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fábio palácio de azevedo fundamentos epistemológicos da teoria da ...

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FÁBIO PALÁCIO DE AZEVEDOFUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA TEORIA DAINFORMAÇÃODissertação apresenta<strong>da</strong> à BancaExaminadora <strong>da</strong> PontifíciaUniversi<strong>da</strong><strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo,como exigência parcial para obtençãodo título <strong>de</strong> Mestre em Comunicação eSemiótica, sob orientação do Prof. Dr.Jorge <strong>de</strong> Albuquerque Vieira.PUC – SP2000


BANCA EXAMINADORA______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________2__


“À Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Brasileira, que,apesar <strong>de</strong> todos os percalços, lutapara sobreviver e contribuir.”“Ao povo brasileiro; que sua luta porliber<strong>da</strong><strong>de</strong> seja, afinal, vitoriosa.”__3__


AGRADECIMENTOSA meus pais – José Raimundo Araújo <strong>de</strong> Azevedo e Maria Benedita Palácio<strong>de</strong> Azevedo – e a to<strong>da</strong>s as <strong>de</strong>mais pessoas que comigo partilham aconvivência familiar.À Marize, meu “tesouro encantador”, pelo incentivo, leal<strong>da</strong><strong>de</strong> ecompreensão.Ao Prof. Jorge Albuquerque Vieira, pelas colaborações e pela paciência.Aos eternos amigos Edvar Bonotto, Cristiano Capovilla, Marlom Wolff,Ricardo Abreu “Alemão”, Orlando Silva Jr., Ronaldo Carmona, WadsonRibeiro, Al<strong>da</strong>nny Resen<strong>de</strong>, Marcus Vinícius, Josberto Rodrigues, O<strong>da</strong>irJosé, Luís Alfredo, José Carlos e Mar<strong>de</strong>m Ramalho, pelas discussões <strong>da</strong>squais brotaram muitas <strong>da</strong>s idéias <strong>de</strong>ste trabalho, e, também, porque aamiza<strong>de</strong> é <strong>da</strong>s mais preciosas coisas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.Aos camara<strong>da</strong>s João Amazonas, Renato Rabelo, Pedro Oliveira, JoséReinaldo Carvalho, Olival Freire Jr. e José Carlos Ruy, cujas histórias <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>, marca<strong>da</strong>s pela luta e pela abnegação, servem para mim <strong>de</strong> exemplo einspiração na imensa caminha<strong>da</strong> <strong>da</strong> existência.À Pontifícia Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> São Paulo (PUC-SP), ao ConselhoNacional <strong>de</strong> Pesquisa Científica (CNPq) e ao Partido Comunista do Brasil(PCdoB).Enfim, a to<strong>da</strong>s as pessoas e instituições que contribuíram direta ouindiretamente para a realização <strong>de</strong>ste trabalho.__4__


“Desejo <strong>de</strong> saberTodo mundo tem,E quem pensa que sabeTambém não sabe também”Humberto,compositor popular do Bumba-Boi <strong>de</strong> Maracanã (São Luís-MA)__5__


RESUMOAnálise do sistema axiomático <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Informação do ponto <strong>de</strong>vista <strong>de</strong> suas idéias filosóficas subjacentes e <strong>de</strong> suas implicaçõesepistemológicas. Expõe-se o sistema axiomático <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Informaçãona forma como enunciado por C. Shannon. Eluci<strong>da</strong>-se a concepção <strong>de</strong>objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento subjacente à Teoria <strong>da</strong> Informação.I<strong>de</strong>ntificam-se os principais problemas epistemológicos colocados pelosconceitos <strong>de</strong> informação e entropia, relacionando-os a categorias <strong>da</strong>Teoria do Conhecimento tais como <strong>de</strong>terminismo, causali<strong>da</strong><strong>de</strong> eprevisibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Analisa-se o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sses conceitos naHistória <strong>da</strong> Filosofia. Situa-se a Teoria <strong>da</strong> Informação no contexto <strong>da</strong>História <strong>da</strong> Ciência, abor<strong>da</strong>ndo-a como uma <strong>da</strong>s disciplinas do século XXque respal<strong>da</strong>m uma concepção materialista <strong>de</strong> tipo renovado, mo<strong>de</strong>rno,flexível e não-metafísico.__6__


ABSTRACTAnalysis of the axiomatic system of Information Theory through thepoint of view of its un<strong>de</strong>rlying philosophical i<strong>de</strong>as and of itsepistemological implications. The axiomatic system of theInformationTheory is exposed in the form as enunciated by C. Shannon.The knowledge objectivity conception un<strong>de</strong>rlying to the InformationTheory is eluci<strong>da</strong>ted. The main epistemological problems brought by theconcepts of information and entropy are i<strong>de</strong>ntified, relating them tocategories of Knowledge Theory such as <strong>de</strong>terminism, causality andprevisibility. The <strong>de</strong>velopment of those concepts is analyzed in thePhilosophy History. The Information Theory is allocated in the context ofthe Science History, approaching it as one of the disciplines of the XXthcentury that strengthen a materialistic conception of renewed type,mo<strong>de</strong>rn, flexible and non-metaphysician.__7__


INTRODUÇÃOQuando Clau<strong>de</strong> Shannon enunciou, em 1948, os 23 teoremas queestabeleciam a mensurabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> transmissão <strong>de</strong> informação, talvezain<strong>da</strong> não fosse plenamente consciente <strong>da</strong> importância <strong>da</strong>quelasproposições e do caráter interdisciplinar que viriam a alcançar.De fato, a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> quantificação <strong>da</strong> informação –<strong>de</strong>finitivamente estabeleci<strong>da</strong> com os estudos <strong>de</strong> Shannon – constitui-se emuma <strong>da</strong>s maiores conquistas <strong>da</strong> Ciência no século XX, abrindopossibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s antes apenas sugeri<strong>da</strong>s para a otimização técnica <strong>da</strong>comunicação humana.Warren WEAVER assinala os antece<strong>de</strong>ntes históricos <strong>da</strong> obra <strong>de</strong>Shannon afirmando queos trabalhos do Dr. Shannon enraízam-se, como Von Neumann observou,nas conclusões <strong>de</strong> Boltzmann, relativas a seus trabalhos em FísicaEstatística em 1894 ... L. Szilard expandiu esta idéia a umaargumentação geral <strong>da</strong> informação na Física, e Von Neumann elaborousobre informação na Mecânica do Quantum ... Os trabalhos do Dr.Shannon, porém, têm conexão mais direta com certas idéias <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>shá uns vinte anos passados por H. Nyquist e R.V.L. Hartley ... (1975: p.3).Portanto, os trabalhos <strong>de</strong> Shannon remetem a hipóteses anterioresjá trabalha<strong>da</strong>s por Boltzmann, Szilard e Von Neumann na Física, e porNyquist e Hartley na própria Ciência <strong>da</strong> Comunicação. Estes dois últimoshaviam estabelecido a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> informação pela quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha necessária à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> um elemento em umafonte (ponto <strong>de</strong> vista do emissor), ou pelo seu grau <strong>de</strong> imprevisibili<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong>sse elemento (ponto <strong>de</strong> vista do receptor).Os procedimentos <strong>de</strong> Hartley, porém, eram insuficientes para <strong>da</strong>rconta dos complexos fenômenos relacionados à transmissão <strong>de</strong>informação, já que, por tratarem apenas <strong>de</strong> casos i<strong>de</strong>ais__9__


(eqüiprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong> dos elementos <strong>de</strong> um repertório), só excepcionalmenteencontravam aplicação.Em Nyquist e Hartley a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informação <strong>de</strong>pendia apenas<strong>da</strong> “potência” (número <strong>de</strong> elementos ‘n’) do repertório, e era <strong>da</strong><strong>da</strong> pelologaritmo <strong>de</strong> ‘n’. Sua sintaxe reduzia-se, com isso, a uma simplescombinatória. Esse raramente é o caso encontrado nas linguagensnaturais ou mesmo artificiais, nas quais não só os elementos lingüísticosnão são eqüiprováveis, como também não são in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes entre si (háentre os signos <strong>de</strong>pendências seqüenciais <strong>de</strong> cunho lógico).Para <strong>da</strong>r conta <strong>da</strong>s insuficiências <strong>da</strong> <strong>teoria</strong> <strong>de</strong> Nyquist e Hartley,Shannon generalizou suas hipóteses para casos <strong>de</strong> não-eqüiprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong>,utilizando para isso o instrumental matemático <strong>da</strong> Ciência Estatística.Por que <strong>de</strong>finir um conceito estatístico <strong>de</strong> informação? Porque “osistema <strong>de</strong>verá ser projetado <strong>de</strong> modo a operar com qualquer <strong>da</strong>s possíveisseleções a serem efetua<strong>da</strong>s, e não unicamente com aquela que foiescolhi<strong>da</strong>, posto que isto é <strong>de</strong>sconhecido quando projetamos o sistema”(SHANNON, 1975: p. 33). Diz ain<strong>da</strong> SHANNON a respeito:Se uma fonte po<strong>de</strong> produzir apenas uma pré-<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> mensagem ...nenhum canal se faz necessário. Por exemplo, uma máquina <strong>de</strong>computação po<strong>de</strong> ser ajusta<strong>da</strong> para calcular os dígitos sucessivos donúmero π. Nenhum canal é necessário para “transmitir” esse resultado <strong>de</strong>um local a outro. Po<strong>de</strong>ríamos apenas construir uma segun<strong>da</strong> máquina ...(1975: p. 66)Assim, a informação <strong>de</strong> um evento Ai é, na <strong>teoria</strong> estatística <strong>da</strong>informação, forneci<strong>da</strong> por sua probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> P(i). As relações entreinformação e probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> ficam explicita<strong>da</strong>s através <strong>da</strong>s seguintesproprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s:a) A única variável que <strong>de</strong>termina a informação <strong>de</strong> um eventoelementar é sua probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>: IA(i) = F(Pi);b) Um acontecimento necessário possui informação nula: F(1) = 0.Em <strong>de</strong>corrência disso, a informação associa<strong>da</strong> a uma tautologia ésempre zero.__10__


c) A informação é função inversa <strong>da</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>: Se P(i)F(Pj);d) A informação <strong>de</strong> um evento impossível ten<strong>de</strong> ao infinito: P(i) = 0→ I A(i) → ∞ ee) A informação conti<strong>da</strong> na conjunção <strong>de</strong> dois acontecimentos éexpressa através <strong>da</strong> soma <strong>da</strong>s informações <strong>de</strong>ssesacontecimentos: F(Pi.Pj)=F(Pi)+F(Pj). Essa condição só é satisfeitapelas funções logarítmicas, que transformam em soma oproduto <strong>de</strong> dois números.Com isso, Shannon abria a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamentocientificamente rigoroso do conceito <strong>de</strong> informação, através <strong>da</strong> introdução<strong>de</strong> escalas quantitativas e <strong>de</strong> funções aplicáveis a enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s nãométricas.A matematização <strong>da</strong>í <strong>de</strong>corrente trazia consigo diversasvantagens, em particular a unificação <strong>de</strong> procedimentos experimentais,permitindo com isso comparações <strong>de</strong> resultados obtidos em diferentesdimensões do processo comunicativo. A Ciência <strong>da</strong> Comunicação chegava,assim, ao elemento valorativo comum, à uni<strong>da</strong><strong>de</strong> abstrata do fenômenocomunicacional, <strong>da</strong> mesma forma que a Economia Política já havia, umséculo antes, unificado quantitativamente o conceito <strong>de</strong> trabalho,passando a tratá-lo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua forma fenomênica.Como vimos acima, a <strong>teoria</strong> <strong>de</strong> Shannon possui diversosantecen<strong>de</strong>ntes na Matemática e na Física. Mas muito pouco tem-se falado<strong>de</strong> seus antece<strong>de</strong>ntes na tradição filosófica. A tese <strong>de</strong> que as <strong>de</strong>cisões sãoconceitos binários, e, portanto, mensuráveis, remonta mesmo a FrancisBacon. Daí porque essa noção é lembra<strong>da</strong> por muitos como “TeoremaFun<strong>da</strong>mental <strong>de</strong> Bacon”.Mas há ain<strong>da</strong> outros aspectos <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Informação que a fazemestabelecer profundos elos com a Filosofia <strong>da</strong> Ciência. Conforme lembraMOLES a Teoria <strong>da</strong> Informação “ultrapassa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo, o ponto <strong>de</strong>vista técnico, e se apresenta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já como uma <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s <strong>teoria</strong>s <strong>da</strong>Ciência” (1969: p. 13). Com efeito, ela apresenta amplas conexõesinterdisciplinares e, conseqüentemente, profun<strong>da</strong>s implicações para aCiência como um todo. Alguns chegam mesmo a postular que a Teoria <strong>da</strong>__11__


Informação aspira à condição <strong>de</strong> disciplina universal, isto é, <strong>de</strong> método dopensamento científico. Veremos a seguir em que medi<strong>da</strong> isso é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro.O objeto <strong>de</strong>ste trabalho é portanto o sistema axiomático <strong>da</strong> Teoria<strong>da</strong> Informação analisado do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> suas principais implicaçõesepistemológicas. Isso quer <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já significar que não estamos diante <strong>de</strong>um trabalho técnico, mas <strong>de</strong> um trabalho com pretensões essencialmentefilosóficas. Buscaremos aqui generalizações epistemológicas apoia<strong>da</strong>s nosdiversos conceitos e enunciados <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Informação, com privilégiopara os conceitos matemáticos <strong>de</strong> informação e entropia e para o teorema9 <strong>de</strong> Shannon, que enuncia o princípio <strong>da</strong> razão <strong>de</strong> transmissão.A pesquisa filosófica a respeito dos <strong>fun<strong>da</strong>mentos</strong> <strong>de</strong> uma Ciênciapo<strong>de</strong> ser feita basicamente a partir <strong>de</strong> dois prismas: o <strong>da</strong> Teoria doConhecimento ou Gnoseologia e o <strong>da</strong> Ontologia. Há geralmente muitaconfusão semântica a respeito dos conceitos <strong>de</strong> Gnoseologia e Ontologia,<strong>da</strong>í a importância <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o que enten<strong>de</strong>mos por esses termos.Em nosso entendimento, o problema fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> Ontologia é o<strong>da</strong> relação entre Ser e Pensar, ou entre Matéria e Idéia, questão genérica osuficiente para extrapolar mesmo os limites <strong>da</strong> Ciência, colocando-secomo problema filosófico ‘puro’.Já a Teoria do Conhecimento ou Gnoseologia centra sua análise nochamado “problema do conhecimento”, que é o problema <strong>da</strong> relação entresujeito e objeto. A Gnoseologia constitui-se, portanto, em afunilamento<strong>da</strong> Ontologia para <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> problemática do conhecimento, ou, o que dáno mesmo, constitui-se em aspecto <strong>da</strong> Ontologia quando se enfocaexclusivamente problemas do âmbito do conhecimento.ENGELS sintetiza muito bem a relação entre Ontologia eGnoseologia quando afirma:A questão do pensar e do ser tem ain<strong>da</strong> um outro lado: como secomportam nossos pensamentos diante do mundo que nos ro<strong>de</strong>ia paracom esse mesmo mundo? Está o nosso pensar em condições <strong>de</strong> conhecer omundo real, po<strong>de</strong>mos nós produzir, em nossas representações e conceitosdo mundo real, uma imagem especular correta <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>? Esta questãochama-se, na linguagem filosófica, a questão <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar eser, e é respondi<strong>da</strong> afirmativamente pelo maior número <strong>de</strong> filósofos. (1982,p. 389)__12__


Mas on<strong>de</strong> situar a Epistemologia no quadro <strong>da</strong> distinção feitaacima? Da mesma forma que a Gnoseologia é uma restrição do campo <strong>da</strong>Ontologia à análise do conhecimento, a Epistemologia representa tambémum afunilamento, isto é, uma restrição <strong>da</strong> Gnoseologia à análise exclusivado conhecimento científico. De fato, po<strong>de</strong>mos falar <strong>de</strong> uma gnoseologia <strong>da</strong>arte, <strong>da</strong> religião ou até mesmo do conhecimento popular, pois to<strong>da</strong>s estasúltimas são formas <strong>de</strong> conhecimento (embora nem sempre <strong>de</strong>conhecimento racional). Já a Epistemologia é tão-somente a Gnoseologia<strong>da</strong> Ciência, <strong>de</strong> modo que, no âmbito <strong>de</strong>ste trabalho – o qual trataexclusivamente <strong>de</strong> problemas <strong>da</strong> Ciência – empregaremos os termosEpistemologia e Gnoseologia como tendo exatamente o mesmo sentido.A relação entre Ontologia e Epistemologia vem sendo abor<strong>da</strong><strong>da</strong>pela ciência do século XX <strong>de</strong> forma inteiramente nova. A Ciência comoum todo vem progressivamente abdicando do problema ontológico em suaforma ‘pura’ e tratando-o ca<strong>da</strong> vez mais apenas no que diz respeito àEpistemologia. Quer isso significar que a Ciência tem <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong>perguntar o que é um objeto para questionar-se sobre como po<strong>de</strong>mosconhecê-lo. Acreditamos ser esta tendência salutar e até inevitável, pois areali<strong>da</strong><strong>de</strong> vai aos poucos mostrando que a Ontologia, se discuti<strong>da</strong> à parte<strong>da</strong> Ciência, como coisa <strong>de</strong>la <strong>de</strong>svincula<strong>da</strong>, <strong>de</strong>genera em mero problemametafísico.I<strong>de</strong>ntificar os <strong>fun<strong>da</strong>mentos</strong> epistemológicos <strong>de</strong> um sistemaaxiomático é o mesmo que situar esse sistema na História <strong>da</strong> Ciência,assinalando o que nele é ganho para a Ciência e para a Teoria doConhecimento como um todo. MOLES resume bem isso ao afirmar que “AFilosofia esgota as noções científicas para <strong>de</strong>las tirar noções universais. Ésob esse aspecto que se interessa por to<strong>da</strong> <strong>teoria</strong> sintetizante” (1969: p.290).O problema do conhecimento segue hoje como questão fun<strong>da</strong>mental<strong>de</strong> qualquer Filosofia <strong>da</strong> Ciência. Apesar <strong>da</strong>s inúmeras tentativas <strong>de</strong>afastá-lo ou <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rá-lo um “problema superado”, ele sempre volta ainsinuar-se por <strong>de</strong>trás <strong>da</strong>s <strong>teoria</strong>s científicas e dos sistemas filosóficos,__13__


como a mostrar que não po<strong>de</strong> ser simplesmente afastado como uma teia<strong>de</strong> aranha. A vitali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sse problema resi<strong>de</strong> na própria natureza doconhecimento, em seu caráter ao mesmo tempo uno e contraditório. Ao<strong>de</strong>senvolver-se, a Ciência está sempre recolocando o problemaepistemológico, como que a exigir respostas novas e sempre maisavança<strong>da</strong>s para esse problema.A Teoria <strong>da</strong> Informação é uma disciplina que leva ao limite areflexão epistemológica sobre a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento. Ainformação é um objeto <strong>de</strong> tipo inteiramente novo, cujo conteúdosemântico faz-se ausente aos sentidos. De fato, a informação não dizrespeito a quaisquer coisas ‘materiais’, mas à organização <strong>de</strong>ssas coisas,à forma como aparecem conjuga<strong>da</strong>s. Trata-se portanto <strong>de</strong> um objeto <strong>de</strong>tipo heurístico-abstrato, o qual, por paradoxal que pareça, confirmainequivocamente a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimento objetivo do mundo. Issoé em síntese o que preten<strong>de</strong>mos provar com este trabalho.As generalizações epistemológicas a respeito <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong>Informação serão aqui respal<strong>da</strong><strong>da</strong>s em opiniões consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s na História<strong>da</strong> Filosofia a respeito <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento. Será essacategoria o ‘fio <strong>de</strong> ariadne’ que nos orientará no labirinto dos sistemasfilosóficos.A objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> resume em si o problema fun<strong>da</strong>mental doconhecimento. Trata-se <strong>de</strong> um conceito relativo à correspondência entreum pensamento e a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que se propõe representar. Se a<strong>de</strong>terminado pensamento correspon<strong>de</strong> uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva, isto é, umareali<strong>da</strong><strong>de</strong> apreensível pelo sujeito em sua essência, diz-se <strong>de</strong>ssepensamento que é um conhecimento objetivo.O conceito <strong>de</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong> gerar a impressão <strong>de</strong> estarmosdiante <strong>de</strong> um problema ontológico. Em nossa visão, porém, esse é umconceito do âmbito <strong>da</strong> Teoria do Conhecimento. Mas não há dúvi<strong>da</strong> <strong>de</strong>que, <strong>de</strong>ntre as categorias gnoseológicas, é a objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> a que maisdiretamente revela nexos com a problemática ontológica. Diríamos mesmoque, através <strong>de</strong>la, a Ontologia insinua-se claramente por <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> Teoriado Conhecimento. Isso ocorre porque o conceito <strong>de</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> envolve__14__


questões intimamente relaciona<strong>da</strong>s à Ontologia, como, por exemplo, o que<strong>de</strong> fato enten<strong>de</strong>mos por ‘reali<strong>da</strong><strong>de</strong>’.O conceito <strong>de</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> será, portanto, nosso mais geral fiocondutor. Mas essa noção nem sempre comparecerá <strong>de</strong>sta forma. NaCiência, ela se fará presente muitas vezes através <strong>de</strong> conceitos auxiliares,<strong>de</strong>ntre os quais os <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminismo, causali<strong>da</strong><strong>de</strong> e previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. NaFilosofia também o <strong>de</strong>bate sobre a objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> toma inúmeras vezesoutras formas, como a <strong>da</strong> discussão sobre a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> ou, até mesmo, a <strong>da</strong>“inocente” questão dos universais, formato sob o qual a escolásticamedieval travava o <strong>de</strong>bate sobre a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento.Buscaremos verificar, ao mesmo tempo, como as diversas correntesfilosóficas se posicionam em relação a esses problemas e, também, <strong>de</strong> queforma as novas <strong>de</strong>scobertas <strong>da</strong> Ciência afetam inevitavelmente o <strong>de</strong>bate <strong>da</strong>tradição filosófica a respeito <strong>de</strong>sses temas.Uma advertência faz-se necessária quando li<strong>da</strong>mos com problemasfilosóficos. Cremos em que o pensamento não se constrói ou se movimentaatravés <strong>de</strong> autores singularizados, mas por intermédio <strong>de</strong> correntes. E,para i<strong>de</strong>ntificar epistemologicamente uma corrente, não cremos sernecessário o conhecimento minucioso <strong>da</strong> série dos autores que acompõem. O que temos a fazer é selecionar um ou alguns autoresrepresentativos <strong>de</strong>ssa corrente em sua essência. Foi o que procuramosfazer, selecionando autores cruciais relacionados à tradição grega, aoempirismo clássico, ao empirismo crítico e à dialética i<strong>de</strong>alista ematerialista.A análise do problema do conhecimento a partir <strong>da</strong> tradiçãofilosófica lança luz sobre os problemas epistemológicos suscitados pelaTeoria <strong>da</strong> Informação. Essa análise revela uma <strong>teoria</strong> que traduz amentali<strong>da</strong><strong>de</strong> contraditória <strong>de</strong> seu tempo, on<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnas concepçõescoexistem lado a lado com velhos pressupostos. Por um lado, a Teoria <strong>da</strong>Informação revela um caráter essencialmente atomístico e exploratório,pressupostos relacionados a uma visão mecânica do mundo, on<strong>de</strong> aspartes <strong>de</strong>terminam o todo e não o contrário. No mesmo passo, porém, aTeoria <strong>da</strong> Informação situa-se entre as disciplinas que, no século XX,__15__


<strong>de</strong>ram lugar a um novo paradigma científico-filosófico: o <strong>de</strong> que oconhecimento não é um processo absoluto, mas probabilístico. “O conceito<strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> passa a ser encarado sob um ângulo novo, alargando-se ... edinamizando-se – o que dá, exemplificativamente, ao afirmar que aver<strong>da</strong><strong>de</strong>, num experimento, só po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>limita<strong>da</strong> em termos <strong>de</strong> altaprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong>” (MASER, 1969: p. 24).Dentro <strong>de</strong>ssa forma nova <strong>de</strong> encarar a Ciência, surgi<strong>da</strong> no séculoXX, “resolver problemas equivale a manipular processos” (MASER, 1975:p. 29). Passa a ser rejeita<strong>da</strong> a compartimentação em favor <strong>da</strong> idéia <strong>de</strong>integri<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s disciplinas em uma visão dinâmica do mundo. Dissopo<strong>de</strong>mos concluir que a Teoria <strong>da</strong> Informação, embora não tenha apretensão <strong>de</strong> abor<strong>da</strong>r aspectos qualitativos, posto que é uma <strong>teoria</strong>matemática, traz contudo em si, <strong>de</strong> forma vela<strong>da</strong> importantes aspectosqualitativos que revelam as mais diversas implicações para a Ciência comoum todo.__16__


Capítulo 1AXIOMÁTICA DA TEORIA DA INFORMAÇÃOEm 1677 Leibniz formulava seu “Programa <strong>de</strong> Cálculo”, nos mol<strong>de</strong>sdos “Elementos <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s”. Nessa obra era lança<strong>da</strong> a Teoria Axiomática,que logo se tornou um i<strong>de</strong>al perseguido por to<strong>da</strong>s as ciências.A rigi<strong>de</strong>z do i<strong>de</strong>al axiomático leibniziano recebeu, no <strong>de</strong>correr doséculo XX, as mais diversas críticas, em particular às suas exigências <strong>de</strong>consistência e completu<strong>de</strong>. De fato, a Teoria Axiomática, que tem comopressuposto a <strong>de</strong>terminação dos enunciados básicos, é basea<strong>da</strong> noprincípio <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e em uma visão estática <strong>de</strong> mundo, refletindo amentali<strong>da</strong><strong>de</strong> mecanicista do século XVII. Apesar disso, segue sendo ummo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> utili<strong>da</strong><strong>de</strong> para a pesquisa dos <strong>fun<strong>da</strong>mentos</strong> <strong>de</strong> qualquerCiência, na medi<strong>da</strong> em que enumera com clareza seus elementosconstituintes centrais.Segundo a Teoria Axiomática, to<strong>da</strong> ciência é composta <strong>de</strong> umconjunto <strong>de</strong>:a) Conceitos. Po<strong>de</strong>m ser básicos – não-<strong>de</strong>finidos, fixados por meio<strong>de</strong> explicação – ou <strong>de</strong>rivados – fixados por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição. A__17__


explicação é uma forma “fraca” <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição. O conteúdo <strong>de</strong> umconceito é também sua extensão;b) Enunciados. Po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> dois tipos: os axiomas – que são osenunciados básicos – e os teoremas, extraídos dos axiomasatravés <strong>da</strong>sc) regras <strong>de</strong> inferência.No i<strong>de</strong>al axiomático leibniziano, o conjunto <strong>de</strong>sses elementos <strong>de</strong>verevelar três proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s:a) Consistência. Uma <strong>teoria</strong> só po<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar um enunciado ‘a’ou seu contrário ‘~a’;b) Completu<strong>de</strong>. Qualquer enunciado <strong>de</strong> uma <strong>teoria</strong> <strong>de</strong>ve ser<strong>de</strong>duzido apenas <strong>de</strong> seus axiomas e conceitos;c) In<strong>de</strong>pendência. Significa a redução ao mínimo do número <strong>de</strong>pressupostos não-<strong>de</strong>finidos, ed) Evidência. È uma forma “fraca” <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração, apoia<strong>da</strong> na“simplici<strong>da</strong><strong>de</strong> formal” ou “clareza dos pressupostos”. A evidênciaé pressuposto complementar <strong>da</strong> in<strong>de</strong>pendência, o que quer dizerque um ocorre às custas do outro.Os <strong>fun<strong>da</strong>mentos</strong> <strong>de</strong> uma Ciência correspon<strong>de</strong>m ao conjunto <strong>de</strong> suasexplicações, <strong>de</strong>finições e axiomas. A Ciência propriamente ditacompreen<strong>de</strong> os teoremas. A Teoria <strong>da</strong> Informação é uma <strong>teoria</strong> científicainteiramente axiomatiza<strong>da</strong>. Apresentaremos neste capítulo o sistemaaxiomático <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Informação, isto é, seu sistema <strong>de</strong> conceitos,enunciados e regras <strong>de</strong> inferência. Começaremos com algumas <strong>de</strong>finições<strong>de</strong> base.1. SistemasNa medi<strong>da</strong> em que tem por objeto sistemas <strong>de</strong> comunicação, umaprimeira <strong>de</strong>finição cara à Teoria <strong>da</strong> Informação é a <strong>de</strong> Sistema.Enten<strong>de</strong>mos aqui por Sistema qualquer conjunto munido <strong>de</strong> umaestrutura. Já Cantor esclarecia que to<strong>da</strong> reunião <strong>de</strong> elementos Aiconfigura um conjunto. Um sistema, porém, não é um conjunto qualquer,mas um conjunto organizado, sendo essa organização <strong>da</strong><strong>da</strong> por um__18__


conjunto <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s e relações entre os elementos Ai – os chamados‘parâmetros sistêmicos’, como a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> crescimento do número <strong>de</strong>elementos, a complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, etc.Se abstrairmos significado e aplicações, restam os chamados “sistemasformais”: a sintaxe, na condição <strong>de</strong> <strong>teoria</strong> <strong>de</strong> possíveis sistemas sintáticos,é, portanto, uma <strong>teoria</strong> matemática <strong>de</strong> sistemas – que engloba, como casoespecial, a Lógica ... Um sistema <strong>de</strong> cunho matemático, usualmentei<strong>de</strong>ntificado a um cálculo (D. Hilbert) é uma <strong>teoria</strong> formaliza<strong>da</strong>, é umaforma vazia (H. Weyl) que se presta à <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> vários sistemasequivalentes. (MASER, 1975: P. 59)Enten<strong>de</strong>-se por espaço <strong>de</strong> fase <strong>de</strong> um sistema o conjunto <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s assuas possíveis configurações. O espaço <strong>de</strong> fase tem estruturaprobabilística, isto é, todo ponto (configuração) do espaço <strong>de</strong> fase tem uma<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> – a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> achar o sistema naquelaconfiguração.Um sistema abstrato po<strong>de</strong> ser pensado como uma classe <strong>de</strong>equivalência sob isomorfismo. Correspon<strong>de</strong> a um conjunto <strong>de</strong> pontos quecumprem o papel do espaço <strong>de</strong> fase, em que ca<strong>da</strong> conjunto razoável temuma probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> (que não mu<strong>da</strong> com o movimento dos subconjuntos) esegue uma regra que nos diz para on<strong>de</strong> um ponto se moverá em ‘t’uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> tempo.Dizemos que o sistema a é um fator do sistema b se há umacorrespondência <strong>de</strong> muitos-para-um do espaço <strong>de</strong> fase <strong>de</strong> b para o <strong>de</strong> a,on<strong>de</strong> conjuntos correspon<strong>de</strong>ntes têm a mesma probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> e evoluem nomesmo sentido.Após abstrair as proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s estatísticas e ignorar to<strong>da</strong>s as outras,dois sistemas são consi<strong>de</strong>rados o mesmo quando vistos como sistemasabstratos se, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ignorarmos conjuntos ou eventos <strong>de</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>zero, há uma correspondência <strong>de</strong> um-para-um entre os pontos <strong>de</strong> seusespaços <strong>de</strong> fase, <strong>de</strong> forma que os conjuntos correspon<strong>de</strong>ntes têm a mesmaprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong> e evoluem na mesma direção. Sistemas que se encaixamnessa <strong>de</strong>finição são chamados isomórficos.__19__


