguma coisa, elogiarseu trabalho. Ela também era muito mandona,nas brincadeiras era sempre a primeira e eu, asegunda, as outras crianças vinham depois. Masele sabia sempre fazer as coisas de um jeito, queninguém ficava triste. Em casa, eu reinava, meupai, talvez para compensar o assédio, cobria-mede mimos e deferências.Nunca me senti inferior, ou menosprezada porminha irmã fazer sucesso e ter uma vida pública.Aquele modo de vida servia para ela e não paramim. Mesmo porque eu sempre usufruía o ladobom das coisas. Da mesma forma que ela, tambémeu era convidada para as festas, recebia presentes,viajava, sem ter que decorar aquele monte detexto e ficar infinitas horas ensaiando.Por causa de compromissos fora da cidade, minhairmã era obrigada a viajar, com certa freqüência.Quase sempre íamos todos. Assim tivemos


oportunidade de viajar de avião muitas vezes,conhecer lugares e pessoas bem diferentes, foramexperiências notáveis.Nossa vida era interessante, pois a Rádio Tupi erauma grande família e muitos artistas, músicos ecantores freqüentavam nossa casa.Como não havia outras crianças disponíveis, àsvezes, eu era escalada para os programas e ficavamuito aflita, pois quase sempre eu era telespectadora,esse era o meu grande prazer, atuar nãoera meu forte. Eu ficava tão encantada com aencenação, os cenários, as luzes e tudo mais, queesquecia minhas falas e era sempre interpeladapela Sonia, que me dava uma dica, chamandominha atenção.Um grupo de crianças, entre eles Adriano Stuart,David José, Henrique Ogalla, as filhas de CleniraMichel, fazia o programa Ciranda Cirandinha,escrito e dirigido pela Vida Alves, com assistênciade Beatriz de Oliveira, minha participaçãoera como Heloísa, e a Sonia fazia a Heleninha,que também eram irmãs. Nós fazíamos umaverdadeira algazarra no estúdio. A Vida Alves,às vezes, precisava se impor, pois um bando decrianças reunidas, é difícil de controlar.Certa vez, fui escalada para fazer o TV de Vanguarda,talvez eles quisessem dar uma folga paraa Sonia, e eu fazia um dos papéis centrais dapeça. Meu pai até interpelou o Walter GeorgeDurst, achando que ele tinha se enganado, maso caso era comigo mesmo. Não me lembro do255


256enredo, mas tratava-se de uma aldeia julgandosuas crianças. Tudo feito ao vivo, apesar do meupapel ser importante, não tinha muitas falas, masficava muito tempo em cena. No final do terceiroato, na cena do julgamento final, culminavacom a condenação da criança, que ao saber doveredicto caía no choro. Na hora certa, a câmerapega meu close e eu estava no maior sono, nãochorei, nem tive a menor reação, simplesmentedormi. Creio que foi aí que se encerrou minhacarreira de artista de televisão.Sonia sempre foi, e é até hoje uma irmã protetora,amiga, a melhor, com quem eu posso semprecontar e abrir meu coração.É uma pessoa que eu admiro pela força de carátere capacidade de solucionar os problemas,com firmeza e objetividade.Nossa vida foi um pouco diferente das outrascrianças de nosso tempo, mas foi vida cheia deboas experiências, num lar marcado pelo carinhoe afeto de nossos pais.Houve muitos problemas e dificuldades, nanossa vida, é claro. Mas como diz a Vida Alvessonho que se sonha junto vira realidade, aoque acrescento, problemas compartilhados sãoproblemas resolvidos.Apesar de estar mais na coxia, que na ribalta,aprendi muito nesses tempos de Rádio e TVTupi, foi um tempo muito bom e ficaram boaslembranças e muitos amigos.


III. David JoséDe todos os depoimentos que tomei, o maisdemorado foi o do David José. Tivemos diversosencontros, ele me mandou e mail com suabiografia e ainda assim ficou algo incompleto.Fui à sua casa e lá estava, a Lígia, sua mulher,muito simpática, tratando com uma arquiteta areforma da casa. Até eu dei alguns palpites.Não foi dessa vez que conseguimos acabar. Eleveio à minha casa, depois de horas de conversas emuitas risadas, chegaram os meus netos da escolae, claro, acabou a entrevista, mas não conseguimosterminar nosso trabalho. Reunimo-nos maisuma vez e, finalmente conseguimos terminar. Agrande maioria dos fatos relatados não está aquitranscrita, porque foram lembranças extra-oficiais,comentários políticos, lembranças de viagens, coisasda vida pessoal, afinal nós temos muito tempode convivência, muitos pontos convergentes emuitas divergências também. Isso tudo somadoenseja muitos dias de conversa. Apesar de todasas falas, consegui montar o depoimento.O David se tornou professor universitário, virouprofessor-doutor. Fez muitos cursos no Brasil epós-graduação no exterior, tendo dado aulas, naUSP, na Fundação Getúlio Vargas e na Unicamp.Escreveu o livro O Espetáculo da Cultura Paulista,que foi tema de sua tese de doutorado e estáorganizando, com a Pro-TV, a série Pioneiros doRádio e da TV no Brasil (já saiu o primeiro volumee o segundo está no forno).257


258Apesar de afastado da ribalta, continua ator,pois tudo o que diz é recheado de poesia, de interpretação,de sentimento. De vez em quando,ele canta (tem uma excelente voz de barítono).Mas seu forte é encantar as pessoas.Com vocês as lembranças de David José:Na época dos fatos que vou relatar, eu moravapelos lados de Santo Amaro, perto da Av. Interlagos,onde há hoje o Jardim Consórcio e o JardimMarajoara. Meu pai era gerente da CerâmicaAngelina, que era da família Giobbi (acho quea D. Angelina era a avó daquele jornalista CésarGiobbi). Aquela foi uma época maravilhosa, nóstínhamos vindo de Mogi das Cruzes e meu paiassumira esse emprego e fomos morar no local.Nossa casa era muito grande, bem antiga, um casarãocolonial de 1890, com um terreno imenso,cheio de árvores, nós tínhamos até um cavalinho.Assim, esse período da minha infância foi muitofeliz e descontraído. Lá em casa, éramos meu pai,José, minha mãe Antonia, e mais três irmãos, omais velho, Milton é falecido, o Raimundo, eue o Toninho, que a gente chamava de Nenê,você conheceu os dois mais novos. Eu estudavano Colégio 12 de Outubro, cursava o terceiroano do curso primário e costumava ir a pé paraum lugar que se chamava Campo Grande, quedistava, mais ou menos, dois quilômetros daminha casa. Um belo dia, voltando da escola,por volta da uma hora da tarde, numa curvaDavid José em As Aventuras de Tom Sawyer


260da estrada, eu avisto uma pessoa, um soldado,com uma roupa esquisita, diferente das fardasdos soldados que estava acostumado a ver. Naverdade era o Lima Duarte, caracterizado desoldado, jovem ainda, sua roupa era semelhanteà usada pelos soldados das volantes nordestinas,que caçavam cangaceiros, pelo interior. Estavaassim vestido porque naquele dia estava fazendouma gravação externa, coisa rara naquelestempos. Eu fiquei olhando, meio assustado, ecomo eu já assistia televisão, achei que aquelamovimentação pudesse ter alguma relação.Quando eu completei a curva, vi um monte degente, também caracterizados. Lá estavam J. Silvestre,o diretor, os atores Dionísio, Flora Geny,Lia de Aguiar, Heitor de Andrade, gravando umaseqüência para o TV de Vanguarda. Se não meengano, a peça era A Morte de João Ninguém.Eu fiquei assistindo, e o tempo foi passando, jáera uma e meia e as mulheres reclamando, queestavam com fome, e eu então, muito solícito,disse que morava lá perto, que na minha casatinha muitas frutas, se quisessem, estavam todosconvidados. Eles aceitaram e, assim, levei aquelebando de gente para o pomar da minha casa.Foi uma festa. E eu no meio daquele pessoal,já meio fascinado, quando o Lima perguntouse não gostaria de trabalhar na televisão, a Liade Aguiar, sugeriu que eu fosse até o ClubePapai Noel, recomendando-me que, na TV Tupi,procurasse fazer um teste com Francisco Dorce,


seu pai, que talvez tivesse alguma coisa paraeu fazer. Anteriormente a isso, exercia meustalentos, cantando nas festas do Grupo Escolarde Mogi das Cruzes, imitando o Luis Gonzaga,contei isso para eles. Eles me informaram que,caso não desse certo com o Dorce, poderia procuraro Júlio Gouveia e entrar para o Teatro daJuventude. Deram-me o endereço, os telefonese eu me entusiasmei, pedi à minha mãe que melevasse. Isso se deu em outubro de 53, e só conseguidemovê-la por volta de março de 54 a melevar até a Tupi, e lá fomos nós. Por indicação daLia, procurei o Dorce, mas em lugar dele, que nãoestava, falei com o Júlio Gouveia, que por acasoensaiava alguma peça num estúdio onde se faziaradioteatro, em frente da discoteca. Terminadoo ensaio, ele me entrevistou e contei sobre minhasexperiências artísticas na escola em Mogie fui tão entusiasta nesse relato que me pediupara deixar o telefone e já me disse que poderiame aproveitar nos teatros que fazia.Meu verdadeiro nome é José. Meu pai só meregistrou quatro anos depois de nascido, comobom nordestino que era, e fomos todos fazero registro, até meu irmão caçula. Minha mãe,na época, lia muito a Bíblia e era protestante eadepta dos nomes ali contidos. Ela, que temposantes, na Bahia, sua terra natal, fora filha desanto no terreiro de Joãozinho da Goméia, umgrande pai de santo, que introduziu o candom-261


262blé no Rio de Janeiro e em São Paulo. Mas nessasua fase de protestante, só aceitava nomes bíblicospara os filhos. Assim meu nome era David, odo meu irmão mais novo – Israel. Mas, por seulado, meu pai, ateu, implicava com essa mania.Na hora do registro, meu nome iria ficar DavidJosé Lessa Mattos Silva, o oficial achou muitocomprido. Meu pai não quis tirar nenhum dossobrenomes e resolveu que já tinha muitos nomesbíblicos e tirou o David, apesar de eu já serchamado dessa forma. Fez a mesma coisa commeu outro irmão, tirou o Israel e ficou só o Antonio,Toninho. Quando eu contei essa estóriapara o Júlio, ele achou que David José era umbom nome e assim ficou, para todo o sempre,apesar da insistência do meu pai.Meus pais apoiavam inteiramente meu empreendimentoe depois tiveram muito orgulho dessaminha escolha profissional.Um belo dia, eis que o telefone lá de casa toca eé o Júlio Gouveia, dizendo que tinha um papelpara mim na televisão.Eu fui até o TESP, naquele casarão, chamadode elefante branco, e lá eram feitos os ensaios,na Rua Arthur Prado. O espetáculo, dentro doTeatro da Juventude era As Aventuras de TomSawyer, do Mark Twain, quem fazia o papeltítulo era o Sergio Rosenberg, eu fazia o BenRogers e era o dia 4 de abril 54, minha estréiaoficial da televisão.


Julinho Simões, David José, Suzi Arruda, José Serber eHernê Lebon, em As Aventuras de Tom Sawyer, no Teatroda Juventude


264Aquilo foi uma novidade enorme na minha vida.Eu não sabia nem mesmo o que fazer como script. O Júlio marcou minhas falas com lápisvermelho e disse vai lendo em voz alta, assimvocê se familiariza com o texto, era uma segunda-feira,os ensaios seriam na quinta. A partir daíminha vida mudaria completamente.Eu morava bem longe do Sumaré, e quem melevava era o motorista do caminhão da cerâmicaonde meu pai trabalhava, e se chamavaValfogo, tinha esse nome porque estava sempremeio de fogo, mas era boa gente e teve muitapaciência comigo.Fiz logo em seguida As Aventuras de Pinocchio, opapel título era do Paulo Bastos, e eu fazia o GriloFalante. (Foi essa a primeira vez que eu vi o DavidJosé, na Tupi, caracterizado de Grilo Falante. Eleera bem bonitinho e um pouco gordinho).Fiz Heide, um seriado com a Verinha Darcy – quese passava no Tirol, imagina eu com essa cara deíndio, fazendo um tirolês!Em 56, eu fiz o Tom Sawyer outra vez, mas dessavez, em forma de seriado, demorou três meses eaí eu era o personagem título. Até então aindanão era profissional, minha relação era exclusivamentecom o Júlio e com o TESP e a genteganhava cachê pelas apresentações.O ator que fazia o papel de Pedrinho no Sítiodo Pica-pau Amarelo, o Julinho Simões, crescera


demais, e estava naquela fase da adolescência emque o jovem muda muito, especialmente a voz,então o Júlio me convidou e eu aceitei. Fiqueifazendo o Pedrinho por muito tempo, de junhode 55, até o início de 59. A gente convivia bem,eram muitas as produções do casal Júlio e Tatiana,pois havia programa quase todos os dias; nosdomingos, no Teatro da Juventude, encenavamsepeças de mais de uma hora de duração. Tudoera feito com muita seriedade e responsabilidadee era muito apreciada a capacidade de trabalhodos dois sobretudo a preocupação deles com aformação dos atores mirins. Em 59, tive que sairporque aí era eu que estava crescendo, minha vozfalhava, eu estava ficando velho para o papel. Foitambém nessa época que eu roubei o primeirobeijo da Guy Loup, que também fazia algumacoisa conosco no TESP. A gente estava descendoas escadas, num local onde era a maquiagem eem direção ao Estúdio C e a coisa aconteceu. Deuum rolo terrível. O Júlio me considerava comoum filho, seu pupilo mais dileto, e eu procuravacorresponder àquela imagem de menino bonzinho,assim, não poderia ter cometido aqueledeslize. Imagine, só um beijinho inocente, maspara a época pegou mal. Quando soube dessemeu atrevimento, pois Guy reclamara para elecontra minha ousadia, veio uma bronca, massábio que era, chamou-me de lado e eu do altodos meus 16 anos e sapecou-me uma conversamoralista e elucidativa.265


Verinha Darcy e David José


Júlio Gouveia, na abertura do Sítio do Pica-pau Amarelo


268Meu começo na TV foi praticamente com o JúlioGouveia. Fiquei um ano e pouco trabalhando sópara o TESP e depois fui contratado pela Tupi.Até que ganhava bem. Minha mãe acabou comprandotrês terrenos para mim e quando os vendidei entrada nesta casa, que moro até hoje.Por volta de 55, o J. Silvestre, chamou a mime ao Júlio perguntando se poderia me escalarcomo Kim, personagem do Rudyard Kipling. Foimeu primeiro trabalho como profissional, numaadaptação e direção do J.Silvestre, o Turíbio Ruizfazia o Lama, o oficial, começando a carreira, erafeito pelo Henrique Martins.Depois dessa experiência, passei a ser contratadoda Tupi. Meu contrato foi assinado em junho de55. Quem assinou o contrato, como responsável,foi o Júlio exigindo que eu continuasse fazendo oTESP. O Kim foi levado num programa chamadoTeatro de Romance, na forma de seriado e teve aduração de quatro meses. Foi um sucesso incrível.Deu até na revista O Cruzeiro, a publicação maisimportante da época.Quando entrei para a televisão, o AdrianoStuart já atuava. Éramos amigos de todas ashoras, andávamos sempre juntos, mas o problemaexistente era com a mãe do Adriano, D.Mora, superprotetora, e com as amigas dela,que não se conformavam de vê-lo disputandoa cena comigo. A Lolita não me aceita até hoje,cinqüenta anos depois, ela ainda não me digeriu


em. Mas isso não atingia nossa amizade, tantoque eu sou padrinho do filho dele. Atualmente,estamos um pouco afastados, por circunstânciasda vida, mas ele continua sendo meu grandeamigo. Jogávamos bola juntos e fazíamos muitastraquinices pelo bairro. Nessa época, eu já memudara para o Sumaré. O Adriano era terrível,aprontava o tempo todo, ele tinha o pai dele,que era importante na emissora, portanto tinharespaldo, mas eu estava lá sozinho, precisavame cuidar.Ao mesmo tempo que fazíamos muita travessurasjuntos, algumas das quais você tambémparticipou, eu passei a conviver com uma turmabem mais velha e que praticamente me adotou.O Lima, o Dionísio, Walter George Durst, Faro,Silas Roberg são amizades que perduram atéhoje. Do Faro, virei, praticamente, irmão maismoço e até hoje a mulher dele comenta essanossa ligação muito forte. Todos eles com asrespectivas mulheres freqüentavam minha casae ficaram muito amigos de minha mãe.Saía muito com eles, ia assistir jogos de futebol,fomos até Santos ver o São Paulo jogar, minhamãe tinha a maior confiança neles. Viajava muitocom o Faro e a família dele para São Sebastião. Eesse convívio rendia muitos frutos, pois a gentebrincava muito, é verdade, mas também haviamuita conversa séria e aí vinham as indicaçõesde filmes, de livros. Isso tudo foi despertando269