Há várias formas <strong>de</strong> classificação <strong>de</strong> sistemas. Em primeiro lugar, ossistemas po<strong>de</strong>m ser estáticos ou dinâmicos. A Teoria <strong>da</strong> Informaçãotrabalha com sistemas <strong>de</strong> comunicação, um tipo <strong>de</strong> sistema dinâmico.A ciência clássica faz a pesquisa formal apenas <strong>de</strong> sistemas estáticos.Hoje, a pesquisa formal já examina sistemas dinâmicos – que se alteramcom o passar do tempo.Po<strong>de</strong>mos pensar <strong>de</strong> um sistema dinâmico que obtemos <strong>de</strong> um processocasual como um mo<strong>de</strong>lo abstrato para o mínimo mecanismo capaz <strong>de</strong>produzir tal processo. Se começamos com um sistema dinâmico e fazemosuma medi<strong>da</strong> (que po<strong>de</strong> ser função do espaço <strong>de</strong> fase), então po<strong>de</strong>mospensar o resultado <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> em vários tempos como um trajeto <strong>de</strong>amostra <strong>de</strong> um processo estacionário. (ORNSTEIN, V 243: p. 184)Questões sobre como se modifica o estado <strong>de</strong> um sistema dinâmico,para on<strong>de</strong> leva a alteração e se po<strong>de</strong> esta ser influencia<strong>da</strong> por objetivospré-fixados são respondi<strong>da</strong>s a partir <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong>finições gerais básicas.“Um sistema dinâmico é um transformador <strong>de</strong> estado” (MASER, 1975: p.205). Ou seja: nele um elemento <strong>de</strong> entra<strong>da</strong> (input) é convertido em umelemento <strong>de</strong> saí<strong>da</strong> (output). Geralmente a notação matemática <strong>da</strong> entra<strong>da</strong>é feita com a letra ‘i’, enquanto que para a saí<strong>da</strong> costuma-se utilizar aletra ‘j’. Tarefa básica <strong>da</strong> <strong>teoria</strong> <strong>de</strong> sistemas é examinar o que se passa nointerior <strong>de</strong>sse transformador, <strong>de</strong> modo a esclarecer as alterações <strong>de</strong> estadodo sistema.Outra forma <strong>de</strong> classificação <strong>de</strong> sistemas é quanto à suacomplexi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Po<strong>de</strong>mos nesse sentido distinguir primeiramente ossistemas simples: são <strong>de</strong> pequena complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> e inteiramente<strong>de</strong>terminísticos, como uma moe<strong>da</strong> ou um interruptor. Há também ossistemas complexos, que possuem múltiplos aspectos mas são ain<strong>da</strong>assim passíveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição, como é o caso do sistema planetário. Ossistemas complexos são <strong>de</strong>terminísticos ou probabilísticos. Por fim temosos sistemas mais-que-complexos. Tais sistemas são inteiramenteprobabilísticos e não são passíveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição precisa, como o cérebrohumano. Têm como características a relativa in<strong>de</strong>terminação e a imensavarie<strong>da</strong><strong>de</strong>.__20__


Quanto à previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, temos primeiramente os sistemascompletamente previsíveis. Neles, as medi<strong>da</strong>s (até aquelas <strong>de</strong> precisãofinita) são previsíveis no sentido <strong>de</strong> que, se as fazemos em intervalosregulares <strong>de</strong> tempo, o passado <strong>de</strong>termina inteiramente o futuro.Já um sistema não-completamente previsível geralmente possuialgumas medi<strong>da</strong>s previsíveis e outras não. Não ser completamenteprevisível significa o mesmo que ter sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> às condições iniciais.Portanto, o grau <strong>de</strong> previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong> caracteriza o nível <strong>de</strong> acaso presenteno sistema. Além dos sistemas completamente previsíveis (on<strong>de</strong> oconhecimento do passado nos diz tudo sobre o futuro) e dos sistemas nãocompletamenteprevisíveis (em que o conhecimento do passado não nosdiz tudo sobre o futuro), ORNSTEIN (V. 243: p. 186) enumera ain<strong>da</strong> oschamados Sistemas “K”, nos quais o conhecimento do passado nos dizarbitrariamente pouco sobre o longo prazo, e os Sistemas Bt, tambémconhecidos como “fluxos <strong>de</strong> Bernoulli”, on<strong>de</strong> praticamente na<strong>da</strong> po<strong>de</strong>mossaber sobre o longo prazo.Há sistemas complexos que ilustram o que chamamos “caos<strong>de</strong>terminístico”, isto é, sistemas que evoluem <strong>de</strong> acordo com as leis <strong>de</strong>Newton mas não obstante parecem ser casuais. Isso indica que, comoassevera J. WICKEN (1987: p. 33), processos casuais nem sempre surgem<strong>de</strong> uma matriz casual.Dissemos acima que todo sistema implica em uma estrutura. Mas oque é estrutura? Se há equivalência (isomorfismo) entre sistemas, ou seja,entre conjuntos e suas or<strong>de</strong>ns correspon<strong>de</strong>ntes, dizemos que tais sistemaspossuem um conjunto <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s e relações, ou, em suma, umaestrutura, em comum.Órbitas individuais dos espaços <strong>de</strong> fase <strong>de</strong> sistemas caóticos po<strong>de</strong>m serextremamente instáveis e irreprodutíveis. Por outro lado, para muitossistemas <strong>de</strong>sse tipo po<strong>de</strong>mos provar que o sistema como um todo éestável. Esse fenômeno recebe o nome <strong>de</strong> estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> estrutural.__21__


2. Regras e Conceitos Matemáticos Fun<strong>da</strong>mentaisA Teoria <strong>da</strong> Informação trabalha com um conjunto <strong>de</strong> parâmetrossistêmicos mensuráveis através <strong>de</strong> um instrumental relativamente novona história <strong>da</strong> matemática: a Teoria <strong>da</strong>s Probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Essa parte <strong>da</strong>aritmética contém as regras que tornam possível enunciar os 23 teoremasbásicos que constituem o corpo <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Informação na formaenuncia<strong>da</strong> por Clau<strong>de</strong> Shannon em 1948.Apresentamos a seguir algumas noções matemáticas básicasrelaciona<strong>da</strong>s ao uso <strong>da</strong> noção <strong>de</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s.Somatório – Designado pela letra grega ∑ (Sigma), indica soma. Naexpressão, o elemento i, situado abaixo <strong>de</strong> sigma, indica o limiteinferior <strong>da</strong> soma. O elemento n, situado acima <strong>de</strong> sigma, indica o limitesuperior.Média – Tendo-se um conjunto com A(i) elementos, a média numéricado conjunto é <strong>da</strong><strong>da</strong> porMédia pon<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> – Tipo <strong>de</strong> cálculo <strong>de</strong> média em que é toma<strong>da</strong> aproporção <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> elemento do conjunto e multiplica<strong>da</strong> pelo número <strong>de</strong>vezes em que esse elemento comparece. O somatório <strong>de</strong>sses produtosfornece a média numérica pon<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> <strong>de</strong> um conjunto. A proporção <strong>de</strong>ca<strong>da</strong> elemento no conjunto é chama<strong>da</strong> “fator <strong>de</strong> pon<strong>de</strong>ração”. O uso <strong>de</strong>fatores <strong>de</strong> pon<strong>de</strong>ração permite o ‘arredon<strong>da</strong>mento’ dos números médios.Potenciação – Indica quantas vezes um número <strong>de</strong>ve ser multiplicadopor si mesmo. Possui as seguintes proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s:1. a m . a n = a m+ n2. = a m - n__22__


3. a o = a m – m = = 14. (a m ) n = a m . n5. =Logaritmo – Versão contrária ou operação inversa <strong>da</strong> potenciação. Ouseja: se a x = b, então x = loga bHá basicamente três tipos <strong>de</strong> bases logarítmicas. Os logaritmoscomuns são calculados na base 10. Os naturais ou neperianos têm a base‘e’, uma constante com valor aproximado <strong>de</strong> 2,718. Na Teoria <strong>da</strong>Informação os logaritmos utilizados têm base 2.Os logaritmos possuem as seguintes proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s:1. logx m + logx n = logx (m . n)2. logx m - logx n = logx ( )3. n . logx m = logx m n4. log 1 = φA análise combinatória é uma parte <strong>da</strong> matemática bastante afim coma Teoria <strong>da</strong>s Probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Dela é possível <strong>de</strong>duzir, como veremos aseguir, a fórmula básica para a mensuração <strong>da</strong> informação.O problema fun<strong>da</strong>mental do cálculo combinatório é o <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar,<strong>da</strong>do certo número n <strong>de</strong> elementos, to<strong>da</strong>s as formas possíveis <strong>de</strong> agrupálos.Para isso usa-se o cálculo fatorial, <strong>de</strong>signado matematicamente pelosímbolo ‘!’ (fatorial).O problema mais simples no âmbito <strong>da</strong> análise combinatória é o <strong>da</strong>spermutações. Ele po<strong>de</strong> ser enunciado <strong>da</strong> seguinte forma: quantascombinações são possíveis em uma seqüência <strong>de</strong> n elementos? A respostaé: n!, isto é, 1 x 2 x 3 ... x n.__23__


A partir do cálculo fatorial, é possível resolver ain<strong>da</strong> problemas umpouco mais complexos, como o <strong>da</strong> <strong>de</strong>terminação do número <strong>de</strong>permutações <strong>de</strong> n elementos ca<strong>da</strong> qual surgindo apenas i vezes, ou o <strong>da</strong><strong>de</strong>terminação do número <strong>de</strong> classes que po<strong>de</strong>m ser forma<strong>da</strong>s com nelementos <strong>de</strong> um conjunto, respeitando ou não a or<strong>de</strong>m dos elementos epermitindo ou não repetições <strong>de</strong> elementos.Mas a noção matemática mais cara à Teoria <strong>da</strong> Informação é mesmo anoção <strong>de</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s.No cálculo sentencial clássico existem apenas dois valores (V ou F).Contudo, na gran<strong>de</strong> maioria <strong>da</strong>s situações, não po<strong>de</strong>mos afirmar comcerteza quaisquer dos dois valores. Nessas situações <strong>de</strong> eventosdinâmicos, não-consumados, ganha importância a idéia <strong>de</strong>probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Isso ocorre porque a análise <strong>de</strong> <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> evento não épossível com apenas dois valores (V ou F). Ela só se torna viável com o uso<strong>de</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s associa<strong>da</strong>s a esses valores (necessário, possível,contingente ou impossível). A Teoria <strong>da</strong>s Probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s permite atradução <strong>de</strong>ssas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s, <strong>de</strong> conceitos qualitativos que são, ementi<strong>da</strong><strong>de</strong>s numéricas. “A Lógica <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s torna-se, pois, umorganón apropriado para o exame <strong>de</strong> processos, ou eventos emtransformação” (MASER, 1975: p. 91).A Teoria <strong>da</strong>s Probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s trabalha com dois conceitos fun<strong>da</strong>mentais:o <strong>de</strong> evento e o <strong>de</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>.Chama-se evento a qualquer resultado <strong>de</strong> experimento, observação ouprova, isto é, a qualquer fato <strong>de</strong>rivado <strong>de</strong> pesquisa ou busca. Uma busca(ou ensaio) é ca<strong>da</strong> realização <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> condições ou circunstâncias,compreen<strong>de</strong>ndo um conjunto <strong>de</strong> possíveis ocorrências ou resultados. Esseconjunto é chamado “conjunto-evento”.Se um evento po<strong>de</strong> ou não manifestar-se sob condições <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s,diz-se <strong>de</strong>le que é um evento aleatório.Dois eventos Ai e Aj são in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes se os resultados <strong>de</strong> ensaiosrelacionados ao primeiro evento não alteram as condições que atuamsobre ensaios relacionados ao segundo evento. Dois eventos Ai e Aj são<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes se a ocorrência <strong>de</strong> um influencia a <strong>de</strong> outro. No caso <strong>de</strong>__24__


eventos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes fala-se em probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s condicionais Pi(j) (lê-se Pjcom i <strong>da</strong>do). Uma forma bastante peculiar <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência dá-se quandoos eventos são mutuamente exclu<strong>de</strong>ntes, situação em que Pi(j) = 0.Segundo GOLDMAN (1953: p. 2), probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> é o número fracional<strong>de</strong> vezes em que um evento ocorre em um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> repetiçõesin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> uma mesma situação original. Matematicamentefalando, uma probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> é <strong>da</strong><strong>da</strong> pela razão entre o número <strong>de</strong> casosfavoráveis e o número <strong>de</strong> casos possíveis. A probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> é sempre umnúmero entre 0 (improbabili<strong>da</strong><strong>de</strong> total) e 1 (probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> máxima, certezaabsoluta).As probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s possuem algumas proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s básicas. A negação é<strong>da</strong><strong>da</strong> por P(~Ai) = 1 – P(Ai). A conjunção, isto é, a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ocorrência <strong>de</strong> dois eventos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes (A e B), é igual ao produto <strong>de</strong>suas probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s: P(A∧B) = P(A).P(B). Já a disjunção, probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ocorrência <strong>de</strong> dois eventos mutuamente exclu<strong>de</strong>ntes (A ou B) é igual àsoma <strong>de</strong> suas probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s: P(A∨B) = P(A) + P(B). Se os eventos não sãomutuamente exclu<strong>de</strong>ntes, a disjunção é <strong>da</strong><strong>da</strong> por P(A) + P(B) – P(A).P(B).Por fim, a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> alternativa <strong>de</strong> dois eventos (ou A ou B) é <strong>da</strong><strong>da</strong>por P(A) + P(B) – 2.P(A).P(B).3. Conceito Matemático <strong>de</strong> InformaçãoComo afirmamos acima, a Teoria <strong>da</strong> Informação abre a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>tratamento cientificamente rigoroso do conceito <strong>de</strong> informação, na medi<strong>da</strong>em que permite mensurá-lo através <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> idéia <strong>de</strong>probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s.Para que possa ser quantifica<strong>da</strong>, a informação <strong>de</strong>ve ser trata<strong>da</strong> em umsentido puramente seletivo, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado o problema semântico <strong>da</strong>significação. Com efeito, a Teoria <strong>da</strong> Informação não se propõe medir asignificação, conceito associado aos símbolos em sua dimensão semântica.Ao invés disso, a <strong>teoria</strong> fun<strong>da</strong><strong>da</strong> por Hartley e aprimora<strong>da</strong> por Shannon eWeaver fornece a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> mensurar a complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> umamensagem, a qual não po<strong>de</strong> ser encontra<strong>da</strong> nos símbolos em si, mas na__25__


forma como aparecem organizados. Segundo SHANNON, “aspectossemânticos <strong>da</strong> comunicação são irrelevantes ao problema <strong>da</strong> engenharia.A faceta significativa é aquela em que a mensagem real tenha sidoseleciona<strong>da</strong> <strong>de</strong>ntre um grupo <strong>de</strong> possíveis mensagens” (1975: p. 33).Portanto, é o conceito <strong>de</strong> seletivi<strong>da</strong><strong>de</strong> que permite lançar mão <strong>de</strong> uma<strong>de</strong>finição cientificamente rigorosa <strong>de</strong> informação. Embora essa <strong>de</strong>finiçãonão seja semântica, ela po<strong>de</strong> ser utiliza<strong>da</strong> para fins semânticos, namedi<strong>da</strong> em que a análise quantitativa <strong>de</strong> mensagens po<strong>de</strong> perfeitamenteservir <strong>de</strong> instrumento para a análise do conteúdo <strong>de</strong>ssas mensagens.A informação seletiva é aquela requeri<strong>da</strong> para a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> umelemento em um conjunto <strong>da</strong>do. WEAVER afirma que, no sentido seletivo,“Informação ... não se relaciona tanto àquilo que você realmente dizquanto ao que você po<strong>de</strong>ria dizer” (1975: p. 9).O conceito <strong>de</strong> informação seletiva, elaborado por C. Shannon, apesar<strong>de</strong> ser o mais largamente utilizado, não é o único conceitomatematicamente <strong>de</strong>finível <strong>de</strong> informação. Há outras maneiras <strong>de</strong>conceituar essa enti<strong>da</strong><strong>de</strong>, com <strong>de</strong>staque para a noção <strong>de</strong> “informaçãoalgorítmica” <strong>de</strong> Kolmogorov-Chaitin.A abor<strong>da</strong>gem <strong>de</strong> Kolmogorov-Chaitin preenche uma importante lacuna<strong>da</strong> Teoria <strong>de</strong> Shannon, na medi<strong>da</strong> em que, ao contrário <strong>de</strong>sta última,permite calcular quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>s diferentes <strong>de</strong> informação para mensagensidênticas compostas <strong>de</strong> modos diferentes. A <strong>teoria</strong> <strong>de</strong> Kolmogorov-Chaitin<strong>de</strong>screve a complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> informacional <strong>de</strong> mensagens individuaiscalculando o menor programa possível capaz <strong>de</strong> computá-las, vindo <strong>da</strong>í otermo ‘<strong>teoria</strong> <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> algorítmica’.Assim, se n é a duração <strong>de</strong> uma seqüência e C(n) sua complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>,C(n) ≤ n; se é igual a seqüência é dita casual. A complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>informacional é um tipo <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> algorítmica, e tem na abor<strong>da</strong>gem<strong>de</strong> Kolmogorov-Chaitin o mesmo papel que a entropia na <strong>teoria</strong> <strong>de</strong>Shannon. Enquanto que na primeira a entropia tem uma naturezaalgorítmica, na última ela tem uma natureza estatístico-probabilística.O que estamos mensurando quando medimos a informação? Essaquestão já sugere a proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> problemas filosóficos. Pois, na medi<strong>da</strong>__26__


em que nos perguntamos sobre qual a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong> tal ou qualsistema <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>, ou sobre qual a natureza <strong>de</strong> tal ou qual conceitomatemático, é a problemática ontológica que se insinua por meio <strong>da</strong>análise do conhecimento.Porém, foge ao escopo do presente capítulo o tratamento <strong>de</strong> problemasepistemológicos, <strong>da</strong>í porque nos limitaremos a respon<strong>de</strong>r à questão acimaenumerando alguns termos que na maioria dos autores surgemassociados ao conceito <strong>de</strong> “informação”.Nesse sentido, o valor matemático <strong>da</strong> informação correspon<strong>de</strong> ao grau<strong>de</strong> imprevisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> ou <strong>de</strong> novi<strong>da</strong><strong>de</strong> na ocorrência <strong>de</strong> um elemento,conceitos opostos aos <strong>de</strong> redundância e inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ou seja: quantomaior a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informação conti<strong>da</strong> em um elemento, maisimprevisível e surpreen<strong>de</strong> ele é, e menor é sua inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e suaredundância. Inversamente, baixas taxas <strong>de</strong> informação correspon<strong>de</strong>m àmais alta inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e à maior previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong>.Já a informação média (também chama<strong>da</strong> “entropia”, como veremosem <strong>de</strong>talhes à frente) correspon<strong>de</strong> ao grau <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>(multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> possíveis complexões) ou <strong>de</strong> homogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> estatística<strong>de</strong> um sistema informacional, como um alfabeto, por exemplo.A <strong>de</strong>finição matemática <strong>da</strong> informação é feita através do emprego do logaritmo <strong>da</strong>sprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Essa expressão é utiliza<strong>da</strong> para fornecer a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escolhas (entreelementos ou entre conjuntos) necessárias à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> um elemento em umconjunto <strong>de</strong> elementos possíveis. Utilizemos <strong>de</strong> início um exemplo bastante simples: se amensagem for seleciona<strong>da</strong> <strong>de</strong>ntre um grupo <strong>de</strong> dois sinais eqüiprováveis, suaprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ½. Logo, há ½ <strong>de</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> o sistema se apresentar naquelacomplexão.Calculamos então o - Log ½ = Log 2 (o sinal negativo serve apenas para transformarem número natural a fração que expressa a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>). Esse cálculo, evi<strong>de</strong>ntemente,<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong> base do logaritmo, que contém o número <strong>de</strong> dígitos (ou <strong>de</strong> escolhas). Essabase é a responsável pela <strong>de</strong>terminação <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> informação. Seadotarmos, por exemplo, a base 10, a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> será <strong>da</strong><strong>da</strong> em dígitos <strong>de</strong>cimais.Po<strong>de</strong>ríamos ain<strong>da</strong> adotar os logaritmos neperianos ou naturais, mas eles sãocostumeiramente usados apenas no cálculo infinitesimal. A Teoria <strong>da</strong> Informação adota odois como base, o que significa que a informação é medi<strong>da</strong> em dígitos (ou escolhas)binárias. A uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informação seletiva é o ‘bit’, abreviação para o termo em inglês‘binary digit’, sugerido por John Tuckey.__27__


A equação <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informação em uma mensagem recebi<strong>da</strong> é <strong>da</strong><strong>da</strong> pelologaritmo <strong>da</strong> razão entre a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, no receptor, <strong>da</strong> ocorrência <strong>de</strong>pois dorecebimento <strong>da</strong> mensagem e a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, no receptor, <strong>da</strong> ocorrência antes dorecebimento <strong>da</strong> mensagem. Ou seja:I = LogA equação é escrita <strong>de</strong>ssa forma porque a mensagem recebi<strong>da</strong> é sempre diferente <strong>da</strong>envia<strong>da</strong>, contendo uma quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> a mais <strong>de</strong> informação <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> ruído.Em primeira análise, porém, trabalharemos com a hipótese <strong>de</strong> que nãohaja ruído. Neste caso, o numerador <strong>da</strong> razão cita<strong>da</strong> acima é igual a 1.O número <strong>de</strong> mensagens possíveis em um repertório <strong>de</strong> x elementos éfornecido por x n (on<strong>de</strong> n é igual à duração <strong>da</strong> mensagem).Como nos mostra MOLES (1969: p. 45-48), se temos uma mensagemsendo composta à veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> constante <strong>de</strong> N por segundo, po<strong>de</strong>mos<strong>de</strong>duzir uma fórmula para a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informação <strong>de</strong>ssa mensagem.Ao final <strong>de</strong> um tempo t, teremos N.t elementos, dos quais N.Pi.t serãoelementos i (Pi é a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> do i-ésimo elemento).É possível mostrar, através <strong>da</strong> análise combinatória, que há (N.t)!maneiras <strong>de</strong> arranjar os N.t símbolos. Havendo N.Pi.t símbolos i, há então(N.Pi.t)! formas <strong>de</strong> arranjá-los que proporcionam uma mensagem idêntica.Po<strong>de</strong>mos a partir <strong>da</strong>í provar que há (N.t)/(N.Pi.t)! mensagensver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente diferentes umas <strong>da</strong>s outras, sendo a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seobter uma <strong>de</strong>ssas mensagens igual a N.pi.t !/N.t!. A informação forneci<strong>da</strong>por essa mensagem será, portanto, <strong>de</strong>I = -Calcular logaritmos <strong>de</strong> fatoriais é coisa extremamente complexa etrabalhosa, o que praticamente inviabilizaria o cálculo <strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>informação, caso não houvesse outra maneira <strong>de</strong> enunciar a fórmulaacima.__28__


Felizmente há uma expressão conheci<strong>da</strong> como Fórmula <strong>de</strong> Stirling,precioso artifício matemático que permite <strong>de</strong>senvolver os logaritmos <strong>de</strong>fatoriais do seguinte modo:Log p!= p Log p – pTeríamos entãoI = -{ N.Pi.t Log N.Pi.t – N.t Log N.t – ∑ N.Pi.t + N.t).Se N = 1 símbolo por segundo, temos então que Sigma N.Pi.t = N.t.Com isso, os dois últimos termos <strong>da</strong> equação <strong>de</strong>saparecem e temos:I = - { N.Pi.t Log N.Pi.t – N.t Log N.t}.Sendo N.t constante, po<strong>de</strong>mos abolir o termo N.t Log N.t, pois:N.Pi.t Log N.Pi.t = N.t Pi Log Pi + Nt Log Nt.Ficamos então ao final com a equação:I = - N.t Pi Log Pi.Essa expressão significa que a informação é proporcional ao tempo t eà <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> N <strong>de</strong> elementos (por espaço ou por tempo). Além disso, ela<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> ain<strong>da</strong> <strong>da</strong> extensão n do repertório e <strong>da</strong> forma <strong>de</strong> uso (isto é, <strong>da</strong>freqüência), dos elementos, <strong>da</strong><strong>da</strong> pela probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> Pi.Já a taxa média R <strong>de</strong> informação, distinta <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> total <strong>de</strong>informação transmiti<strong>da</strong> pelos N.t elementos é <strong>da</strong><strong>da</strong> por R = I/t = - N SigmaPi Log Pi. Se N=1 símbolo por uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo temosR = - ∑ Pi Log Pi.__29__