David e Adriano nos jardins da parte de trás da Tupi, naRua Catalão


curiosidade para outras coisas, além da televisão,foi descortinando um mundo novo, sobretudona literatura. O Silas foi quem me introduziuna literatura americana. Apesar de não teremformação acadêmica, essas pessoas, atores e atrizes,sensíveis e inteligentes, adquiram uma vastacultura humanística e generosamente passavamisso para a gente.Naquela época, um período posterior à II GuerraMundial e anterior à Guerra Fria, havia umagrande preocupação com a formação de umageração, visando a um mundo melhor, a genteacreditava que isso era possível. Aquele era umtempo, muito diferente da realidade em quevivemos atualmente, esta situação de concretadesilusão e descrença, sobretudo da parte dosjovens. Isso é ruim, os jovens precisam de umacrença, de ilusão, de fantasia. Essa constataçãofoi um dos fatores de meu desinteresse pelacarreira universitária, em dar aulas, em facedo grande desalento e, falta de estímulo dosjovens. O importante é que para mim foi muitoenriquecedor, do ponto de vista intelectual, tertrabalhado na infância e adolescência na televisãoe ter desfrutado aquele ambiente cultural.Meu conhecimento literário, desde a literaturainfantil brasileira, começando com os infantiscomo Monteiro Lobato, os Irmãos Grimm, Collodi,passando pela literatura estrangeira, teveinício nessa época, por conta das montagenslevadas. O pessoal comentava e a gente corria271


272atrás para conhecer e saber do que se tratava,pois a cada semana havia um autor novo sendoencenado. Esse fenômeno deve ter ocorrido comvocê também, era um ponto obrigatório paranós estarmos informados a respeito dos autorese da vida cultural do país e lá de fora também.O Dionísio era bem professor de todos nós, delevinham sempre as melhores indicações.Aí fizemos O Sobrado, que foi a prata da casa.Estava lá praticamente todo elenco da Tupi. OSobrado, que viria a fazer parte da trilogia OTempo e o Vento, de Érico Veríssimo, foi rodadoem 55, em São Bernardo do Campo, nosestúdios da Vera Cruz, onde foi montada umacidade cenográfica. As filmagens demorarammais ou menos 4 meses. Participaram das filmagenso Fernando Balleroni, o Adriano Stuart,que fazia o Rodrigo, que mais tarde se tornariaem outro livro – Um Certo Capitão Rodrigo,Márcia Real, Bárbara Fazio, Lia de Aguiar, LimaDuarte, Dionísio de Azevedo, José Parisi, Tatá, oLuiz Gustavo, Henrique Martins, Galileu Garciae Roberto Santos, ambos bem jovens, atuavamcomo assistentes de direção e a direção era doCassiano e do Walter George Durst, que fez aadaptação. A música composta pelo maestro LuizArruda Paes era primorosa.O filme teve um bom desempenho nos cinemas.Existe uma cópia por aí. Acabei ficando muitoamigo do Roberto Santos, e fiz, tempos depois,Fernando Balleroni, David e Adriano em O Sobrado


alguns filmes dele: Os Amantes da Chuva, comHauber Rangel, Beth Mendes; Nasce uma Mulher,Marlene França e outros.A Vera Cruz estava enfrentando sérios problemasfinanceiros e ficou sendo gerida pelo AbílioPereira de Almeida, muito ligado ao Franco Zamparie ao Cicillo Matarazzo, que nessa ocasiãoestavam fora do negócio. Nessa época o Abílio


274começou a dirigir algumas peças de sua autoriana Tupi e contou ao Cassiano que todo o equipamentode Vera Cruz estava parado, e se nãohavia interesse da Tupi em realizar um filme lá.E assim rodamos o filme naqueles estúdios meioabandonados. Foi uma grande aventura e aprendizado,pois nenhum de nós tinha participadode um filme antes.Na televisão, eu tinha grande facilidade paradecorar textos e fazia televisão com tanto prazer,que nunca me deu trabalho. Não atrapalhavameus estudos porque, já naquela época, eu sabiao quanto era importante estudar, coisa que eufazia com facilidade. Freqüentar a escola eraextremamente prazeroso, de forma que davapara conciliar, perfeitamente, televisão, estudose jogar bola, porque ninguém é de ferro.Aqueles foram anos tão felizes e descontraídosque até hoje, eu ainda acho que atuar não é umtrabalho, esse desempenho está muito associadoao prazer, a uma brincadeira, a um jogo.Tanto que mesmo depois de casado, continueiatuando, fazia o Teatro de Arena, e a minhamulher, a Lígia, trabalhava no Centro Regionalde Pesquisas Universitárias, na Pedagogia, e eladava um duro danado, só era liberada para assistiràs aulas, ficava lá mais de oito horas por diae computava quanto eu ganhava em proporçãoao trabalho dela. Eu ganhava em duas horas detrabalho o que ela levava quase um mês paraganhar e me divertia muito.


Como contei, somos quatro filhos, meu irmãomais velho, o MIiton, era 5 anos mais velho, aívêm o Raimundo, eu e o Toninho. O Raimundovirou fotógrafo e trabalhou lá na Tupi por unstempos e o Toninho, o mais novo, também trabalhoupor lá, como assistente de direção. Ficouna Tupi até o fim e, atualmente, virou diretorde novelas, trabalha há 12 anos em Lisboa e nacidade do Porto, Portugal, dirigindo novelas porlá. No desempenho de ator, na minha casa só eu,mas meu irmão caçula foi o único que continuouna profissão. Aconteceu uma coisa curiosa, naminha família, comecei a ganhar bem, mais quemeu pai e passei a assumir minha família, apesarde não ser o filho mais velho. Fazia isso commuita naturalidade, nunca me senti importantepor isso ou quis mandar nos outros por causa dosuporte financeiro que dava.Meus pais tinham muito orgulho de mim e domeu trabalho na televisão, eu dava o meu dinheiropara minha mãe e ela administrava comoqueria ou podia, e a verdade é que o dinheirorendeu, pois acabou até fazendo uns investimentosem meu favor.Eu tinha uma coisa dentro de mim, que meobrigava a fazer tudo muito certo, com responsabilidade,algo me dizia que eu não podia errar,falhar. Isso era um diferencial entre mim e osdemais garotos da minha idade. Além disso, eumesmo que pagava meus estudos, isso dá umamaturidade muito grande.275


Na época do ginásio, eu fazia o Pedrinho, noSítio, e os meninos, meus colegas, me odiavampor isso, me gozavam. E eu tive que desenvolveresse lado, que eu faço até hoje, de me relacionarbem com as pessoas e conseguir virar o jogo emmeu favor.276Na época do clássico, no Colégio Paes Leme, eumesmo fiz minha matrícula, garanti os pagamentosdas mensalidades, coisa inusitada, poisos estudos de todos os alunos eram bancadospelos pais, eu era a única exceção. Aplicaramaté um teste psicológico ou psicotécnico emmim. Comecei a assumir responsabilidades dehomem muito cedo, mas apesar disso, não tinhaprivilégios especiais na minha casa, era tratadoda mesma forma que meus irmãos. Na classe,acabava me distinguindo dos demais, pois eutinha uma bagagem cultural acima da média,sabia muitas poesias, muitas peças de teatro,já tinha lido muita coisa e eu passava sempreentre os primeiros da classe, as meninas, porcausa da televisão viviam me assediando Issotudo junto, começou a causar mal-entendido nosmeninos, que passaram a me encarar como umconcorrente desleal. Era preciso ter um jogo decintura imenso, mas acontece que eu tambémjogava um bom futebol, pois fora criado nasruas do Sumaré e assim acabei conquistando amolecada também.


Fiz, além dos programas infantis com o TESP,Os Menores da Semana, que apresentávamosjuntos, uma novela - O Palhaço -, com Sonia, oJayme Barcellos e outros, também apresentávamos,Sonia, Adriano e eu o Pim Pam Pum, CirandaCirandinha; fiz também muitos programasno Teatro de Romance, que embora não fossempropriamente infantis, as crianças e os jovensgostavam muito pelo teor de aventuras que osprogramas continham. Tratava-se de seriados,com duração de dois a três meses, semelhanteàs minisséries de hoje.Entre eles, lembro-me de Os Três Mosqueteiros,Robin Hood e outros.Fiquei na Tupi de 1954 até 65. Eu ainda fiz algumascoisas, em 64, entre elas, uma novela doGeraldo Vietri, que era um grande amigo meu,chamava-se Dr. Valcourt, com Sergio Cardoso,Nívea Maria, eu era um escravo e era o par daMeire Nogueira, e fazia também o Teatro deArena. Naquela época, não sei por que a Tupiproibiu seus artistas de fazer teatro, somentedois estavam liberados, o Lima e eu. Assim,continuei trabalhando no Teatro de Arena, faziaArena Conta Zumbi, estudava na faculdade,era muita coisa, ficava muito cansado, e estavame desinteressando pelo trabalho na televisão,então quis sair da Tupi. Orientado pelo Cassiano,que me aconselhou a negociar, pois eu tinha277


Cenas do Sítio do Pica-pau Amarelo: Edi Cerri (Narizinho),Lúcia Lambertini (Emília), Dulce Margarida (Dona Benta),Hernê Lebon (Visconde) e David José (Pedrinho)


David José, Adriano Stuart e Percy Aires em cena do TVde Vanguarda


estabilidade, na casa e se fizesse um acordo,receberia um bom dinheiro. E foi assim, entreinum acordo e peguei um bom dinheiro. Termineia faculdade, continuei no Arena, em 64, 65, 66,início de 67, com Arena Conta Tiradentes. Minhamãe morreu, em julho de 67, fiquei muito abalado,terminei a faculdade e comecei a procurarpor uma bolsa de estudos na França. Conseguino final de 67, e iria em seguida me casar com aLígia, pois naquela época as moças só viajavamcom os rapazes casadas.Neusa Borges e David José no Grande Teatro Tupi


282Fui convidado para ir para a Excelsior, o salárioera altíssimo, mas recusei porque a bolsa de estudosque eu batalhara tanto saíra e aquela eraminha prioridade no momento.A vida na Europa foi dura, mas não me arrependo.Eu assumi o risco para sair do Brasil e irestudar na França com uma bolsa de estudos deapenas U$ 100.00, num momento em que talvezeu pudesse ganhar um bom dinheiro, profissionalmente.Mas o mais importante para mim,naquela época, era curso e, apesar do poucodinheiro, a gente se virava, fazendo outras atividades,foi um período muito bom da minha vida,no qual também fiz grandes amigos, foi umaexperiência marcante na minha existência.IV. Cidinha CamposPretendia encontrar Cidinha Campos no Rio deJaneiro e entrevistá-la, pessoalmente. Infelizmentenão deu. Faz muito tempo que não vejoa Cidinha, por força das circunstâncias e das ocupaçõesde cada um, mas a amizade transcendeas barreiras do tempo e da distância; lendo seuescrito e lembrando-me de nossa aventuras infanto-juvenis,voltaram o carinho e o afeto queum dia compartilhamos.Enviei-lhe um e-mail com as perguntas. Eis suasrespostas:Comecei na TV cantando no Clube Papai Noel,na Rádio Tupi de SP em 1949 ou 1950, levada


pelo saudoso professor Francisco Dorce. Tinhavoltado de Portugal com sotaque e ele achouque isso seria curioso. Fui para o programa infantilque ele produzia e dirigia. Enquanto você,Sônia, dizia poemas e era considerada a meninaprodígio de São Paulo, eu apenas cantava noClube Papai Noel.Não sei exatamente quanto tempo fiquei cantandono Clube Papai Noel, mas foi um tempomuito bom. Foi nesse primeiro trabalho que eu,com certeza, sedimentei meu senso de responsabilidade.Éramos crianças, mas não brincávamosem serviço.Ensaiávamos a semana inteira para uma únicaapresentação. Era uma vida de trabalho e respeito.Fiz com sua irmã Márcia, por exemplo, umteatrinho que seu pai dirigiu chamado A Órfã e aEnjeitada. Eu era uma, não sei exatamente qual,e sua irmã era outra. E, isso era encarado comseriedade por nós e, com respeito pelos adultos.Foi nessa época que eu conheci a extraordináriaLaura Cardoso, até hoje dando aula de interpretaçãona TV Brasileira. Conheci, também, WalterStuart com quem tive a honra de fazer o OlindoTopa Tudo. Num dos programas fui jogada napiscina da TV Tupi, sem saber nadar e fui salvaao vivo, em branco-e-preto, pelo filho do Walter,Adriano Stuart. Cadê ele? Quanta saudade!Depois da TV Tupi de SP, fui para a TV Recordde São Paulo, aos 14 anos de idade, onde fiz283


284a primeira novela das 6h da TV brasileira chamadaLili, ao lado de Randal Juliano. Faziacomerciais, fiz a série de teleteatro Sábado 11horas, em que apresentávamos, toda semana,uma adaptação de grande autores como: MáximoGorki, Tenneesse Williams, Shakespeare...Nós não deixávamos barato, não! Depois, fizainda na Record, a Família Trapo, o Programada Hebe, Dia D e Cidinha 70. Depois, no Riotrabalhei na TV Tupi, programa Cidinha Livree fui para a TV Globo onde participei, duranteum ano, do programa Fantástico, tendo sidoa primeira repórter internacional dessa emissora.Depois, fiz ainda alguns programas naBandeirantes e na CNT.Em seguida, deixei a televisão fiz, durante muitosanos, o show Homem Não Entra e fiquei 20anos me dedicando ao rádio. Fiquei na TV por,sei lá quanto tempo. Pelo menos, de 1950/1951a 1978/1979Hoje em dia, com exceção do Sítio do Pica-pauAmarelo, eu vejo a televisão usando crianças emprogramas de adultos e não programas infantisde televisão. Não quero cometer nenhuma injustiçacom a Xuxa. Não sei como é o programa dela.Me parece que mudou tudo. Ou, como disse opoeta: Mudaria o Natal, ou mudei eu?Minhas atividades no momento: depois de ficarpor dois mandatos na Câmara Federal, cumproo meu segundo mandato na Assembléia Legislativado Estado do Rio de Janeiro.


Um beijo para você, Sônia. Sem mais nenhumaconsideração sobre meu trabalho. Este questionárioserviu para matar a saudade de gente boacomo você.V. Sonia Wippich JorgeSonia foi contemporânea de Sonia Maria Dorce,atuando no Clube Papai Noel. Enviei-lhe um e-mail e eis suas respostas:Meu nome completo na época: Sonia MariaWippich, hoje acrescido de Jorge. Eu cantava noClube Papai Noel. Quem me levou ao programa,certamente, foi minha mãe, pois comecei a cantarcom três anos de idade, sentada ao piano do seupai. Fomos contemporâneas, Sonia e eu. Lembromeaté de um filme em que você tinha uma participaçãoe alguns de nós fomos convocados. Essefilme era o Queridinha do Meu Bairro. Comeceia cantar, quando ainda não tínhamos televisão,em 1950 – só pra você eu tenho coragem de dizerisso!!! – e parei por volta de 61 ou 62.Onde estão as crianças na TV hoje em dia? Sóas vejo nas novelas da Globo. Pequenos grandestalentos, sem dúvida, pois para aparecer na telinha,hoje em dia a mídia não permite arriscar!Não sei exatamente sobre o que vai versar oseu livro. Seria uma autobiografia? De qualquerforma, parabenizo-a desde já pela iniciativa. Aspessoas estão carentes de ouvir falar de umaépoca na qual imperava o respeito ao ser humanopor ele mesmo.285


286Hoje, sou professora de Inglês, mãe de 5 filhas,avó de 2 netos, além de presidir com meu maridouma instituição que congrega 140 seccionais emtodo o Brasil, voltada à excelência no relacionamentoentre pais e filhos, denominada Escola dePais do Brasil.VI. Lia RosenbergFui para a PRF3 – TV Tupi em 1951, aos 5 anosde idade, levada pelo Júlio Gouveia, amigo domeu pai. Eu era o anjinho da asa quebrada, noSítio do Pica-pau Amarelo, e todos os papéis decriança loirinha nas Fábulas Animadas ou noTeatro da Juventude.Nunca estivemos – Sonia e eu – no mesmo palco.Mas dividimos o estúdio, sim! Eu era fã daquelamenina doce e talentosa, que chamavam deShirley Temple brasileira... Às vezes, conversamosno estúdio, mas eu era assídua espectadora dosseus programas pela TV mesmo! Como eu adoravafazer televisão, pensava que ela ia ser muitofeliz porque seguiria a carreira, coisa que meupai jamais permitiria! Lembro-me dela ao pianoe no comercial da Casa Clô, uma fofa!!!O Teatro Escola São Paulo foi um marco na teledramaturgia,ainda que a gente não usasse essenome na época.Os textos eram trabalhados como se fossempeças, só depois que a gente ia pro estúdio efazia as marcações de câmera. Mas aí estava


tudo pronto... Tinha a Lúcia Lambertini, minhairmã Lidia Rosenberg, o Sergio Rosenberg, DavidJosé, Rafael Golombek, Felipe Wagner, Suzi Arruda,José Serber, Dulce Margarida... Para mimdurou pouco, uns 5 anos, depois meu pai proibiuterminantemente. Talvez ele soubesse o queestava fazendo, duvido que um dia eu largassepor vontade própria!Para mim a televisão daquela época foi umaescola, só que muito melhor! Responsabilidade,consciência profissional, motivação – a gentedava o sangue para tudo sair direito...Mas era muito difícil ser criança, naquele tempo...A TV permitia escapar das ordens dos adultose ficar mais solta entre eles, que lá tambémpareciam mais crianças...Um episódio curioso: teve um capítulo do Sítio,quando o anjinho ia voar, voltando para a nuvemde onde tinha caído, com a asa consertada.Prenderam-me num cabo de aço, enrolado emvolta da cintura, um mecanismo muito seguroe que tinha me deixado encantada nos ensaios,parecia que eu voava mesmo! Mas, na hora, alguémamarrou a camisola apertada demais nomeu pescoço e eu tive pena de pedir pra mexernaquela complicação toda, achei que podiaagüentar até a hora de entrar em cena. Eu estavaem pé num banquinho, atrás do cenário. Sei quefui ficando roxa e a Suzy Arruda viu de longe,atravessou pelo meio do cenário, passou nafrente da câmera e veio me salvar...287


288Eu decorava o texto inteirinho, ficava servindode ponto pros colegas todos... Era engraçado,acho que criança tem mais facilidade pra decorar,né? E o texto da Tatiana Belinky era tãobom que parecia que era a gente que tinhaescrito cada fala, tão natural! Os ensaios erama melhor parte do trabalho, lá no TESP, com oJúlio passando as dicas de como cada um estavase sentindo em cada cena e tal... Foi o trabalhoque mais me deu prazer, até hoje!Era um trabalho que não me atrapalhava nada,ao contrário, alargava horizontes, desenvolviahabilidades, ampliava o repertório. Mas podiame levar a escolher esse caminho como profissãoe meus pais não acharam graça, para eles eravital que eu estudasse muito e tivesse outra profissão,essas coisas. Saí, então em 1956, devido àproibição do meu pai.Hoje em dia, tem muita coisa legal para criançasna TV, principalmente o Rá-Tim-Bum e o DiscoveryKids também.E eu acho que o papel da TV na formação dascrianças depende, sempre, dos pais. Outro dia,meu neto de 4 anos desligou a televisão e medisse: Se eu vir muita televisão eu fico burro! Assimmesmo, com o verbo conjugado e tudo! Praele, a TV ajuda. Antes que atrapalhe, ele desliga.Sou a favor de horário para criança assistir à TV.Os pais têm que fixar limites, como bem disse omeu neto... Tenho 3 netos, um ainda é bebê, mas


os outros dois, de 4 e de 2 anos, assistem à TV,com limites. Curtimos muito alguns programas.Acho uma delícia poder ficar com eles na cama,olhando para a tela e brincando. Atualmente,sou consultora de projetos educacionais e trabalhoem casa para clientes diversos.VII. Edi CerriFui até o bairro de Morumbi, em São Paulo,num elegante condomínio, numa ensolarada,mas fria manhã do mês de junho, entrevistarEdi Cerri. Aqueles que vivenciaram os anos 50e 60, na televisão, devem ter em mente, comoeu, o personagem que a caracterizou: Narizinho.Ninguém conseguiu encarnar melhor o espíritoda menina meiga e dengosa, de nariz arrebitado,criado por Monteiro Lobato. Os anos passaram,mas Edi conserva a meiguice e a ternura dopersonagem.Antes de responder às minhas perguntas, falouda satisfação que sentia em receber-me em suacasa e também do imenso prazer em poder colaborarcom este livro. Disse que gostava muito demim, que se lembrava muito de mim na televisão,que era minha fã e que sentia muito a gentenunca ter podido representar juntas. Apesarde nenhuma das duas se lembrar, trabalhamosjuntas sim. Segundo registros da própria Edi,que consultei depois, verifiquei que elas fizeramjuntas um Teatro da Juventude – eis o que nosdiz um recorte de jornal:289


290Com a apresentação do programa para as 12,05 h,o Teatro da Juventude vai também prestar suashomenagens ao 9 de Julho, encenando O ÚltimoRamalhete, relembrando os acontecimentos daRevolução de 32. Sonia Maria Dorce será a estrela,como atriz convidada, contracenando ao ladode Edi Cerri, David José, Lúcia Lambertini, FelipeWagner e outros elementos do TESP. Na aberturae no encerramento do espetáculo, teremosa participação do Coral do TESP, integrado por26 elementos, sob a direção de Wilma Camargo,para cinco vozes do poema de Guilherme deAlmeida – Bandeira Paulista.(Jornal Diário da Noite)Meu nome completo é Edi Neide Cerri (pronuncia-seo C como CH, do italiano), agora depoisde casada, Genovese, nome de família de meumarido, o Dr. Walter Genovese.Comecei em 19... E bolinha, talvez 53, tem certascoisas que eu não lembro muito bem; no TESPnum casarão na casa da família do Júlio Gouveia,acho que no bairro da Liberdade. Eu tinhaassistido ao Sítio. O programa tinha ido ao aralgumas vezes, e eu fiquei encantada com aquelamenina, neta de Dona Benta, e pus na cabeçaque seria a Narizinho, quem fazia na época, antesde mim, era a Lídia Rosenberg. (Lígia é hojeuma renomada psicóloga).Eu descobri que o TESP – Teatro Escola de SãoPaulo – era o responsável pelas apresentações,então, eu e alguns amigos, fomos até lá. A gen-


te tinha um grupo de teatro, coisa simples, umteatro de fundo de quintal. Mostramos algumascoisas que sabíamos e, ao que tudo indica, o JúlioGouveia gostou um pouquinho.Perguntei para meus pais se podia, se estavamde acordo, meu pai era um homem de cabeçamuito aberta e concordou logo com a idéia edisse: Tudo bem, mas cuidado para não se decepcionar.Acho que ele não descobrira minhaveia artística, naquele tempo.Então, eu me apresentei para o Júlio Gouveia,afirmando: Quero fazer a Narizinho. Mas nãoserve outra coisa? Ele respondeu.Eu peremptória insisti: Não, só serve a Narizinho.Diante da minha convicção, o Júlio me pediu parafazer alguns testes, de interpretação e, depois noestúdio, para o teste de fotogenia no Canal 3,na antiga TV Tupi. Parece que quem patrocinavaera a Cica (ou qualquer empresa no gênero) eeu fiquei comendo uma marmelada, goiabada,coisa parecida e creio que fui aprovada.Oportunamente, a Lídia, que já estava ficandomocinha, ia sair, então, o lugar me foi oferecidoe eu interpretei a Narizinho durante mais oumenos quinze anos.Muitos anos na TV Tupi e depois quando oprograma era transmitido na TV Bandeirantes,Canal 13. Mesmo depois de casada, continueifazendo esse papel.291


292No início eu fazia o Sítio de Pica-pau Amarelo,Fábulas Animadas e o Teatro da Juventude,os seriados, espécie de novelas, trabalhava exclusivamentepara o TESP, sempre com o JúlioGouveia. Primeiro, como amadora e aos poucos,fui-me profissionalizando. Depois, fui convidadapara fazer alguns programas para a TV Tupi,como atriz convidada, entre eles, o famoso TVde Vanguarda. Datas não são meu forte. Masdepois que encerrei o trabalho do Sitio na Tupi,mais ou menos na época em que o Júlio deixouo programa, por volta de 1963, creio, fui para oCanal 2 - TV Cultura, uma passagem no Canal 9Excelsior, fiz o Sítio na TV Bandeirantes, fui parao Canal 7. Foi uma caminhada.Meu encontro com Júlio Gouveia e TatianaBelinky foi a melhor coisa que pôde acontecerna minha carreira e no meu aprendizado comoatriz. Aprendi tudo com esse casal encantador!O Júlio era psiquiatra, e tinha uma enorme capacidadede lidar com a gente, com os atores,que eu nunca vi igual em nenhum outro diretor.Tenho a impressão que, hoje em dia, não há nomeio artístico uma pessoa com a formação e como espírito do Júlio Gouveia. Para você ter umaidéia do espírito que regia o TESP, eu e outroscompanheiros estudávamos e ele nunca deixouque a gente faltasse às aulas para os ensaios.Eu ia quando eu podia, no horário que fossemais conveniente, a gente procurava conciliaros horários. Ele fazia isso com todas as crianças.Tatiana Belinky


Os estudos das pessoas, estavam em primeirolugar. Ele era muito humanitário, sempre prontoa ouvir os problemas, sempre tinha uma palavrade carinho para cada um de nós.A Tatiana ficava mais na parte da escrita e daadaptação, a gente não a via muito. Mas, nasvezes que aparecia, era uma festa, pois ela eramuito alegre e divertida.


O TESP era uma associação de amigos do teatro,com intenção de fazer teatro amador comseriedade. Foi celeiro de grandes artistas. Eutive minha formação ali, o David José, FelipeWagner, a Susy Arruda, Wilma Camargo, a LúciaLambertini, enfim muita gente boa. Os ensaioseram feitos num casarão de propriedade dafamília do Júlio Gouveia e porque era grande enão tinha, para a família, utilidade, chamavamnode elefante branco. Mas era um lugar idealpara os ensaios.Meu pai era um entusiasta, sempre me apoiouem todas as minhas incursões pela televisão,acompanhando-me inclusive em todas as apresentações,você deve se lembrar. Ele era meutiete, guardava todas as publicações que saíama meu respeito, e tinha muito orgulho de meutrabalho artístico, coisas de pai. Na verdade, eleera industrial, e como as audições, geralmentese davam à noite, ele podia me acompanhar,isso era uma questão primordial. Minha mãeficava mais na retaguarda. Algumas pessoas daminha família não aprovavam meu trabalho natelevisão. Temiam as más companhias, resquíciosdaquela idéia que ator e atrizes eram todos pervertidos.Meu pai nunca acreditou nessa balela,apoiava, mas também me acompanhava. Pessoalmente,nunca tive nenhum problema no meutempo de televisão e teatro, sempre fui tratadacom muito respeito e carinho por meus colegase por toda a equipe de trabalho. Eu creio que295Lúcia Lambertini, a Emília do Sítio do Pica-pau Amarelo


296isso também faz parte da criação que a genteteve, e leva consigo para a vida e para todos oslugares que freqüenta. Mais tarde, quando meupai, por razões profissionais, não pôde mais meacompanhar, a Lúcia Lambertini passou a ser,digamos, a minha guardiã, mas mais por prazerpessoal, pois nos tornamos grandes amigas.Meus colegas no Sítio eram Lúcia Lambertini, quefazia a Emília, Sidnéia Rossi, que no começo faziaDona Benta, depois veio a Susy Arruda, a Tatiana,também fez a vovó Benta, algumas vezes, LeonorLambertini Pacheco, irmã da Lúcia, Tia Nastáciaera a Benedita Rodrigues, Pedrinho, o primeiro,foi o Julinho Simões, o Sergio Rosemberg, e omais famoso foi o David José. O Visconde de Sabugosaera feito inicialmente por Rubens Molina,depois Luciano Maurício. A seguir veio aqueleque se caracterizou no personagem e ficou pormuito tempo, Hernê Lebon, e em seguida o JorgeOnhet, José Roberto Orozco; o Dr. Caramujo erao Paulo Bergamasco, o Rabicó foram vários entreeles, o filho da Tatiana, o Ricardo Gouveia.Além do Narizinho, fiz muitas coisas com o Júlioe a Tatiana, entre eles, uma série que se chamouO Serelepe, ia ao ar uma vez por semana, fiz PeterPan. No Teatro da Juventude fiz muita coisa.Era escalada quase toda a semana. Era algo quefazia com grande prazer.Fiz também As Professorinhas, uma série escritapela Lúcia Lambertini, que também atuava,


e era dirigida por Walter Avancini, mas agoranão mais pelo TESP. Foi ao ar pela primeira vezem 1965, pela TV Cultura, depois em 1967 foipara o Canal 7, TV Record, no mesmo formato,o grupo aí era formado por Elizabeth Gasper eTâmara Restier, uma estória bem ingênua, deduas professoras, chegadas do interior e suasaventuras com os problemas dos alunos e os seuspessoais. Participei das novelas As Pupilas do SenhorReitor, dirigida pelo Dionisio de Azevedo,O Tempo Não Apaga, dirigido por Carlos Manga,40 Anos Depois, também na TV Record, foi maisou menos em 67, por aí, nessa época era casada,casei-me em 63.Em 1959, fui convidada pelo Antunes Filho parafazer no Teatro de Cultura Artística, O Diário deAnne Frank. Foi uma experiência magnífica. O teatroera muito grande, não estava dividido comohoje. Todas as noites, ficava lotado. Fizemos umaboa temporada, com crítica favorável. Foi umaoportunidade de me desvencilhar do personagem.Fiquei muito marcada como Narizinho e,naquele momento, queria fazer outras coisas.A companhia se chamava Pequeno Teatro deComédia, e os sócios eram Antunes Filho, ArmandoBogus, Luis Eugênio Barcellos, NagibElchmer, Nelson Cortes Duarte, Rubens Jacob eFelipe Carone, que também atuava. Os atoreseram Elias Gleizer, que fazia meu pai, Otto Frank,Lea Surian, minha mãe, Walter Avancini, Alzira297


298Cunha, Cecília Carneiro Corinaldi, Maria CéliaCamargo e muitos outros. Como assistente dedireção, estava o Walter Negrão.Valeu muito como aprendizado, pois cada noitea gente tinha um espetáculo diferente. Pelofato de eu ser menor, meu pai precisou pediruma autorização do juiz de menores para eupoder atuar. Ficamos muito tempo em cartaz,não chegou a um ano, mas foi bastante tempo,depois a peça foi viajar para o interior.Aconteceu até um fato interessante, numa dasaudições. No final do espetáculo, na hora dosagradecimentos, uma senhora judia subiu nopalco e, abraçando-me chorando, dizia: Eu teconheço Anne, eu te conheço Anne! Certamentedeve ter conhecido a verdadeira Anne Frank e oespetáculo deve tê-la emocionado.Fiz ainda o Teatro de Arena, que estava começandoe estreamos a peça Dias Felizes, de AntonioPuget, direção de José Renato, tendo como assistentede direção Beatriz Toledo de Segall e osatores Méa Marques, Vera Gertel, Gian FrancescoGuarnieri, Oduvaldo Viana Filho e Sergio Rosa.Viajamos muito pelo interior com a peça.Ninguém me ajudava com os scripts no começo,pois já era bem grande e alfabetizada, começandoo curso ginasial da época. Fazia o trabalhosozinha e com muita facilidade, pois até então,minha cabecinha funcionava muito bem, e eu iaaos ensaios sempre com o texto decorado, eu ti-


nha memória visual e ficava tudo bem guardadoe, às vezes, também ajudava outros atores emapuros. A gente ensaiava muito, principalmenteno TESP, pois o Júlio era muito rigoroso e alémdisso, tudo era ao vivo e nada podia dar errado.Os cenários eram muito precários, sem muitosrecursos. Tenho uma foto que mostra uma farmáciaem que os vidros de remédio eram pintadosdiretamente, as estantes de livro da mesmaforma, mas a verdade é que o efeito funcionava.As florestas eram os matos, retirados de algumacerca, lá de perto da Tupi mesmo, presos ao chão,e pronto aquilo virava uma selva improvisada.Mas o visual era bom. As comidas eram verdadeirasgororobas, o macarrão boiando no prato,hoje em dia, chega-se ao requinte de garrafasde champanhe em cena. Naquele tempo, comerem cena era um martírio!Em geral, eu não fazia cena de beijos, comovocê também não fazia, que eu sei. Mas comoeu era um pouco mais velha e, depois de deixarde fazer o Sítio, representei papéis adultos e,em algumas vezes, apareciam cenas de beijo.Em verdade, beijei uma única vez o RolandoBoldrim, na novela O Tempo Não Apaga, na TVRecord. Teve uma reunião lá em casa e foi tudocombinado com o diretor Waldemar de Moraesque com o Rolando foram lá explicar a cenapara o meu marido e sanar qualquer dúvida.Tudo seria feito dentro do maior respeito comtécnica e espírito profissional. Assim o beijo saiu,299


300um selinho como se costumava fazer na época,mas também foi o único, nunca mais.Depois de minha experiência no TESP, fiz VamosBrincar de Escola. Era um programa paracrianças, no qual eu já adulta contava estóriasinfantis, como uma professora e um flanelógrafo,um ajudante, que trabalhava com quadro deflanela e figuras aderente com desenhos alusivosàs estórias, ia colocando imagens, como ascrianças desejassem. Era uma coisa bem simples,sem tecnologia, mas as crianças tinham grandeinteratividade e soltavam a imaginação. Foiao ar pela TV Cultura e depois pela TV Bandeirantes.Era um programa muito simples, masfuncionava. A gente recebia muitas cartas dascrianças e dos pais.Sou professora, como quase todas as moçoilasda minha época. Dei aula por muito tempo.Tive uma escola, situada na Al. Lorena, que sechamava Casa do Narizinho, que na verdade eraum jardim-escola, trabalhei ali de 1962 até 1970,por lá passaram os filhos da Lucia Lambertini,Lucinha e Fábio, bem como os filhos da RuthEscobar, a Patrícia e o Cristian.Eu parei com a televisão porque realmente mecansei daquele ritmo alucinante. Como bem diziao Júlio Gouveia: Televisão é uma fábrica de fazerdoidos. Quando era menina, achava que a frasenão fazia sentido. Aquilo fazia parte da minhavida. O tempo foi passando e, de repente, per-


cebi que o Júlio estava com a razão. Quando eutive que caminhar com minhas próprias pernas,sem Júlio Gouveia na retaguarda, eu percebi queele estava certo e realmente quando senti quehavia perigo de ser tragada pela engrenagem,eu pulei fora. Foi por volta de 1972/73. Fiqueiestigmatizada pelo personagem Narizinho epor algum tempo tentei me livrar desta marca,mas depois eu compreendi que Narizinho fazparte do meu eu interior. Hoje, passado tantotempo, eu posso dizer, sem nenhum medo, eusou Narizinho.Não senti falta de atuar, foi uma decisão definitiva.Hoje em dia, quando assisto a algumprograma e vejo um personagem que se adequaa mim, penso: até que gostaria de fazer essepapel. Mas tudo isso fica só na imaginação domomento. Tenho boas lembranças, contudonenhuma vontade de retornar e nem sinto faltadaquilo tudo. Meu palco é aqui mesmo dentroda minha casa, cuidando da minha filha Adriana,do meu marido Walter, da minha empregada,dos meus cachorros; para cada um faço um tipode representação.Represento 24 horas por dia, eles estão acostumados,e nem ligam mais para isso, mas canalizominha veia artística, através das minhas pinturase de meus quadros. Virei artista plástica, ganheialguns prêmios com meus quadros e estou muitocontente com essa atividade.301