Shannon mostra ser possível ain<strong>da</strong> calcular a duração <strong>de</strong> umamensagem não pelo número <strong>de</strong> elementos mas pela duração distinta <strong>de</strong>ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les, supondo que suas durações variem no tempo (Cf.GOLDMAN, 1953: p. 8).4. Restrições Fixas e ProbabilísticasNo caso em que há constrangimentos ou restrições (regras,gramática) como resultado <strong>de</strong> relações lógicas entre eventos, não po<strong>de</strong>mossimplesmente, como veremos em <strong>de</strong>talhes mais à frente, somar ologaritmo <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> símbolos discretizados para obter ainformação total trazi<strong>da</strong> pela mensagem.Se houver restrições fixas (o próximo elemento <strong>da</strong> mensagem<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> inteiramente do anterior) reduz-se bastante o número <strong>de</strong>mensagens possíveis. Em sistemas <strong>de</strong> código com restrições fixas <strong>de</strong>duração finita (como o código morse), vale a regra segundo a qual onúmero <strong>de</strong> diferentes possíveis mensagens em uma seqüência <strong>de</strong> longaduração T cresce exponencialmente com T.O fato <strong>de</strong> que essa regra vale também para sistemas com restriçõesprobabilísticas (como as linguagens naturais) constitui-se na leimatemática básica que torna possível o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma <strong>teoria</strong>matemática rudimentar sobre a transmissão <strong>de</strong> informação.As restrições probabilísticas (o próximo elemento <strong>da</strong> mensagem não<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> inteiramente do anterior) também reduzem, como as fixas, onúmero <strong>de</strong> mensagens possíveis <strong>de</strong> <strong>da</strong><strong>da</strong> duração.5. A Lei dos Gran<strong>de</strong>s Números <strong>de</strong> BernoulliDizer que algo tem ½ <strong>de</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ocorrência significa dizerque, em uma longa série <strong>de</strong> lances, esse evento ten<strong>de</strong> a ocorrer em meta<strong>de</strong><strong>da</strong>s vezes.De acordo com a regra segundo a qual o número <strong>de</strong> mensagenspossíveis em uma seqüência T aumenta exponencialmente com T, afórmula para o cálculo <strong>da</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que todos os lances <strong>de</strong> uma__30__


seqüência <strong>de</strong> cara ou coroa com duração n dêem cara é <strong>de</strong> (½) n ,umnúmero muito pequeno, mas <strong>de</strong>terminado. Como o número <strong>de</strong> possíveisarranjos aumenta com n, é pequena a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong>caras em todos os lances <strong>de</strong> uma seqüência <strong>de</strong> tamanho razoável.Se contudo n=1, a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que todos os lances dêem cara é <strong>de</strong>50%.Em relação ao jogo <strong>de</strong> cara ou coroa, ao alongar qualquer seqüência <strong>de</strong>lances <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> po<strong>de</strong>mos perceber que aumenta a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>termos ½ <strong>de</strong> caras e ½ <strong>de</strong> coroas.Se a moe<strong>da</strong> é vicia<strong>da</strong>, os elementos do repertório não serãoeqüiprováveis. Caso a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> caras e <strong>de</strong> coroas, em uma moe<strong>da</strong>vicia<strong>da</strong>, seja respectivamente <strong>de</strong> ¾ e ¼, a seqüência que concentrará amáxima probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ocorrência será aquela em que comparecerem,em vinte lances por exemplo, 15 caras e 5 coroas.Conseqüentemente, ao aumentarmos a duração <strong>de</strong> uma seqüência,estamos aptos a saber não só qual a seqüência <strong>de</strong> maior probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>,mas também qual a seqüência cuja probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> aproxima-se <strong>de</strong> zero (noexemplo <strong>da</strong>do, geralmente será aquela cujo número <strong>de</strong> caras ou <strong>de</strong> coroasseja igual a 20).O exposto acima correspon<strong>de</strong>, em essência, ao que nos afirma a Leidos Gran<strong>de</strong>s Números, primeiramente formula<strong>da</strong> por Bernoulli: quantomaior a duração <strong>de</strong> uma seqüência, mais aproxima-se <strong>de</strong> 1 aprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> “seqüência típica” do processo. A seqüência típica éaquela cuja composição percentual coinci<strong>de</strong> com a lei probabilística <strong>de</strong>ocorrência dos elementos na seqüência. Conforme afirma GOLDMAN(1953: P. 14), uma seqüência infinitamente longa certamente será típica.Em seqüências <strong>de</strong> duração finita (principalmente em seqüênciascurtas) geralmente ocorrem divergências em relação à seqüência típica.Essas divergências são conheci<strong>da</strong>s como flutuações. Como corolário à Leidos Gran<strong>de</strong>s Números, uma seqüência infinita <strong>de</strong>ve possuir quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>nula <strong>de</strong> flutuações.__31__


6. Estocastici<strong>da</strong><strong>de</strong>, Processos Markov e Ergodici<strong>da</strong><strong>de</strong>A Teoria <strong>da</strong> Informação trabalha com conceitos <strong>da</strong> Estatística quepermitem i<strong>de</strong>ntificar tipos diferenciados <strong>de</strong> processos probabilísticos.Assim, uma fonte produzindo símbolos discretos segundo probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s po<strong>de</strong> ser estocástica, markov ou ergódica.Processo estocástico é aquele que produz uma seqüência <strong>de</strong> símbolosdiscretos, segundo certas probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Essas probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s sãochama<strong>da</strong>s “monogramáticas”, <strong>da</strong>do que não são condicionais e expressamportanto a relativa ausência <strong>de</strong> constrangimentos na seqüência.O processo estocástico on<strong>de</strong> as probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s simbólicas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong>acontecimentos prévios <strong>da</strong> série é <strong>de</strong>nominado processo Markov ouca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Markov.Já um processo ergódico <strong>de</strong>fine-se a partir <strong>de</strong> duas características: a)ocorrência <strong>de</strong> símbolos é regula<strong>da</strong> probabilisticamente; b) não háinfluência inter-simbólica apreciável para além <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado númerofinito <strong>de</strong> símbolos. Essa última característica faz com que qualqueramostra razoavelmente ampla seja representativa <strong>da</strong> seqüência como umtodo. Qualquer relação entre símbolos que se esten<strong>da</strong> além <strong>de</strong> uma<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> duração em uma seqüência ergódica po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>puramente casual. Nos sistemas ergódicos há influências intersimbólicasaté um <strong>de</strong>terminado limite <strong>de</strong> duração.Da mesma forma que em processos estocásticos, nos ergódicos tambémvale a Lei dos Gran<strong>de</strong>s Números. Isto é: uma seqüência suficientementegran<strong>de</strong> certamente ilustrará com exatidão as probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s simbólicas eas influências intersimbólicas típicas do sistema. Essa seqüênciasuficientemente gran<strong>de</strong> é chama<strong>da</strong> “seqüência ergódica”. “Sistemasergódicos ... <strong>de</strong>monstram en<strong>de</strong>micamente uma espécie segura econfortante <strong>de</strong> regulari<strong>da</strong><strong>de</strong> estatística” (WEAVER, 1975: p. 12). Aseqüência ergódica é, portanto, estacionária, já que as freqüências não sealteram no <strong>de</strong>correr <strong>da</strong> série. Para que o processo permaneça estacionário,<strong>de</strong>vem ser satisfeitas as condições <strong>de</strong> equilíbrio: quaisquer que sejam ascondições iniciais, P(N)j <strong>de</strong>ve ser confirma<strong>da</strong> no estágio j após N símbolos,com N ten<strong>de</strong>ndo ao infinito.__32__


A Teoria Ergódica é a <strong>teoria</strong> do comportamento estatístico <strong>de</strong> longoprazo dos sistemas dinâmicos, ou “fluxos <strong>de</strong> medi<strong>da</strong> preserva<strong>da</strong>”, como<strong>de</strong>fine ORNSTEIN (V. 243: p. 182).Seqüências não-ergódicas são perfeitamente possíveis e até prováveispara pequenas seqüências, mas a soma <strong>de</strong> suas probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s seaproxima <strong>de</strong> zero em uma longa seqüência.Muitas linguagens, como as naturais, não são sistemas ergódicosperfeitos, mas aproximados. A matemática <strong>de</strong> sistemas ergódicos é a elesaplica<strong>da</strong> por convenção.Para calcular o número <strong>de</strong> possíveis mensagens em uma seqüênciaergódica <strong>de</strong>vemos proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> forma a separar a seqüência em gruposelementares <strong>de</strong> símbolos ou mensagens que esgotem o resíduo <strong>de</strong>influência entre os símbolos. Isso torna possível a consi<strong>de</strong>ração, para fins<strong>de</strong> cálculo, <strong>da</strong> influência intersimbólica.Para calcular, por exemplo, o número M <strong>de</strong> mensagens possíveis emuma seqüência ergódica <strong>de</strong> duração m, <strong>de</strong>vemos usar a expressãoM(m) = A .2 hm , on<strong>de</strong>A é a constante <strong>da</strong> seqüência e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>de</strong> duração m; h= -1/q Pi Log Pi, sendo ‘q’o número médio <strong>de</strong> símbolos por mensagem elementar; ‘q’ é sempre maior que o alcance<strong>da</strong> influência intersimbólica. Pi é a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ocorrência <strong>da</strong> i-ésima mensagem e ∑Pi Log Pi é a soma pon<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> <strong>de</strong> todos os valores <strong>de</strong> i, ou seja: P1 Log P1 + P2 log P2 ... +Pn Log Pn (com n = número total <strong>de</strong> mensagens elementares).7. O Sistema <strong>de</strong> Comunicação e suas PartesA comunicação é simboliza<strong>da</strong> por um sistema abstrato que contém oselementos comuns indispensáveis a todo e qualquer processo <strong>de</strong>comunicação, isto é, a todo e qualquer processo que envolva transmissãoou troca <strong>de</strong> informações.Pré-requisito fun<strong>da</strong>mental para analisar os problemas relacionados àcomunicação é transformar em gran<strong>de</strong>zas matemáticas as diversasenti<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas envolvi<strong>da</strong>s.__33__


O sistema <strong>de</strong> comunicação é em geral composto dos seguinteselementos:a) Fonte ou emissor. Produz a mensagem através <strong>de</strong> seleçõessucessivas <strong>de</strong> elementos retirados <strong>de</strong> um repertório;b) Transmissor ou codificador. Transforma a mensagem em sinalapto a circular no canal;c) Canal. Conduz a mensagem codifica<strong>da</strong>. Geralmente está sujeito àação <strong>de</strong> forças perturbadoras, que recebem a <strong>de</strong>nominação geral <strong>de</strong>ruído;d) Receptor ou <strong>de</strong>codificador. Faz operação inversa à do transmissor;e) Destinatário. Elemento que recebe a mensagem, receptáculo <strong>de</strong>informação.Enten<strong>de</strong>-se por mensagem qualquer grupo <strong>de</strong> elementos extraídos <strong>de</strong>um repertório e or<strong>de</strong>nados em uma estrutura segundo as proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s(regras) <strong>de</strong> um código, com a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> serem transportados <strong>de</strong> umemissor a um <strong>de</strong>stino.Por código é entendido um conjunto <strong>de</strong> regras e operações requeri<strong>da</strong>spara expressar informação <strong>de</strong> forma satisfatória através <strong>de</strong> umamensagem a ser transmiti<strong>da</strong>. O código é, portanto, o responsável pelaestrutura <strong>da</strong> mensagem, isto é, por seu or<strong>de</strong>namento. Todos os códigosusam seqüências simbólicas, mesmo os códigos pictóricos, como um filme,o qual utiliza duas ou três seqüências simbólicas paralelas.Para que um código seja completamente satisfatório para expressarinformação a ser transmiti<strong>da</strong> por um canal, to<strong>da</strong>s as possíveis mensagensgera<strong>da</strong>s na fonte <strong>de</strong>vem ser passíveis <strong>de</strong> ser codifica<strong>da</strong>s e transmiti<strong>da</strong>s porum <strong>de</strong>terminado canal.Po<strong>de</strong>mos fazer a distinção entre códigos primários (<strong>de</strong> entra<strong>da</strong>) esecundários (<strong>de</strong> saí<strong>da</strong>). Quando por exemplo convertemos umamensagem escrita em qualquer linguagem natural para o código morse, alinguagem natural representa o código primário, e o código morse é aqui ocódigo secundário.__34__


Os constrangimentos <strong>de</strong> um código primário po<strong>de</strong>m eliminar opçõesdisponíveis em um código secundário, tornando a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> compostados dois menor que a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> individual <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um (Cf. GOLDMAN,1953: p. 28). Significa isso que os constrangimentos do código primáriosomam-se aos do código secundário na limitação do número <strong>de</strong>seqüências permiti<strong>da</strong>s.Denomina-se canal-código o sistema em que uma seqüência <strong>de</strong>símbolos em <strong>de</strong>terminado código é transmiti<strong>da</strong> à taxa específica por<strong>de</strong>terminado canal.A tradução <strong>da</strong> mensagem num código particular a<strong>da</strong>ptado ao canalrecebe o nome <strong>de</strong> codificação. Um dos mais importantes problemas emengenharia <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação é o <strong>de</strong> elaborar meios a<strong>de</strong>quados àcodificação <strong>de</strong> informações. Como veremos a seguir, a maioria dosproblemas <strong>de</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> canais <strong>de</strong> comunicação po<strong>de</strong> ser resolvi<strong>da</strong>através <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> codificação que permita certa compressão <strong>da</strong>informação.A codificação i<strong>de</strong>al é aquela que iguala as características estatísticas <strong>da</strong>fonte às do canal. A respeito <strong>da</strong> eficiência do sistema <strong>de</strong> codificação,SHANNON afirma:De modo a obtermos a transferência máxima <strong>da</strong> força elétrica produzi<strong>da</strong>por um gerador para uma carga, um transformador <strong>de</strong>ve, em geral, serintroduzido no circuito, <strong>de</strong> forma a permitir que o gerador quando visto doponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong> carga tenha a mesma resistência <strong>da</strong> carga. A situaçãoaqui é mais ou menos análoga ... A codificação <strong>de</strong>ve igualar a fonte aocanal no sentido estatístico ... O conteúdo do teorema 9 (o teorema <strong>da</strong>razão <strong>de</strong> transmissão, que examinaremos em <strong>de</strong>talhes mais à frente) éque, embora uma igual<strong>da</strong><strong>de</strong> exata não seja ordinariamente possível,po<strong>de</strong>mos aproximá-la tanto quanto <strong>de</strong>sejarmos. A razão proporcional <strong>da</strong>quota real <strong>de</strong> transmissão para a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> C do canal po<strong>de</strong>rá serchama<strong>da</strong> <strong>de</strong> eficiência do sistema <strong>de</strong> codificação. Evi<strong>de</strong>ntemente, isto éigual à razão <strong>da</strong> entropia (informação média) real dos símbolos do canalpara a entropia máxima possível. (1975: p. 66)A codificação é mais simples nos casos <strong>de</strong> eqüiprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong> dosdiversos símbolos do repertório, quando po<strong>de</strong>mos dividir sempre ao meioas probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s dos símbolos. Neste caso a codificação po<strong>de</strong> ser opera<strong>da</strong>letra a letra, sem qualquer per<strong>da</strong> <strong>de</strong> eficiência. Por exemplo: um alfabeto__35__


<strong>de</strong> quatro letras eqüiprováveis po<strong>de</strong> ser codificado à razão mínima <strong>de</strong> 2bits por letra, valor que correspon<strong>de</strong> ao <strong>da</strong> informação média (ou entropia,como veremos) do alfabeto.Diferentemente, temos os casos em que os símbolos não sãoeqüiprováveis ou suas probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s não são múltiplas <strong>de</strong> 2. Comoexemplo temos um alfabeto <strong>de</strong> três símbolos (A, B e C). Usando o método<strong>de</strong> divisão do conjunto sempre ao meio, chegaríamos à i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>ca<strong>da</strong> letra com a taxa média <strong>de</strong> informação <strong>de</strong> 1,67 bits. No entanto, ainformação média do conjunto (<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo somatório dos logaritmos <strong>da</strong>sprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> elemento) é <strong>de</strong> 1,58 bits.De on<strong>de</strong> provém o <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> informação na codificação? Ele éoriundo do <strong>de</strong>srespeito à regra <strong>de</strong> divisão <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s sempre aomeio. Só há uma forma <strong>de</strong> combater esse <strong>de</strong>sperdício: recodificar oalfabeto tomando porções maiores <strong>de</strong> texto, e não letras isola<strong>da</strong>s. Porexemplo: codificar 9 digramas compostos pelas 3 letras. Se dividirmos oconjunto dos digramas sempre o mais próximo possível <strong>da</strong> meta<strong>de</strong>,chegaríamos a uma taxa média <strong>de</strong> informação por digrama <strong>de</strong> 3,22 bits,portanto 1,61 por letra. Usando codificações <strong>de</strong> trigramas, nosaproximaríamos mais ain<strong>da</strong> dos 1,58 <strong>de</strong> informação média do conjunto.Em resumo, quanto mais elementos estiverem codificados em ummesmo signo poligramático (digramas, trigramas, etc), maior o ganho <strong>de</strong>informação. A codificação i<strong>de</strong>al, porém, requer longos atrasos paraigualizar as probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s entre fonte e canal, limpando a linguagem <strong>de</strong>qualquer ineficiência.Mas o que é entendido, no âmbito <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Informação, porlinguagem? Constitui uma linguagem um alfabeto dota<strong>da</strong> dosconstrangimentos fixos ou probabilísticos característicos <strong>de</strong> umaseqüência ergódica. To<strong>da</strong> linguagem possui um alfabeto (repertório) e umagramática (essência <strong>da</strong> redundância, como veremos em segui<strong>da</strong>).Qual a diferença entre linguagem e código? Em certos casos não hádiferença. O código morse, por exemplo, é, ao mesmo tempo, umalinguagem e um código. Porém, em outros casos uma linguagem po<strong>de</strong> tervários códigos superpostos. Uma língua natural, por exemplo, possui pelo__36__


menos quatro códigos alfabéticos superpostos (<strong>de</strong> letras, <strong>de</strong> palavras, <strong>de</strong>sentenças e <strong>de</strong> mensagens). Esses alfabetos se sobrepõem, fazendo comque a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> composta <strong>da</strong> linguagem seja menor que a <strong>de</strong> seu códigoprimário, o <strong>de</strong> letras.Conforme assinala GOLDMAN (1953: P. 30-31), é possível calcularmosa capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> uma linguagem. A máxima informaçãomédia por uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> duração <strong>de</strong> uma seqüência composta em<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> linguagem é <strong>da</strong><strong>da</strong> por– . ∑ Pj Log Pj, on<strong>de</strong>:b é a duração média <strong>da</strong>s mensagens elementares e Pj é a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ocorrência <strong>de</strong> uma mensagem na recepção, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do que foitransmitido.Essa taxa máxima <strong>de</strong> informação média por uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> duração <strong>da</strong>mensagem fornece a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> transmissão <strong>da</strong> linguagem.Um outro elemento fun<strong>da</strong>mental dos sistemas <strong>de</strong> comunicação é ocanal. O canal é um sistema direcional <strong>de</strong> transmissão completo, queinclui as proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s tanto do equipamento <strong>de</strong> transmissão quanto docódigo e linguagem utilizados. Os constrangimentos do canal sãosobrepostos, isto é, incluem os <strong>da</strong> linguagem utiliza<strong>da</strong> na fonte e os docódigo apropriado à transmissão no canal.A natureza estatística <strong>da</strong> mensagem é inteiramente <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>pelas características <strong>da</strong> fonte, mas a natureza estatística do sinal(mensagem traduzi<strong>da</strong> no código) é <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> pelas características <strong>da</strong>fonte mais as do canal, sobrepostas.Os componentes que permitem a avaliação <strong>da</strong> eficácia do canal sãoa taxa <strong>de</strong> transmissão <strong>da</strong> informação, a confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> transmissão e a<strong>de</strong>mora na recepção.Ao invés <strong>de</strong> um único canal, é comum a existência <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s (ouca<strong>de</strong>ias) <strong>de</strong> canais <strong>de</strong> comunicação, que possuem certas proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>sespecíficas. A taxa média máxima com que uma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> canais em__37__


cascata po<strong>de</strong> transmitir informação é igual à menor capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>transmissão <strong>de</strong>ntre os diversos canais. Quando a taxa média máxima <strong>de</strong>todos os canais é igual não há per<strong>da</strong> <strong>de</strong> informação. Se a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>um canal é maior que a <strong>de</strong> outro, este último terá que intercalar umtempo <strong>de</strong> espera entre suas transmissões. Durante esse tempo <strong>de</strong> esperaele po<strong>de</strong> ser usado para outros propósitos, como armazenamento <strong>de</strong>significados para os sinais provenientes <strong>da</strong> fonte primária.8. Entropia InformacionalConceito oriundo <strong>da</strong> Termodinâmica, a entropia (H) correspon<strong>de</strong>, naTeoria <strong>da</strong> Informação, à medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> informação média disponível emseqüências ou repertórios (uma mensagem ou uma fonte, por exemplo).A magnitu<strong>de</strong> <strong>da</strong> entropia é uma medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> incerteza <strong>de</strong>scrita porum conjunto <strong>de</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Ela é expressa matematicamente <strong>da</strong> formaabaixo:H = - K ∑ Pi Log Pi, on<strong>de</strong>Pi é a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um sistema apresentando a complexão i no i-ésimoestado <strong>de</strong> seu espaço <strong>de</strong> fase. Se os diversos i não são in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes entresi, usa-se probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s condicionais Pi(j). K é constante. Fazendo-a igualà uni<strong>da</strong><strong>de</strong> e tomando logaritmos <strong>de</strong> base 2, alcançamos medi<strong>da</strong>correspon<strong>de</strong>nte à redução progressiva <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s à meta<strong>de</strong>.Com relação ao sinal negativo, diz WEAVER: “Qualquerprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong> é um número menor que ou igual a 1, e os logaritmos dosnúmeros menores que 1 são ... negativos. Portanto o sinal <strong>de</strong> menos énecessário <strong>de</strong> modo que H seja <strong>de</strong> fato positivo” (1975: p. 15).O que mensuramos ao medir a entropia informacional? Essaquestão origina um vasto leque <strong>de</strong> visões diversas, o que acusa o fato <strong>de</strong>estarmos diante <strong>de</strong> um problema com certo nível <strong>de</strong> implicaçõesepistemológicas. Com efeito, ao nos perguntarmos sobre a natureza física<strong>de</strong> qualquer conceito matemático, é comum surgirem visões diferencia<strong>da</strong>s.__38__


Essas diferenças geralmente se originam <strong>de</strong> concepções divergentes doproblema epistemológico, isto é, do problema <strong>da</strong> relação entre sujeito eobjeto no conhecimento científico. Assim, há visões mais objetivistas, eoutras mais subjetivistas.BONSACK (1970: P. 184), por exemplo, vê a entropia <strong>de</strong> modo maisobjetivo. Para ele, o H <strong>de</strong> Shannon me<strong>de</strong> a varie<strong>da</strong><strong>de</strong> ou a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>sligações entre elementos. Já autores como MOLES (1969) que trabalhamcom o método psicológico, vêem na entropia uma medi<strong>da</strong> <strong>da</strong>“inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s formas”, <strong>da</strong> incoerência do arranjo entre os elementos,o que confere à gran<strong>de</strong>za entrópica caráter mais niti<strong>da</strong>mente subjetivo.De qualquer modo, nosso objetivo neste capítulo, conforme jáafirmamos, ain<strong>da</strong> não é o <strong>de</strong> discutir problemas epistemológicos.Preten<strong>de</strong>mos aqui apenas expor <strong>da</strong> forma mais clara possível o sistema <strong>de</strong>conceitos e enunciados <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Informação, para o que se faz mister,pelo menos por enquanto, o <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado <strong>de</strong> problemas filosóficos.Assim, tendo em vista a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> menos ambiciosa <strong>da</strong> mera<strong>de</strong>scrição, po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar a entropia, para fins <strong>de</strong> maior clareza,como a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> incerteza associa<strong>da</strong> a um grupo <strong>de</strong> elementos, ou seja,como a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> incerteza <strong>de</strong> que nos livramos aoescolher um elemento <strong>de</strong>ntre um grupo <strong>de</strong> elementos possíveis.Qual a distinção entre informação e entropia? A informação éproprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> elementos, enquanto que a entropia é uma proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>média, isto é, uma proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conjuntos.Em situações <strong>de</strong> eqüiprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, I = H, poisH = ∑ P Log P = n . P Log P, on<strong>de</strong>n é o número <strong>de</strong> elementos do conjunto. Como os elementos são eqüiprováveis, então P =1/n. Daí temosH = - Log__39__


Essa expressão foi chama<strong>da</strong> por Shannon <strong>de</strong> “fórmula <strong>da</strong> entropiamáxima”, já que as situações <strong>de</strong> eqüiprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, on<strong>de</strong> I = H, sãosempre as situações <strong>de</strong> máxima entropia.Em situações <strong>de</strong> ten<strong>de</strong>nciosi<strong>da</strong><strong>de</strong>, temos H diferente <strong>de</strong> I. Nestecaso, I = -Log P(i) e H = - ∑ P(i) Log P(i).Há diversas funções que <strong>de</strong>screvem matematicamente a relaçãoentre gran<strong>de</strong>zas entrópicas. Elas são chama<strong>da</strong>s por EDWARDS (1971: p.s73-75) <strong>de</strong> funções <strong>de</strong> informação média. As principais funções <strong>de</strong>informação média são as seguintes:a) Hj(i) = Informação presente na entra<strong>da</strong> mas não na saí<strong>da</strong>. É o“equívoco” (chamado por Shannon <strong>de</strong> “ambigüi<strong>da</strong><strong>de</strong>”).Correspon<strong>de</strong> à quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informação necessária para corrigiruma mensagem perturba<strong>da</strong>.b) Hi(j) = Informação presente na saí<strong>da</strong> mas não na entra<strong>da</strong>. É o“ruído”.c) T(i;j) = Informação presente na entra<strong>da</strong> e na saí<strong>da</strong>. É a“transmissão” propriamente dita.d) H(i;j) = Surge <strong>da</strong> soma <strong>da</strong>s três funções. Correspon<strong>de</strong> àquanti<strong>da</strong><strong>de</strong> total <strong>de</strong> informação do sistema, isto é, à informaçãomédia forneci<strong>da</strong> por todo o espaço <strong>de</strong> fase do sistema.e) D (i;j) = T / H(i). É a eficácia <strong>da</strong> transmissão, ou seja, a proporçãoentre transmissão efetiva (T) e transmissão possível H(i).f) D (j;i) = T / H(j). Fi<strong>de</strong>digni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> transmissão, ou seja,proporção entre transmissão real e informação média na saí<strong>da</strong>H(j).As funções <strong>de</strong> informação atestam algumas proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>sinteressantes dos sistemas <strong>de</strong> comunicação, <strong>de</strong>ntre as quais:a) H(i) = Hj(i) + T. A entropia na entra<strong>da</strong> é igual à transmissão maiso equívoco.b) Hj(i) = H(i) – T. O equívoco é igual à entropia na fonte menos atransmissão efetiva.c) H(j) = Hi(j) + T. A entropia na recepção é igual ao ruído mais atransmissão.__40__


d) H(i;j) = H(i) + Hi(j). A entropia total é igual à entra<strong>da</strong> mais o ruído.e) H(i;j) = H(j) – Hj(i). A informação total ou se manifesta na saí<strong>da</strong> ouse per<strong>de</strong>.Se o processo for ergódico, as probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s P(i) <strong>da</strong> expressão <strong>da</strong>entropia tornam-se probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s condicionais Pi(j). Por exemplo:H = - ∑ Pi(j) Log Pi(j)é a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> média <strong>de</strong> informação adquiri<strong>da</strong> após a i<strong>de</strong>ntificação <strong>da</strong>próxima letra em qualquer seqüência ergódica.A quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> média <strong>de</strong> informação consegui<strong>da</strong> em to<strong>da</strong> aseqüência é, assim, <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo somatório <strong>de</strong> somatórios:H = ∑ {- ∑ Pi(j) Log Pi(j) . P(i)}, on<strong>de</strong>P(i) é um fator <strong>de</strong> pon<strong>de</strong>ração.Em processos ergódicos po<strong>de</strong>mos ir além e investigar a estruturatrigrama, utilizando a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> condicional Pij(k). Ao investigarmos<strong>de</strong>pendências seqüenciais <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m ‘n’ é possível mostrar que, se ‘n’ ésuficientemente gran<strong>de</strong>, H <strong>de</strong>saparece. Isso significa que o conhecimento<strong>de</strong> to<strong>da</strong> a influência intersimbólica <strong>de</strong> uma seqüência ergódica esgota aincerteza a ela associa<strong>da</strong>, tornando-a 100% previsível.A entropia H possui algumas proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s, <strong>da</strong>s quais po<strong>de</strong>mosenumerar as seguintes:a) H varia em função <strong>de</strong> P(i) (ou <strong>de</strong> Pi{j}) e <strong>de</strong> ‘n’. Se sãoeqüiprováveis os elementos (P(i) é constante), então H cresceexponencialmente com n;b) Sua uni<strong>da</strong><strong>de</strong> matemática (bit) tem proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s aditivas. Issosignifica que, se uma escolha é dividi<strong>da</strong> em escolhas sucessivas,a incerteza do conjunto é a soma pon<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> <strong>da</strong>s incertezas dosconjuntos menores;c) H é máximo com P(i) iguais, caso em que I = H;__41__


d) O valor mínimo <strong>de</strong> H é zero, correspon<strong>de</strong>ndo à certeza absoluta.Logo, matematicamente falando não existe entropia negativa.No caso <strong>de</strong> uma língua que possui freqüências simbólicas erestrições intersimbólicas, não po<strong>de</strong>mos simplesmente calcular a entropiatomando apenas as freqüências simbólicas. É preciso, como já vimos,agrupar os símbolos <strong>de</strong> forma a esgotar nesses grupos as influênciasintersimbólicas. Calculando a entropia <strong>de</strong>sses grupos e dividindo pelonúmero médio <strong>de</strong> símbolos nos grupos, teremos então a entropia porsímbolo, que é a mesma coisa que informação média por símbolo.Chamamos entropia relativa à razão entre a entropia por símbolo<strong>de</strong> uma mensagem e a entropia máxima que ela po<strong>de</strong>ria ter, caso asfreqüências simbólicas fossem eqüiprováveis e não houvesse quaisquerrestrições intersimbólicas.A entropia relativa é expressão <strong>da</strong> “razão <strong>de</strong> compressão”, conceitoque examinaremos em <strong>de</strong>talhes mais à frente. Sua expressão matemáticarecebe a seguinte forma:H = - ∑9. RedundânciaOs constrangimentos intersimbólicos diminuem a informação médiapor símbolo. Quanto mais restrições gramaticais possuir <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>linguagem, maior é a sua redundância (r).A redundância é o fator pelo qual a duração média <strong>da</strong>s mensagens éaumenta<strong>da</strong> <strong>de</strong>vido à estrutura <strong>da</strong> linguagem estar além <strong>da</strong> requeri<strong>da</strong> paratransmitir a informação <strong>de</strong>seja<strong>da</strong>. Devido à redundância, o número <strong>de</strong>arranjos possíveis em uma mensagem <strong>de</strong> duração n composta com Msímbolos é sempre menor que M n .A redundância po<strong>de</strong> ain<strong>da</strong> ser <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> como a fração pré<strong>de</strong>termina<strong>da</strong><strong>de</strong> qualquer sistema, não-passível <strong>de</strong> livre-escolha.A redundância é <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> matematicamente como gran<strong>de</strong>zacomplementar <strong>da</strong> entropia relativa. Ou seja:__42__