302Vejo, sim, televisão atualmente. Vejo novela,jornalismo, variedades, enfim, quase tudo. Estouassustada com a exposição de violência esexo gratuito na TV. Mas tenho que reconhecerque existe ainda, felizmente, muita coisa boa,sobretudo aquilo que é produzido pela MariaAdelaide Amaral, Walter Negrão, por exemplo;cito essas pessoas porque estão mais próximas,não vou citar nomes, porque poderia esquecerde alguém. Tem coisa boa, mas infortunadamentemuita coisa ruim.Desgraçadamente, tirando a programação daTV Cultura, não há mais nada de relevanteendere çado ao público mirim. Os desenhos vêmprontos e nada têm a ver com nossa realidade.Só há consumismo, muita violência, nada realmenteconstrutivo. Não há preocupação dosdiretores de empresas de televisão em criar umavertente para as crianças, que ficam soltas àprogramação com alguns espetáculos especialmentedestinados a elas.Eu acho que na minha, como na sua vida, a televisãoteve muita importância porque foi parteda nossa formação como pessoas, não é? Nós vivemosnossa infância, nossa juventude lá dentro.Havia um sentimento de união e solidariedadeentre as pessoas e o sucesso de um comunicavasea todos. Era um ambiente saudável e muitoenriquecedor. Nós éramos crianças, trabalhandopara crianças e falando a linguagem deles,


naturalmente, sem muita sofisticação. Até omomento em que eu percebi que tudo aquiloque fora tão prazeroso, numa época, estava setornando um fator de desagrado e desconfortona minha vida. Foi então que decidi pôr um fime parei definitivamente. Parei consciente, semtraumas e parti para outra.VIII. Nilton TravessoFui encontrar o Nilton Travesso numa manhãfria de julho na escola que ele mantém e dirige –Oficina de Atores Nilton Travesso, em Pinheiros.Fiquei encantada com o lugar, muito bem instaladoe o que é mais importante, ele própriovibrante e cheio de boas idéias.Eu era muito jovem, por volta dos anos 50, com 16para 17 anos, estudava canto e fazia figuração, ocoro no Teatro Municipal, era o que se chamavade comparsa. Vivenciar aquele momento, paraminha formação, foi muito importante, tive aoportunidade de presenciar grandes estrelasdo bel canto, pois aqueles foram os tempos dasgrandes companhias líricas em visita ao país, coisaque jamais voltou a se repetir com aquela intensidade.Tudo era fantástico, os cenários, figurinos,os cantores e cantoras, enfim, um verdadeirodeslumbramento para aquele menino que a tudoassistia, era um espetáculo impressionante. A vidada gente, às vezes, você sabe, não somos nós queconduzimos, tem alguém muito mais forte e sábiodo que nós, que nos leva pelos caminhos, que não303


304escolhemos. Assim, houve uma mudança muitogrande na minha vida quando perdi meu pai erestamos, minha mãe, minhas irmãs e eu. Era preciso,no entanto, seguir em frente e, no meu caso,significava ganhar dinheiro, tendo um amigo meinformado que, pelos lados do aeroporto, o Dr.Paulo Machado de Carvalho estava montandoum canal de televisão, a futura TV Record, e precisavade gente nova, pois não queria ninguémde outras emissoras. Na ocasião, já existia a TVTupi – Canal 3 e a TV Paulista – Canal 5. Eu já meinteressava por cinema, estava, inclusive, fazendoum curso no Museu de Arte Moderna e achei quepoderia ser uma experiência interessante.Nós éramos 48 candidatos e só ficariam 14 eacabei entre os escolhidos. E lá a gente aprendiailuminação, câmara e direção de TV. Comecei atrabalhar e a estudar à noite. Estudava no ColégioPaulistano e terminei o Colegial, pois naRecord, a gente trabalhava até as duas da manhãe não dava para pensar em continuar os estudos.Eu tive muita sorte de conviver com grandesmestres e a chance de aproveitar tudo isso. Trabalheicom Adolfo Celli, Carla Civelli, RugieroGiacobbi, e com o grande mestre Ziembinski,que me ensinou a dirigir atores. Nós fazíamosno Teatro Cacilda Becker peças completas, tudoao vivo. A televisão daquele tempo era muitorica em dramaturgia, na TV Tupi vocês tinhamgrandes teatros, como o Grande Teatro Tupi,o TV de Vanguarda e depois o TV de Comédia.


Tudo isso foi um grande e valioso aprendizado.Era tudo meio mágico para mim, primeiro comotelespectador, apreciando o Cassiano, o Lima,o Dionísio, O Durst, na Tupi, e depois tendo aoportunidade de viver esses momentos comoprofissional, na TV Record.Eu inaugurei a Record em 1953, no mesmo diaeu fiz câmera e ator, numa peça dirigida por JoséRenato, de autoria do Miroel Silveira, chamavaseGaroto 53. Na primeira parte do espetáculo,funcionei como câmera, a partir das 11 horas danoite, fui para o camarim e à custa de maquiagem,transformei-me em ator.Estavam comigo Raquel Martins, John Herbert,Helio Souto e outros. No entanto, minha carreirade ator não durou muito, fiz Jane Eire, dirigidapelo Zequinha Martins da Costa, eu era o John,não me entusiasmava trabalhar na frente dascâmeras. O que eu queria mesmo era ficar pordetrás, dirigindo e foi o que fiz, na maioriadas vezes. Eu sempre soube que as pessoasque aparecem na frente das câmaras precisamde uma boa retaguarda e eu acho que soubeadministrar esse assunto. Entender o dramapessoal de cada ator, respeitar o momento decada um, além de seus próprios problemas. Umdiretor precisa ter sensibilidade, inclusive paraentender cada ator, as vaidades, os temores,enfim uma série de fatores, caso contrário, ascoisas não funcionam. Muitas vezes, o ego dos305


306atores fica muito alto e, quando a vaidade superaa inteligência o diretor tem que ter pulsofirme para não se perder. Tive muita sorte e,numa das vezes, quando já estava consolidadona profissão, acabei ganhando o prêmio RoquetePinto como Revelação do Ano, imagine, só!(Ele ganhou muitos outros prêmios, inclusive opróprio Roquete Pinto, como diretor).Mas os primeiros tempos na Record, acho foramos mais emblemáticos para minha carreira, poissignificaram minha afirmação como profissional.Por ser o início da televisão, fazíamos de tudo e,assim, abríamos a possibilidade do aprendizado.Além disso, a família Paulo Machado de Carvalho,era muito receptiva e tratava-nos com muitocarinho e tinha um interesse especial por todosos funcionários. Dona Maria Luisa, mulher doDr. Paulo, freqüentava os estúdios, assim comoRegina e Margot, mulheres de seus filhos, davammuita força para gente. Além disso, entre os artistastambém havia uma camaradagem muitosalutar. O Agnaldo fazia o programa da Hebe evice-versa. A gente conseguiu fazer uma grandeciranda, na qual todos davam as mãos. Essefoi o segredo da Record, que deu muito certoe refletia na audiência recebida pela emissora.As pessoas perceberam que aquele era um momentoespecial, no qual a gente estava fazendouma coisa importante para elas. Dr. Paulo ficavana administração geral, secundado pelos filhos


Alfredo e o Tuta, Antonio Augusto Machado deCarvalho, que hoje é o dono da Jovem Pan. Haviauma grande camaradagem entre nós e até hojecultivo as amizades feitas naquele tempo.Fiz de tudo, na Record, dramaturgia, musicais,programas infantis, dirigindo e produzindo ealém de participar das temporadas internacionais,até mesmo dos festivais de música popular,que foram um ponto alto na Record. Depois, apartir de 64, as coisas foram-se complicando paraa televisão, a censura começou a intervir, a gentenão tinha mais liberdade para criar, os censoresqueriam saber tudo com antecedência, cortavam,às vezes, pontos importantes do programa, sementender muito bem do que se tratava.Toda semana, eu ficava na Polícia Federal, àsquartas-feiras, explicando os programas na época– Mixturação –, que eu fazia com parceria doPica Pau e lançou entre outros a turma do Ceará –Simone, Ednardo, Belchior e também Secos &Molhados. E como havia realce na encenação doNey Matogrosso, os censores acusavam-nos deapologia ao homossexualismo, algo considerado,pelos militares, um pecado capital. Eu ficava láaté as 19h e o programa ia ao ar as 21h e as pessoasnão sabiam até então o que seria aprovado.E, além disso, freqüentavam o teatro para ver seos cortes eram respeitados, se as letras das músicaseram as mesmas, com medo que houvessealguma mensagem oculta para os contra-revo-307


308lucionários, o que de fato, às vezes, acontecia.E para nós, vigiados de perto, era muito difíciltrabalhar assim, uma loucura total!Sobre as temporadas internacionais, quem traziaos artistas, geralmente, era o Paulinho, filho doDr. Paulo; trouxe o Louis Armstrong, o Nat KingCole, a Marlene Dietrich, que eu dirigi e ela gostoutanto e pediu-me para fazer a direção dos outrosespetáculos que ela faria no Jardim de Inverno doFasano; por curiosidade, o pianista dela, na épocaera um jovem que se chama Burt Bacharat.Aqui em São Paulo, eu comecei a fazer a edição,em vídeotape, do Chico Anysio Show, quevinha do Rio e era dirigido pelo Manga. O Chicotinha dublês para a entrada e para a saída dospersonagens, a gente não entendia bem a coisa,mas depois de muitos erros, foi-se aprendendo eacabou dando certo. Foi, assim, que se deu o fimda TV ao vivo, encerrando também a época maisfantástica e emotiva da televisão, pois, ao vivo, serealçavam o talento, a garra e, principalmente,a emoção de cada um.Os incêndios na Record foram muito difíceispara todos, foram três no total. O primeiro foina sede principal, no aeroporto, na Av. Miruna,esquina com a Rubem Berta, onde ainda hojefunciona a Rede Mulher. O incêndio deu-se pelamanhã e, às duas horas da tarde, entramos noar, no Teatro Consolação, local onde eram realizadosos musicais e shows internacionais e daí


acabou nascendo a Equipe A, composta peloManoel Carlos, o Raul Duarte, o Tuta e eu. Nóshavíamos perdido quase todo o equipamento,muito pouca coisa restara e as três câmeras queficaram eram as dos primeiros tempos. Mas,mesmo assim, tivemos oportunidade de fazergrandes coisas, com muito pouco recurso técnico.Criamos três plataformas, nas quais as câmeraspraticamente não se mexiam. E aí fizemos EstaNoite Se Improvisa, com Blota Junior, Aliançaspara o Sucesso, com Paulo Planet Buarque, emque os casais eram postos à prova, o programada Hebe, com quatro horas, ao vivo, com platéiae atrações internacionais. Depois vieram osFestivais de Música Popular Brasileira; a FamíliaTrapo, cuja concepção cenográfica era minha,o cenário era de dois andares e só se iluminavao local onde os artistas estavam. Uma coisainteressante é que o programa era escrito peloJô Soares e pelo Carlos Alberto de Nóbrega. Agente fazia reunião de pauta para se resolvero assunto do próximo programa. O Jô escreviaaté a página 20, o Carlos Alberto da 21 até a 38,depois, juntavam-se as duas partes e se fazia ofinal e sempre deu certo. Essas coisas todas eramum exercício diário e foram abrindo-se as portaspara grandes criações e além disso você nãotrabalhava na frente de um monitor, medindoo índice de audiência. Era um trabalho no qual atônica principal era a sensibilidade e buscava-se,antes de tudo a qualidade. Aí o espaço come-309


310çou a ficar pequeno e fomos nós para o TeatroParamount (Hoje Teatro Abril, na Av. Brig. LuizAntonio). Posso dizer que no Teatro Consolaçãonasceu essa geração de artistas da MPB – Chico,Caetano, Elis, Jair Rodrigues, Simonal – entãocriamos O Fino da Bossa. A propósito do Caetano,ele mesmo escreveu num livro que eu fui opadrinho dele na televisão.Eu sabia do seu talento e via aquele rapaz nacoxia, muitas vezes, ao meu lado, fissurado assistindoao Roberto Carlos e incentivei-o a se apresentar.Começamos com o Esta Noite se Improvisae ele sabia todas as músicas, mas era praticamenteum desconhecido. Fazia-se votação parao público adivinhar qual o artista que acertariatudo e ganharia o carro, no final do programa.O Caetano, um desconhecido no meio de tantasestrelas, teve um voto só, mas acabou ganhandoo carro, pois conhecia todas as músicas e assimfez sua estréia ante câmeras. Fizemos a JovemGuarda, Roberto, Erasmo, e Wanderléa, dirigidoao público juvenil, e também o Bossaudade paraa velha Guarda, comandado pela Elizeth Cardosoe pelo Ciro Monteiro, Um programa nascia emdecorrência do outro e, às vezes, eu tinha doisprogramas por dia. Era uma loucura! Certa vez,eu fiz Esta Noite se Improvisa, no teatro Record, ea temporada das gêmeas Irmas Keller, no teatroParamount, ao mesmo tempo. Depois disso, nopróprio Teatro Paramount continuaram os Festivais,e teve aquele episódio do Sérgio Ricardo,


em que ele quebrou o violão e atirou na platéia,que não o deixava cantar sua música e foi tudoregistrado, e o público teve oportunidade dever isso outra vez.Tínhamos também o Côrte Rayol Show, comAgnaldo Rayol e o Renato Côrte-Real, que fezmuito sucesso.Tivemos um segundo incêndio no teatro da Ruada Consolação e finalmente no Paramount efomos para o Teatro Augusta, na rua de mesmonome. Mas aí, já era 1974 e juntando os prejuízosmateriais sofridos ao longo dos incêndios,altos salários dos artistas e a nova da realidadeeconômica do país, a situação da Record mudoumuito. Cada artista partiu para uma carreira soloe o corpo artístico e técnico foi-se desfazendo.Nos infantis, fiz a direção do programa PulmanJunior, com apresentação da Marília Moreira.Era uma espécie de continuação da escola, ascrianças levavam os trabalhos escolares e faziamali suas lições e as próprias correções, tinha leitura,teatro infantil, música, as crianças levavammuito a sério e era muito fácil trabalhar com elas.Foi quando apareceu a Cidinha Campos, quepassou a apresentar o programa depois. Dirigitambém a Grande Gincana Kibon, apresentadopelo Vicente Leporace e pela Clarice Amaral,em que as crianças se apresentavam, dançando,cantando, tocando instrumentos e, ao final domês e do ano também, havia premiação. Era311


312muito concorrido, as crianças inscreviam-se paraas apresentações, e a fila de espera era enorme,e entrava logo depois do Circo do Arrelia. Eracriança que não acabava mais nos domingos daRecord. Nunca tive problemas em trabalhar comcrianças, o mesmo não acontecia com as mães,que em geral, dão muito trabalho! E tambémfazíamos para o público infanto-juvenil Capitão7, com o Ayres Campos no papel-título, esua companheira, a Silvana, interpretada pelaIdalina de Oliveira. O Ayres incorporou o papelde tal forma que foi o Capitão 7 para sempre.A idéia inicial foi de um jornalista do Estadão,e escrito pelo Waldemar de Moraes. A Tupi játinha o seu herói, o Falcão Negro, interpretadopelo Parisi, depois veio o Vigilante Rodoviário,com o Carlos Miranda, que era feito em formade filme, fora dos estúdios, A Record resolveuque precisava de seu herói doméstico e assim foicriado o nosso. A cada semana criavam-se novasaventuras. Ele era um justiceiro e fazia viagensinterplanetárias, e os cenários e até mesmosfoguetes, muitos deles foram feitos pelo CyroDel Nero, espetaculares, e os efeitos especiais,a gente, completamente sem recursos técnicos,inventava como podia. Usávamos uma bomba dear, a mesma que se usava para se limpar a cabeçade VT, ela injetava ar, um verdadeiro aspiradorao contrário, e enquanto os foguetes subiam, agente fechava a câmera dos atores e colocavao injetor perto da pele e valia como efeito dedeslocamento de ar, ficava ótimo.