= 1 – Entropia relativa.Po<strong>de</strong>ríamos, <strong>de</strong>ssa forma, consi<strong>de</strong>rar a redundância como umaforma <strong>de</strong> ineficiência, no sentido <strong>de</strong> que constrangimentos estatísticosengendram símbolos necessários sintaticamente, mas sem qualquerconteúdo semântico. Essa ineficiência é contudo relativa, e só po<strong>de</strong> serconstata<strong>da</strong> em condições i<strong>de</strong>ais.Porém, no mundo as condições raramente são i<strong>de</strong>ais, o que põe emevidência a importância <strong>da</strong> redundância no combate ao ruído: ela reduz aveloci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> transmissão, mas aumenta a confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. É provável quea redundância subjacente às linguagens naturais tenha se <strong>de</strong>senvolvido –provavelmente através do método <strong>de</strong> tentativa e erro – para melhorar aconfiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s transmissões.Um exemplo <strong>de</strong> como a redundância melhora a confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> é ouso do “bit <strong>de</strong> verificação” em cartões perfurados. Em um cartão on<strong>de</strong> nãohá redundância, to<strong>da</strong>s as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s binárias (furo / não-furo) foramexplora<strong>da</strong>s. Por conseguinte, se houver erro (um furo a mais, porexemplo), ele não po<strong>de</strong>rá ser reconhecido com tal.Porém, po<strong>de</strong>mos inserir ‘bits <strong>de</strong> verificação’ <strong>de</strong> forma a tornar, porexemplo, pares todos os conjuntos <strong>de</strong> furos dispostos sobre as linhas docartão. Dessa forma, se surgir um furo a mais ele será automaticamentereconhecido como um ruído, pois não há número ímpar <strong>de</strong> furos em ca<strong>da</strong>seqüência.Com isso, no exemplo <strong>da</strong>do, ao preço <strong>de</strong> 50% <strong>de</strong> redundância foireduzido praticamente a zero o risco <strong>de</strong> um erro passar <strong>de</strong>spercebido.O conceito <strong>de</strong> redundância introduz a questão <strong>da</strong> compressão <strong>de</strong>informação. Em certos casos, quando há escassez <strong>de</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> C, acompressão <strong>da</strong> informação é importante. Observando a expressãomatemática <strong>da</strong> redundância (1 – H relativa), po<strong>de</strong>mos concluir que seriapossível recodificar uma linguagem natural eliminando todos osconstrangimentos probabilísticos e conseguindo, assim, uma redução naduração <strong>da</strong>s mensagens <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 50% (redundância calcula<strong>da</strong> para oinglês).__43__


Essa recodificação chama-se compressão e é o que é feito, porexemplo, nos telegramas. Obras literárias clássicas, com altas taxas <strong>de</strong>informação, costumam divergir dos constrangimentos probabilísticosimpostos pela sintaxe do texto, construindo com isso outras sintaxespossíveis. É interessante notar, por exemplo, que a redundância <strong>de</strong>mensagens estéticas é <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 20% (MOLES, 1969: p. 194).A compressão <strong>de</strong> informação, porém, não po<strong>de</strong> jamais ultrapassar ataxa <strong>de</strong> redundância sem per<strong>da</strong> <strong>de</strong> informação, pois é essa a taxa <strong>de</strong>comparecimento <strong>de</strong> símbolos sem significado, com função meramentesintática.10. Transmissão <strong>de</strong> InformaçãoA taxa máxima ou capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> transmissão (R) em um<strong>de</strong>terminado canal é a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> informação média máxima transmiti<strong>da</strong>por uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo.R = - ∑ Pj log Pj / ∑ Pjbj, on<strong>de</strong>bj é o valor do tempo requerido para transmitir a j-ésima mensagem.Sendo R1 a taxa <strong>de</strong> transmissão do canal 1 e R2 a do canal 2, entãose R1>R2 parte <strong>da</strong> informação transmiti<strong>da</strong> pelo canal 1 não será recebi<strong>da</strong>pelo canal 2. O contrário ocorre quando R1 ≤ R2. Portanto, para evitar<strong>de</strong>moras apreciáveis ou per<strong>da</strong>s na transmissão será sempre necessárioque a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> do canal posterior seja algo maior que a do anterior.O mesmo acontece com respeito à relação fonte-canal. Se acapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> fonte é maior que a do canal, este último é ina<strong>de</strong>quadopara transmitir a informação requeri<strong>da</strong>, pois não possui um métododiferente para expressar ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s possíveis mensagens.A capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>signa<strong>da</strong> por ‘C’, é o mesmo que a taxa médiamáxima <strong>de</strong> transmissão do canal. A capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong><strong>da</strong> em bits/segundo, éforneci<strong>da</strong> pela expressão__44__


C = Log W, on<strong>de</strong>W é o “espaço <strong>de</strong> fase” do canal, isto é, o conjunto <strong>de</strong> todos os estadospossíveis que po<strong>de</strong>m ser nele configurados.Se ca<strong>da</strong> símbolo gerado na fonte tem ‘s’ bits e o canal po<strong>de</strong>transmitir ‘n’ símbolos, entãoC = n.s bitsFreqüentemente é necessário consi<strong>de</strong>rar também o comprimentodos símbolos (caso seja variável).O teorema <strong>da</strong> razão <strong>de</strong> transmissão (ou teorema 9) é o maisimportante dos teoremas enunciados por Shannon. Possui enormequanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> implicações (inclusive filosóficas, como veremos adiante)nas mais diversas áreas <strong>da</strong> Ciência, <strong>da</strong> Engenharia à Psicologia.O teorema 9 fixa uma condição limitante para qualquer transmissão<strong>de</strong> <strong>da</strong>dos, ao afirmar a impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> transmitir informação a umataxa maior queR =– e, on<strong>de</strong>C é a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> do canal, H é a entropia gera<strong>da</strong> na fonte e ‘e’ é um valorinfinitamente pequeno.Se C exce<strong>de</strong> a informação média por uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo surgindo <strong>da</strong>fonte, há pelo menos um método <strong>de</strong> codificar e enviar to<strong>da</strong> a informaçãono canal. Por outro lado, não haverá nenhum método para codificar essainformação no canal se C < H.Quando há ruído (caso que examinaremos adiante) o teoremacontinua valendo, mas o valor <strong>da</strong> taxa média <strong>de</strong> transmissão já nãoequivalerá à informação por uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo oriun<strong>da</strong> <strong>da</strong> fonte.O teorema 9 é mais facilmente aplicado ao caso em que não háinfluências intersimbólicas, mas po<strong>de</strong> ser prontamente generalizado para__45__


o caso em que há inter<strong>de</strong>pendências, através <strong>da</strong> separação <strong>da</strong>s mensagensem grupos que esgotem as <strong>de</strong>pendências seqüenciais, conforme o já vistoanteriormente.Devemos lembrar que po<strong>de</strong>mos transmitir informação à taxa a maispróxima possível <strong>de</strong> C sem <strong>de</strong>moras no tempo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seja ajusta<strong>da</strong> arelação entre a duração dos símbolos e suas probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s. A codificaçãoconsiste justamente nesse ajuste, através do qual ocorre oemparelhamento entre os constrangimentos probabilísticos <strong>da</strong> fonte e osconstrangimentos fixos do canal. Na codificação resi<strong>de</strong>, portanto, a chave<strong>da</strong> otimização <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> C.O ajuste entre as características estatísticas <strong>da</strong> fonte e as do canalconsiste na escolha <strong>de</strong> certas freqüências simbólicas que dão a máximataxa <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> informação para um <strong>da</strong>do alfabeto <strong>de</strong> símbolos <strong>de</strong>duração <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>. Para adquirir uma alta taxa <strong>de</strong> transmissão <strong>da</strong>informação é sabido que os grupos <strong>de</strong> código menores <strong>de</strong>vem ser usadospara os símbolos lingüísticos que ocorrem mais freqüentemente, e viceversa.As condições que maximizam, até a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> limite do canal, atransmissão <strong>de</strong> informação em um sistema que impõe restrições sobrepossíveis seqüências são <strong>de</strong>scritas no teorema 8 <strong>de</strong> SHANNON. Ele afirmaque “Através <strong>da</strong> <strong>de</strong>signação apropria<strong>da</strong> <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s em transição aentropia dos símbolos em um canal po<strong>de</strong>rá ser maximiza<strong>da</strong> até acapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> limite do canal” (1975: p. 62).Portanto, ignorar o conhecimento estatístico <strong>da</strong> fonte provoca<strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> C. Por outro lado, levar em conta asproprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s estatísticas <strong>da</strong> fonte nos permite adotar um sistema <strong>de</strong>codificação que otimiza C.11. Transmissão <strong>de</strong> Informação em Presença <strong>de</strong> RuídoO ruído é um efeito que inci<strong>de</strong> sobre o canal <strong>de</strong> transmissão,tornando a mensagem recebi<strong>da</strong> diferente <strong>da</strong> mensagem envia<strong>da</strong>.__46__


Geralmente po<strong>de</strong>-se dizer que, quando existe ruído, o sinal recebido exibemaior quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informação – ou fraseando melhor, o sinal recebido éselecionado <strong>de</strong>ntre um grupo <strong>de</strong> sinais mais amplo e mais variado que osinal transmitido... Portanto é possível que a palavra informação tenha,indiferentemente, conotações boas ou más. A incerteza a que nosreferimos é alcança<strong>da</strong> em virtu<strong>de</strong> <strong>da</strong> maior ou menor liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escolhaque o transmissor <strong>da</strong> mensagem susteve, tornando-se, <strong>de</strong>starte, incerteza<strong>de</strong>sejável. A incerteza ... origina<strong>da</strong> por erros ... é a incerteza in<strong>de</strong>sejável.(WEAVER, 1975: p. 19)Portanto, conforme assinala Weaver, o ruído distingue-se <strong>da</strong>informação não tanto pela morfologia quanto pela funcionali<strong>da</strong><strong>de</strong>.O ruído jamais po<strong>de</strong> ser completamente eliminado, mas apenasreduzido a níveis mínimos. Essa é a principal tarefa <strong>da</strong> engenharia <strong>de</strong>comunicações.Vimos anteriormente que a equação <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informaçãoem uma mensagem recebi<strong>da</strong> é igual ao logaritmo <strong>da</strong> razão entre aprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, no receptor, <strong>da</strong> ocorrência <strong>de</strong>pois do recebimento <strong>da</strong>mensagem e a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, no receptor, <strong>da</strong> ocorrência antes dorecebimento <strong>da</strong> mensagem:I = LogA equação é escrita <strong>de</strong>ssa forma porque a mensagem recebi<strong>da</strong> ésempre diferente <strong>da</strong> envia<strong>da</strong>, contendo uma quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> a mais <strong>de</strong>informação ruidosa. Quando não há ruído, o numerador <strong>da</strong> razão é igual a1.O ruído é expresso matematicamente através do uso <strong>da</strong>probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> condicional Pi(j), que dá uma <strong>de</strong>talha<strong>da</strong> <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> seucomportamento. Sendo ‘i’ a mensagem envia<strong>da</strong> e ‘j’ a mensagem recebi<strong>da</strong>,o ruído é igual a zero se i = j.O ruído correspon<strong>de</strong>, em síntese, à diferença entre as entropias <strong>da</strong>saí<strong>da</strong> e do sinal transmitido, ou seja:Hj - Hi = Hi(j).__47__


As probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s Pi e Pj são calcula<strong>da</strong>s por valores <strong>de</strong> longaduração (médias). Com isso, po<strong>de</strong>mos obter a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informaçãoem uma mensagem recebi<strong>da</strong> em presença <strong>de</strong> ruído.Citemos como exemplo a <strong>de</strong>terminação <strong>da</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>transmissão <strong>de</strong> uma mensagem i recebi<strong>da</strong> como j (i que implica j):P(i;j) = 1/Pj.PiPij, on<strong>de</strong>P(i;j) é a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que i implique em j. Pj é a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>recepção <strong>de</strong> j, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do que foi transmitido. Pi é a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>transmissão <strong>de</strong> i, enquanto PiPij é igual à probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que amensagem transmiti<strong>da</strong> seja i e a recebi<strong>da</strong>, j.Já a informação média (entropia) por mensagem recebi<strong>da</strong> napresença <strong>de</strong> ruído é igual a:H(j) – Hi(j), on<strong>de</strong>H(j) é a entropia por mensagem <strong>da</strong> seqüência <strong>de</strong> mensagens recebi<strong>da</strong>squando o que foi transmitido é <strong>de</strong>sconhecido. Hi(j) é a entropia condicionalpor mensagem <strong>da</strong> seqüência <strong>de</strong> mensagens recebi<strong>da</strong>s quando a entra<strong>da</strong> éconheci<strong>da</strong> (na ausência <strong>de</strong> ruído, Hi(j) = 0).H(j) é sempre maior que Hi(j). Se um símbolo é transmitido e outro érecebido, a expressão acima, para informação média, torna-se negativa.É evi<strong>de</strong>nte que o receptor não po<strong>de</strong> saber quanta informação érecebi<strong>da</strong> em ca<strong>da</strong> mensagem se ele não sabe o que foi transmitido. Elepo<strong>de</strong>, porém, conhecer a informação média por mensagem usando H(j) –Hi(j), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> conheça a história do sistema, através <strong>de</strong> suas probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>scaracterísticas, <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s pela observação <strong>de</strong> seu comportamentoprévio em um longo período <strong>de</strong> tempo.A fim <strong>de</strong> um melhor entendimento <strong>da</strong> transmissão na presença <strong>de</strong>ruído, alguns casos especiais po<strong>de</strong>m ser analisados. No último exemplo <strong>de</strong>cálculo <strong>da</strong> informação na presença <strong>de</strong> ruído <strong>de</strong>monstrado por SHANNON(1975: P.S 84-85), é utilizado um tipo especial <strong>de</strong> canal chamado__48__


simétrico. Nele há apenas 2 símbolos. Esse tipo <strong>de</strong> canal simplifica asfunções <strong>de</strong> informação, pois, nele:a) ruído e equívoco são iguais;b) o equívoco in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong>s freqüências relativas <strong>de</strong> entra<strong>da</strong>. Ouseja: Hi(j) = Hj(i)= -{p Log p + (1-p) Log (1-p)}.Nessa função, equívoco e ruído alcançam o valor máximo quando aprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> erro é <strong>de</strong> 50%. Nesse caso, H(j) fica inalterável, mas Hi(j)sobe para 1 bit por símbolo, o que dá o valor surpreen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> H(j) – Hi(j)= 0. Por que a informação média transmiti<strong>da</strong> é neste caso igual a zero?Porque nesse exemplo nenhuma informação média foi transmiti<strong>da</strong>,pois uma percentagem igual <strong>de</strong> símbolos recebidos corretamente po<strong>de</strong> serobti<strong>da</strong> jogando-se uma moe<strong>da</strong>. Explicando melhor: como todos ossímbolos tem igual chance <strong>de</strong> estarem certos ou errados, na<strong>da</strong> chegou aoreceptor que ele já não tivesse como saber a priori.Por outro lado, no mesmo exemplo se a porcentagem <strong>de</strong> erro é <strong>de</strong>100%, H(j) permanece inalterado e Hi(j) cai para zero. A informação médiaé, assim, <strong>de</strong> 1 bit/símbolo. Isso ocorre porque, em só havendo 2 símbolos,po<strong>de</strong>mos conhecer com certeza o símbolo transmitido a partir do recebido,pois há possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> 1 <strong>de</strong> que ele seja trocado na transmissão. Essefenômeno é chamado “distorção”.Um dos mais importantes problemas na transmissão por um canalruidoso é o <strong>da</strong> confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> é a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> precisão <strong>de</strong>uma transmissão. Conseguir razões ótimas <strong>de</strong> transmissão é um dos maiscomplexos problemas <strong>de</strong> engenharia <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s, pois o ruído não éin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do sinal, mas uma função qualquer <strong>da</strong> potência P do sinal.O aumento <strong>da</strong> confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> correspon<strong>de</strong> ao processo <strong>de</strong> redução doruído. A Teoria <strong>da</strong> Informação fornece métodos <strong>de</strong> análise quantitativa dosprocessos <strong>de</strong> redução do ruído. Hoje já há métodos avançados, como oschamados “padrões planejados <strong>de</strong> redundância”, <strong>de</strong>ntre outros.Da equação <strong>da</strong> informação média por mensagem H(j) – Hi(j) <strong>de</strong>riva oresultado notável segundo o qual, através <strong>da</strong> codificação formal – que po<strong>de</strong>contudo envolver um longo tempo <strong>de</strong> espera – é possível reduzir aproporção <strong>de</strong> sinais-ruído em uma mensagem ao limite. Esse método__49__


consiste no aumento <strong>da</strong> redundância <strong>de</strong> forma a compensar o ruído.Assim, a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> incidência <strong>de</strong> erro é menor quando a mensagemé repeti<strong>da</strong> várias vezes. Isso, porém, só po<strong>de</strong> ser conseguido às custas <strong>da</strong>capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> do canal, isto é, às custas <strong>de</strong> uma redução <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>mensagens que po<strong>de</strong> ser envia<strong>da</strong> no mesmo prazo <strong>de</strong> tempo pelo mesmocanal.A repetição, porém, não é o mais eficiente método <strong>de</strong> combate aoruído. Métodos menos dispendiosos – que obtém maior redução <strong>de</strong> ruídocom a mesma redundância – codificam mensagens em grupos <strong>de</strong> símbolosmais longos. Isso capacita um largo número <strong>de</strong> relações intersimbólicas aserem usa<strong>da</strong>s como base para a eliminação <strong>de</strong> mensagens errôneas.A partir disso po<strong>de</strong>mos enunciar o teorema <strong>de</strong> Shannon para a taxamédia <strong>de</strong> informação que po<strong>de</strong> ser envia<strong>da</strong> através <strong>de</strong> um canal ruidosocom porcentagem a menor possível <strong>de</strong> erros. Consi<strong>de</strong>remos primeiramenteas seguintes variáveis propostas por GOLDMAN (1953: p.s 56-57):a) O número <strong>de</strong> possíveis mensagens que po<strong>de</strong>m chegar ao receptor<strong>de</strong> um canal ruidoso én1 = A . 2 m.h(j) ,on<strong>de</strong>m = duração <strong>da</strong>s mensagens e h(j) = - 1/q P(j) Log P(j) = - 1/q H(j), sendoq a média <strong>de</strong> símbolos por mensagem.b) O número <strong>de</strong> seqüências que po<strong>de</strong>m ser transmiti<strong>da</strong>s por umcanal ruidoso én2 = A . 2 m.h(i) ,on<strong>de</strong>m = número <strong>de</strong> símbolos <strong>da</strong> seqüência e h(i) = - 1/q ∑ P(i) Log P(i) = - 1/qH(i). Sendo m suficientemente gran<strong>de</strong>, n1 e n2 são conjuntos ergódicos esuas seqüências são eqüiprováveis.c) O número <strong>de</strong> possíveis seqüências que po<strong>de</strong>m aparecer noreceptor em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> ruído para ca<strong>da</strong> seqüênciatransmiti<strong>da</strong> é__50__


n3 = A . 2 m.hi(j)d) O número <strong>de</strong> possíveis seqüências que po<strong>de</strong>m ser transmiti<strong>da</strong>sem um plano <strong>de</strong> codificação para reduzir o ruído én4 = . 2 -η .msendo η uma espécie <strong>de</strong> constante <strong>de</strong> redundância, a qual entra portantoapenas no cálculo <strong>de</strong> n4. O conjunto <strong>de</strong> mensagens n4 é escolhido <strong>de</strong> n2 aoacaso, o que não afeta as probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s dos símbolos, pois to<strong>da</strong>s asmensagens escolhi<strong>da</strong>s são ergódicas.Vamos consi<strong>de</strong>rar agora as possíveis seqüências resultantes quepo<strong>de</strong>m surgir, <strong>de</strong>vido a ruído, <strong>da</strong>quelas n4 transmiti<strong>da</strong>s. O <strong>de</strong>sejamossaber em particular é quanta duplicação esperar entre as possíveisseqüências recebi<strong>da</strong>s. Sendo as n4 mensagens transmiti<strong>da</strong>s ergódicas eeqüiprováveis – posto que escolhi<strong>da</strong>s ao acaso <strong>de</strong> n2 – a porcentagem <strong>de</strong>duplicação entre as possíveis seqüências resultantes seráaproxima<strong>da</strong>mente igual à porcentagem que elas representam <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s aspossíveis seqüências recebi<strong>da</strong>s.Se não há duplicação, o número <strong>de</strong> diferentes mensagensresultantes seria o máximo:n5 = n4 . n3 = n1 . 2 -η .m ,sendo 2 -η .m a porcentagem <strong>de</strong> duplicação.Quando a seqüência é suficientemente gran<strong>de</strong>, 2 -η .m fica muitopequeno em comparação com a uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, o que significa que quanto maiora duração <strong>da</strong> mensagem, menor a taxa <strong>de</strong> duplicação, conforme jáhavíamos dito.Portanto, é possível codificar n4 mensagens possíveis para enviaratravés do canal ruidoso com percentagem <strong>de</strong> erros na recepção igual àpercentagem <strong>de</strong> duplicação 2 -η .m. Mostramos que isso po<strong>de</strong> ser feito__51__


escolhendo ao acaso as n4 seqüências transmiti<strong>da</strong>s (uma escolha feita <strong>de</strong>acordo com um padrão planejado po<strong>de</strong> ser mais eficiente para diminuir oruído que uma escolha ao acaso), e então interpretando ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s n3diferentes seqüências recebi<strong>da</strong>s que po<strong>de</strong>m surgir <strong>de</strong> qualquer seqüênciaparticular transmiti<strong>da</strong> S(i) como tendo o significado <strong>de</strong> S(i).Portanto, fazendo m suficientemente gran<strong>de</strong> é possível transmitirn4 = . 2 -η .m = . 2 (h(j) – hi(j) - η ).mdiferentes possíveis mensagens com porcentagem <strong>de</strong> errosinversamente proporcional ao tamanho <strong>de</strong> m. Para esse número n4 <strong>de</strong>mensagens, a taxa média <strong>de</strong> informação lingüística será <strong>de</strong> H(j) – Hi(j) =h(j) – hi(j), aproxima<strong>da</strong>mente, pois -η é constante <strong>de</strong> redundância, a qualterá um valor baixo no caso em que m for suficientemente gran<strong>de</strong>.Chegamos portanto à conclusão, originalmente <strong>de</strong>riva<strong>da</strong> porSHANNON, <strong>de</strong> que através <strong>de</strong> codificação formal eficiente um canalruidoso po<strong>de</strong> transmitir informação lingüística à taxa média <strong>de</strong> h(j) – hi(j)bits/símbolo, com percentagem ten<strong>de</strong>ncialmente pequena <strong>de</strong> erros (APUDGOLDMAN, 1953: p. 58).Ao observarmos esse teorema, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>le <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r que:a) Essa taxa é to<strong>da</strong> a informação lingüística média que o canal po<strong>de</strong>transmitir em qualquer caso, eb) Que a confiabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> transmissão <strong>de</strong> informação po<strong>de</strong> sermelhora<strong>da</strong> sem a diminuição <strong>da</strong> taxa média <strong>de</strong> transmissão, masàs custas <strong>de</strong> um tempo maior <strong>de</strong> <strong>de</strong>mora na recepção e <strong>da</strong>redução <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> média <strong>de</strong> manipulação <strong>da</strong> mensagem noemissor, <strong>de</strong>vido ao aumento <strong>da</strong> redundânciaNo caso <strong>de</strong> precisarmos transmitir informação a uma taxa médiamaior que h(j) - hi(j), ou seja, no caso <strong>de</strong> precisarmos comprimirinformação, po<strong>de</strong>mos expressar isso com η positivo (lembremos mais umavez que η é constante <strong>de</strong> redundância) na equaçãon4 = A .2 (h(j) - hi(j)+η ).m__52__


Porém, no caso <strong>de</strong> uma transmissão a essa taxa, apenas umsímbolo fora <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> A.2 -η .m seria transmitido sem erro. Vemos, portanto,que se transmitirmos informação em longas seqüências a uma taxa maiorque h(j) - hi(j) por símbolo, apenas uma pequena parcela chegarácorretamente.Como nos assevera GOLDMAN (1953: P. 59), sendo hi(j) umaexpressão <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s ruidosas do canal, h(j) - hi(j) surge comoexpressão dos limites <strong>de</strong> redução do ruído. Os erros diminuemexponencialmente com ‘m’ quando a taxa <strong>de</strong> transmissão é menor que h(j)– hi(j), e aumentam exponencialmente com m quando a taxa <strong>de</strong>transmissão é maior que h(j) – hi(j)Como enunciar, a partir do exposto acima, a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> do canalruidoso?No caso, exposto anteriormente, <strong>de</strong> um canal não-ruidoso, a taxa <strong>de</strong>transmissão éR1 = = R2 =sendo b a duração média <strong>da</strong>s mensagens; R1, a taxa média com que ainformação po<strong>de</strong> ser codifica<strong>da</strong> no canal <strong>de</strong> transmissão e R2 é a taxamédia com que a informação po<strong>de</strong> ser envia<strong>da</strong> através do canal.Se o canal é ruidoso, naturalmente temos que R1>R2.Conforme assinala GOLDMAN (1953: p.s 60-61), através <strong>de</strong>codificação formal a informação po<strong>de</strong> ser envia<strong>da</strong> através do canal à taxamáxima <strong>de</strong> R2 com uma muito pequena quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> erros, e não po<strong>de</strong>ser codifica<strong>da</strong> a uma taxa maior que R2. Essa taxa máxima é portanto acapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> do canal ruidoso. Ela po<strong>de</strong> ser também expressa <strong>da</strong> formaabaixo, enuncia<strong>da</strong> por SHANNON (1975, P. 74):C = H(i) - Hi(j)E, logo, não po<strong>de</strong>mos transmitir informação a uma razão maior queR2/H(i), ou simplesmente C / H.__53__


12. Informação ContínuaAté aqui estivemos tratando <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> comunicação quetrabalham com sinais discretos (distintos ou digitais). Mas há muitossistemas <strong>de</strong> comunicação em que os sinais não são discretizados,comportando-se como funções contínuas.O relógio digital e o calendário são exemplos <strong>de</strong> sistemas discretos.Modificam-se não <strong>de</strong> forma contínua, mas através <strong>de</strong> “saltos”. A par <strong>de</strong>les,temos os sistemas contínuos, como é o caso, por exemplo, <strong>de</strong> umtermômetro <strong>de</strong> mercúrio, <strong>de</strong> um relógio <strong>de</strong> ponteiros ou <strong>de</strong> um violino.Neste último caso, po<strong>de</strong>ríamos dizer que há um número infinito <strong>de</strong> tonsentre a nota mais baixa e a nota mais alta.Muito antes <strong>de</strong> ser objeto <strong>da</strong> Ciência, o problema <strong>da</strong> continui<strong>da</strong><strong>de</strong> ea questão correlata <strong>da</strong> infinitu<strong>de</strong> já era objeto <strong>de</strong> análise por parte <strong>da</strong>Filosofia, e em particular <strong>da</strong> Filosofia <strong>da</strong> Matemática. Na Grécia antiga, aescola pitagórica dissolveu-se precisamente por não conceber uma retanumérica contínua – concepção que entrava em choque com a <strong>de</strong>scobertado Teorema <strong>de</strong> Pitágoras, que em certos casos resulta em númerosirracionais.O infinito é, <strong>de</strong> fato, uma <strong>da</strong>s mais pensa<strong>da</strong>s categorias filosóficas,e talvez a responsável pelo maior número <strong>de</strong> paradoxos (Cf. MORRIS,1998). Não preten<strong>de</strong>mos ain<strong>da</strong> neste capítulo, contudo, <strong>de</strong>senvolverconsi<strong>de</strong>rações epistemológicas sobre essa categoria, mas apenas mostrar<strong>de</strong> que maneira a Teoria <strong>da</strong> Informação a formaliza matematicamente,mostrando ser possível o tratamento algébrico <strong>de</strong> uma enti<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre aqual ain<strong>da</strong> hoje pouco se sabe do ponto <strong>de</strong> vista filosófico.Os casos <strong>de</strong> informação contínua aceitam os mesmos postulados eteoremas empregados na análise <strong>da</strong> informação discreta, com algumasa<strong>de</strong>quações. A informação contínua po<strong>de</strong>, portanto, ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> casoespecial <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Informação, chama<strong>da</strong> por alguns autores <strong>de</strong> “TeoriaFísica <strong>da</strong> Informação”.O tratamento dos casos <strong>de</strong> informação transmiti<strong>da</strong> por signoscontínuos se dá por via <strong>da</strong> utilização do cálculo infinitesimal,__54__


procedimento até certo ponto polêmico na história <strong>da</strong> Matemática. JáG.W.F. HEGEL acentuava que o cálculo infinitesimal, <strong>de</strong>scoberto porLeibniz, goza largamente <strong>de</strong> incompletu<strong>de</strong>. “Até o dia <strong>de</strong> hoje, ... aMatemática ... não po<strong>de</strong> ... justificar, por si própria, <strong>de</strong> um modomatemático, as operações que repousam sobre aquela transição (asoperações <strong>de</strong> limitação) ... porque elas não são <strong>de</strong> natureza matemática”(APUD LÊNIN, 1989: p. 189). Já para ENGELS o cálculo infinitesimal“tornou possível, pela primeira vez, que a Ciência representasse,matematicamente, processos e não apenas estados” (1979: p. 191).A respeito <strong>da</strong>s “operações” referi<strong>da</strong>s acima por Hegel, SHANNONafirma que “A <strong>teoria</strong> matemática <strong>da</strong> comunicação po<strong>de</strong> ser formula<strong>da</strong> <strong>de</strong>maneira rigorosa e axiomatiza<strong>da</strong> (para) ambos os casos, distintos econtínuos. Ao focalizarmos por esse ângulo, as liber<strong>da</strong><strong>de</strong>s ocasionais ...relativas aos processos limitativos po<strong>de</strong>m ser justifica<strong>da</strong>s” (1975: p. 87).Mas <strong>de</strong>ixemos as consi<strong>de</strong>rações epistemológicas para mais tar<strong>de</strong>,limitando-nos aqui primeiramente à mera <strong>de</strong>scrição matemática dos sinaiscontínuos.Um sinal contínuo po<strong>de</strong> ser representado por uma linha cominfinitos pontos (caso do violino). Po<strong>de</strong> parecer que esse sinal possui umaquanti<strong>da</strong><strong>de</strong> infinita <strong>de</strong> informação (já que uma linha contém infinitospontos). Isso em certa medi<strong>da</strong> é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas essa é uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong>completamente <strong>de</strong>stituí<strong>da</strong> <strong>de</strong> valor prático. O fato é que o valor do sinalcontínuo mu<strong>da</strong> gra<strong>da</strong>tivamente no tempo, <strong>de</strong> forma que po<strong>de</strong>mos dizercom relativa precisão o valor do sinal a partir <strong>de</strong> seu comportamentoimediatamente prece<strong>de</strong>nte (<strong>de</strong>pendência seqüencial). É essa “mu<strong>da</strong>nça”que torna tratável matematicamente o objeto contínuo, através <strong>da</strong>discretização <strong>da</strong>s “uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s” mínimas <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça.Po<strong>de</strong>-se objetar, conforme salienta EDWARDS (1971: p.118), quesinais contínuos só se tornam tratáveis através do “artifício” matemático<strong>de</strong> discretizá-los a partir <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> seu comportamento no tempo. Oproblema é que não po<strong>de</strong>mos fugir disso, pois qualquer instrumento <strong>de</strong>medi<strong>da</strong> possui a mesma limitação, <strong>de</strong> modo que “nossos sinais só po<strong>de</strong>m__55__


ser classificados num número finito <strong>de</strong> categorias” (EDWARDS, 1971: p.118).Seria o caso <strong>de</strong> reconsi<strong>de</strong>rarmos a distinção entre sistemas discretose contínuos? Talvez, mas apenas se não houvesse instrumentos <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>que otimizam a mensuração <strong>de</strong> sistemas contínuos: as funçõescontínuas. Alguns dizem que as funções contínuas são “invençõesartificiais”, o que não lhes tira contudo o valor prático. Trata-se <strong>de</strong>aproximações <strong>da</strong>s fórmulas digitais. Sem elas, po<strong>de</strong>ríamos aplicar aálgebra dos casos discretos chegando aos mesmos resultados, mas com<strong>de</strong>sperdício imenso <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> tempo.Passemos então à <strong>de</strong>scrição matemática <strong>de</strong> um sinal contínuo. Paratanto, faz-se mister a recor<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> algumas noções matemáticasfun<strong>da</strong>mentais, tais como:a) On<strong>da</strong> Senoi<strong>da</strong>l. É a curva gera<strong>da</strong> pela rotação <strong>de</strong> um ponto emuma trajetória circular, com veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> uniforme e marcando, emfunção do tempo, a distância vertical entre o ponto e uma linhatraça<strong>da</strong> pelo centro do círculo. A relevância <strong>da</strong>s on<strong>da</strong>s senoi<strong>da</strong>ispara a Teoria Física <strong>da</strong> Informação <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> um teoremaprimeiramente enunciado por Fourier – o <strong>de</strong> que “qualquer curvacontínua po<strong>de</strong> resolver-se em certo número <strong>de</strong> on<strong>da</strong>s senoi<strong>da</strong>is.De outro lado, essas on<strong>da</strong>s, soma<strong>da</strong>s, reproduzem a curvaoriginal” (EDWARDS, 1971: p. 125).b) Ciclo. È a extensão <strong>da</strong> curva senoi<strong>da</strong>l produzi<strong>da</strong> por umarevolução do ponto.c) Amplitu<strong>de</strong> <strong>da</strong> curva. Tem como valor máximo o raio do círculo, ecomo valor mínimo o mesmo raio negativo.__56__


d) Freqüência. O número <strong>de</strong> ciclos completos por segundo dá amedi<strong>da</strong> <strong>da</strong> freqüência em ciclos por segundo (cps). Qualquersinal auditivo requer para sua completa especificação um gráficocom três coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s: amplitu<strong>de</strong>, freqüência e tempo.Freqüência e tempo se relacionam estreitamente, pois afreqüência é uma função do tempo.e) Largura <strong>de</strong> Ban<strong>da</strong>. Um valor aproximado do alcance <strong>da</strong>influência intersimbólica em sinais contínuos é <strong>da</strong>do pela largura<strong>de</strong> ban<strong>da</strong> <strong>da</strong> freqüência, que fornece um valor aproximado <strong>de</strong>tempo entre valores in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do sinal. Se ela é larga, otempo entre sinais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes é pequeno; do contrário égran<strong>de</strong>. Largas ban<strong>da</strong>s <strong>de</strong> freqüência são o material constituinte<strong>da</strong>s freqüências modula<strong>da</strong>s – que possuem taxa <strong>de</strong> ruído menor.Os conceitos expostos acima são <strong>de</strong>rivados <strong>da</strong> análise <strong>de</strong> Fourier.Ele criou uma função <strong>de</strong> tempo expressa em termos <strong>de</strong> componentesperiódicos, ou freqüências, ca<strong>da</strong> uma expressando o estado do sinal emum momento do tempo. Um sinal possui tantos componentes <strong>de</strong>freqüência in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes quantos são os seus valores in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes notempo. O fato <strong>de</strong> que é possível dividir a freqüência <strong>de</strong> um sinal emcomponentes periódicos é que torna possível a quantificação <strong>de</strong> um sinalcontínuo.Os componentes periódicos são proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s globais <strong>de</strong> todo sinalcontínuo. Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>terminar o valor do sinal em um ponto a partir <strong>da</strong>sproprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s globais <strong>da</strong> freqüência, ou po<strong>de</strong>mos obter as proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>freqüência a partir do valor do sinal em seus vários pontos. Esse fato,aliado à recor<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> que, em um sinal contínuo, o valor do sinal em umponto po<strong>de</strong> ser predito com razoável precisão do valor prece<strong>de</strong>nte, põe emrelevo que estamos li<strong>da</strong>ndo com seqüências ergódicas.O sinal contínuo é <strong>de</strong>scrito matematicamente como função <strong>de</strong>tempo. Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, como conjuntos e agregados <strong>de</strong> funções. “Um grupo <strong>de</strong>funções, como o nome ... indica, é uma classe ou uma coleção <strong>de</strong> funções__57__


ordinariamente <strong>de</strong> uma variável, o tempo ... Um agregado <strong>de</strong> funções é umgrupo <strong>de</strong> funções conjuga<strong>da</strong>s a uma medi<strong>da</strong> <strong>de</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, por meio <strong>da</strong>qual po<strong>de</strong>remos <strong>de</strong>terminar a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma função pertinente aogrupo <strong>de</strong> possuir certas proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s” (SHANNON, 1975: p. 88). Diz ain<strong>da</strong>SHANNON: “Se um agregado é ergódico, po<strong>de</strong>remos grosso modo <strong>de</strong>clararque ca<strong>da</strong> função no grupo é típica do agregado total” (1975: p. 90).SHANNON esclarece também queUm agregado <strong>de</strong> funções é a representação matemática mais apropria<strong>da</strong><strong>da</strong>s mensagens produzi<strong>da</strong>s por uma fonte contínua, <strong>de</strong> sinais produzidospelo transmissor, e do ruído perturbador. A Teoria <strong>de</strong> Comunicação estápropriamente dimensiona<strong>da</strong>, e foi enfatizado por Wiener, não comoperações sobre funções específicas, porém com operações sobreagregados <strong>de</strong> funções. Um sistema <strong>de</strong> comunicação não é projetado parauma função específica <strong>da</strong> oratória, e muito menos ain<strong>da</strong> uma curvasenoi<strong>da</strong>l, e sim para o agregado total <strong>da</strong>s funções <strong>de</strong> oratória. (1975: p. 92)O sinal contínuo é membro <strong>de</strong> um conjunto com largura <strong>de</strong> ban<strong>da</strong> W(faixa <strong>de</strong> freqüências) e duração T, e, por ser um sistema ergódico, po<strong>de</strong>ser completamente especificado se conhecermos seu valor em 2WT pontos<strong>de</strong> amostra. Quanto mais freqüente for <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> amostragem, comtanto mais precisão po<strong>de</strong>remos <strong>de</strong>terminar a forma <strong>da</strong> curva do sinal.Po<strong>de</strong>mos então dizer que o sinal possui 2WT graus <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> e po<strong>de</strong> serrepresentado por um ponto no espaço-sinal <strong>de</strong> 2WT dimensões.Isso é o que nos assevera o teorema 13 <strong>de</strong> Shannon, on<strong>de</strong> F(t) é umsomatório <strong>de</strong> funções, ca<strong>da</strong> uma correspon<strong>de</strong>ndo a um ponto no espaço <strong>de</strong>fase <strong>de</strong> dimensões 2TW. Todos os pontos fora <strong>de</strong> 2WT são iguais a zero.Um subgrupo <strong>de</strong> funções <strong>de</strong> 2WT é uma região neste espaço. “Umagregado <strong>de</strong> funções <strong>de</strong> duração limita<strong>da</strong> em faixa será representado peladistribuição <strong>de</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s p (x1, ..., xn) no espaço dimensionalcorrespon<strong>de</strong>nte a n” (SHANNON, 1975: p. 93).Como calcular a entropia <strong>de</strong> uma fonte contínua? Se a fontecontínua possui poucos estados possíveis, o cálculo é bastante simples,pois basta discretizá-la e aplicar a mesma álgebra <strong>de</strong> sistemas distintos.Mas vejamos outro exemplo: o do violino. Se tivéssemos um ouvintesuperaperfeiçoado, capaz <strong>de</strong> captar 1 milhão <strong>de</strong> tonali<strong>da</strong><strong>de</strong>s sonoras__58__


diferentes, como proce<strong>de</strong>ríamos para calcular a entropia <strong>de</strong> uma fonte comtão diverso repertório? A enorme quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> cálculos requeri<strong>da</strong>inviabilizaria o procedimento adotado nos casos discretos. É aqui que anoção <strong>de</strong> função contínua torna-se uma técnica valiosa.Se colocarmos em plano cartesiano a relação entre P(i) e P(i) Log P(i)obteríamos uma curva, cuja área representaria o 1 milhão <strong>de</strong> tons sonorosdiferentes. A técnica matemática que nos permite calcular o valor <strong>de</strong>ssaárea chama-se integração – uma <strong>da</strong>s duas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> cálculoinfinitesimal. A fórmula <strong>da</strong> operação expressa o valor <strong>de</strong> H em qualquercaso contínuo:H = ∫ P Log P . dsendo d a <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> distribuição <strong>de</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> amostra.Na entropia <strong>de</strong> dois eventos relacionados logicamente entre si tudoque temos a fazer é usar probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s condicionais. Po<strong>de</strong>mos então dizerque o cálculo <strong>da</strong> incerteza é praticamente o mesmo nos casos discreto econtínuo. A diferença é a substituição do somatório ∑ pela integração ∫.Uma importante analogia entre os casos discreto e contínuo é<strong>de</strong>scrita por SHANNON no trecho que segue:No caso discreto a entropia foi relaciona<strong>da</strong> ao logaritmo <strong>da</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>da</strong>s seqüências longas, e ao número <strong>de</strong> razoavelmente prováveisseqüências <strong>de</strong> comprimento longo. No contínuo a entropia é relaciona<strong>da</strong> <strong>de</strong>maneira semelhante, posto que é também relaciona<strong>da</strong> ao logaritmo <strong>da</strong><strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> para uma série longa <strong>de</strong> amostras, e aovolume razoável <strong>de</strong> altas probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s no espaço <strong>da</strong> função. (1975: p. 98)Mas há aqui também uma diferença fun<strong>da</strong>mental entre os casosdiscreto e contínuo: “Nos distintos, a entropia me<strong>de</strong> <strong>de</strong> maneira absoluta oacaso ou fortui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma variável <strong>de</strong> chance. Nos casos contínuos amedi<strong>da</strong> é relativa ao sistema <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s. Modificando ascoor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s, as entropias, ordinariamente, se modificam” (SHANNON,1975: p. 96).__59__


Essa afirmação é surpreen<strong>de</strong>nte, pois revela o caráter incompleto<strong>da</strong>s operações <strong>de</strong> limitação. Elas não po<strong>de</strong>m ser explica<strong>da</strong>s, conformeacentuava Hegel em citação acima, a partir <strong>de</strong> supostos do âmbito <strong>da</strong>própria análise matemática. Isso confere ao cálculo integral umaaparência <strong>de</strong> artificiali<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois os resultados <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do sistema <strong>de</strong>medi<strong>da</strong> adotado. Mas a aparência <strong>de</strong> artificiali<strong>da</strong><strong>de</strong> só advém àqueles cujopensamento ain<strong>da</strong> está embotado <strong>da</strong>s exigências do i<strong>de</strong>al axiomáticoclássico.De fato, po<strong>de</strong>mos inclusive calcular a mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> entropiaresultante <strong>da</strong> modificação do sistema <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s. Para isso é utiliza<strong>da</strong>uma variável <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> Jacobiano (J). Essa variável me<strong>de</strong> o grau <strong>de</strong>transformação <strong>da</strong>s coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s. A nova entropia, então, não é mais que aanterior menos o logaritmo do Jacobiano previsto.Caso especial do cálculo <strong>da</strong> modificação do sistema <strong>de</strong> medi<strong>da</strong> dá-sequando há apenas “rotação <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s” (preservando o estadoanterior). Neste caso, J=1 e H (anterior) = H (posterior).Em resumo, nos casos contínuos a entropia po<strong>de</strong>rá ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>como representando e medindo o acaso, a fortui<strong>da</strong><strong>de</strong> relativa a um padrãopré-suposto. A <strong>de</strong>pendência do sistema <strong>de</strong> medi<strong>da</strong> não diminui aimportância <strong>da</strong> <strong>de</strong>finição <strong>da</strong> entropia para os casos contínuos, pois é antesna prática que o conhecimento mostra seu valor, não apenas eexclusivamente por critérios formais. A<strong>de</strong>mais, conceitos como o <strong>de</strong>capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> C, como veremos, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> uma diferença entre entropias,e esta diferença não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> diretamente <strong>da</strong> estrutura <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s.As entropias contínuas possuem a maioria <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s doscasos discretos. Em particular temos que:a) Se i é limitado a um certo volume V em seu espaço, H(i) émáximo e igual a Log V quando p(i) é constante no volume;b) H(i;j) ≤ H(i) + H(j); a igual<strong>da</strong><strong>de</strong> ocorre se i e j são autônomos;c) H(i,j) = H(i) + Hi(j) e Hi(j) ≤ H(y).Como nos assevera Shannon, em alguns casos é menos convenientetrabalhar com a entropia <strong>de</strong> um agregado que com uma gran<strong>de</strong>zachama<strong>da</strong> “potência entrópica”, valor médio igual à potência <strong>de</strong> um ruído__60__


anco limitado à mesma faixa do agregado original e com a mesmaentropia.Mas aqui já vamos entrando na questão do ruído em canaiscontínuos. Comecemos pela <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> “ruído térmico branco”.Conforme explica SHANNON,O ruído térmico gaussiano tem a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> peculiar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r absorverqualquer outro ruído ou sinal do agregado total, que possa a ele seradicionado com uma potência <strong>de</strong> entropia resultante aproxima<strong>da</strong>menteigual à soma <strong>da</strong> potência do ruído branco com a do sinal ... admitindo que:a potência do sinal seja reduzi<strong>da</strong>, em <strong>de</strong>terminado sentido, compara<strong>da</strong> àdo ruído. Consi<strong>de</strong>remos a função <strong>de</strong> espaço associa<strong>da</strong> com estes agregadostendo ‘n’ dimensões. O ruído branco correspon<strong>de</strong> à distribuição esférica <strong>de</strong>Gauss neste espaço. O sinal do agregado <strong>de</strong> funções correspon<strong>de</strong> a umaoutra distribuição <strong>de</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, que essencialmente não terá que ser<strong>de</strong> Gauss. (1975: p. 103)O ruído térmico branco é uma espécie <strong>de</strong> ruído perfeito, i<strong>de</strong>al.Chama-se térmico porque correspon<strong>de</strong> à agitação térmica <strong>da</strong>s moléculas,uma repetição errática <strong>de</strong> choques elementares. A <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos choquesé tão gran<strong>de</strong> que eles se tornam indiscerníveis. O ruído térmico cobreto<strong>da</strong>s as faixas possíveis <strong>da</strong> freqüência audível ou visível (<strong>da</strong>í porquepossui entropia máxima). Exemplos <strong>de</strong> elementos sígnicosmorfologicamente semelhantes ao ruído térmico são uma chuva sobrechapa metálica, os aplausos <strong>de</strong> uma multidão ou o chuvisco <strong>de</strong> uma TVfora do ar.O ruído térmico branco encobre ruídos in<strong>de</strong>finidos. Se um ruídobranco é transmitido à alta potência, qualquer que seja o ruídoperturbador, ele será recebido como ruído branco, o que é <strong>de</strong>monstrávelmatematicamente.No combate ao ruído em canais contínuos, são freqüentementeutiliza<strong>da</strong>s as operações <strong>de</strong> predição e filtragem.Estu<strong>da</strong>ndo o comportamento passado e presente <strong>de</strong> um sinal atéon<strong>de</strong> vai o alcance <strong>da</strong> influência intersimbólica, po<strong>de</strong>mos predizer seucomportamento futuro. Para além <strong>da</strong> influência intersimbólica, po<strong>de</strong>mospredizer apenas valores médios. Esse fato possui também implicaçõesepistêmicas, na medi<strong>da</strong> em que a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> previsão <strong>de</strong>__61__


acontecimentos futuros é uma <strong>da</strong>s mais fortes evidências <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>do conhecimento.O equipamento que opera a predição chama-se preditor. A operaçãoé mais complexa quando há ruído, pois é preciso separar a informação“boa” do ruído, examinando, com base no comportamento pregresso dosistema, as diferenças entre os valores médios dos constrangimentosintersímbolos do sinal <strong>de</strong>sejado e do ruído, e, a partir <strong>da</strong>í, estimando combase nessas diferenças a melhor aproximação para o comportamento dosinal no período futuro.Se o processo <strong>de</strong> separação sinal-ruído é executado por umequipamento, ele é chamado <strong>de</strong> filtragem, e o equipamento é um filtro.Matematicamente a operação <strong>de</strong> filtragem é <strong>de</strong>scrita através <strong>de</strong> umagregado <strong>de</strong> funções submetido a um operador ‘T’, que será invariante se aalteração <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> altera <strong>da</strong> mesma forma a saí<strong>da</strong>. Shannon examinaesse fenômeno no teorema 14. Se o agregado <strong>de</strong> entra<strong>da</strong> é estacionário ouergódico e T é invariável, então a saí<strong>da</strong> também será estacionária ouergódica. A filtragem é em geral uma operação invariante – promoveapenas transformação linear <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s (os componentes <strong>da</strong>freqüência) – , ao contrário <strong>da</strong> modulação, que po<strong>de</strong> ser invariante apenasem algumas situações.Po<strong>de</strong>mos nesta altura <strong>de</strong>duzir a fórmula para a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> C <strong>de</strong>um canal contínuo ruidoso. Recor<strong>de</strong>mos inicialmente os elementos docanal contínuo e sua expressão matemática:a) Entra<strong>da</strong>, <strong>da</strong><strong>da</strong> por uma função <strong>de</strong> tempo [f(t)];b) Saí<strong>da</strong>. É também função <strong>de</strong> tempo [f(t)];c) ‘W’. Amplitu<strong>de</strong> <strong>da</strong> faixa <strong>de</strong> freqüências;d) ‘2Wt’. Especifica o sinal na faixa W e no tempo t;e) P(i). Estrutura estatística do sinal, especifica<strong>da</strong> por umadistribuição dimensional finita <strong>de</strong> funções;f) Pi(j). Estatística do ruído, <strong>da</strong><strong>da</strong> por uma distribuição condicional<strong>de</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s;g) R = H(i) – Hi(j). Razão <strong>de</strong> transmissão;__62__


h) Capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> C. Máximo <strong>de</strong> R quando a entra<strong>da</strong> varia sobre todosos agregados totais possíveis. Conforme já afirmamos acima, R eC são autônomos do sistema <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s, e R jamais é > C.O teorema 16 <strong>de</strong> Shannon fornece a razão <strong>de</strong> transmissão em casoscontínuos. Ela é <strong>da</strong><strong>da</strong> porR = H(j) – Hi(j)C é o máximo <strong>de</strong> R que po<strong>de</strong> ser transmitido por segundo por umcanal, com ambigüi<strong>da</strong><strong>de</strong> in<strong>de</strong>fini<strong>da</strong>mente pequena. Vamos supor que hajaum sinal <strong>de</strong> amplitu<strong>de</strong> máxima ‘s’ circulando por um canal on<strong>de</strong> há ruídotérmico branco <strong>de</strong> amplitu<strong>de</strong> máxima ‘n’. A amplitu<strong>de</strong> do sinal narecepção será s+n. Sabendo que o âmbito <strong>de</strong> freqüência dos sinais está nafaixa W, <strong>de</strong>vemos retirar amostras a 2W por segundo, a fim <strong>de</strong> evitar erros<strong>de</strong>vido a amostragens pouco freqüentes.Devemos a partir <strong>da</strong>í <strong>de</strong>cidir o número <strong>de</strong> categorias para aclassificação <strong>da</strong>s amostras. Vamos supor, por exemplo, s = 21 e n = 4. Aamplitu<strong>de</strong> máxima do sinal recebido é, portanto, <strong>de</strong> 24 volts. Sendo o erromáximo <strong>de</strong> recepção = 3, as amplitu<strong>de</strong>s recebi<strong>da</strong>s <strong>de</strong>vem ser acresci<strong>da</strong>s <strong>de</strong>3 uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s ca<strong>da</strong>, e o número <strong>de</strong> categorias com que trabalhamos será <strong>de</strong>= 8Portanto, no caso em questão teremos 8 faixas <strong>de</strong> amplitu<strong>de</strong>, ca<strong>da</strong>qual separa<strong>da</strong> <strong>da</strong> outra por 1/2W segundos. Para que o valor <strong>da</strong>transmissão T seja máximo (a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> é a taxa máxima <strong>de</strong>transmissão) os componentes <strong>da</strong> freqüência <strong>de</strong>vem ser eqüiprováveis, casoem que temos:T = Logbits/amostraComo há 2W <strong>de</strong> amostras por segundo temos__63__


T = 2W Logbits/sPorém, é mais conveniente medir a potência do sinal (em watts) quesua amplitu<strong>de</strong> (em volts). A potência é o quadrado <strong>da</strong> amplitu<strong>de</strong>. Assim,temos:T= 2W Log = W LogEsse é o teorema 17 <strong>de</strong> Shannon.O caso anterior, no entanto, trata <strong>de</strong> um canal contínuo afetado porruído térmico branco, a perturbação i<strong>de</strong>al.Para os casos em que encontramos ruídos indistintos, em lugar dos‘ruídos térmicos in<strong>de</strong>terminados’ <strong>de</strong>scritos acima, Shannon não obtevequalquer sucesso na <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> uma fórmula explícita para acapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> do canal, mas alcançou meios úteis para <strong>de</strong>terminar os limitessuperiores e inferiores <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>stes canais, quando sujeitos aoutros ruídos diferentes do térmico. Shannon também <strong>de</strong>duziu os limitespara a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> dos canais quando se especifica não somente a média<strong>de</strong> força do transmissor, mas também a força instantânea <strong>de</strong> apogeu ...(além disso) Shannon obteve alguns resultados que ... quando aplicados aum tipo generalizado <strong>de</strong> mensagem contínua, caracterizam a fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>recepção <strong>da</strong> mensagem, os conceitos <strong>de</strong> proporção em que a fonte gera ainformação (expostos acima), (e) a média <strong>de</strong> transmissão. (WEAVER, 1975:p. 24)O limite superior referido acima para o caso <strong>de</strong> ruídos indistintos éigual ao caso em que o sinal recebido é ruído branco; portanto, acapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> C é sempre menor ou igual à do caso em que um ruído brancoé recebido. E o limite inferior? Ocorre quando um ruído branco <strong>de</strong>potência P é transmitido. Ou seja: a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> C é sempre maior ouigual ao caso em que um ruído branco é emitido.Devemos observar ain<strong>da</strong> que, se a potência P cresce, os limitessuperior e inferior se aproximam <strong>da</strong> razão__64__