A gente ia fazendo e depois repetindo, aprendendoquando dava certo. Lembro-me que tocavaa campainha para o estúdio, avisando queíamos começar e eu via o Capitão 7 cansado, ofegante,perguntava ao Durval de Sousa, que faziaa direção do estúdio, o que estava acontecendoe ele me respondia que o Ayres tão imbuído dopersonagem fizera tanto alongamento, tantasflexões e abdominais, que estava completamentecombalido, na hora do programa. Isso aconteceumuitas vezes. As brigas também a gentepreparava. Dizíamos: Olhe Capitão 7, o pessoalque está por aí, os que faziam os inimigos, estãopreparados para bater pra valer, então não economizeenergia. Para os outros, a informação erade que o Capitão 7 fora avisado para bater dementirinha, mas às vezes, ele rebelde não obedeciaàs orientações, então vocês reajam. Saiucada pancadaria de dar gosto, porém ninguémnunca chegou a se machucar de verdade, coisasdo entusiasmo do programa ao vivo. No entanto,em verdade, esse e outros episódios da TV aovivo, foram momentos inesquecíveis, marcandoa vida da gente para sempre.Quanto à Globo, sou paulista demais e para mimera estranho morar no Rio de Janeiro, longe dafamília e da minha cidade. Foi então que conseguiconvencer o Boni a criar um núcleo em SãoPaulo, E, em 80, fomos para o Cine Arouche e fizemosa TV Mulher e, com a abertura do horáriomatutino aqui, surgiu a idéia do Balão Mágico,313


314aí convidamos a Simony, o Jairzinho, todos deSão Paulo, do Rio, convidamos também o MikeGibbs, (filho daquele inglês, do assalto ao trempagador) que era uma espoleta, dava muito trabalhopara manter-se quieto no estúdio. Eramtodos bem pequenos e foi feito um trabalhomuito sério de preparação dos atores, inclusivecom acompanhamento de uma psicóloga, paraque houvesse melhor entendimento das funçõesde cada um. Havia também a preocupação comportamentaldos pequenos, diante da grandeexposição no vídeo e da importância daqueletrabalho. Foi-lhes dito que iriam apresentarmatérias de interesse público, que não era umprograma só de desenhos animados. O enfoquee a aproximação das crianças eram fatores delicados,e o programa como um todo foi muitobem pensado. Nossa preocupação foi muitogrande em não perturbar o desenvolvimentoinfantil de cada um deles, para que a mensagemdo programa fosse sempre boa. As filmagens dobalão com as crianças foram feitas na cidade deAmericana e ficaram muito bonitas. Outros personagensvieram depois, entre eles o Fofão, feitopelo Pessini, que enriqueceu muito o elenco, oque levou a uma recriação do programa.O programa era aberto ao público interessadoem assisti-lo e a procura era grande. O espetáculoficou no ar até 1986, dando lugar parao programa da Xuxa. Foi um sucesso muitogrande, e os apresentadores viraram estrelas,


nem podiam sair às ruas, tamanho o assédio dopúblico. Deixei a direção porque fui mandadode volta para o Rio.Antes disso, tinha criado e deixei no ar, aqui emSão Paulo o Som Brasil, um programa feito como Rolando Boldrim, interessado por nossas raízes,com músicas e causos, que ele contava muitobem. O programa era gravado no Teatro CéliaHelena. O Boldrin criou um lindo tema musical,cantado por ele e sua mulher Lurdinha Pereira,em ritmo de cateretê.Nessa época, o Daniel Filho assumiu a CentralGlobo de Produções e dividiu a direção em trêsexecutivas de programas entre Paulo Ubiratan eRoberto Talma e eu. A mim coube o Vídeo Show,Chico Anysio, a novela das seis e outras coisasmais. Na novela das seis, levamos Sinhá Moça,com texto de Benedito Ruy Barbosa, com a LucéliaSantos e Glória Pires entre outros no elenco. Anovela não era propriamente programa infantil,mas pelo horário e tema era muito visto pelascrianças e jovens. Foi a primeira direção do JaymeMonjardin, a Globo temia colocá-lo na direção,por ser ainda muito jovem, mas acreditava demaisnele e foi um excelente trabalho. Depois disso, eumontei uma produtora, na qual fazíamos um programachamado Mulher 90 com Astrid Fontenellee com a mesma equipe que fazia a TV Mulher, emseguida veio o Plano Collor e acabou com nossosonho e eu perdi todo o investimento.315


316A TV Manchete, sabendo disso, convidou-mepara assumir a direção geral, eu já fizera Kanangado Japão, com a Tizuca Yamazaki, e assim,levei o Jayme Monjardim como diretor artístico.Ele estava em dúvida, porque na ocasião a Globoo havia convidado para fazer comerciais naGlobotec, mas felizmente, consegui convencê-loda importância do projeto para sua carreira eele veio comigo e lá fizemos algumas novelas desucesso, como Pantanal e Ana Raio e Zé Trovão.Infelizmente, o projeto não teve continuidade,por causa de problemas da emissora. A novelaPantanal deu um susto na Rede Globo, porque otransmissor era no Sumaré, e a gente conseguiupegar uma freqüência da programação da Globoe assim ouvir a intercomunicação feita entreeles e sabia quando ia terminar o programadeles. Eles não entendiam como é que a genteconseguia entrar no ar, imediatamente no fimda novela deles. A gente interrompia o Jornalda Manchete e entrávamos com a nossa novela.A cronometragem era precisa.Só depois da alguns meses, eles descobriramnosso artifício e mudaram a freqüência e acabounossa festa. Isso dava uma vida, um sabor incrívelàs coisas. Trabalhávamos a emoção e a qualidadedos programas.Hoje em dia, vive-se o martírio dos apresentadores.Um olho nas câmeras e outro no monitor,que acusa o índice de audiência. É uma verda-


deira guerra. E acaba dando nas bobagens quese tem visto. Às vezes, você está entrevistandouma pessoa de grande importância, mas nãotem repercussão, o apresentador é obrigadoa interromper e a passar para outra atração,mais banal, dando a resposta desejada. Trabalharsomente em função da audiência, além deser muito cruel, tira a qualidade do programa.Também havia um pouco disso, no meu tempode Globo, sobretudo na avaliação do Fantástico,por exemplo. O Boni cobrava muito o bomdesempenho de audiência, mas como pessoaexcepcional que é, sabia avaliar a qualidadetambém. Foi propriamente que deu à Globo essepadrão de qualidade que tem até hoje.Depois dessa fase da Manchete, o Luciano Gallegarime chamou para montar o núcleo dedramaturgia no SBT, em 1994/95 e lá eu fiz oÉramos Seis, foi uma dificuldade para montar oelenco. O pessoal estava com medo do Silvio. Osatores me diziam, sabe, ele põe e tira as pessoascom facilidade, a gente não tem segurança. Masacabei convencendo a Irene Ravache a fazer aLola, foi só depois de 15 dias de trabalho deconvencimento no teatro no qual ela trabalhava,que finalmente aquiesceu. O resultado foi bom,porque ela ganhou o prêmio de melhor atrizdaquele ano e com ela vieram outros atores e foium momento em que as pessoas estavam precisandodaquele tema suave, simples e comovente.O livro era lido no colégio, e isso acabou chaman-317


318do atenção de jovens e crianças, pois tambémelas participavam do elenco, principalmente,na primeira parte da trama. Encontravam-se láo Othon Bastos, Tarcisinho, Ana Paula Arósio,Caio Blat, que estavam começando, praticamentenasceram no programa. Fizemos umacidade cenográfica muito bonita, que acaboucomo ponto de visitação das pessoas e até deestudantes de arquitetura. Fui buscar o HenriqueMartins, o David Grinberg, que estão lá até hoje.Fiz também As Pupilas do Senhor Reitor, Ossosdo Barão e depois o esquema foi mudado e eusaí. Voltei um ano para Globo, fazendo a AnaMaria Braga, por uns tempos.Eu me casei há 42 anos com Marilu Torres, em62, conheci-a menina estudando com MadameOlenewa, e dançando no Teatro Santana e TeatroMunicipal. Depois, eu descobri que, porcoincidência, ela era parente do Bauru, CasemiroPinto Neto, o inventor do famoso sanduÍche,que era na época superintendente da RádioPan-Americana, depois da Record. Fiz um programapara ela, chamado Première, no qual eladançava e acabamos nos casando. Ela estudouHistória da Arte, Jornalismo e, no TV Mulherfazia um quadro sobre turismo. Hoje, ela fazdocumentários, roteiriza, faz a narração e dirige.Acabou de fazer um na Itália, que passam nosaviões da TAM. Tivemos dois filhos, a Camila,que é formada em Propaganda e Marketing e oMarcelo Travesso, na Globo há 13 anos, fazendo


uma bela carreira, sendo muito querido de todos.Isso deixa-nos muito felizes, tanto Maríliaquanto a mim, ao ver o sucesso profissional dosnossos filhos. Tenho dois netos, o filho do Marcelotem 5 anos e mora no Rio e o da Camila umano e meio. O meu neto menor tem um outrotipo de educação. Ele só assiste, por volta das 7horas da noite, a uns vídeos, que eu trouxe deNova York, com duração de 24 minutos cada esão formas que se transformam em brinquedos,com fundo musical de música clássica, uma coisabem suave, que ajuda a criança a se desenvolvercom suavidade. Depois ele vai dormir tranqüilo.Por determinação de minha filha não assistea programas convencionais, pois meu neto éainda muito pequeno e a mãe dele não achaconveniente passar muito tempo em frente deum aparelho de TV, além do que, os desenhosanimados de hoje contêm muita violência.O meu outro neto, maiorzinho, assiste a tudo.Eu assistia ao Sítio, na época da Tupi e vejo o dehoje. Comparando os dois, percebe-se que mudoutodo o conceito, ficaram só a idéia e o nome. Issose deu porque as crianças também mudaram.Oprimeiro Sítio foi muito marcante na vida da gentee os personagens inesquecíveis. Outro programainteressante também foi o Vila Sésamo, apesar deser estrangeiro tinha uma linguagem acessível àscrianças da época. A primeira série do Sítio, que aGlobo fez também tinha um encantamento muito319


320grande, atualmente está um pouco diferente, éoutra dinâmica, é preciso acompanhar a realidadedas crianças no presente.Hoje, eu abri uma escola, Oficina de Atores NiltonTravesso, porque quero passar aos jovense às pessoas interessadas, um pouco do meuaprendizado e também porque, enquanto diretor,sentia grande dificuldade de encontrarbons atores para pequenos papéis. Apesar dospapéis serem pequenos, se fossem malfeitos,poderiam estragar todo o desempenho do elenco.O despreparo era imenso, até para entregaruma simples carta, a gente tinha dificuldade deencontrar atores e você não pode pedir essascoisas a um artista famoso. Recorrer aos desconhecidosera temerário e assim surgiu a idéiada escola de preparação de atores, um sonhoantigo, mas somente agora pude realizar. Apesarde todas as dificuldades vamos em frente. Nossoobjetivo aqui não é treinar atores somente paraa televisão. Nosso interesse é preparar pessoaspara a carreira de ator como um todo, dandoconhecimento de teatro, de literatura, filosofia,história da arte, do teatro brasileiro, de artescênicas, do cinema e até mesmo da televisão.Buscamos sensibilizar as pessoas para as artesem geral, para as cênicas em especial, e sobretudopara a disciplina que a profissão de atorrequer. Estou conseguindo projetar essa idéiapara os alunos, e essa realização é fruto de doisanos de meditação, mais seis meses de busca do


local, pois eu queria um espaço condizente, quetivesse salas de aula e também espaço para umteatro para as apresentações, como exercício. Onosso teatro tem lugar para 100 pessoas e levao nome de Irene Ravache, homenageando àgrande amiga e excelente profissional que elaé. Trabalhei muito para conseguir tudo isso eprocuro mostrar essa realidade às pessoas quenos procuram. O trabalho é sério, não é umaaventura, oferecemos qualidade aos alunos.Nós temos uma orientadora pedagógica, vinte eseis professores, o reconhecimento da Secretariada Educação, supervisora dos cursos e tambémdo credenciamento junto à Delegacia Regionaldo Trabalho. Os cursos são profissionalizantese têm a duração de dois anos, os semestressão divididos em termos, com opção para umquinto, que oferece um estudo específico paratelevisão e cinema, outro universo, diferenciadodo teatro. Nós temos, atualmente 170 alunos eé uma convivência maravilhosa perceber o progressoe crescimento de cada um. Faço com quecada um busque sua própria emoção e isso é ofator mágico da carreira de ator. Sinto que coma escola eu dei um novo e importante passo naminha carreira.No momento, estou me dedicando exclusivamenteà escola. Quando aparece alguma coisaespecial, um projeto diferente, como esse convitedo SBT para preparar as pessoas para o programaCasa dos Artistas, eu faço. Mas compromissodireto com emissoras agora não me interessa.321


322A televisão foi muito mágica na minha vida. Veiona hora certa e mais importante com as pessoascertas, foi realmente coisa de Deus, que me deumuito trabalho e imenso prazer e mais, essaestrutura para que eu possa passar para outrostodo esse meu aprendizado ao longo dessesanos. E não foi só a oportunidade de trabalharcom grandes atores e atrizes do teatro, do cinema,cantores e cantoras, mas sobretudo porquefoi dentro da televisão que eu construí minhafamília e ainda estamos todos juntos e acho issomuito bonito, construir e manter dentro desseuniverso tão diverso uma família, amigos pelavida afora, enfim a história da minha vida.Não dou cursos para crianças, porque é muitodifícil tratar com as mães. Elas são muito ansiosase acabam atrapalhando o bom desenvolvimentodo trabalho. Não dá para administrar ascrianças e as mães ao mesmo tempo. Vivi issoem outros tempos e não quero repetir a experiência.Trabalhamos com jovens a partir dos 16anos e tem sido muito bom, São disciplinados,com vontade muito grande de acertar. Estoucurtindo demais esse momento, está sendo umaprendizado recíproco.IX. Ricardo Côrte-RealEnviei algumas perguntas por e-mail para RicardoCôrte-Real e ele respondeu. Veja como ficou.Comecei na televisão em 1962, ano em quecompletaria 10 anos. Meu pai, Renato, fazia um


programa com minha mãe, Bisú, na Record e comum jovem ator que fazia o papel de Confúcio,filho do casal. O ator foi contratado por outraemissora e comecei a pedir a meu pai colocar-meno lugar dele. Ele reescreveu o programa, incluiutambém meu irmão Jú e assim nasceu o PapaiSabe Nada, que ficou no ar de 1962 a 66.Meu pai, Renato Gomide Côrte-Real, começoua carreira de humorista em 1954; nessa época,seu irmão Roberto havia passado pelo rádioe fazia carreira em TV, como apresentador deprogramas de variedades (Night Club CintaAzul) e depois telejornais. Foi também diretorda Columbia na qual lançou, entre outros, Maysae Roberto Carlos.Renato fazia um humor inteligente e sem apelações.E mesmo assim muito popular, inclusiveentre as crianças. Começou em um programa decalouros na Tupi, da qual saiu contratado paratrabalhar com Augusto Machado de Campos, oMachadinho, e Maria Vidal. Seu primeiro personagemde sucesso foi no Grande Show União naRecord: Epitáfio, marido da explosiva Santinha.Contracenamos, várias vezes, começando no PapaiSabe Nada, depois no Côrte Rayol Show e noFaça Humor, Não Faça Guerra. E toda a famíliacontracenou junta no Papai Sabe Nada.Acredito que meu trabalho no Papai Sabe Nadachamou a atenção dos criadores e diretores doprograma Família Trapo e eles foram lá em casa323


324me convidar. O programa era gravado ao vivo,com público, no Teatro Record, e estreou em1967 na TV Record. Eu era o Sócrates, filho docasal Pepino e Helena (Othelo Zeloni e RenataFronzi), irmão da Verinha (Cidinha Campos) esobrinho do tio Bronco (Ronald Golias ). Comeceio programa com 14 anos e saí com 18. Decoravacom relativa facilidade os textos, pois já tinha atarimba dos tempos de Papai Sabe Nada. O programadurou 4 anos e acabou porque a Recordestava se acabando, com dificuldades financeirase de administração. Para não dizer da concorrênciadas outras emissoras, principalmente daGlobo que começou a crescer cada vez mais. Nocomeço, intimidava-me um pouco em contracenarcom aquelas feras, mas depois era comose fosse minha família de novo. O humor, assimcomo a televisão, era mais inocente na época,estávamos todos crescendo juntos, a televisão,seus profissionais e seu público.Para o público infanto-juvenil trabalhei no primeiroRá-Tim-Bum e depois no SuperMarket. NaTV Bandeirantes (Real Country Club), TV Globo(Faça Humor, Não Faça Guerra), TV Gazeta (TVMix), TV Cultura (Rá-Tim-Bum), TV Bandeirantes(Super Market), Rede Mulher (Via Satélite) e TVRecord (SuperMarket e Top TV). A TV aprimoroumuito sua técnica, mas acredito que o conteúdonão evoluiu na mesma medida.Tenho dois filhos que não dá mais para controlar(Ricardo, 31 e Fernanda, 30), mas quando eram


crianças eu controlava bem pouco sua exposiçãoà televisão. E tem a Anna Luiza, de 11, essa nãomora comigo, a mãe controla.Na primeira vez que me afastei da televisão, fuieu que me cansei; tinha 19 anos e queria tirara cara do ar e fazer outras coisas. A segundafoi a TV que deve ter se cansado de mim e metirou do ar. Hoje trabalho na área comercial deuma produtora de filmes comerciais, produzo eapresento um programa de blues na Kiss FM etenho uma banda, na qual toco guitarra e canto,a Blues 4 Fun e, finalmente, adoro jogar tênis(três vezes por semana, no mínimo).X. Beatriz RosenbergConversei com a Bia, como é chamada por todos,porque ela, durante os últimos dez anos esteve àfrente da Coordenação da Programação Infantilda TV Cultura. Ela me disse o seguinte:Sou formada pela ECA - Escola de Comunicaçãoe Artes, da USP – Universidade de São Paulo,com pós-graduação em telecomunicações pelaUniversidade de San Diego, Califórnia, nos EstadosUnidos.Em minha infância, no Rio de Janeiro, assistiaa alguns programas, não muitos, via algumacoisa na televisão, lembro-me do programa infantilchamado Teatrol, da Gincana Kibon, bemno início da televisão, em meados dos anos 50.Mas naquela época minha paixão eram os contosde fadas. Devorava-os. E talvez por causa325


326dessa minha paixão infantil, tenha sido levadaa seguir esta profissão. Tenho boas referênciasda programação infantil que era feita em SãoPaulo, na época, como o Teatro da Juventude,mas não cheguei a assistir a nenhum programainfantil paulista. Tinha também um programaamericano, a teatralização de contos de fadas,apresentado por uma atriz americana, se nãome engano, a Shirley Temple adulta, ou seria aMerle Oberon? Apresentava o programa vestidade fada, eu adorava, era muito bem-feito, masnão era produção brasileira. Escolhi essa carreiraprofissional, pois na verdade, queria fazer cinema,esse era meu objetivo quando fui estudar naECA e mais tarde nos Estados Unidos. Mas fazercinema no Brasil, naquela época, era utopia, nãodava para sobreviver. Então, o mais próximo doque eu queria era a televisão. Fui por aí e conseguialiar minha sobrevivência a um trabalhoque me dá imenso prazer. Quando comecei atrabalhar na TV Cultura fui assistir televisão; hojeeu vejo tudo, ou quase tudo.Na verdade, eu só trabalhei na TV Cultura; comeceiaqui como estagiária, e estou há 27 anos.Para mim, na época, para o desenvolvimento dosmeus ideais só me interessava trabalhar numatelevisão nos moldes da Cultura, pois além da televisão,havia, da minha parte, um forte interesseem fazer algo em prol da educação. A conjunçãodesses objetivos não poderia ser realizada numatelevisão meramente comercial.