W Logque é o máximo <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> C. Isto é: se P cresce, C ten<strong>de</strong> àmaximização. Isso é o que nos diz o teorema 19 <strong>de</strong> Shannon.A respeito <strong>da</strong> fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> transmissão em um canal contínuo,SHANNON afirma queO sistema <strong>de</strong> comunicação como um todo (incluindo-se a fonte e o sistema<strong>de</strong> transmissão) é <strong>de</strong>scrito pela função <strong>de</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> P(i;j), como seproduzindo a mensagem i a saí<strong>da</strong> será j. Se esta função é conheci<strong>da</strong>, ascaracterísticas totais do sistema observado do ponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong> fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>serão conheci<strong>da</strong>s. Qualquer avaliação <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>verámatematicamente correspon<strong>de</strong>r a uma operação efetua<strong>da</strong> sobre P(i;j).(1975: p. 118)Isso significa que a fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> é uma avaliação <strong>da</strong> eficácia dosistema, <strong>da</strong>do por uma valoração v <strong>de</strong> P(i;j). Essa valoração é obti<strong>da</strong>através <strong>de</strong> uma média <strong>da</strong> função P(i;j) sobre o conjunto dos possíveisvalores <strong>de</strong> i e j. Para isso, basta consi<strong>de</strong>rarmos que a fonte e o sistema sãoergódicos, e que a observação <strong>de</strong> quaisquer i e j produzirá uma avaliaçãopróxima <strong>da</strong> exata.O conteúdo físico <strong>de</strong> P(i;j) é a distância (não no sentido métrico)entre i e j. O caso distinto surge aqui com um caso especial, on<strong>de</strong> P(i;j) é onúmero absoluto <strong>de</strong> j’s que diferem <strong>de</strong> i dividido pelo número total <strong>de</strong> i. Épossível, a partir disso, como faz Shannon, <strong>de</strong>finir uma quota para ageração <strong>de</strong> informação em uma fonte relativa à avaliação <strong>da</strong>fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>. É isso o que faz o teorema 21, firmando que se uma fonteproduz informação à taxa R1 com fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> v1, po<strong>de</strong>mos codificar etransmitir a saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> fonte com fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> tão próxima quanto <strong>de</strong>sejarmos<strong>de</strong> v1, contanto que R1 seja ≤ C. A variante <strong>de</strong>sse teorema para sistemasdiscretos é o teorema 11.O teorema 22 fornece essa mesma quota (para a geração <strong>de</strong>informação levando-se em conta a avaliação <strong>da</strong> fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>) para uma fonte<strong>de</strong> ruído branco. Nesse caso a quota R é, como já vimos, o mínimo.__65__


Já o teorema 23 <strong>de</strong> Shannon trata do caso em que a fonte produzqualquer mensagem que não ruído branco. Nesse caso é possível<strong>de</strong>terminar os limites inferior e superior <strong>de</strong> R, sendo que o inferior ocorrequando o ruído branco é transmitido. O superior ocorre no caso em que osdiversos i são transmitidos completamente por acaso.13. Questões SemânticasA Semântica é a parte <strong>da</strong> Teoria Geral <strong>da</strong> Comunicação responsávelpelo estudo dos significados. Trata-se <strong>de</strong> uma disciplina que ain<strong>da</strong> hojetateia na busca <strong>de</strong> <strong>de</strong>finições mais unânimes e rigorosas para seusconceitos <strong>de</strong> base.O principal <strong>de</strong>sses conceitos é o <strong>de</strong> significado. A <strong>de</strong>finição dosignificado <strong>de</strong> “significado” é talvez o maior problema semântico, estandointimamente relacionado ao conceito <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> noconhecimento. Ain<strong>da</strong> hoje não existe unanimi<strong>da</strong><strong>de</strong> em relação ao problemado significado, cuja essência resi<strong>de</strong> certamente na possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>representação.Quem diz Semântica não diz Ontologia. Para MASER (1975: p. 102),a distinção entre Semântica e Ontologia é semelhante à distinção entresentido e significado. Sentido é a imagem mental <strong>de</strong> um conceito, sendoesse sim o objeto <strong>da</strong> Semântica. Significado, por outro lado, seria o valorver<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> um enunciado.Para alguns autores (Cf. BONSACK, 1970: p. 196) a Teoria <strong>da</strong>Informação po<strong>de</strong> facilmente alcançar implicações semânticas e serestendi<strong>da</strong> para <strong>da</strong>r conta <strong>de</strong> fenômenos <strong>da</strong> significação.De fato, são muitos os problemas semânticos sugeridos pela Teoria<strong>da</strong> Informação. Sabemos que a fim <strong>de</strong> que uma mensagem efetivamenteinforme o receptor, <strong>de</strong>ve haver uma probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> – para algum receptor –relativa à ocorrência <strong>de</strong> um evento que possa ser troca<strong>da</strong> pela recepção <strong>da</strong>mensagem.Nos teoremas <strong>de</strong>duzidos anteriormente partimos <strong>da</strong> hipótese <strong>de</strong> quea probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um evento é a mesma <strong>da</strong> mensagem que o anuncia.Essa hipótese será sempre ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira no caso em que a informação__66__


transmiti<strong>da</strong> for sobre um único assunto. Neste caso, a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ocorrência p <strong>da</strong> mensagem é igual à probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> P do evento que écomunicado.Se a linguagem, ao contrário, relata um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong>assuntos, então p


Se P é contradição, entãoR(P) = 2 n.P ,R(P) = 0Já o conteúdo <strong>de</strong> um enunciado P, <strong>da</strong>do por Cont(P) é <strong>da</strong>do pelanúmero do elemento <strong>de</strong> conteúdo para o qual vale que P implica i. Se P étautologia, entãoCont(P) = 0Se P é contradição, entãoCont(P) = 2 n.PSe P é qualquer enunciado elementar, seu conteúdo semântico é. 2 n.PPortanto, do exposto acima po<strong>de</strong>mos perceber que o conteúdosemântico <strong>de</strong> um enunciado é a abrangência <strong>de</strong> sua negação, ou seja:Cont(P) = R(~P)“Dito <strong>de</strong> outra maneira, o conteúdo semântico <strong>de</strong> uma afirmação P... correspon<strong>de</strong> ao número <strong>de</strong> possíveis estados que, numa linguagem L,são eliminados pela vali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> P. O conteúdo semântico <strong>de</strong>termina um‘campo <strong>de</strong> ação’ do significado” (MASER, 1975: p. 172).Uma função formaliza<strong>da</strong> para Cont(P) é__68__


Cont(P) =<strong>de</strong> on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos extrair uma <strong>de</strong>finição para a informação semântica <strong>de</strong> uma sentença:I(P)= - Log {1 – Cont(P)} = - Logbits“Além disso, se I(P) aumenta, então diminui R(P), porquanto umconhecimento semântico, ou <strong>de</strong> conteúdo, admite, com o aumento <strong>de</strong>possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s, o aumento do número <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> estado elimina<strong>da</strong>s.Uma tautologia não tem informação semântica; uma contradição encerrainformação semântica infinitamente gran<strong>de</strong>” (MASER, 1975: p. 172-173).O método <strong>de</strong> Carnap / Bar-Hillel é muito útil como fun<strong>da</strong>mentopara a discussão sobre a relação entre sintático e semântico, embora essadiscussão exce<strong>da</strong> os objetivos <strong>de</strong>ste trabalho.__69__


Capítulo 2IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS DO CONCEITODE INFORMAÇÃOAo <strong>de</strong>senvolver uma <strong>teoria</strong> quantitativa <strong>da</strong> informação, é natural quesejamos inclinados a adotar certas idéias <strong>de</strong> base sobre a natureza <strong>da</strong>informação. Muitas vezes, no calor <strong>da</strong>s exigências imediatas do dia-a-dia,seguimos aceitando <strong>de</strong> forma irrefleti<strong>da</strong> os postulados básicos colocados.É como se, acor<strong>da</strong>dos, dormíssemos um sono repleto <strong>de</strong> certezas.Certos conceitos básicos vão com isso permanecendo, na maioria<strong>da</strong>s vezes imóveis, intocados, imersos no embriagante fluido <strong>da</strong>triviali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Chegam às vezes a constituir visões <strong>de</strong> mundo. Talvez porisso adquiram freqüentemente a força <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros preconceitos,axiomas que, <strong>de</strong> tão solidificados pela experiência, chegam a parecer algo<strong>de</strong> inato, ou até <strong>de</strong> sagrado.Por vezes, como que ao acor<strong>da</strong>r <strong>de</strong>sse sono profundo por umqualquer ruído que nos perturba, nos <strong>da</strong>mos a perguntar a respeito <strong>da</strong>natureza <strong>de</strong> conceitos como Informação, Entropia e Tempo. Só quandoisso ocorre <strong>da</strong>mos conta <strong>de</strong> que o Homem ain<strong>da</strong> se pergunta sobre o quesignificam categorias que ele, não obstante, é capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>finirmatematicamente.__70__


Esse fato evi<strong>de</strong>ncia que mensurar é importante, mas não é tudo. ACiência sente necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma reflexão <strong>de</strong> caráter mais abarcante,qualitativo, capaz <strong>de</strong> vislumbrar a essência <strong>de</strong> tais conceitos em umasíntese totalizante sobre o conhecimento. Essa reflexão integradora, quebusca menos novos conhecimentos que a generalização dosconhecimentos existentes, é o objeto <strong>da</strong> Epistemologia, a Ciência <strong>da</strong>Ciência..Há indissolúveis vínculos entre Ciência e Filosofia <strong>da</strong> Ciência. Hátambém fortes tensões, e por vezes um certo <strong>de</strong>scompasso. Como asseveraENGELS (1979: p. 186): “Os homens <strong>de</strong> Ciência po<strong>de</strong>m adotar a atitu<strong>de</strong>que quiserem, mas estarão sempre dominados pela Filosofia. Trata-seapenas <strong>de</strong> saber se querem ser dominados por uma filosofia que, emboramá, está na mo<strong>da</strong>; ou por uma forma <strong>de</strong> pensamento teórico fun<strong>da</strong>dosobre a familiari<strong>da</strong><strong>de</strong> com a história do conhecimento e <strong>de</strong> suasaquisições”.Neste capítulo, preten<strong>de</strong>mos expor o pensamento <strong>de</strong> alguns autoresa respeito do problema <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> Informação, evi<strong>de</strong>nciandoimplicações <strong>de</strong> cunho epistemológico no <strong>de</strong>bate sobre a <strong>de</strong>finiçãoqualitativa <strong>de</strong>sse conceito (antes nos limitamos a apresentar a <strong>de</strong>finição doconceito sob o ponto <strong>de</strong> vista matemático).É importante lembrar que, aqui, a palavra ain<strong>da</strong> está com a Ciência.No capítulo 4 ouviremos a tradição filosófica e suas aquisições a respeitodo problema <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento e temas correlatos.1. Algumas Visões sobre a InformaçãoUma <strong>da</strong>s idéias constantemente adota<strong>da</strong>s quando se busca aessência do fenômeno <strong>da</strong> informação é a analogia entre a informação naTeoria <strong>da</strong> Comunicação e a energia na Física. Essa analogia é a nosso verpertinente, embora possa também gerar visões unilaterais se se per<strong>de</strong> <strong>de</strong>vista as diferenças substanciais entre os dois conceitos.Shannon e Weaver já estavam atentos a essa analogia ao utilizaremo termo “entropia” para <strong>de</strong>signar a informação média. Além disso, em seuclássico trabalho “A Teoria Matemática <strong>da</strong> Comunicação”, Shannon apela__71__


várias vezes para a comparação entre as duas enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s, como noexemplo, citado anteriormente, em que compara a codificação à ativi<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> um transformador <strong>de</strong> energia.De fato, a energia é um conceito unificador que simplifica oentendimento <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as transformações físicas e químicas, espécie <strong>de</strong>enti<strong>da</strong><strong>de</strong> mensurável relativa às ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas <strong>de</strong> transformação.Da mesma forma, a informação é uma enti<strong>da</strong><strong>de</strong> que tornamensuráveis os processos <strong>de</strong> comunicação (ou <strong>de</strong> troca <strong>de</strong>representações). É também portanto um conceito unificador, que facilita oestudo do que acontece em um processo <strong>de</strong> comunicação (que é tambémum processo <strong>de</strong> transformação).Outros autores tentam alargar o conceito quantitativo <strong>de</strong> informaçãoelaborado por Shannon, conferindo-lhe uma abor<strong>da</strong>gem mais qualitativa.Brillouin e Zeman são provavelmente os mais paradigmáticos autoresempenhados nesse esforço.BRILLOUIN (p. 594) assinala que, na Física <strong>de</strong> fenômenos térmicos,a per<strong>da</strong> <strong>de</strong> entropia <strong>de</strong> um corpo correspon<strong>de</strong> ao ganho correlato <strong>de</strong>entropia em outro. Isso quer dizer que, na Termodinâmica, a entropiapossui caráter essencialmente conservativo.Já na troca <strong>de</strong> informações o mesmo não ocorre, pois <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informação, após ter sido transmiti<strong>da</strong>, não necessariamenteestá perdi<strong>da</strong> para quem a emitiu. Isso, segundo BRILLOUIN (p. 595),forçaria uma distinção entre dois conceitos distintos <strong>de</strong> informação:a) Informação Absoluta. Também chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> “estrutural”, existeassim que uma pessoa a possui, sendo sempre invariável doponto <strong>de</strong> vista quantitativo. A informação absoluta tem a ver coma idéia <strong>de</strong> informação passa<strong>da</strong>, retroadquiri<strong>da</strong> ou armazena<strong>da</strong>;b) Informação Distribuí<strong>da</strong>. Conceito mais próximo do elaboradopor Shannon, seria o produto <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informaçãoabsoluta pelo número <strong>de</strong> pessoas que a adquirem.A Informação Absoluta jamais se per<strong>de</strong>. Cresce semprecumulativamente. Um exemplo <strong>de</strong> processo <strong>de</strong> aumento <strong>da</strong> informaçãosocial absoluta seria o avanço do conhecimento científico. Já a Informação__72__


Distribuí<strong>da</strong> comporta-se <strong>de</strong> modo contrário, na medi<strong>da</strong> em que estásujeita à per<strong>da</strong>.Brillouin introduz ain<strong>da</strong> a noção <strong>de</strong> “neguentropia”, na acepção <strong>de</strong>“informação”. O termo “neguentropia” advém <strong>da</strong> abreviação em inglês para“entropia negativa” e, conforme <strong>de</strong>talharemos mais tar<strong>de</strong>, é utilizado porvários outros autores, para os quais a i<strong>de</strong>ntificação entre informação eentropia parece fugir ao bom senso.Com base nos conceitos acima, BRILLOUIN postula uma lei <strong>da</strong><strong>de</strong>gra<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> informação absoluta: “Quando uma situação excepcionalé cria<strong>da</strong> em algum lugar, isso correspon<strong>de</strong> à alta neguentropia, e suaevolução normal se dá sempre em direção à baixa neguentropia, <strong>de</strong> acordocom o 2. Princípio Termodinâmico” (595-596).A distinção entre informação absoluta, estrutural (interna, tal qual aestrutura <strong>de</strong> um sistema) e informação sígnica, distribuí<strong>da</strong> (externa,circulante) é também adota<strong>da</strong> por J. Zeman. Para ele, é possível expressara relação entre ambas através <strong>da</strong> noção <strong>de</strong> “<strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informação”.Nessa perspectiva, um sistema altamente organizado po<strong>de</strong> sercaracterizado por um alto grau <strong>de</strong> informação estrutural. A estrutura <strong>de</strong>um sistema organizado representa em certa medi<strong>da</strong> o registro con<strong>de</strong>nsado<strong>de</strong> seu fluxo temporal. Assim, a hierarquia <strong>de</strong> graus qualitativos <strong>da</strong>matéria na evolução – <strong>da</strong> matéria inorgânica ao pensamento – po<strong>de</strong> servista como efeito <strong>da</strong> acumulação <strong>de</strong> “neguentropia absoluta”.A nosso ver, o que leva autores como Brillouin e Zeman à tentativa<strong>de</strong> dissociar os conceitos <strong>de</strong> entropia e informação – utilizando para isso otermo “neguentropia” – é o fato <strong>de</strong> terem eles em mente apenas o conceitotermodinâmico <strong>de</strong> entropia, i<strong>de</strong>ntificado usualmente ao “grau <strong>de</strong><strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m” <strong>de</strong> um sistema. Como a informação, mesmo no sentidointuitivo, não é associa<strong>da</strong> à <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, mas à organização funcional <strong>de</strong>uma mensagem, então a ligação entre entropia e informação feita porShannon soa para muitos como um contra-senso.Não <strong>de</strong>vemos esquecer também <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> uma certa“mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> anti-entrópica” referi<strong>da</strong> por WICKEN (1987: p. 6), para quem__73__


o conceito <strong>de</strong> entropia abala velhas pré-concepções muitas vezesassenta<strong>da</strong>s sobre o princípio aristotélico <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>.Também acreditamos ser <strong>de</strong>snecessária e até fruto <strong>de</strong> malentendidos a tentativa <strong>de</strong> dissociação dos conceitos <strong>de</strong> informação eentropia. Tentativas como essa só reforçam a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>rmelhor as peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s do conceito informacional <strong>de</strong> entropia (o quala nosso ver não tem o sentido <strong>de</strong> “<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m”), bem como suassemelhanças e diferenças com a entropia termodinâmica. Esseprocedimento po<strong>de</strong> ser mais útil (embora nem sempre mais fácil) que acriação <strong>de</strong> um conceito como “neguentropia”, noção até certo pontoimprecisa, posto que, do ponto <strong>de</strong> vista matemático, não há entropiasnegativas, mas apenas, quando muito, diferenças negativas <strong>de</strong> entropia.Além disso, a idéia <strong>de</strong> “informação absoluta” <strong>de</strong> Brillouin tambémnos parece gerar um certo contra-senso. Pois, pelo menos se tomarmospor base o conceito clássico <strong>de</strong> informação elaborado por Shannon, nãoexiste na<strong>da</strong> como uma “informação absoluta”. Em primeiro lugar porque ainformação é uma enti<strong>da</strong><strong>de</strong> que só existe <strong>de</strong>ntro do processo <strong>de</strong>transmissão (é a “essência”, o material transportado pela mensagem). E,por fim, porque aquilo que já é adquirido – o que já está armazenadoestruturalmente – não será por isso mesmo novi<strong>da</strong><strong>de</strong> alguma, sendoapenas e tão somente a pura redundância.2. Objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> InformaçãoTalvez o mais proeminente dos problemas epistemológicosrelacionados ao conceito <strong>de</strong> informação seja o do caráter <strong>de</strong>ssa categoria,isto é, o <strong>de</strong> seu ‘status’ quando vista sob o aspecto <strong>da</strong> relação fun<strong>da</strong>mentaldo conhecimento, entre sujeito e objeto.Nessa perspectiva, a discussão central que se coloca na origem <strong>da</strong><strong>de</strong>finição <strong>da</strong> informação é a <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sse conceito. A Teoria <strong>da</strong>Informação, ao introduzir um conceito que não se refere a qualquer coisaem si própria, mas ao modo <strong>de</strong> organização <strong>da</strong>s coisas, isto é, à purarelação e à pura <strong>de</strong>terminação, leva ao limite a reflexão sobre o problemado conhecimento.__74__


Dito <strong>de</strong> outra forma, a questão que aqui se coloca é a seguinte: ainformação <strong>de</strong>scrita matematicamente tem existência objetiva? Ou nãopassa <strong>de</strong> uma abstração heurística com características passíveis <strong>de</strong>mensuração?Examinaremos a seguir o que dizem sobre o assunto algunsespecialistas em informação.Em “Information Theory”, S. GOLDMAN <strong>de</strong>senvolve a opiniãosegundo a qual a informação tem existência objetiva. Tal opiniãotransparece em to<strong>da</strong> a sua exposição, com <strong>de</strong>staque para o trecho em quebusca calcular a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> total <strong>de</strong> informação que po<strong>de</strong> ser gera<strong>da</strong> pelomundo exterior.Ao <strong>de</strong>senvolver nossa <strong>teoria</strong> quantitativa, adotamos certas idéias sobre anatureza <strong>da</strong> informação. Nós a consi<strong>de</strong>ramos algo como uma essência ouparte pertinente <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as mensagens, tais como, por exemplo, aquelasque chegam ao cérebro vin<strong>da</strong>s do mundo exterior. Acreditamos que ainformação é o material fun<strong>da</strong>mental usado no pensamento e que forma abase <strong>da</strong> ação do intelecto. Temos uma intuição <strong>de</strong> que a informação comoassim <strong>de</strong>scrita realmente existe. Um dos mais importantes resultados<strong>de</strong>sse livro é que temos <strong>de</strong>monstrado a existência <strong>de</strong> uma enti<strong>da</strong><strong>de</strong> quetem as proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>scritas para a informação e que po<strong>de</strong> sermensura<strong>da</strong> quantitativamente (1953: p. 289)Pela mesma trilha caminha E. EDWARDS (1971). Esse autor vê nasinfluências intersimbólicas leis objetivas atuando ao nível <strong>da</strong>estruturação <strong>da</strong> linguagem – algo como mecanismos auto-reguladores,<strong>de</strong>terminações reais.Também François BONSACK (1970) busca objetivar o conceito <strong>de</strong>informação, através <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>ste conceito com a noção <strong>de</strong>varie<strong>da</strong><strong>de</strong> ou diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos objetos do mundo. Para ele, i<strong>de</strong>ntificarentropia à incerteza correspon<strong>de</strong> a interpretações <strong>de</strong> cunho subjetivista,embora ele próprio reconheça que mesmo essa interpretação (a <strong>da</strong>“incerteza”) possa reconduzir sem dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s à noção objetiva.Bonsack polemiza com a idéia <strong>de</strong> que “sem consciência não háinformação”. Para os subjetivistas (também chamados ‘i<strong>de</strong>alistassubjetivos’) um sistema matemático funcionando na ausência do Homemnão transmite informação, sendo, se muito, mera “ca<strong>de</strong>ia causal”, o que__75__


para Bonsack é correto apenas em certo sentido. Segundo esse autor, oi<strong>de</strong>alismo subjetivo, para negar a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento objetivo doconceito <strong>de</strong> informação, encontra respaldo ora no relativismo (‘só existeinformação para um sujeito <strong>de</strong>terminado’), ora na impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>da</strong>rtratamento matemático a<strong>de</strong>quado ao problema semântico.Do lado contrário <strong>de</strong>sses autores temos aqueles que consi<strong>de</strong>ram ainformação mera ‘abstração heurística’, no sentido <strong>de</strong> uma enti<strong>da</strong><strong>de</strong>matemática muito útil para os propósitos do Homem, mas sem qualquerrespaldo objetivo.Em meio a essa corrente encontra-se Abraham Moles. Ele abor<strong>da</strong> aTeoria <strong>da</strong> Informação do ponto <strong>de</strong> vista do chamado método psicológico, e,em particular, <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Forma, a Gestalt, método <strong>de</strong> inspiraçãofenomenológica.Moles coloca a Teoria <strong>da</strong> Informação no contexto dos assimchamados “métodos heurísticos”, espécie <strong>de</strong> “método <strong>de</strong> apresentação evariação fenomenológica”. Sob esse ponto <strong>de</strong> vista, a informação não temexistência objetiva e a redundância não passa <strong>de</strong> “medi<strong>da</strong> <strong>da</strong>inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s formas”, expressão do processo <strong>de</strong> interferência <strong>da</strong>inteligência sobre a estruturação <strong>da</strong> mensagem. Para MOLES, mensagenssão “formas complexas”, “padrões fenomênicos”: “To<strong>da</strong> Forma (Gestalt) ...exprime o predomínio do inteligível sobre o perceptível” (1969: p. 94). Eain<strong>da</strong>: “Um símbolo é um modo <strong>de</strong> agrupamento constante dos elementos, conhecido a priori. Uma regra <strong>de</strong>fine um conjunto <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> reuniãorespeitando essa regra, marca do inteligível sobre a informação” (1969: p.98-99).Moles vê nas probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s poligramáticas (freqüências simbólicasmais constrangimentos intersimbólicos) a expressão do pensamento sobreo modo <strong>de</strong> estruturação <strong>da</strong> linguagem. Com relação a isso, já Platão – umdos maiores pensadores i<strong>de</strong>alistas – havia sugerido o conceito lingüístico<strong>de</strong> “ligação dos enegramas”.Como <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>ssas concepções, em Moles o cálculo <strong>da</strong>informação passa a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do repertório subjetivo do receptor. Ou seja:uma página impressa significará apenas uma porção <strong>de</strong> manchas para um__76__


macaco, uma dimensão linear <strong>de</strong> exploração para um revisor ou um blocobidimensional para um tipógrafo.De nossa parte, acreditamos que a informação respon<strong>de</strong> por umatributo essencial <strong>da</strong> matéria: a <strong>de</strong> ser organiza<strong>da</strong>, <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>. Po<strong>de</strong>riaa matéria existir sem organização? Ou apenas nossa percepção <strong>de</strong>la é quenão existiria? Acreditamos que, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, a organização <strong>da</strong> matéria nãoé, <strong>de</strong> fato, um atributo meramente material, mas expressão <strong>de</strong> relações<strong>da</strong> matéria no domínio do pensamento.Opinião semelhante é sustenta<strong>da</strong> por ZEMAN (1970: p 156). Paraele, há no domínio <strong>da</strong> matéria o organizado (a matéria como resultado) e oorganizante (a matéria como processo). Nessa perspectiva, informação éuma forma fun<strong>da</strong>mental <strong>de</strong> existência <strong>da</strong> matéria, sua proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>organizar, conservar a organização e <strong>de</strong>senvolvê-la.Para ZEMAN, “o mecanicismo que reduzisse a informação à suamatéria, sem ver sua particulari<strong>da</strong><strong>de</strong>, o i<strong>de</strong>alismo subjetivo queconsi<strong>de</strong>rasse a informação apenas enquanto simples forma ... e oi<strong>de</strong>alismo objetivo que visse na informação um princípio particularin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> matéria representariam todos concepções unilaterais <strong>da</strong>questão” (1970: p. 158).Zeman parece galvanizar, com isso, uma visão bastante pon<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>.Mas são notáveis em sua argumentação por vezes certos escorregões nomaterialismo vulgar. Quando afirma, por exemplo, que a informação écomo que uma “dimensão” <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma “substância” comum a to<strong>da</strong>sas formas, i<strong>de</strong>ntificando-a a conceitos como massa e energia, Zemanacaba atribuindo status puramente ontológico ao conceito <strong>de</strong> informação.Com isso, escorrega na “casca <strong>de</strong> banana” do realismo ingênuo: a velhanoção <strong>de</strong> uma “substância material” à parte do pensamento.Mas paremos por aqui, posto que a exposição acima já é suficientepara os objetivos propostos. Reservemos para adiante a intervenção <strong>da</strong>tradição filosófica a respeito do tema <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>.__77__


3. Aspectos <strong>de</strong> Teoria <strong>da</strong> Informação Aplicados à Teoria doConhecimento.Os métodos e conceitos <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Informação po<strong>de</strong>m sergeneralizados para campos mais complexos do interesse humano, como aanálise dos procedimentos do pensamento, do conhecimento e <strong>da</strong> Ciência.Vários conceitos <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Informação têm contraparti<strong>da</strong> naEpistemologia. Em princípio, esses conceitos po<strong>de</strong>m introduzir, nomínimo, um novo método <strong>de</strong> expressão <strong>da</strong>s idéias científicas e, até mesmo,novos pontos <strong>de</strong> vista e novas idéias epistemológicas.Caso exemplar disso é o conceito <strong>de</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> do canal <strong>de</strong>informação, que já foi generalizado por vários autores, ganhando comisso conotações epistemológicas.Em resumo, preten<strong>de</strong>mos aqui expor alguns elementos quemostram ser possível construir uma visão <strong>da</strong> Teoria do Conhecimento apartir do instrumental <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Informação. Isso é o que fazemautores com J. Zeman.ZEMAN (1975: P. 245) trabalha com a idéia <strong>de</strong> que a Teoria <strong>da</strong>Informação lega à Epistemologia o ‘princípio informativo’, espécie <strong>de</strong>condição <strong>de</strong> apreensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> diretamente liga<strong>da</strong> à noção <strong>de</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> docanal. Para melhor enten<strong>de</strong>r a essência do ‘princípio informativo’ nacognição humana Zeman investiga a chama<strong>da</strong> ‘situação epistemológica’.Para esse autor, uma análise <strong>de</strong>ssa situação provê as condições básicas<strong>da</strong> cognição, que são, segundo ele, ‘condições limitantes’. A tarefa <strong>da</strong>Filosofia <strong>da</strong> Ciência seria, assim, a <strong>de</strong> <strong>da</strong>r uma <strong>de</strong>scrição geral <strong>da</strong> situaçãoou condição epistemológica, <strong>de</strong>terminando seus parâmetros gerais eestabelecendo a limitação relativa <strong>da</strong> cognição – “para superá-la”.Para Zeman, a zona <strong>de</strong> acessibili<strong>da</strong><strong>de</strong> epistemológica é estabeleci<strong>da</strong>,por um lado, pelos atributos do mundo objetivo, e, por outro, pelascaracterísticas subjetivas. Já a esfera <strong>da</strong> cognição é restrita às dimensõese atributos do ser humano.ZEMAN trabalha com o conceito <strong>de</strong> “corrente <strong>de</strong> informação” (1970:p. 162-163), espécie <strong>de</strong> analogia com a corrente elétrica. Para ele,__78__


transformação e conservação <strong>de</strong> informação são funções do tempo. Paraque haja transporte, criação ou mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> informação <strong>de</strong>ve sempreexistir uma diferença entre dois níveis (fonte e <strong>de</strong>stinatário) a ser iguala<strong>da</strong>.Ou seja: a corrente <strong>de</strong> informação (conceito semelhante ao <strong>de</strong> ‘razão <strong>de</strong>transmissão’) é <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> pela diferença entre dois pólos, bem comopela capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> C do canal. Se há nivelamento fonte / <strong>de</strong>stinatário, entãonenhuma informação é transmiti<strong>da</strong>.No caso <strong>da</strong> relação sujeito / objeto, quando certas características doobjeto são transpostas para o sujeito em uma corrente <strong>de</strong> informação, suareali<strong>da</strong><strong>de</strong> interior é nivela<strong>da</strong> à exterior através <strong>de</strong> uma reorganização dosmicro-processos <strong>da</strong> matéria cerebral. Assim, o campo <strong>da</strong> informação,composto <strong>de</strong> sujeito e objeto, conduz ao <strong>da</strong> percepção; este, por sua vez,ao <strong>da</strong> percepção consciente (o pensamento), que por fim prepara a ação.ZEMAN retira <strong>de</strong>sse afunilamento, como corolário epistemológico, aconclusão <strong>de</strong> que o objeto do conhecimento é sempre mais rico queseu reflexo no pensamento. “O mundo como um todo é um sistema maiscomplexo e rico que sua imagem na cognição” (1975, p. 248).Para ZEMAN (1975: p. 246), o conhecimento humano tem umcaráter estatístico e macroscópico, pois proce<strong>de</strong> dos atributos físicos ebiológicos do Homem. A subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> humana é vincula<strong>da</strong> ao seutamanho espacial – localizado entre o ultra-gran<strong>de</strong> e o ultra-pequeno – eàs suas dimensões temporais – caracteriza<strong>da</strong>s <strong>da</strong> mesma forma. Com isso,o conhecimento humano possui certo grau <strong>de</strong> incerteza, <strong>de</strong> imprecisão,pois <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> do canal epistemológico humano. A tarefa <strong>da</strong>epistemologia seria a <strong>de</strong> examinar em <strong>de</strong>talhes essa capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>.Segundo ZEMAN (1975: p. 247), nenhum sistema <strong>de</strong> informaçãopo<strong>de</strong> funcionar sem produzir entropia (física e informacional). A entropiainformacional expressa a taxa <strong>de</strong> ignorância sobre um fenômeno, i.e., ataxa <strong>de</strong> limitação <strong>da</strong> informação. Por isso, a entropia do conhecimentonunca é zero. Isso caracteriza uma concepção essencialmente falível doconhecimento.O processo <strong>de</strong> informação é um processo <strong>de</strong> trabalho, e acapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> informação (o cérebro por__79__


exemplo) é sempre estabeleci<strong>da</strong> pelo coeficiente <strong>de</strong> efetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do sistema.Em relação a esse coeficiente, há sempre obstáculos na transmissão doobjeto ao sujeito, os quais são chamados por Zeman <strong>de</strong> “ruídosepistemológicos”.De nossa parte, consi<strong>de</strong>ramos perigosas certas conclusões <strong>de</strong>Zeman. A história <strong>da</strong> filosofia <strong>de</strong>monstra, por exemplo, que noções como a<strong>de</strong> um ‘objeto mais rico que seu reflexo no pensamento’ ou a <strong>de</strong> uma‘condição epistemológica’ como ‘condição limitante’ conduzem facilmenteao ceticismo e até mesmo ao completo agnosticismo, como veremosadiante ao examinar a tradição filosófica.Além <strong>de</strong> Zeman, também S. GOLDMAN (1953) arrisca algumasgeneralizações <strong>de</strong> conceitos <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Informação à Epistemologia. Suavisão é um tanto mais otimista que a <strong>de</strong> Zeman, posto que, para ele, oconceito <strong>de</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> do canal não traz conseqüências negativas e nemintroduz no conhecimento ‘condições limitantes’. Apesar disso, seuotimismo chega por vezes às raias <strong>da</strong> ingenui<strong>da</strong><strong>de</strong>, tão ao modo dorealismo clássico.Segundo GOLDMAN, o ser humano recebe continuamente – atravésdos sentidos – mensagens do mundo exterior que o habilitam a construiruma idéia mais ou menos <strong>de</strong>talha<strong>da</strong> <strong>de</strong>sse mundo. Evi<strong>de</strong>ntemente, ainfluência intersimbólica <strong>de</strong>ssas mensagens é bastante gran<strong>de</strong>, o quemostra “que tal influência po<strong>de</strong> ser mais facilmente compreendi<strong>da</strong> e nãoenvolverá contradições se as mensagens trazi<strong>da</strong>s do mundo exterior foreminterpreta<strong>da</strong>s como advin<strong>da</strong>s do próprio mundo exterior, o que não élogicamente necessário” (1953: p. 300). Por conseguinte, Goldman pareceaqui colocar a opção pelo realismo, surpreen<strong>de</strong>ntemente, como uma meraquestão <strong>de</strong> comodi<strong>da</strong><strong>de</strong> para o homem <strong>de</strong> Ciência.Para o citado autor, o pensamento funciona como um sistema <strong>de</strong>comunicação e tem uma linguagem como alfabeto. No pensamentoconsciente <strong>de</strong> um indivíduo esse alfabeto contém um largo número <strong>de</strong>conceitos simples, os quais po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados como “uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s dopensamento”. O conhecimento <strong>de</strong> um indivíduo consistiria, então, <strong>da</strong>__80__


cognição dos constrangimentos intersimbólicos existentes entre essesconceitos.Mas qual a base <strong>de</strong>sses constrangimentos: real ou i<strong>de</strong>al? Comovimos anteriormente, para Goldman, que crê (quase cegamente, diríamos)na objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento, os “constrangimentos” têm o mesmosentido <strong>de</strong> “leis”. Ambos possuem existência ontológica, como partesintrínsecas <strong>de</strong> qualquer sistema. Com isso, as leis <strong>da</strong> Ciência seriamexpressão intelectual <strong>de</strong> constrangimentos existentes na reali<strong>da</strong><strong>de</strong>(GOLDMAN, 1953: p.s 306-307), constituindo o material através do qual aCiência traça cenários futuros e fixa condições iniciais <strong>da</strong>s quais po<strong>de</strong>mser <strong>de</strong>rivados resultados preditíveis. Não estaríamos exagerando aoi<strong>de</strong>ntificar aqui um empirismo excessivamente otimista, quase baconiano.GOLDMAN (1953: p.s 300-301) interpreta o princípio <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>do canal não como um limite intransponível, mas como algo a ser supostocomo ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> pelo próprio pensamento. Exemplificando oproblema <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> do canal, ele afirma que as mu<strong>da</strong>nças no mundoparecem ocorrer lentamente, isto é, o mundo externo parece ter certacontinui<strong>da</strong><strong>de</strong> no tempo. Isso provém do fato <strong>de</strong> que a largura <strong>de</strong> ban<strong>da</strong><strong>da</strong>s mensagens por nós recebi<strong>da</strong>s é menor que a largura <strong>de</strong> ban<strong>da</strong> (oucapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>) <strong>de</strong> nossos mecanismos sensoriais. Isso faz parecer que omundo preserva sua i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> no tempo, o que nos leva à conclusão <strong>de</strong>que estamos sempre diante do mesmo mundo real.No entanto, o próprio pensamento faz saber que essa conclusão nãoé ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira, o que representa uma superação <strong>de</strong> nossa capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>sensorial. Como muito corretamente assinala ENGELS:As formigas possuem olhos diferentes dos nossos: po<strong>de</strong>m ver os raiosluminosos químicos ... mas, no que diz respeito ao conhecimento <strong>de</strong>ssesraios, invisíveis para nós, estamos muito mais adiantados que as formigas.Somente o fato <strong>de</strong> que possamos <strong>de</strong>monstrar que as formigas vêem coisaspara nós invisíveis, e que essa <strong>de</strong>monstração repousa apenas empercepções obti<strong>da</strong>s através <strong>de</strong> nossos olhos, só isso basta para <strong>de</strong>monstrarque a constituição especial do olho humano não representa uma barreiraabsoluta ao conhecimento humano. (1979, p. 185)__81__


É só substituirmos o termo ‘constituição especial do olho humano’por ‘capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> do canal visual’ e veremos que o conceito <strong>de</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>não introduz no conhecimento uma condição limitante absoluta. Nomáximo, teríamos uma limitação relativa.A argumentação <strong>de</strong> Engels nos conduz a um importante problema,cujo tratamento <strong>de</strong>ve arrematar esta secção. Afirmamos no iníciopreten<strong>de</strong>r construir uma visão <strong>da</strong> Teoria do Conhecimento a partir doinstrumental <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Informação. Até que ponto é lícito fazer isso,utilizando conceitos que foram criados para a análise <strong>de</strong> mecanismostécnicos, e não para a análise <strong>da</strong> cognição humana?Já GOLDMAN (1953, p. 303) alerta sobre esse problema para o fato<strong>de</strong> que há diferenças abruptas <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> entre mecanismos <strong>de</strong>informação humanos e mecanismos construídos artificialmente. No casodo conhecimento humano, temos que:a) A superposição <strong>de</strong> sinal e ruído não é linear;b) Ocorre o uso <strong>de</strong> correlação <strong>de</strong> sinais já adquiridos para evitarruído (o que se verifica apenas em alguns mecanismos artificiais,e ain<strong>da</strong> assim <strong>de</strong> forma bem menos complexa);c) O sistema é ativo, isto é, os constrangimentos po<strong>de</strong>m sertrocados como conseqüência dos sinais adquiridos.Com to<strong>da</strong>s essas diferenças, po<strong>de</strong>ríamos dizer que há similari<strong>da</strong><strong>de</strong>ssuficientes que justifiquem uma Teoria do Conhecimento apoia<strong>da</strong> naTeoria <strong>da</strong> Informação?De nossa parte acreditamos que sim, mas sempre <strong>de</strong>ntro dos limitesdo bom senso. As noções <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Informação <strong>de</strong>vem ser vistas apenascomo pontos <strong>de</strong> apoio, não como conceitos que possam substituir aanálise epistemológica. Vimos acima que mesmo a noção <strong>de</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> docanal po<strong>de</strong> receber interpretações distintas, o que põe em relevo o fato <strong>de</strong>que o que importa não é a aplicação, à Epistemologia, <strong>de</strong> tal ou qualconceito oriundo <strong>de</strong> fora <strong>de</strong> seus limites. O que importa é a visão que setem <strong>de</strong>sse conceito.Ao contrário do que parece pensar Zeman, por exemplo, o conceito<strong>de</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> do canal não é ‘neutro’, não diz na<strong>da</strong> por si próprio quando__82__


aplicado à Filosofia <strong>da</strong> Ciência. A visão <strong>de</strong>sse conceito como uma ‘condiçãolimitante’ não é algo <strong>de</strong> imanente à própria natureza do conceito, masuma concepção filosófica nele embuti<strong>da</strong> e através <strong>de</strong>le expressa.A<strong>de</strong>mais, o conhecimento jamais po<strong>de</strong>rá ser visto sob o aspectoexclusivo <strong>da</strong> aquisição <strong>de</strong> informação, pois o aspecto informacional estámais intimamente relacionado à dimensão sensorial do conhecimento.Apesar disso, esse é sem dúvi<strong>da</strong> um importante aspecto <strong>da</strong> problemáticaepistemológica, que não <strong>de</strong>ve <strong>de</strong> modo algum ser <strong>de</strong>sprezado. Daí porqueconsi<strong>de</strong>ramos lícito – feitas as <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>s ressalvas – a aplicação <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong>Informação à análise do conhecimento.4. Algumas Implicações Epistemológicas do Conceito <strong>de</strong>InformaçãoO mo<strong>de</strong>rno conceito <strong>de</strong> informação traz importantes conseqüênciaspara a Epistemologia, lançando luz sobre os conceitos <strong>de</strong> conhecimento,objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>terminismo, causali<strong>da</strong><strong>de</strong>, previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntreoutros.A Teoria <strong>da</strong> Informação utiliza largamente, como pu<strong>de</strong>mos atestar aolongo do capítulo 1, noções como causali<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>terminismo,previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e regulari<strong>da</strong><strong>de</strong>, conceitos que, <strong>de</strong> tão intimamenterelacionados, sempre caminharam <strong>de</strong> mãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s na História <strong>da</strong> Ciência.Mas, como a maioria <strong>da</strong>s disciplinas científicas do século XX, aTeoria <strong>da</strong> Informação não adota as rígi<strong>da</strong>s noções <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminismo ecausali<strong>da</strong><strong>de</strong> postula<strong>da</strong>s pela Ciência Mo<strong>de</strong>rna em seus primórdios. Aocontrário disso, trabalha com a noção <strong>de</strong> uma causali<strong>da</strong><strong>de</strong> “fraca”,probabilística, e com a idéia <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação complexa dos fenômenos. Oamálgama <strong>de</strong>ssas concepções <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminismo e causali<strong>da</strong><strong>de</strong> resulta emuma idéia flexível <strong>de</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> como uma categoria essencialmentegnoseológica, isto é, sem qualquer existência para além <strong>da</strong>s fronteiras doconhecimento e <strong>da</strong> relação sujeito / objeto, conforme <strong>de</strong>talharemos mais àfrente.__83__


O princípio <strong>de</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong> não é uma suposição recente, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> <strong>da</strong>Ciência Mo<strong>de</strong>rna. Remete mesmo à fase mítica, pré-racional, dopensamento humano.Já Hesíodo (VIII a.c.) – maior nome do pensamento mitológico grego,ao lado <strong>de</strong> Homero – esboça em sua “Teogonia” uma genealogiasistemática e racional <strong>da</strong> divin<strong>da</strong><strong>de</strong> com base na idéia <strong>de</strong> causação.Coloca<strong>da</strong> como precursora do pensamento racional, a obra <strong>de</strong> Hesíodo<strong>de</strong>monstra a íntima ligação existente entre pensamento racional eprincípio <strong>de</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong>, bem como entre pensamento racional eprevisibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Como afirma J. WICKEN (1987: p.5), on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mosi<strong>de</strong>ntificar causas po<strong>de</strong>mos fazer previsões.Uma ca<strong>de</strong>ia causal é uma relação (ou conjunto <strong>de</strong> relações) entrecausa(s) e efeito(s), e po<strong>de</strong> ser vista como um processo <strong>de</strong> tradução, naqual uma causa (sinal <strong>de</strong> entra<strong>da</strong>) é traduzi<strong>da</strong> em um efeito (sinal <strong>de</strong>saí<strong>da</strong>). A Teoria <strong>da</strong> Informação manipula as noções <strong>de</strong> causa e efeitoprobabilisticamente, o que se verifica por exemplo através <strong>da</strong> variável Pi(j).Ela <strong>de</strong>screve causas perturbadoras que, atuando sobre uma mensagem i,produzem como efeito a transformação <strong>de</strong>ssa mensagem em j.A idéia <strong>de</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong> é o mais essencial fun<strong>da</strong>mento do empirismo,mas também seu calcanhar-<strong>de</strong>-aquiles. A crítica <strong>de</strong> D. Hume aoempirismo clássico ataca precisamente essa noção. Seguindo a linhainaugura<strong>da</strong> pelos assim chamados “nominalistas” – que afirmavam ainexistência concreta dos universais – Hume coloca o princípio <strong>de</strong>causali<strong>da</strong><strong>de</strong> como “ilusão subjetiva” ao afirmar que po<strong>de</strong>mos atéconsi<strong>de</strong>rar reais as coisas, mas não as causas <strong>de</strong>ssas coisas, as quais sóexistiriam no pensamento.Também Hegel critica a noção <strong>de</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas a partir <strong>de</strong> umaperspectiva bem mais profun<strong>da</strong> e multilateral que a <strong>de</strong> Hume. Hegel nãoenvere<strong>da</strong> pela subjetivação <strong>da</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong>; apenas chama atenção paraseu caráter fragmentário, incapaz <strong>de</strong> expressar a Totali<strong>da</strong><strong>de</strong>.A noção <strong>de</strong> substância em Hegel é conceitua<strong>da</strong> como aquilo quecontém em si a relação absoluta. Ao conhecê-la, não restaria dúvi<strong>da</strong> <strong>de</strong>que encontramos causas. Mas, para Hegel, a causali<strong>da</strong><strong>de</strong> é apenas uma__84__


pequena parte <strong>da</strong> conexão universal. A omnilaterali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> conexão éexpressa pela causali<strong>da</strong><strong>de</strong> apenas <strong>de</strong> modo unilateral e fragmentário.A causali<strong>da</strong><strong>de</strong> distingue-se <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>, em Hegel, por serapenas sua superfície; aquela é unilateral, esta é total. Isso, porque anecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> é a própria reali<strong>da</strong><strong>de</strong> no seu <strong>de</strong>senvolvimento,<strong>de</strong>senvolvimento do qual a causali<strong>da</strong><strong>de</strong> não capta mais que aspectosisolados. O pensamento humano concebe primeiramente a coexistência;<strong>de</strong>sta avança para a causali<strong>da</strong><strong>de</strong>, chegando a partir <strong>da</strong>í a formas <strong>de</strong>conexão mais profun<strong>da</strong>s.O raciocínio <strong>de</strong> Hegel em relação à causali<strong>da</strong><strong>de</strong> é um testemunho <strong>da</strong>profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> sua filosofia, a qual exporemos em pormenores nocapítulo 4. Aqui basta-nos a compreensão <strong>de</strong> que a noção <strong>de</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong>é por <strong>de</strong>mais útil à compreensão <strong>de</strong> objetos particulares (um sistema <strong>de</strong>comunicação, por exemplo). Contudo, do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> umacompreensão mais abarcante e total, a causali<strong>da</strong><strong>de</strong> torna-se inteiramenteimpotente como categoria filosófica.A noção <strong>de</strong> previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, por sua vez, também comparece naTeoria <strong>da</strong> Informação em diversos momentos e sob diversas formas. Emparticular, po<strong>de</strong>mos anotar que a Teoria <strong>da</strong> Informação concentra muito<strong>de</strong> sua eficácia na possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> previsão do comportamento futuro <strong>de</strong>sinais, para o que conceitos baseados na noção <strong>de</strong> média – como o próprioconceito <strong>de</strong> entropia – cumprem papel fun<strong>da</strong>mental. Afinal, valores médios– captados através <strong>da</strong> observação <strong>de</strong> longas seqüências <strong>de</strong> eventos –costumam apontar formas regulares <strong>de</strong> comportamento.Com efeito, po<strong>de</strong>mos perceber que a pressuposição <strong>de</strong>previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong> costuma caminhar <strong>de</strong> mãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s com a noção <strong>de</strong>regulari<strong>da</strong><strong>de</strong>. Se a situação A introduz a situação B em muitas tentativasin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes (se não forem in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes a repetição <strong>da</strong> experiência nãotem valor) o pensamento humano conclui que há regulari<strong>da</strong><strong>de</strong> nessaca<strong>de</strong>ia causal, isto é, que seus efeitos ten<strong>de</strong>m a se repetir sempre,conclusão que é firma<strong>da</strong> como fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong>s previsões.A noção <strong>de</strong> periodici<strong>da</strong><strong>de</strong>, fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>quantificação <strong>de</strong> sinais contínuos, contém em si o suposto <strong>de</strong> que estes__85__


sinais comportam-se <strong>de</strong> maneira relativamente regular e, portanto,previsível. “Um fenômeno é periódico quando se reproduz idêntico a simesmo, no fim <strong>de</strong> um intervalo <strong>de</strong> tempo chamado período ... De fato,basta estu<strong>da</strong>r o fenômeno no interior <strong>de</strong> seu período para prever seucomportamento in<strong>de</strong>fini<strong>da</strong>mente” (MOLES, 1969: p. 102).Devido à sua simplici<strong>da</strong><strong>de</strong>, a idéia <strong>de</strong> regulari<strong>da</strong><strong>de</strong> dos fenômenosnaturais foi adota<strong>da</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início pelas Ciências <strong>da</strong> Natureza. Oscomponentes <strong>da</strong> <strong>de</strong>composição em série <strong>de</strong> Fourier relacionam-se aintimamente a essa idéia.Para MOLES, a periodici<strong>da</strong><strong>de</strong> é um conceito quantitativo, nãoqualitativo, expressão <strong>da</strong> estruturação temporal <strong>de</strong> um fenômeno: “A‘quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> periodici<strong>da</strong><strong>de</strong>’ é então um grau <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m na organizaçãotemporal ... que leva em conta o isocronismo e ... a semelhançaquantitativa dos eventos sucessivos” (1969: p. 107).A noção <strong>de</strong> periodici<strong>da</strong><strong>de</strong>, porém, é bastante impregna<strong>da</strong> <strong>de</strong> umavisão mecânica <strong>da</strong> previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, pauta<strong>da</strong> pela idéia <strong>de</strong> conhecimentototal dos fenômenos, tão ao modo <strong>da</strong> ciência <strong>da</strong> ilustração. A própriaexperiência vem se encarregando <strong>de</strong> apontar insuficiências em concepçõesrígi<strong>da</strong>s do princípio <strong>da</strong> periodici<strong>da</strong><strong>de</strong>, próprio apenas para situaçõeslimite,casos i<strong>de</strong>ais.A maioria <strong>da</strong>s formas <strong>de</strong> periodici<strong>da</strong><strong>de</strong> é do tipo “aleatório”, isto é,sua constância não é uniforme, mas variável. O fato <strong>de</strong> que possamosformalizar também o conhecimento <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> periodici<strong>da</strong><strong>de</strong> indica quea questão não está em negar a noção <strong>de</strong> previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong> em si, mas apenasem superar antigas visões acerca <strong>de</strong>la, pondo-a <strong>de</strong>sse modo em compassocom o estágio atual do conhecimento científico.Outra noção por <strong>de</strong>mais importante, e para cujo <strong>de</strong>senvolvimentotambém contribui a Teoria <strong>da</strong> Informação, é a <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação dosfenômenos, intimamente relaciona<strong>da</strong> aos conceitos <strong>de</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong>previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. De forma geral, o mais comum problema relacionado à<strong>de</strong>terminação é o <strong>de</strong> saber se as coisas efetivas seriam <strong>de</strong> fato<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s, ou se, ao contrário, seriam inteiramente livres e__86__


in<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s, advindo a impressão <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminismo apenas <strong>de</strong> umaorganização imposta sobre as coisas por nossas estruturas sensoriais.De nossa parte, acreditamos que a <strong>de</strong>terminação é uma categoriaeminentemente gnoseológica, sem existência enquanto “substância”. A<strong>de</strong>terminação dos fenômenos tem seu fun<strong>da</strong>mento, a nosso ver, não nareali<strong>da</strong><strong>de</strong> em si própria, como coisa estática, mas em relações reais <strong>de</strong><strong>de</strong>terminação na forma como estas aparecem apreendi<strong>da</strong>s no domínio dopensamento.A Lei dos Gran<strong>de</strong>s Números <strong>de</strong> Bernoulli, enuncia<strong>da</strong> no início <strong>de</strong>stetrabalho, introduz importantes conseqüências para o problema <strong>da</strong><strong>de</strong>terminação dos fenômenos. Ela afirma, em essência, que quanto maiorfor o processo estocástico com o qual li<strong>da</strong>mos mais esse processo estarásujeito a efeitos completamente <strong>de</strong>terminados. Isso, é evi<strong>de</strong>nte, se se tratar<strong>de</strong> um processo ergódico.Da mesma forma, a Teoria <strong>da</strong> Informação (campo <strong>de</strong> vali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Leidos Gran<strong>de</strong>s Números) nos diz que, no mundo macroscópico, atuam mais<strong>de</strong>terminações fixas que probabilísticas. O contrário ocorre no mundomicroscópico, on<strong>de</strong> apenas constrangimentos probabilísticos atuam naconversão causal. A esse fato são geralmente atribuí<strong>da</strong>s interpretaçõesepistemológicas <strong>de</strong> caráter cético e/ou agnóstico. Uma <strong>de</strong>ssasinterpretações, <strong>de</strong> cunho <strong>de</strong>clara<strong>da</strong>mente agnóstico, é <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> porSolomon Marcus.Para MARCUS (1995: p. 158), o processo informativo está na raiz dopensamento e revela restrições genuínas e ocultas – <strong>de</strong> naturezacomunicacional – que regem a razão humana. O citado autor afirma queisso começou a ficar claro após o enunciado do princípio <strong>de</strong> incerteza <strong>de</strong>Heisenberg relacionado à complementari<strong>da</strong><strong>de</strong> quântica, que introduziudois obstáculos ao conhecimento: a linguagem e os instrumentos <strong>de</strong>medi<strong>da</strong> – ambos pertencentes ao domínio do macroscópico e, portanto,ina<strong>de</strong>quados à análise do mundo microscópico. No caso <strong>da</strong> linguagem,segundo Marcus haveria uma complicação a mais: sendo <strong>de</strong> naturezaseqüencial, seria inapta para tratar <strong>de</strong> fenômenos <strong>de</strong> caráter nãoseqüencial,sentimentos por exemplo.__87__


Postas muitas vezes como novas “<strong>de</strong>scobertas”, tais idéias não sãocontudo novas na história <strong>da</strong> Ciência e <strong>da</strong> Filosofia. A abor<strong>da</strong>gem queimputa ao conhecimento “restrições genuínas” remete pelo menos a Humee Kant, este último o gran<strong>de</strong> fun<strong>da</strong>dor do criticismo outranscen<strong>de</strong>ntalismo, doutrina que, apesar <strong>de</strong> supera<strong>da</strong> pela crítica <strong>de</strong>Hegel, continua muito em voga no <strong>de</strong>bate sobre os <strong>fun<strong>da</strong>mentos</strong> <strong>da</strong>Ciência. Como veremos pouco mais à frente.__88__