Quanto ao trabalho com crianças em televisão,minha experiência se restringe àquelas que nosprocuram e que trabalham conosco aqui na Cultura,não tenho referência como seria em outroslugares. Aqui, conosco, a experiência é fascinante.Percebo em todas elas uma grande vontadede ser artista, de verdade, profissionais, porqueé muita dedicação, trabalho sério, com muitashoras de exclusividade. Então, o que observo éque toda essa entrega ao trabalho advém dealgo anterior, que se configura numa verdadeiravocação para esse tipo de desempenho.Nosso trabalho é dirigido para diversas faixasetárias, mas a gente não sabe se estamos atingindosomente nossa clientela desejada. Nóspretendemos oferecer uma programação cuidadae diferenciada, recomendada a determinadasfaixas de idade, com seleção de temas, de matérias,visando não exatamente à educação, massobretudo à informação e ao entretenimento.Hoje, a gente tem muita coisa comprada fora doBrasil, sobretudo em relação ao desenho animado.Temos muita coisa sendo reprisada, porqueisso também faz parte da proposta inicial, poiscrianças menores gostam de rever programas natelevisão, além disso há uma nova turma chegandoávida para assistir a essa programação.Temos o Rá-Tim-Bum, que praticamente virouuma marca da TV Cultura, O Castelo Rá-Tim-Bum,a Ilha Rá-Tim-Bum, o Mundo da Lua, o Cocoricó,com uma programação nova.327


328O Rá-Tim-Bum é um programa dedicado àscrianças na fase pré-escolar, feito todo de quadros,no qual se conta uma história no meio detudo isso.O Castelo procura atingir desde a fase pré-escolar,bem como parte do primeiro grau e é praticamenteo oposto do primeiro, é uma históriacom começo meio e fim e quadros no meio, compersonagens fixos e com continuidade no desenrolar,tem também alguma coisa de dança e dápara inserir algo novo, nos quadros, noções degeografia, de geometria e assim por diante.O Ilha é para o primeiro grau, definitivamente,é também uma história com alguns quadros.Cada programa tem um conteúdo conceitualprincipal e alguns secundários, que atravessama série, com personagens específicos.O Cocoricó é feito para crianças pequenas etem ótima aceitação, por causa dos bonecos,das cores.Na criação do programa, não houve uma só idéiainicial. O programa foi surgindo de uma série deidéias e muitas conversas sobre o universo infantile qual a mensagem que se queria passar. Emgeral, é uma equipe, que vai pensando, eleva ascoisas até as nuvens e depois a gente vai colocandodentro da nossa realidade. O Castelo Rá-Tim-Bum, quando idealizado, inicialmente eramuito maior, aí foi reduzido para se chegar aoformato que tem hoje. Os personagens existem


para cumprir os objetivos do programa, do enredoe da mensagem. Assim, temos o Bongô, queé um negro com vistas à inserção da diversidadede raças, temos a Caipora, para se mostrar umpersonagem do folclore, porque fazia parte doconteúdo a abordagem do folclore brasileiro, oTio Vitor e a Morgana são os adultos, que fazemum pouco os papéis de pai e mãe, sem ser umafamília constituída nos moldes tradicionais, épela aproximação de tudo isso que se impõemvalores e conceitos. Cada personagem tem a suafunção, não foram criados aleatoriamente.A própria TV Cultura tem regularmente em seuquadro de funcionário um grupo de pedagogose psicólogos, da área de educação, que dão suportena hora da criação e desenvolvimento dosprogramas infantis. Na elaboração do Castelo,que está no ar desde 1994, a gente teve apoio econsultoria de fora, mas o Rá-Tim-Bum está noar desde 1990 e ganhando prêmios.Ele foi elaborado numa série de 90 programas,que são reprisados. A mesma coisa deu-se coma Ilha, só o enfoque é diferente, na Ilha, ascrianças são um pouco maiores, e têm que sedefender de inimigos, preservar a natureza,outros tipos de aventuras e de desafios. Essesdois programas resultaram em filmes com boacarreira nos cinemas.A tônica principal dos pogramas é o divertimento.São todos programas feitos para o en-329


330tretenimento das crianças. São atraentes, têmemoção, uma dose de suspense, humor, enfimelementos que prendem a atenção da criança.Para cada programa a gente traça algumas metas,que não sei se devo chamá-las de educativasou de formativas, pois mais do que interessede informação, nossas metas visam à formaçãodas crianças, isso inclui conceitos matemáticos,geométricos, passando por solidariedade, trabalhoem comunidade, preservação ambiental,cuidando também do contingente emocional.E são concebidos para durarem por volta demeia hora cada.Nós aqui, na Cultura, damos relevância muitoespecial à programação infantil. Temos interesseem continuar cuidando desse espetáculo já existentee estamos pensando em muitas novidadesno setor para muito breve. Estamos com umaplataforma interessante, agora, pegando umpouco de ciências também, que tem agradadoaos telespectadores. E nossa preocupação ésempre com a realização de produtos nacionais,ligados à realidade das nossas crianças, quefalem uma linguagem muito próxima delas.Temos, diariamente, dez horas de espetáculosinfanto-juvenis, não é brincadeira.A abordagem de uma TV pública com relação àrecreação é diferente da emissora comercial. Oponto de partida da emissora comercial é vendera idéia do programa para o patrocinador e


aí decorre todo o apelo comercial que deve terpara agradar-lhe. Nosso caminho dentro de umaemissora estatal é diverso, nossa meta é atenderàs necessidades do público. Ela tem que se colocarsempre como uma emissora alternativa, cuja programaçãonão é aquela convencional, mas diferenciadae também com qualidade, especialmentenas exibições para crianças, em que elas vão encontraralgo mais além da distração e divertimento,que as faça crescer, acrescentar alguma coisa emsuas vidas. Na atração infantil, o ponto básico éque seja um programa divertido, com qualidadee, sobretudo, proporcionando a abertura de umleque para inúmeras possibilidades.Esses espetáculos entram na rede de TVs Educativase são transmitidos para escolas, e assimpode-se ter essa programação no Brasil inteiro,pois a audiência cobre todo o território nacional.Para se ter uma idéia, uma vez fui para o interiordo Amazonas e dentro do barco, o filho docondutor, do barqueiro, conhecia o Cocoricó eficou com lágrimas nos olhos quando disse queconhecia o Júlio, o boneco do programa, queera o ídolo dele. Esse momento para mim foide grande emoção e pude constatar a força depenetração da televisão nos mais longínquoslugares do Brasil.Ver televisão indiscriminadamente é ruim, umacriança não deve ficar muito tempo presenciandotudo que a televisão tem. É preciso uma331


332atenção especial dos pais, dos educadores comaquilo que a criança está vendo. É preciso quesejam oferecidas à criança alternativas à televisão,enfim outras atividades. Seria ideal que se conceituassea televisão como uma pessoa que nosvisita, que poderá trazer coisas boas e ruins. Achoque a televisão deve dedicar algumas horas de suaprogramação para crianças e também acho queos programas devem conter aviso sobre as faixasetárias adequadas, e isso seria um aviso para ospais e responsáveis que saberiam antecipadamentese as crianças devem ou não assistir e tomaras providências necessárias. Nota-se que criançaspequenas, menores de nove anos, têm dificuldadeem assimilar o telejornal. Por exemplo, a notíciade que caiu um avião, mesmo que seja do outrolado do mundo, pode abalar, o mesmo com terremoto,inundações, catástrofes que elas não têmcondições de processar e assimilar. Essa informaçãopode ser nociva, é preciso cuidar desta questão.Hoje em dia, vê-se que as crianças pequenastêm medo de monstros, fantasmas, personagensfantásticos, e já as maiores têm medo de ladrões,seqüestros, balas perdidas e outros problemas docotidiano perverso, que já passam a fazer parte douniverso de cada uma delas, informações muitasvezes trazidas pela televisão.Não se pode negar que a televisão seja uma fontemuito rica de informações, nem todas desejáveis,é verdade. A televisão é um imenso supermercado,que oferece os mais diversos produtos.


É preciso que se vigie bem de perto aquilo a queas crianças estão assistindo e, sobretudo, o tempoque elas passam em frente do aparelho.É possível que uma criança que fica vendo muitanovela da Globo, na qual são inseridas muitascenas de sexo, fazer alguma pergunta sobreo assunto para os pais, ou parentes. Isso podeser embaraçoso, mas também, por outro lado,pode ser um ótimo momento para se abordaro assunto e se explicar algo sobre o sexo, o usode camisinha, a banalização do ato sexual, a importânciadele, enfim o contexto é grande, nemsempre a oportunidade é perdida. É preciso tercoragem para enfrentar uma situação desse tipoe sair-se dela a contento. Mas os pais ou responsáveisque se propõem a permitir que criançasassistam a esses tipos de programas, devem saberque estão sujeitos a tais situações.Inserir dramaturgia na programação infantil, sim,está nos planos da TV Cultura. Mas como séries,não teatrinhos propriamente, pois ficaria muitocaro, com cenários especiais, roupas e tudo mais.Mas uma série, como o Mundo da Lua, o próprioCocoricó, vai voltar a ser produzido. A dramaturgiaé um mundo fantástico, que se insere perfeitamentena apresentação infantil. A gente tem recebidoinúmeros prêmios e isso é muito gratificante, poisdignifica nosso trabalho. Mas o que são realmenteengrandecedores são a aceitação do público infantile a boa resposta que a gente tem de nossaspropostas. É para isso que a gente trabalha.333


Programas Infantis do Começo da TVGrande Gincana KibonPrograma no qual as crianças se apresentavamcantando, tocando instrumentos ou dançando,enfim exercitando seus talentos e no final decada mês eram premiados os melhores com umdisputado troféu. Os apresentadores eram VicenteLeporace e Clarice Amaral pela TV Recorda partir de 1956. Concedia prêmios anuais aosmelhores artistas mirins e a seus professores.Os TrapalhõesDentre os programas feitos para o públicoinfantil, que agradavam e muito aos adultos,destaca-se Os Trapalhões. Esse programa quetanto se popularizou na televisão teve início noano de 1966, quando o diretor da TV Excelsiorencomendou a Wilton Franco um programapara aproveitar a popularidade do cantor WanderleyCardoso.A fórmula era já antiga e muito usada no cinemaamericano, mas funcionou na telinha. O galã, nocaso Wanderley, metia-se em aventuras amorosase complicadas com as fãs e três coadjuvantes completavamo time: o cantor Ivon Curi; Ted Boy Marino,na época astro das lutas de vale-tudo; e, paracompletar o quarteto, a emissora queria um tipomatreiro, meio engraçado, meio desengonçado –foi sugerido o nome do humorista Costinha, masa escolha recaiu finalmente em um nome poucoconhecido, Renato Aragão, e o programa foi aoar com o nome de Adoráveis Trapalhões.335


336O programa acabou, mas Renato Aragão continuouse apresentando em outras emissoras, eoutros atores foram entrando para o grupo. Atéque se chegou à fórmula Didi, Dedé e Mussum,que estrelaram na TV Record Os Insociáveis, em1971. Foi só, em 1974, que o quarteto se completoucom a chegada de Zacarias.Boni, em 1977, levou o grupo para a Rede Globo,e a marca do grupo começou a ser negociadapara dar nome a diversos produtos, vieram osfilmes, os recordes de bilheteria, até tema deEscola de Samba em 1988, na Escola de SambaUnidos do Cabuçu.A morte de dois dos integrantes, Zacarias e Mussum,interrompeu a carreira do quarteto, mas osprogramas continuaram por longo tempo sendoreprisados com sucesso. O maior valor desse grupode artistas foi o humor ingênuo e sadio quedominava seus programas, conseguindo agradaràs crianças e aos adultos.Vila SésamoFoi um programa infantil de muito sucesso, comestórias do cotidiano, no qual eram inseridosprincípios de ensinamentos para crianças pequenas,baseados na produção americana chamadaSesame Street. Produção bem-cuidada e comgrande aceitação do público mirim, de pais eeducadores. A primeira versão foi realizada naTV Cultura de São Paulo e pela Rede Globo de1972 a 1974.


Sítio do Pica-pau Amarelo – 2ª EdiçãoFoi ao ar entre março de 1977 e janeiro de 1986,às 17h25, pela Rede GloboAutor: Monteiro LobatoAdaptação: Paulo Afonso Grisoli e Wilson RochaDireção: Geraldo Case, supervisão Evaldo PacoteO programa estreou como resultado de umconvênio entre a Rede Globo, a TV Educativa eo Ministério da Educação. Dirigido à criança, oprograma unia entretenimento a um conteúdode informação e educação.Os autores e diretores tiveram a preocupaçãode respeitar a obra de Monteiro Lobato. Por issoprocuravam preservar os fundamentos do universodo autor, conservando o conteúdo rural,sem esquecer a parcela da população infantildas grandes cidades.Cerca de 10 anos depois do início dessa fase doprograma, a TV Colosso, outro programa infantilpassou a reprisar diariamente alguns dos melhoresepisódios do Sítio do Pica-pau Amarelo.Em 2001, começou a ser exibida pela mesmaemissora a nova versão do programa.O Balão MágicoDe 7 de março de 1983 a 28 de junho de 1986,segunda a sexta às 11h00Texto e Direção: Rose NogueiraSupervisão: Nilton TravessoProdução: Rede Globo de São Paulo337


338Este programa tinha praticamente uma hora deduração e misturava números musicais, sorteios edesenhos animados. Algumas pequenas históriaseram usadas como gancho para as apresentaçõesdos desenhos e dramatizações. Era comandadopela dupla de apresentadores Simony, com seisanos, e o Fofão, fusão de homem e cachorro,interpretado pelo artista plástico Orival Pessini,que usava uma máscara criada por ele mesmo econfeccionada por Ney Galvão.Com o tempo, foram chegando outros personagens,a pequena Luciana, o Fofinho, depoisCastrinho, em 1985 o ator Ferrugem voltou paraTV interpretando o boneco Halleyfante. Nessemesmo ano, Jairzinho passou a fazer parte doprograma. Balão Mágico saiu do ar em 1986 paradar lugar ao Xou da Xuxa.Ilha Rá-Tim-BumVai ao ar de 2ª a 6ª às 15h30, e sábados às 11h30e 16h00, pela TV CulturaCriação: Flávio de SouzaDireção musical: Mário MangaDireção de fotografia: Eduardo PoianoDireção de arte: Kiko Mistrorigo e Célia CatundaPúblico alvo: crianças de 7 a 11 anosObjetivo: possibilitar a reflexão e a construçãodo conhecimento e formação de valores e comportamentoscom ênfase nas relações entre aspessoas. História de 5 jovens perdidos no mar.Solidariedade é o tema geral da série para vencer


o vilão. Cada episódio tem um tema e enredopróprio. A comédia é a tônica para distrair opúblico, enquanto ensina. Os personagens errampara depois seguir o caminho certo.Alguns programas infanto-juvenis da televisãoAmigos do PeitoAngel MixAngelikaOs Anjos Não Têm CorArca de Noé IArca de Noé IIAventuras de Fuzarca e TorresmoAs Aventuras de Oliver TwistAs Aventuras de Robin HoodAs Aventuras de Tom SawyerBambaluáBand KidsBlitz TR - O Gênio do MalBobeou DançouBom-Dia e Cia.BozoCanta ContoCapitão FuracãoCapitão 7Casa da AngélicaCastelo Rá-Tim-BumCataventoChá das BonecasChiquetitasCine Trol339


340Ciranda CirandinhaCirco do ArreliaCirco do Fuzarca e do TorresmoClube da CriançaClube do Capitão AzaClube do MickeyClube do Papai NoelCocoricóCometa AlegriaContos MágicosDisney ClubDo Ré Mi Fa Sol com MarianeDo Ré Mi Fa Sol com SimonyDomingo no ParqueDr. CacarecoEliana e Cia.Fábulas AnimadasFaçamos Hoje os Homens de AmanhãFalcão NegroFestolândiaGalera na TVGente InocenteGladys e seus BichinhosGlobinhoGlobo Cor EspecialGlub GlubGrande Gincana KibonGrêmio Juvenil TupiGurilândiaHeideHugo Game


Ilha Rá-Tim-BumJardim Juba & LulaJardim ZoológicoKika e XuxuLever no EspaçoLingüinhaLupe Limpi Clapt TopoMalhaçãoMara MaravilhaOs Menores da SemanaMuleke MalandroO Mundo da CriançaMundo da LuaMundo MaravilhaNave da FantasiaNos Tempos da VovóOradukapetaParadão da XuxaPasseando pela HistóriaPatati PatatáPátio do ColégioPatrulheiros ToddyA Pequena ÓrfãO Pequeno NicholasPim Pam PumPintando o SetePirlimpimpimPlaneta XuxaPluft o FantasminhaPlunct Plact ZuumPollyana341


342Pulmann Jr.Repórter CaçulaRevistinhaSabatinas MaizenaSandy e JúniorSessão DesenhoSessão Tic TacSessão Záz TrazSessão Zig ZagShow do MalandroShow MaravilhaSítio do Pica-pau AmareloTeatrinho TrolTeatrinho TupiTeatro da JuventudeTeatrolTele JogoTopo GigioOs TrapalhõesA Turma do ArrepioTurma do DidiA Turma do Lambe LambeA Truma do PererêA Turma do SeteTV ColossoTV CriançaTV FofãoTV GlobinhoTV PirataTV Pow PowTV Tutti Frúti


Uni Dune TeVamos Brincar de EscolaVesperal AntárticaVesperal Sésamo TudoVila SésamoX TudoXou da XuxaXuxa HitsXuxa no Mundo da ImaginaçãoXuxa ParkZuzu BalândiaZy Bem Bom343


EpílogoA Criança na TV(do lado de dentro e do lado de fora da telinha)A TV Para CriançaHá, dentro de mim, uma criança que se recusaa morrer.Liv UllmannPelo fato de ter descido do Monte Olimpo, agoracomo simples mortal, não fazendo mais parte dasdivindades televisivas e na qualidade de mera telespectadora,da mesma forma que teço elogiosàquilo que me agrada, concedo-me autoridadepara criticar o que considero de baixa qualidadee deletério na televisão brasileira.Devo admitir que nem tudo é desprezível, sobretudono aspecto da programação infantil. Háaté programas que demonstram a inteligênciade seus autores e isso tem sido alvo de merecidoselogios. Outros, infelizmente, expõem comclareza a absoluta falta dela.Mas questiono sempre porque os programadoresinsistem em colocar programas tão distantes danossa realidade, sobretudo a das nossas crianças.Faço ressalva, não são todos os programas há aslouváveis exceções.Mas, na maioria das vezes, trata-se de clichêsamericanos. Desenhos animados, para o público345Banner da exposição Televisão 50 Anos, setembro de 2000


346infantil, eivados de violência gratuita, esquecendoque quase sempre, esse é o primeiroaprendizado das crianças telespectadoras, oupelo menos o contato inicial com um mundodiferente da sua realidade doméstica, o lado defora da vida.Essa guerra mercadológica, o desespero frenéticopela audiência, deterioram a qualidade daprogramação, isso sem se falar do aspecto artístico,deturpando o gosto das pessoas, salientandoo que há de pior na sociedade.Reconheço que não é obrigação da televisãocomercial educar as pessoas, mas deve-se ter emvista que em alguns segmentos da sociedade elaé o único padrão de comportamento. Decorredaí a responsabilidade da mensagem emitida,não há como se eximir dessa realidade.Grassam pelas redes de TV excesso de cenas desexo grosseiramente expostas, constrangendotelespectadores, principalmente na presençade crianças ou de pessoas idosas. Seria isso umsinal dos tempos? Então, maus tempos, vamosreclamar! Vamos melhorar!Mas, reconhecemos alguns indícios de melhora,o interesse de outras redes, além da Globo, emvoltar-se para a dramaturgia, proporcionandonovos empregos e abrindo outros horizontespara telespectadores e anunciantes.Também encontramos boas notícias, no segmentoda programação infantil. A TV Educativa do


Rio terá uma série baseada nas histórias do livroO Menino Maluquinho, de autoria de Ziraldo. Olivro recordista de vendas, foi também tema dedois filmes e agora, para satisfação e ganho dascrianças, aporta na televisão.Segundo os planos do diretor Cao Hamburger, asérie terá 22 capítulos, com 26 minutos de duraçãoe será bem brasileira, no estilo da Turma doPererê, outro programa de Ziraldo, produzidopela mesma emissora.Quando os programas são bem cuidados, aaudiência é boa, ganham todos, em qualidadee respeito.Temos a sorte de ser brindados com excelentesmusicais, programas informativos, documentários,programas de debates e entrevistas, quedeliciam, transportam os telespectadores a paragensde contentamento e prazer.Não é verdade que um programa bem-feito, comuma produção esmerada, um bom texto custariamuito mais. O ruim e o malfeito custam imensamentemais caro que o belo e o criterioso, emface do desastroso resultado obtido. É só umaquestão de bom senso.Os programas infantis que levam boa e inteligentemensagem às crianças serão semprelembrados. Será lembrado e reverenciado oconjunto da obra, os atores, os diretores, a música,o comercial, e, dessa forma todos serão be-347


348neficiados, sobretudo o patrocinador, pois teráo nome de seu produto ligado a um momentoespecial na televisão.Fico realmente constrangida quando assisto aprogramas infantis e vejo crianças travestidas emadultos, repetindo todas as bobagens proferidaspor aqueles. Essa fabricação de falsas crianças,ou seriam falsos adultos, em nada contribui paraa formação dos jovens. Criança excessivamentemaquiada, usando roupas inadequadas, rebolando,com trejeitos de caretas e bocas, só vêmdenegrir a imagem da própria criança.Convenhamos, a naturalidade é uma pose difícilde se conservar.A essa crítica posso me dar ao luxo, porque jamaisme deparei perante uma situação constrangedoradessa natureza. Nem eu, nem meus colegasque trabalhavam comigo, naquela ocasião.A criança tem seu lugar na sociedade, e comoser em formação deve ser respeitada. Sendo-lheofertado um produto que contribua para seuengrandecimento como cidadão.Mesmo porque, não devemos esquecer que, enquantoconsumidores, tanto a criança quanto ojovem representam uma força considerável e umasignificativa clientela para o mercado. Esse lugarque já lhes era devido outrora, naquela épocaem que nossas mães mandavam a gente brincarlá fora porque o assunto era de adultos.


Lembro-me, certa vez, de assistir a um programade televisão onde eram anunciadas azeitonasAurichio, na mesma hora, minha irmã e eu: Mãe,traz azeitona! (ou a bolacha, ou chocolate, ousapatos, enfim... exatamente como ocorre nosdias de hoje).A televisão sempre foi uma boa vendedora. Ostempos são outros e vivemos sob as ordens dosbaixinhos, que por conta de infindáveis conselhostelevisivos obrigam seus pais a compraremos produtos que lhes são mostrados na telinha.E agora são muitos, pobres pais!Assim, é preciso usar tal marca de sapato, demochila, de bicicleta e capacete para não correro risco de cair-se na exclusão social.As apresentadoras mirins de programas infantisforam aos poucos substituídas por Vênus Platinadasque, no início, encantavam mais aos papaisque as crianças.O hábito foi-se tornando uma realidade e quasevirou unanimidade, uma vez que muitoscanais de televisão têm sua loira especializadaem público infantil. Alguns desses programastransformaram-se em superproduções e suasapresentadoras, verdadeiras superstars.Haja vista o fenômeno Xuxa, que atravessa abarreira do tempo e continua encantando geraçõesde crianças, igualmente ávidas a consumiros produtos que apresenta.349


350Só a título de informação, apresento uma dessascuriosidades, que uma vez não realizadas poderiamter dado outro rumo ao destino. Em 1983,Maurício Sherman, na época, diretor da extintaTV Manchete convidou Xuxa Menenghel paraapresentar um programa infantil, que resistiumuito em aceitá-lo, chegando mesmo a se cogitara chamar a segunda opção – Monique Evans –para comandar o programa Clube da Criança.Os baixinhos correram o risco de ficar sem suamajestade. Não há que se negar o carisma eencanto da chamada Rainha dos Baixinhos ea sinceridade que ela passa no contato com ascrianças. Certamente, esse é o segredo de seusucesso e de sua permanência.Mesmo para estas superestrelas do mundo infantil,as coisas não andam muito bem, nos diasde hoje.Algumas delas não subsistiram um ano sequer.Até mesmo, no caso de Eliana e Xuxa, somentepara citar as mais antigas, a primeira atuandona Record e a segunda, na Globo enfrentamproblemas de todo o tipo.Com a sofisticação e, conseqüentemente, maiorexigência do público infantil não basta apenaso carisma das apresentadoras. Os desenhos animadosprecisam ser constantemente renovados,tendo em vista a abertura dos canais especiais,a cabo e via satélite, além do próprio conteúdoda programação, mais elaborado, para atenderà demanda dessa exigente platéia.


As rainhas (e reis) do mundo infantil encontraramoutro filão milionário para aumentar seusrendimentos, o licenciamento de produtos infantis,brinquedos, materiais de uso domésticos,escolares, etc.O grau de popularidade desses artistas é medidopela quantidade de produtos licenciadosou vendidos.Até mesmo artistas não exclusivamente ligadosao mundo infantil, como o caso de Gugu Liberato,embarcaram nesse segmento e obtêmexcelente retorno financeiro.Para se ter uma idéia de quão difícil é o caminhodo chamado mundo infantil, eu li, outro dia, aseguinte notícia: Depois de quase um ano deexibição, o programa Xuxa No Mundo da Imaginaçãojá não sabe qual caminho seguir, se fixaseu interesse nas crianças menores ou se miranos pré-adolescentes.Eliana vive algo semelhante, tendo-se observadoque a fronteira da infância com a adolescênciaestá cada vez mais difusa e velhas estratégias decomunicação estão perdendo a validade.Angélica, outra apresentadora que começoubem menina na carreira, às vésperas de completar30 anos, está deixando definitivamente seustempos de apresentadora de programas infantis.Após uma pesquisa encomendada, percebeu queo público infantil já não se identificava mais com351


352ela, seu caminho foi seguir atrás do público jovem,que aplaudiu esse gesto de maturidade.A Televisão de hoje está muito bem estruturadae altamente profissionalizada, em partepelo avanço tecnológico, assunto sobre o qualeu não posso nem sequer pensar em discorrer,por falta absoluta de conhecimento específicoe, de outro lado pelo nível de profissionais quetransitam na área.O aparecimento da primeira escola especializadano assunto deu-se na Universidade de São Paulo,com a Faculdade de Televisão, em 1970, e naprimeira turma formaram-se 18 alunos.Hoje, só no Estado de São Paulo, temos inúmerasFaculdades de Comunicação, já são quase 300e esse número cresce constantemente. Essasescolas, em geral, oferecem, cursos nas áreas dejornalismo, televisão e rádio, com qualidade eespecificidade, apesar de não se exigir diplomauniversitário para o exercício da profissão. Hátambém, espalhados pela cidade de São Paulo eem outras cidades do Brasil, cursos de formaçãode ator, de boa qualidade, que já tiveram oportunidadede fornecer profissionais gabaritadospara o mercado de trabalho.Tendo vivido uma era dos sonhos e das quimeras,um período denominado Anos Dourados,fazendo história sem me dar conta, percebi afugacidade das coisas realizadas na televisão dosprimeiros tempos, pois tudo era feito ao vivo, eninguém se preocupava com o assunto.


Parece que só agora começa a crescer um movimentonotando a importância dos primeirostempos de televisão e a preocupação em recuperaraqueles acontecidos.Atualmente, essa atividade é minha prioridade,na Pró-TV - Associação dos Pioneiros, Profissionaise Incentivadores da Televisão Brasileira, na qualsou diretora jurídica. Na entidade, dedicamonosao trabalho de resgate e à preservação damemória desse que se tornou o maior veículo decomunicação e entretenimento da atualidade –a Televisão. Com este livro procuro resgatar amemória dos primeiros passos da criança naqueleespaço e envolvimento social ocorrido, deuma época que já está ficando esquecida pelaspessoas, e sem registro, certamente se perderána noite dos tempos.Certa feita, em Nova York, minha filha Renata eeu fomos visitar o Museum of Television & Radio –MTR of New York City – O Museu do Rádio eda Televisão, um imponente edifício, situadona Rua 52, nº 25W, esquina com a 5ª Avenida,assim que nos identificamos, fomos muito bemrecebidas pelo diretor de relações públicas, quenos possibilitou o acesso às gravações de programasde seu acervo.Dirigimo-nos a uma sala, com fones de ouvidos,poltronas, ar-condicionado, um luxo. Liguei oaparelho e ouvi um trecho de uma soap opera,uma novela da década de 50, mais ou mesmo353


354no estilo das nossas. Têm esse nome porque,quase sempre eram patrocinadas por saboneteou sabão para roupas e tanto lá como aqui, dálhechoradeira!Renata pegou ao acaso um programa, e depoisde algum tempo, ela entende inglês perfeitamente,indagou, perplexa: Mãe, quando a Terrafoi invadida pelos marcianos, que eu nuncafiquei sabendo?Ela estava ouvindo a gravação de um antológicoprograma realizado por Orson Welles, nos anos40, que numa brincadeira irradiou uma pretensainvasão da Terra pelos marcianos, causandoverdadeiro pânico na cidade.O museu americano é muito bem estruturado,muitos programas perfeitamente restaurados,com salas especiais para consultas, um enormeacervo, monitores, equipamentos de primeiralinha e acesso ao público, mediante um pagamentopara sua manutenção, (U$ 10.00 paraadultos e U$ 8.00 para estudantes), realmentecumpre seu papel prestando um excelente serviçoaos interessados. Além disso, conta com aajuda da iniciativa privada, de emissoras de rádioe TV, colaboradores e associados para realizarseu trabalho.Esse é o sonho dos associados da Pró-TV instituiro Museu da Televisão. Aqui no Brasil, para mantera Associação, empreendemos uma batalhadiária, da mesma forma que toda a entidade


civil, sem fins lucrativos, que não tem um patrocinadorresponsável ou subsídios estatais.Nesse difícil caminho, que tem à frente VidaAlves, como presidente, já contabilizamos algunsfeitos, entre eles o de celebrar os 50 anos daTelevisão do Brasil, com uma festa de gala naSala São Paulo, onde estiveram presentes maisde 500 artistas, numa platéia de 1500 pessoas.Também conseguimos sensibilizar as autoridadespúblicas e entre outras conquistas, a de verdeclarado oficialmente, na Câmara do Deputados,em Brasília, 18 de setembro como o Dia daTelevisão. Mas o Museu da TV ainda continuano campo dos sonhos.Desde que a comunicação social não mais sedeu na praça pública, necessitando de meiosespecíficos para fazê-lo decorreu a necessidadeda regulamentação dessa forma de atuação. Osespaços públicos foram dando lugar à comunicaçãoeletrônica e, o fato social, e em decorrência,a notícia e/ou a informação, praticamente nãoexistirão se ficarem fora da mídia. Dessa forma,comunicação social tornou-se um verdadeiropoder, que pode servir à democracia, à ordemsocial, à sociedade bem constituída, mas se estivera serviço do mal poderá causar um danoincomensurável. Pois, para uma considerávelparcela da população brasileira a televisão é aúnica fonte de informação e referência. Mas épreciso ter-se presente que as televisões, comraras exceções são empresas comerciais, um355


356negócio, precisam dar lucro, mantêm-se presasà ditadura da audiência e sob o domínio dopatrocinador. Os programas que dão maior audiênciasão aqueles geram maiores faturamentospara as emissoras, então as empresas tornam-sereféns desse resultado, porque o objetivo finalé o lucro e não a educação ou o valor artísticoculturalda audição.Sabe-se que o nível de desenvolvimento deuma região pode ser aferido pelo valor de suacomunicação social. Através da televisão, sãoveiculados os usos e costumes, o pensamento erealidade social, a forma de se vestir, os conceitosmorais e até mesmo a comida e a bebida dedeterminado setor da sociedade.Discute-se muito, atualmente, e sobretudo noBrasil o tema – liberdade de expressão – pondoseem questão que o rádio e a televisão, com aatual linguagem, por vezes liberal em excesso,possam contribuir para o desaparecimento dosvalores morais, concorrendo, talvez para a proliferaçãoda violência, marginalidade e outrasformas de exclusão social, em vez de patrocinarcausas diametralmente contrárias.Este é um tema polêmico, que não cabe ser discutidoneste trabalho, pois há inúmeras correntesde comunicação social em conflito e as leis estãosendo sancionadas para regular a questão. Oassunto foi mencionado somente para se deixarregistrado que a legislação está sempre sendo


usada para aparar arestas e dirimir questões,comumente de cunho comercial.Examinando o que ocorre nas nações livres domundo ocidental, observamos que a liberdadede expressão apresenta-se como necessária paraa formação da opinião pública, o que pressupõeo acesso dos cidadãos a todas as informações eopiniões desenvolvidas no seio da comunidade.Nesse contexto, o conceito de liberdade de expressãodeverá ser entendido como o direito detodos expressarem livremente seu pensamento,as formas de ação e os valores culturais, típicosde um povo.Chega-se, assim à forma encontrada pela legislaçãobrasileira que fala em liberdade demanifestação do pensamento, estando incluídonesse entendimento o direito à informação e oao entretenimento.Portanto, no meu entender, deve sempre haveruma legislação presente nos meios de comunicação,para garantir esses direitos, inerentes aos cidadãos,mas também para balizar os procedimentos.Não se trata de apologia à censura, muito pelocontrário, o artista deve ser absolutamente livrepara poder expressar sua mensagem e exercerseu talento. Assim, a informação deve chegarà população na sua forma mais simples, semnenhum aditivo ou modificação.357


358Tão-somente, temo que a liberdade de expressãosem o devido critério, possa transformaressa dita liberdade em liberalidade, podendo-secorrer o risco de chegar à dissipação dos costumese valores morais e isso causaria o caos àsociedade constituída.É preciso levar-se em conta a desigualdade socialem que vivemos, assim, determinada mensagempode ser mal-entendida por uma camada menospreparada da população para recebê-la.A televisão lança moda, expressões, comida ecomportamento social; é claro que ninguémcomete crimes porque o vilão da novela matouseu desafeto, nem adultério porque a moçada novela agiu dessa ou daquela determinadaforma, mas muitos são os parâmetros de comportamentoindicados pela televisão e seguidospor parcela considerável de pessoas, porque natela da televisão quem aparece, muitas vezes, setorna ídolo e assim objeto de adoração e imitação.A linha que divide pessoa e personagem émuito tênue e de difícil assimilação.É preciso meditar seriamente sobre a questão erefletir sobre quem e quais são os telespectadoresalvos das mensagens, e também se o públicoestá pronto para esse tipo de recado. O caminhoé a ética, na TV, no trânsito, no comércio, enfimética... na vida. Chegaremos lá!Dia desses, fui surpreendida com um artigo nojor nal sobre um fato que vem ocorrendo comfre qüên cia – a multiplicação de clones virtuaisna Internet.


Ocorreu-me a idéia de que este fato possa sertransposto para a televisão. Teríamos entãoclones cibernéticos de nossas atrizes ou atorespreferidos, ou então estrelas perfeitas, com seiosfartos e curvas perigosas, jovens atores musculosose arrojados, capazes de proezas incontáveis,vencendo quaisquer tipos de inimigos, superandoem muito os atores e atrizes de carne e osso,incapazes de tantas bravuras.Estava lendo sobre a Gabriela. Não, não tinhacheiro nem cor de canela. Nem seus criadorestiveram tal intenção. A jovem em questão émoderna, tem cerca de 25 anos, cabelos propositalmentedespenteados, olhos amendoados,desalinhadamente elegante e bonita e costumaterminar as frases com um discreto sorriso.Essa jovem não existe na vida real, é tão-somenteuma celebridade da internet e faz parte de umelenco de 20 modelos virtuais criados por umacompanhia para vender produtos.Já foi até criado o clone do Elvis Presley, utilizadopela gravadora para vender um álbumdestinado à nova geração de fãs, que não oconheceram em vida.As pessoas estão arriscadas a se apaixonar porum personagem e correr o risco de entabularuma convivência virtual.Tomara que esses vaticínios permaneçam no limbodos absurdos irrealizados, pois de outro jeito, avida teria perdido toda a poesia e aí seria precisocriar-se também exércitos de Blade Runners.359


360O Fantástico, um dos mais populares programasdomingueiros, transmitido em rede nacional pelaGlobo, dia desses colocou no ar um ente cibernético,fazendo às vezes de apresentadora, ela jáganhou até nome - Eva Byte, fazendo estranhasintonia com a primeira mulher, e os técnicoscriadores disseram que deu um trabalho danadopara realizar esse feito, pois são muitas as linhasdesenhadas para fazê-la falar, mover-se, enfim,comportar-se como um ser de verdade.Esse feito vale como brincadeira e teste para osequipamentos e capacidade criativa dos técnicos,para nada mais. Faço votos que a experiência nãoprolifere, pois o já diminuto espaço de trabalhodos apresentadores (as) encolheria ainda mais.Serão esses os rumos da televisão do futuro?Hoje já se modifica a aparência das pessoas,uma lipoaspiração aqui, uma puxadinha aí, umsilicone ali, um botox acolá, tudo bem, mas umacriação por inteiro? Isso já é demais.Não dá para se prever o futuro da televisão, inseridono contexto das novas mídias. Qual será ointeresse das futuras platéias, como serão feitos,no futuro, programas de televisão? Questõesque se esvaem no ar, sem respostas.Quando se fala de futuro, ou quando se comentaa tecnologia existente em determinado momento,e depois se volta ao texto precedente, percebeque ele envelheceu muito rapidamente. Atecnologia e os tecnólogos caminham com uma


velocidade desmedida e incontrolável. Dizemos jovens, e eu concordo plenamente com essaidéia: nada mais antigo que o antigo recente.Acho que a futurologia é uma ciência (!?) ambíguae perigosa, pois o que mais faz é errar seusprognósticos. E eu, muito matreira, reservo-me odireito de não arriscar nada no gênero, permitomequando muito questionar o presente e tecerquimeras sobre o futuro.Certa feita, estava visitando a Prodesp – o Centrode Processamento de Dados do Estado de SãoPaulo, local onde todos os dados relativos aofuncionamento estatal são coletados, desde funcionários,financeiros, compras, equipamentos,etc. são processados para a utilização devida,fiquei aterrada.Trata-se do admirável mundo novo vivenciado.Pude constatar que, naquele lugar, o andar daspessoas, o seu falar é diferente, até o cheirodas coisas tem um odor meio estranho, meiofuturista. É realmente outro planeta. O planetacibernético. Cá com meus botões, ouvindo atentamentea palestra e explicações que o técniconos dava, filosofei, será assim a história que osavós contarão para os netinhos, no futuro?...Existirá, numa floresta de asfalto e concreto,protegida por ondas eletromagnéticas, umaprincesa que repousa, encantada por umabomba de nêutrons. Cercada por raios lasers,doze dragões virtuais velam, incessantemente361


362por seu destino e somente um cavaleiro com ainocência da manhã, indestrutível como a fé,desinteressado como a infância, poderá libertála,pousando em sua fronte enrijecida um cálidobeijo de ternura, um sopro de esperança.Não gostaria de deixar, ao final desse relato,uma mensagem de tristeza ou de desalento.Que venha o futuro, nós o enfrentaremos coma determinação e coragem de dantes.Sem choradeiras, ou mágoas, críticas feitas ea alma lavada, notória é a constatação de quepensar é coisa demasiado séria para qualqueramador que se meta com a vida. Assim, sorrirainda é um grande bálsamo, é a menor distânciaentre duas pessoas. Apesar de tudo, o espetáculocontinua. O grande espetáculo é a vida. Não é omaior espetáculo da Terra, é o único.Mandrágora, primavera (comecinho) de 2004


Anna Paula, Sonia e Renata, na chácara Mandrágora


ÍndiceApresentação – José Serra 5Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7Prefácio 13Agradecimentos 15Introdução 17Parte INasce uma Estrela 21Os Primeiros Passos 29O Aparecimento da Televisão 51O Dia Seguinte e os Outros Dias 71Do Ziguezague para a Tela 97Vida de Artista 109A Participação na Vida Cívica e Política 161Os Patrocinadores e os Comerciais 177A Adolescência e os Costumeiros Conflitos 189Parte IIOs Outros Queridinhos 229Programas Infantis do Começo da TV 335Epílogo 345


Crédito das fotografiasAcervo Adriano Stuart 232, 238, 246Acervo David José 122, 259, 263, 266, 270, 273,278, 279, 280, 281Acervo Edi Cerri 267Acervo Pró-TV 240, 243Chiquinho/Pró-TV 12, 228Foto Bresser 138J.B.Campos Filho/Acervo Adriano Stuart 237Palaia 210Patrícia Eroles 215Demais fotografias do acervo de Sonia Maria DorceArmonia


Coleção AplausoSérie Cinema BrasilAlain Fresnot – Um Cineasta sem AlmaAlain FresnotO Ano em Que Meus Pais Saíram de FériasRoteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaerte Cao HamburgerAnselmo Duarte – O Homem da Palma de OuroLuiz Carlos MertenAry Fernandes – Sua Fascinante HistóriaAntônio Leão da Silva NetoBatismo de SangueRoteiro de Helvécio Ratton e Dani PatarraBens ConfiscadosRoteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e CarlosReichenbachBraz Chediak – Fragmentos de uma vidaSérgio Rodrigo ReisCabra-CegaRoteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e RicardoKauffmanO Caçador de DiamantesRoteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo BarroCarlos Coimbra – Um Homem RaroLuiz Carlos MertenCarlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de ViverMarcelo LyraA CartomanteRoteiro comentado por seu autor Wagner de AssisCasa de MeninasRomance original e roteiro de Inácio AraújoO Caso dos Irmãos NavesRoteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person


O Céu de SuelyRoteiro de Mauricio Zacharias, Karim Aïnouz e Felipe BragançaCidade dos HomensRoteiro de Paulo Morelli e Elena SoárezComo Fazer um Filme de AmorRoteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José RobertoToreroCríticas de Edmar Pereira – Razão e SensibilidadeOrg. Luiz Carlos MertenCríticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: OsAnos do São Paulo ShimbunOrg. Alessandro GamoCríticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – AnalisandoCinema: Críticas de LGOrg. Aurora Miranda LeãoCríticas de Ruben Biáfora – A Coragem de SerOrg. Carlos M. Motta e José Júlio SpiewakDe PassagemRoteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo EliasDesmundoRoteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina AnzuateguiDjalma Limongi Batista – Livre PensadorMarcel NadaleDogma Feijoada: O Cinema Negro BrasileiroJeferson DeDois CórregosRoteiro de Carlos ReichenbachA Dona da HistóriaRoteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel FilhoOs 12 TrabalhosRoteiro de Claudio Yosida e Ricardo EliasFernando Meirelles – Biografia PrematuraMaria do Rosário Caetano


Fome de Bola – Cinema e Futebol no BrasilLuiz Zanin OricchioGuilherme de Almeida Prado – Um Cineasta CinéfiloLuiz Zanin OricchioHelvécio Ratton – O Cinema Além das MontanhasPablo VillaçaO Homem que Virou SucoRoteiro de João Batista de Andrade, organização de ArianeAbdallah e Newton CannitoJoão Batista de Andrade – Alguma Solidão e MuitasHistóriasMaria do Rosário CaetanoJorge Bodanzky – O Homem com a CâmeraCarlos Alberto MattosJosé Carlos Burle – Drama na ChanchadaMáximo BarroLiberdade de <strong>Imprensa</strong> – O Cinema de IntervençãoRenata Fortes e João Batista de AndradeLuiz Carlos Lacerda – Prazer & CinemaAlfredo SternheimMaurice Capovilla – A Imagem CríticaCarlos Alberto MattosNão por AcasoRoteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski eEugênio PuppoNarradores de JavéRoteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de AbreuOnde Andará Dulce VeigaRoteiro de Guilherme de Almeida PradoPedro Jorge de Castro – O Calor da TelaRogério MenezesRicardo Pinto e Silva – Rir ou ChorarRodrigo Capella


Rodolfo Nanni – Um Realizador PersistenteNeusa BarbosaO Signo da CidadeRoteiro de Bruna LombardiUgo Giorgetti – O Sonho IntactoRosane PavamViva-VozRoteiro de Márcio AlemãoZuzu AngelRoteiro de Marcos Bernstein e Sergio RezendeSérie CrônicasCrônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeçasMaria Lúcia DahlSérie CinemaBastidores – Um Outro Lado do CinemaElaine GueriniSérie Ciência & TecnologiaCinema Digital – Um Novo Começo?Luiz Gonzaga Assis de LucaSérie Teatro BrasilAlcides Nogueira – Alma de CetimTuna DwekAntenor Pimenta – Circo e PoesiaDanielle PimentaCia de Teatro Os Satyros – Um Palco VisceralAlberto GuzikCríticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como OficioOrg. Carmelinda Guimarães


Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas eUma PaixãoOrg. José Simões de Almeida JúniorJoão Bethencourt – O Locatário da ComédiaRodrigo MuratLeilah Assumpção – A Consciência da MulherEliana PaceLuís Alberto de Abreu – Até a Última SílabaAdélia NicoleteMaurice Vaneau – Artista MúltiploLeila CorrêaRenata Palottini – Cumprimenta e Pede PassagemRita Ribeiro GuimarãesTeatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBCNydia LiciaO Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce– Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso –Pólvora e PoesiaAlcides NogueiraO Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para umteatro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – OsCantos de Maldoror – De Profundis – A Herança doTeatroIvam CabralO Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e DonaCoisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista VilmaNoemi MarinhoTeatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o ArNeyde VenezianoO Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor– A Terra PrometidaSamir Yazbek


Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadasem CenaAriane PortoSérie PerfilAracy Balabanian – Nunca Fui AnjoTania CarvalhoAry Fontoura – Entre Rios e JaneirosRogério MenezesBete Mendes – O Cão e a RosaRogério MenezesBetty Faria – Rebelde por NaturezaTania CarvalhoCarla Camurati – Luz NaturalCarlos Alberto MattosCleyde Yaconis – Dama DiscretaVilmar LedesmaDavid Cardoso – Persistência e PaixãoAlfredo SternheimDenise Del Vecchio – Memórias da LuaTuna DwekEmiliano Queiroz – Na Sobremesa da VidaMaria LeticiaEtty Fraser – Virada Pra LuaVilmar LedesmaGianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no ArSérgio RoveriGlauco Mirko Laurelli – Um Artesão do CinemaMaria Angela de JesusIlka Soares – A Bela da TelaWagner de AssisIrene Ravache – Caçadora de EmoçõesTania Carvalho


Irene Stefania – Arte e PsicoterapiaGermano PereiraJohn Herbert – Um Gentleman no Palco e na VidaNeusa BarbosaJosé Dumont – Do Cordel às TelasKlecius HenriqueLeonardo Villar – Garra e PaixãoNydia LiciaLília Cabral – Descobrindo Lília CabralAnalu RibeiroMarcos Caruso – Um ObstinadoEliana RochaMaria Adelaide Amaral – A Emoção LibertáriaTuna DwekMarisa Prado – A Estrela, O MistérioLuiz Carlos LisboaMiriam Mehler – Sensibilidade e PaixãoVilmar LedesmaNicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em FamíliaElaine GuerriniNiza de Castro Tank – Niza, Apesar das OutrasSara LopesPaulo Betti – Na Carreira de um SonhadorTeté RibeiroPaulo José – Memórias SubstantivasTania CarvalhoPedro Paulo Rangel – O Samba e o FadoTania CarvalhoReginaldo Faria – O Solo de Um InquietoWagner de AssisRenata Fronzi – Chorar de RirWagner de Assis


Renato Consorte – Contestador por ÍndoleEliana PaceRolando Boldrin – Palco BrasilIeda de AbreuRosamaria Murtinho – Simples MagiaTania CarvalhoRubens de Falco – Um Internacional Ator BrasileiroNydia LiciaRuth de Souza – Estrela NegraMaria Ângela de JesusSérgio Hingst – Um Ator de CinemaMáximo BarroSérgio Viotti – O Cavalheiro das ArtesNilu LebertSilvio de Abreu – Um Homem de SorteVilmar LedesmaSonia Oiticica – Uma Atriz Rodrigueana?Maria Thereza VargasSuely Franco – A Alegria de RepresentarAlfredo SternheimTatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte OutraSérgio RoveriTony Ramos – No Tempo da DelicadezaTania CarvalhoVera Holtz – O Gosto da VeraAnalu RibeiroWalderez de Barros – Voz e SilênciosRogério MenezesZezé Motta – Muito PrazerRodrigo Murat


EspecialAgildo Ribeiro – O Capitão do RisoWagner de AssisBeatriz Segall – Além das AparênciasNilu LebertCarlos Zara – Paixão em Quatro AtosTania CarvalhoCinema da Boca – Dicionário de DiretoresAlfredo SternheimDina Sfat – Retratos de uma GuerreiraAntonio GilbertoEva Todor – O Teatro de Minha VidaMaria Angela de JesusEva Wilma – Arte e VidaEdla van SteenGloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda doMaior Sucesso da Televisão BrasileiraÁlvaro MoyaLembranças de HollywoodDulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo SternheimMaria Della Costa – Seu Teatro, Sua VidaWarde MarxNey Latorraca – Uma CelebraçãoTania CarvalhoRaul Cortez – Sem Medo de se ExporNydia LiciaRede Manchete – Aconteceu, Virou HistóriaElmo FrancfortSérgio Cardoso – Imagens de Sua ArteNydia LiciaTV Tupi – Uma Linda História de AmorVida Alves


Formato: 12 x 18 cmTipologia: FrutigerPapel miolo: Offset LD 90 g/m 2Papel capa: Triplex 250 g/m 2Número de páginas: 380Editoração, CTP, impressão e acabamento:<strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong> do Estado de São Paulo


Coleção Aplauso Série PerfilCoordenador GeralCoordenador Operacionale Pesquisa IconográficaProjeto GráficoEditor AssistenteAssistentesEditoraçãoTratamento de ImagensRevisãoRubens Ewald FilhoMarcelo PestanaCarlos CirneFelipe GoulartEdson Silvério LemosThiago Sogayar BecharaSelma BrisollaJosé Carlos da SilvaSárvio Nogueira Holanda


© 2008Dados Internacionais de Catalogação na PublicaçãoBiblioteca da <strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong> do Estado de São PauloArmonia, Sonia Maria DorceSonia Maria Dorce: a queridinha do meu bairro / SoniaMaria Dorce Armonia – São Paulo : <strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong> doEstado de São Paulo, 2008.380p. : il. – (Coleção aplauso. Série perfil / Coordenadorgeral Rubens Ewald Filho)ISBN 978-85-7060-590-01. Atores e atrizes de televisão 2. Dorce, Sonia Maria -Biografia I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III . Série.CDD 791.409 81Índice para catálogo sistemático:1. Atores brasileiros : biografia : Representação pública791.409 81Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional(Lei nº 10.994, de 14/12/2004)Direitos reservados e protegidos pela lei 9610/98<strong>Imprensa</strong> <strong>Oficial</strong> do Estado de São PauloRua da Mooca, 1921 Mooca03103-902 São Paulo SPwww.imprensaoficial.com.br/livrarialivros@imprensaoficial.com.brGrande São Paulo SAC 11 5013 5108 | 5109Demais localidades 0800 0123 401


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