Capítulo 3IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS DO CONCEITODE ENTROPIA"O dia se renova todo dia,Eu envelheço ca<strong>da</strong> dia e ca<strong>da</strong> mês.O mundo passa por mim todos os diasEnquanto eu passo pelo mundo uma vez"Alvaia<strong>de</strong> <strong>da</strong> PortelaO <strong>de</strong>senvolvimento do conceito <strong>de</strong> entropia tem revelado uma noçãoextremamente profun<strong>da</strong>, cuja capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> explanatória esten<strong>de</strong>-se paraalém dos limites <strong>de</strong> seu campo <strong>de</strong> origem, a Física, revelando nexos nunca<strong>da</strong>ntes pensados entre áreas as mais longínquas. Em <strong>de</strong>corrência disso, aentropia é hoje uma <strong>da</strong>s mais ricas e surpreen<strong>de</strong>ntes noções científicas, etalvez a que mais tem atraído a atenção <strong>de</strong> filósofos e historiadores <strong>da</strong>Ciência.Este capítulo possui pretensões semelhantes às do anterior. Aqui,porém, trataremos não mais do conceito <strong>de</strong> informação em suasimplicações epistemológicas, mas <strong>da</strong> noção <strong>de</strong> entropia. Buscaremos ummelhor entendimento do <strong>de</strong>senvolvimento histórico <strong>de</strong>sse conceito, aomesmo tempo em que buscamos i<strong>de</strong>ntificar os principais problemasepistemológicos a ele relacionados, evi<strong>de</strong>nciados nos <strong>de</strong>bates sobre a<strong>de</strong>finição <strong>da</strong> natureza do fenômeno entrópico.Com efeito, o conceito <strong>de</strong> entropia encontra-se intimamenteenre<strong>da</strong>do com diversos conceitos largamente utilizados pela Ciência e pelaFilosofia, com <strong>de</strong>staque para as noções <strong>de</strong> tempo e movimento.__89__


Analisaremos aqui os principais problemas filosóficos que se colocam emrelação à entropia sem, no entanto, preten<strong>de</strong>r apresentar sobre elesquaisquer soluções <strong>de</strong>finitivas. A história <strong>da</strong> filosofia guar<strong>da</strong> razoávelacúmulo sobre temas correlatos, motivo pelo qual não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong>ouvi-la antes <strong>de</strong> arriscar qualquer palpite.1. História do Conceito <strong>de</strong> EntropiaAs raízes do conceito <strong>de</strong> entropia estão na física <strong>de</strong> fenômenostérmicos macroscópicos. A natureza dos fenômenos térmicos, bem comodos elétricos, é o movimento molecular, o qual, ao contrário do movimento<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s massas, dá lugar a uma varie<strong>da</strong><strong>de</strong> bem maior <strong>de</strong> formas <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento.A engenharia <strong>de</strong> máquinas a vapor nos séculos XVIII e XIX proveu oesforço inicial para fun<strong>da</strong>r a Termodinâmica como Ciência. As primeirasformulações <strong>de</strong> leis <strong>da</strong> Termodinâmica surgiram <strong>de</strong> generalizaçõesempíricas relaciona<strong>da</strong>s às máquinas a vapor. O avanço <strong>da</strong> Ciência noestudo <strong>de</strong> fenômenos relacionados à energia foi bastante lento, o que se<strong>de</strong>ve, na opinião <strong>de</strong> ENGELS (1979: p. 74), não à carência <strong>de</strong> materialexperimental, mas à adoção a priori <strong>de</strong> pressupostos filosóficos falsos, emparticular o <strong>de</strong> que o movimento era uma proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> externa aos corpose, portanto, uma exceção, não exatamente uma regra. Tal pré-concepçãovinculava-se intimamente à mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> mecanicista que grassava naépoca.Por que o materialismo do século XVIII era mecânico? Dentre outrasrazões – inclusive <strong>de</strong> cunho sócio-econômico – porque muitos filósofos <strong>da</strong>época (bem como do século XIX) confundiam a doutrina filosóficamaterialista com a forma com que essa visão <strong>de</strong> mundo se expressava naCiência Natural <strong>de</strong> seu tempo. Dentre as Ciências naturais, só a Mecânicahavia chegado a um certo grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, com sua respectivaforma (pobre) <strong>de</strong> encarar a matéria e o movimento. A Química, a Biologia eoutras áreas <strong>da</strong> Física – como a Termodinâmica – encontravam-se ain<strong>da</strong>em estágio insipiente, e eram domina<strong>da</strong>s pela visão <strong>de</strong> mundo subjacenteaos conceitos inferiores <strong>da</strong> Mecânica.__90__


A transformação <strong>de</strong> movimento mecânico em calor através <strong>da</strong>obtenção do fogo por fricção, é, segundo ressalta ENGELS (1979: p.72), aprimeira gran<strong>de</strong> conquista do Homem sobre a natureza.Me<strong>de</strong>-se em milênios o tempo transcorrido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que foi <strong>de</strong>scoberto o fogopor fricção até que Heron <strong>de</strong> Alexandria (por volta do ano 120 a.c.)inventou uma máquina que era posta em movimento giratório por meio dovapor <strong>de</strong> água emitido por ela. E transcorreram novamente quase dois milanos até que fosse construí<strong>da</strong> a primeira máquina a vapor, o primeirodispositivo capaz <strong>de</strong> transformar o calor em movimento mecânicorealmente utilizável. (1979: p. 73)Com isso, a prática social solucionava, ao seu modo e antes <strong>da</strong><strong>teoria</strong>, o problema <strong>da</strong> relação entre calor e movimento mecânico.No que diz respeito ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> <strong>teoria</strong> tivemos – após ainvenção <strong>da</strong> máquina a vapor por James Watt, em 1765 – oestabelecimento, em 1798 por Benjamin Thompson, do sentido geral <strong>de</strong>equivalência entre energia mecânica expendi<strong>da</strong> e energia térmica<strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>. Em 1840 James P. Joule mensurava o equivalentemecânico do calor, estabelecendo com isso a relação quantitativa entreenergia mecânica e térmica. Esse foi o marco que tornou o calorreconhecido como forma <strong>de</strong> energia.Um pouco mais tar<strong>de</strong>, em 1842, Robert Julius Mayer formulavapela primeira vez aquela que ficaria conheci<strong>da</strong> como a 1 a Lei <strong>da</strong>Termodinâmica. A formulação <strong>de</strong>ssa lei causou gran<strong>de</strong> impacto namentali<strong>da</strong><strong>de</strong> científico-filosófica do século passado, na medi<strong>da</strong> em quepostulava <strong>de</strong> modo científico e rigoroso o princípio <strong>da</strong> conservação, ao qualjá a Filosofia havia antes chegado através <strong>da</strong>s geniais intuições <strong>de</strong>Descartes.O significado <strong>da</strong> 1 a Lei é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância filosófica, namedi<strong>da</strong> em que contribuiu para a dissolução <strong>da</strong> Mecânica comoparadigma epistemológico, <strong>de</strong>senvolvendo com isso na Ciência a formadialética do pensar. A respeito disso ENGELS afirma queA <strong>de</strong>terminação do equivalente mecânico do calor ... <strong>de</strong>monstrou ... o fato<strong>de</strong> que to<strong>da</strong>s as chama<strong>da</strong>s forças físicas po<strong>de</strong>m transformar-se umas nasoutras, sob <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s condições: a energia mecânica, o calor, a luz, a__91__


eletrici<strong>da</strong><strong>de</strong>, o magnetismo e até mesmo a <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> força química. Essatransformação é produzi<strong>da</strong> sem per<strong>da</strong> alguma <strong>de</strong> energia. Dessa maneira epor intermédio <strong>da</strong> Física, Grove <strong>de</strong>monstrou o princípio <strong>de</strong> Descartessegundo o qual a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> movimento existente no mundo éinvariável ... Era assim elimina<strong>da</strong> <strong>da</strong> Ciência a casuali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> existência<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado número <strong>de</strong> forças físicas, ao <strong>de</strong>monstrar-se suascorrelações e formas <strong>de</strong> transformação. A Física chegava, pois, como haviachegado já a Astronomia, ao resultado que aponta inevitavelmente, comoprincípio último, a eterna circulação <strong>da</strong> matéria em movimento. (1979: p.21)Já em 1824 a Ciência assistia à primeira formulação <strong>da</strong> 2 a Lei <strong>da</strong>Termodinâmica com Carnot. A 2 a Lei veio a ser o veículo para aintrodução na Física do conceito <strong>de</strong> entropia.Mais tar<strong>de</strong>, em 1850, Rudolf Clausius <strong>de</strong>senvolvia uma formulaçãoalternativa <strong>da</strong> 2 a Lei, a qual afirmava em síntese que o calor não po<strong>de</strong>, porsi só, passar <strong>de</strong> um corpo frio para um quente sem causar outrasmu<strong>da</strong>nças. Um ano <strong>de</strong>pois, em 1851, Lord Kelvin enunciava uma outraversão <strong>da</strong> 2 a Lei: um processo cujo único efeito é a completa conversão <strong>de</strong>calor em trabalho não po<strong>de</strong> jamais ocorrer.Em 1865, após diversas formulações alternativas que captavammais aspectos isolados <strong>da</strong> 2 a Lei que sua essência, Clausius <strong>de</strong>fine a troca<strong>de</strong> entropia Δ S ocasiona<strong>da</strong> em um sistema pela transferência para ele <strong>de</strong>uma quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> calor ΔQ como <strong>da</strong><strong>da</strong> pela expressãoΔS = ΔQ/T,on<strong>de</strong> T é a temperatura absoluta do sistema quando ΔQ é absorvido.Clausius chegava com isso à mais abstrata e abarcante formulação <strong>da</strong> 2 aLei: durante processos reais, a entropia S <strong>de</strong> um sistema isolado sempreaumenta, atingindo valor máximo em uma situação <strong>de</strong> equilíbrio.Até Clausius temos a Termodinâmica Clássica, essencialmentemacroscópica e que em nenhum momento se refere à estruturamicroscópica <strong>de</strong> fenômenos materiais. Na Termodinâmica Clássica asdiferentes gran<strong>de</strong>zas são encara<strong>da</strong>s como quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>s fenomenológicas;to<strong>da</strong>s as conclusões <strong>da</strong>í inferi<strong>da</strong>s são então consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s como__92__


proposições fenomenológicas matematicamente <strong>de</strong>duzíveis dos postuladosbásicos (1. e 2 a Leis).Em 1909 a Termodinâmica Clássica recebe sua representaçãomelhor estrutura<strong>da</strong> formalmente na abor<strong>da</strong>gem axiomática <strong>de</strong>Constantine Carathéodory. Sua exposição soma completu<strong>de</strong> filosófica elargura <strong>de</strong> entendimento. Discerne mais claramente quais são oselementos básicos <strong>da</strong> <strong>teoria</strong>, e qual é o componente puramente lógico queencobre aqueles fatos experimentais.Data do final do século passado a fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Termodinâmicamicroscópica e estatística. Como nos ensina HARRISON (1975, p.s 45-47), a <strong>teoria</strong> cinética dos gases construí<strong>da</strong> no século passado haviaimaginado uma coleção <strong>de</strong> partículas elementares impenetráveis que têmmassas específicas e movem-se <strong>de</strong> acordo com as leis clássicas domovimento sob forças mutuamente interagentes. Já a mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong>scriçãodo mo<strong>de</strong>lo cinético envolve a atribuição <strong>de</strong> ambas a estrutura mecânicaquântica para átomos e moléculas pon<strong>de</strong>ráveis e o movimento <strong>de</strong> acordocom as leis <strong>da</strong> mecânica clássica. O conceito <strong>de</strong> entropia recebeu uma<strong>de</strong>scrição microscópica na física pré-quântica a qual compartilha muitascaracterísticas em comum com a versão microscópica mo<strong>de</strong>rna.A hipótese básica <strong>da</strong> Termodinâmica Estatística é a <strong>de</strong> que umsistema químico, em qualquer ‘fatia <strong>de</strong> tempo’, po<strong>de</strong> ser representado porum conjunto <strong>de</strong> micro-estados – arranjo preciso <strong>de</strong> matéria e alocaçãoprecisa <strong>de</strong> energia entre estados quânticos. Essas são abstraçõesbasea<strong>da</strong>s na suposição ergódica <strong>de</strong> que um sistema movendo-se através<strong>de</strong> micro-estados po<strong>de</strong> ser representado por membros <strong>de</strong> um conjuntocujas probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s estatísticas correlacionam-se com a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> dosistema real expressando um certo micro-estado em um certo tempo. Aprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um micro-estado, portanto, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua energia.Foi Ludwig Boltzmann o primeiro cientista a chegar a uma<strong>de</strong>finição microscópica <strong>de</strong> entropia. Sua <strong>de</strong>finição era basea<strong>da</strong> namecânica estatística <strong>de</strong> um gás <strong>de</strong> moléculas.Em 1872 Boltzmann enunciava seu célebre teorema H para um gás<strong>de</strong> moléculas <strong>de</strong>scrito por uma função <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> f(v):__93__


H = ∫∫∫ f(v) Log f(v).dv, on<strong>de</strong>f(v).d(v) é o número <strong>de</strong> moléculas no intervalo <strong>de</strong> espaço <strong>de</strong> veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> d(v).Em 1877 Boltzmann i<strong>de</strong>ntificou a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> H à entropia S, <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> uma constante negativa <strong>de</strong> proporcionali<strong>da</strong><strong>de</strong>- KH = SCom isso ele obteve uma expressão microscópica explícita para aentropia com a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> nunca <strong>de</strong>screscer:S= -K ∫∫∫f(v) Log f(v).d(v).Essa <strong>de</strong>finição leva aΔS = ΔQ/TLogo após Boltzmann generalizou a <strong>de</strong>finição cinética dos gases <strong>de</strong> Se chegou a uma mais geral <strong>de</strong>finição mecânica estatística <strong>de</strong> S:S = - K ∫∫ dp.dq f(q,p) Log f(q,p)Conforme afirma HARRISON (1975: p. 46) Essa generalizaçãoconceitual permitiu a Boltzmann libertar a mecânica estatística <strong>de</strong> suaconexão inicial com a <strong>teoria</strong> cinética dos gases, construindo pela primeiravez uma <strong>teoria</strong> microscópica dos fenômenos termodinâmicos, firmementebasea<strong>da</strong> na Teoria <strong>de</strong> Probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s conjuga<strong>da</strong> com as leis <strong>da</strong> MecânicaClássica – ou seja, firmemente basea<strong>da</strong> na Mecânica Estatística.A pesquisa <strong>de</strong> Boltzmann foi mais tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> por Planck,que sumarizou S em uma relação estatística equivalente:__94__


S = K log W, sendoW o número <strong>de</strong> estados microscópicos fisicamente distintos <strong>de</strong> um sistema quecorrespon<strong>de</strong>m igualmente bem a um <strong>da</strong>do estado macroscópico. A gran<strong>de</strong> realização<strong>de</strong>ssa fórmula está em <strong>de</strong>finir S em termos absolutos, já que na Termodinâmica Clássicasão <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s apenas diferenças entrópicas entre estados <strong>de</strong> equilíbrio distintos.Seguindo o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> Termodinâmica Estatística, em 1902Gibbs introduz o uso <strong>de</strong> conjuntos gerais para representar sistemas <strong>de</strong>interesse real. Na Mecânica Clássica um micro-estado <strong>de</strong> um sistema comN graus <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>ndo a N coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s <strong>de</strong> configuração éespecificado por um ponto no espaço <strong>de</strong> fase dimensional 2N. Nessaformulação o espaço <strong>de</strong> fase apropriado ao sistema <strong>de</strong> interesse real foiconsi<strong>de</strong>rado como povoado por pontos <strong>de</strong> fase móveis representando osdiversos micro-estados. Com isso, os pontos <strong>de</strong> fase são distribuídos noespaço <strong>de</strong> fase <strong>de</strong> acordo com certas probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s a priori consistentescom o conhecimento parcial do sistema. Sendo a distribuição dos pontos<strong>de</strong> fase introduzi<strong>da</strong> no espaço <strong>de</strong> fase, a entropia po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> comofunção <strong>da</strong> distribuição dos pontos <strong>de</strong> fase – ou seja, como proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>conjuntos.Na medi<strong>da</strong> em que <strong>da</strong>do conjunto era escolhido para refletirqualquer informação e conhecimento do sistema <strong>de</strong> interesse real, ficavaevi<strong>de</strong>nte que a entropia <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> como proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conjuntos provia umelo <strong>de</strong> ligação entre informação e entropia na Termodinâmica. De fato,há na Termodinâmica Estatística uma relação sistemática entre a entropia<strong>de</strong> objetos macroscópicos e sua medi<strong>da</strong> <strong>de</strong> informação microscópica.A variável ‘W’ ten<strong>de</strong> a crescer no tempo, enquanto o conjuntorepresentativo evolui em paralelo com quaisquer processos naturaisocorrendo no macrossistema <strong>de</strong> interesse real. S = - K.log W representamuito satisfatoriamente a entropia <strong>de</strong> conjuntos estatísticos em equilíbrio,isto é, conjuntos com proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do tempo. Uma <strong>da</strong>smaiores contribuições <strong>de</strong> Gibbs foi mostrar que é possível <strong>de</strong>finiralternativamente S para um conjunto estatístico em equilíbrio arbitrário.Dessa <strong>de</strong>finição há como extrair uma outra ain<strong>da</strong> mais geral <strong>de</strong> S, útilpara casos <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência temporal (<strong>de</strong>sequilíbrio termodinâmico).__95__


Mais tar<strong>de</strong>, a introdução <strong>de</strong> princípios quânticos <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou atransição <strong>da</strong> Mecânica Estatística Clássica para a Mecânica EstatísticaQuântica, processo que tornou o conceito microscópico <strong>de</strong> entropiaaltamente preciso e livre dos elementos arbitrários oriundos <strong>de</strong>consi<strong>de</strong>rações fenomenológicas.Na Mecânica Quântica o estado microscópico <strong>de</strong> um sistema é<strong>de</strong>terminado por uma função <strong>de</strong> on<strong>da</strong>, e não mais por um conjunto <strong>de</strong>impulsos <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s. Na perspectiva <strong>de</strong> Schröedinger <strong>da</strong> Quântica apassagem do tempo é marca<strong>da</strong> pela <strong>de</strong>pendência temporal <strong>de</strong> uma função<strong>de</strong> on<strong>da</strong>.A Mecânica Estatística Quântica também emprega a noção <strong>de</strong>conjuntos, mas <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> em outros termos. Como na Mecânica EstatísticaClássica, na Quântica a condição <strong>de</strong> equilíbrio termodinâmicomacroscópico requer o uso <strong>de</strong> um conjunto em equilíbrio para representaro sistema. Em ambas as Mecânicas Estatísticas o estado <strong>de</strong> equilíbrio é<strong>de</strong>finido por um postulado que o i<strong>de</strong>ntifica com a distribuição teórica doconjunto tendo a máxima probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> consistente com osconstrangimentos providos por informações parciais periódicas. Assim,por <strong>de</strong>finição o estado <strong>de</strong> equilíbrio é a condição <strong>de</strong> maior probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>,<strong>da</strong>dos quaisquer constrangimentos presentes. A informaçãotermodinâmica é, portanto, diretamente proporcional à distância doequilíbrio. É interessante notar que na Teoria <strong>da</strong> Informação ocorre ocontrário, pois a informação é inversamente proporcional ao equilíbrioestatístico.O conceito <strong>de</strong> entropia na Mecânica Estatística Quântica éintroduzido por analogia com as formulações <strong>de</strong> Boltzmann e Gibbs. Ele é<strong>de</strong>scrito matematicamente <strong>da</strong> seguinte forma:S= - K ∑ P1 Log P1No equilíbrio, temos que__96__


S = K log WEssas equações fornecem fun<strong>da</strong>mento conceitual para umacompleta <strong>de</strong>rivação mecânica estatística <strong>da</strong>s leis <strong>da</strong> TermodinâmicaClássica, e levam portanto a um entendimento estatístico e microscópico<strong>de</strong> todos os fenômenos térmicos observados ao nível <strong>da</strong> físicamacroscópica.A relação conceitual entre entropia e probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> provê umainterpretação probabilística <strong>da</strong> 2 a Lei na forma <strong>de</strong>scrita por Clausius. SeS(tot) <strong>de</strong>nota a entropia total <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> sistema isolado (o Universopor exemplo) e esse sistema consiste <strong>de</strong> duas partes, uma menor <strong>de</strong>entropia S e outra maior <strong>de</strong> entropia Se (a maior parte sendo uma espécie<strong>de</strong> meio ambiente <strong>da</strong> menor), entãoS(tot) = S + SeA proposição <strong>de</strong> Clausius <strong>da</strong> 2 a Lei diz queS(tot) ≥ 0em qualquer processo, com o sinal <strong>de</strong> igual<strong>da</strong><strong>de</strong> valendo apenas paracasos reversíveis.A interpretação probabilística <strong>da</strong> 2 a Lei surge do vínculo <strong>da</strong>equação para a entropia estatística S = K log W com S(tot) ≥ 0, queestabelece que a entropia total <strong>de</strong> um sistema isolado aumenta oupermanece a mesma. Des<strong>de</strong> que a primeira <strong>da</strong>s duas equações baseia ovalor <strong>da</strong> entropia no valor do peso Termodinâmico W em uma relaçãomonotônica crescente, alta entropia correspon<strong>de</strong> a coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s <strong>de</strong>estados termodinâmicos que especificam gran<strong>de</strong>s valores <strong>de</strong> W. Mas, comoW é o número <strong>de</strong> distintos estados microscópicos consistentes com oconhecimento disponível sobre o estado termodinâmico macroscópico,então ele é proporcional à probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar o sistema em um<strong>da</strong>do estado macroscópico, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que qualquer tal estado que possa ser__97__


percebido em um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> sentidos microscópicos é maisprovável que um que só po<strong>de</strong> ser percebido em poucos arranjosmicroscópicos.O conceito <strong>de</strong> entropia, portanto, é consistente com a noção <strong>de</strong> quetodos os sistemas ten<strong>de</strong>m a evoluir para estados <strong>de</strong> mais altaprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, que <strong>de</strong>signam situações mais favoráveis. Por conseguinte, omais provável advém sempre do menos provável. Estados <strong>de</strong> alta entropiaten<strong>de</strong>m a se <strong>de</strong>senvolver dos <strong>de</strong> baixa entropia, o que ocorre na média.Logo, o aumento <strong>da</strong> entropia po<strong>de</strong> ser interpretado como uma tendênciaprobabilística.É evi<strong>de</strong>nte que há como eventualmente ocorrer uma diminuiçãoespontânea <strong>da</strong> entropia, a qual correspon<strong>de</strong>ria a alguma flutuação. Taisflutuações correspon<strong>de</strong>m a divergências dos valores médios. Saí<strong>da</strong>stemporárias do equilíbrio, na forma <strong>de</strong> flutuações, representam condições<strong>de</strong> menos probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> que a <strong>de</strong> equilíbrio, assim como a diminuiçãoentrópica <strong>de</strong> um sistema isolado representa uma improvável saí<strong>da</strong> <strong>da</strong>entropia <strong>de</strong> seu máximo valor <strong>de</strong> equilíbrio.Em suma, o mais provável comportamento do sistema representaseu comportamento médio. Para gran<strong>de</strong>s sistemas com muitos graus <strong>de</strong>liber<strong>da</strong><strong>de</strong> os mais prováveis valores <strong>de</strong> suas quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>s físicas coinci<strong>de</strong>mcom seus valores médios (o que é postulado pelo Lei dos Gran<strong>de</strong>sNúmeros). A lei do aumento <strong>da</strong> entropia em um sistema isolado po<strong>de</strong>,portanto, ser melhor entendi<strong>da</strong> como uma proposição sobre ocomportamento médio temporal do mais provável estado <strong>de</strong> um sistemacom muitos graus <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>.Assim, a fórmula <strong>de</strong> S ficaS= - K ∑ P1(t) Log P1(t), on<strong>de</strong>P1(t) são as probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ocupação <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do tempo.Há ain<strong>da</strong> um importante aspecto do conceito <strong>de</strong> entropia naMecânica Quântica que não é encontrado na Mecânica EstatísticaClássica, concernente ao valor limite <strong>da</strong> entropia à medi<strong>da</strong> que nosaproximamos do zero absoluto <strong>da</strong> temperatura. Só através <strong>da</strong> Quântica é__98__


possível obter esse resultado, conhecido em geral como 3 a Lei <strong>da</strong>Termodinâmica, a qual po<strong>de</strong> ser assim formula<strong>da</strong>: a entropia por uni<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> massa <strong>de</strong> qualquer substância vai a zero à medi<strong>da</strong> que a temperaturavai ao absoluto zero, que é o estado-solo termodinâmico, não-<strong>de</strong>generado.Ou seja:Lim S(T) = 0T→ 0Hoje, embora bem estabeleci<strong>da</strong> por observações empíricas, a interpretaçãoprobabilística <strong>da</strong> 2 a Lei ain<strong>da</strong> carece <strong>de</strong> um melhor entendimento <strong>de</strong> sua base estatística.Profundos exames revelam sérias lacunas em nosso entendimento, como a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>relaciona<strong>da</strong> à aplicação <strong>da</strong> 2 a Lei ao Universo como um todo.Sabemos que o Universo não está em equilíbrio termodinâmico. Como um sistemafechado, seria <strong>de</strong> se esperar que já tivesse alcançado o equilíbrio há muito tempo.Po<strong>de</strong>ríamos consi<strong>de</strong>rar a parte observável do Universo como uma gran<strong>de</strong> flutuação emum sistema em equilíbrio como um todo, mas essa hipótese tentadora é <strong>de</strong>smenti<strong>da</strong> pelapercepção <strong>de</strong> que condições comparáveis <strong>de</strong> não-equilíbrio suportando o <strong>de</strong>senvolvimentobiológico po<strong>de</strong>m ocorrer em uma escala astronômica menor com até mesmo maiorprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Por outro lado, há alta probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> para uma flutuação satisfatória naestrutura do sistema solar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ele contém menos graus <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> (ou seja, é umsistema menor) que a galáxia on<strong>de</strong> se situa. A julgar por essas evidências contraditórias,esse problema está <strong>de</strong> fato longe <strong>de</strong> ser resolvido.Alguns trabalhos contemporâneos têm buscado generalizar os conceitos eprincípios do equilíbrio clássico termodinâmico <strong>de</strong> forma que a <strong>teoria</strong> resultanterepresenta uma Termodinâmica irreversível <strong>de</strong> estados estáveis. O principal nome <strong>de</strong>ssatendência é L. Onsager. O conceito <strong>de</strong> entropia <strong>de</strong> sua <strong>teoria</strong> é estendido para além <strong>da</strong>noção <strong>de</strong> equilíbrio para incluir as idéias <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> entropia no tempo, <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> entropia e fluxo entrópico direcionado. Na <strong>teoria</strong> dos processos irreversíveis a entropiaé então consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> algo com uma substância, que po<strong>de</strong> ser cria<strong>da</strong>, <strong>de</strong>struí<strong>da</strong>,distribuí<strong>da</strong>, etc.Onsanger é o criador <strong>da</strong> equação <strong>de</strong> balanço entrópico, que utiliza um conjunto <strong>de</strong>coeficientes <strong>de</strong> transporte Lij. Ele estabeleceu uma notável relação entre os coeficientes<strong>de</strong> transporte, mostrando que quando não há qualquer campo magnético os coeficientesobe<strong>de</strong>cem Lij=Lji, relação conheci<strong>da</strong> como “teorema <strong>da</strong> reciproci<strong>da</strong><strong>de</strong>” <strong>de</strong> Onsager, e porele prova<strong>da</strong> com base no princípio <strong>da</strong> reversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> microscópica. De fato, areciproci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Onsager é algo como uma expressão matemática <strong>da</strong> cita<strong>da</strong>reversibili<strong>da</strong><strong>de</strong>.Outras discussões contemporâneas sobre o conceito <strong>de</strong> entropia são feitas porPrigogine – que esten<strong>de</strong> a <strong>teoria</strong> microscópica do não-equilíbrio para englobar processos__99__


<strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça biológica – e por Gal-Or – que questiona se a origem <strong>da</strong> irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> nanatureza é local ou cosmológica, problema diretamente relacionado ao <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> localização <strong>da</strong> origem <strong>da</strong> 2 a Lei Termodinâmica na dinâmica <strong>de</strong> expansão eresfriamento do Universo.2. Relação entre os Conceitos Termodinâmico e Informacional<strong>de</strong> EntropiaConforme assinala EDWARDS (1971: p. 12), po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar nanatureza basicamente dois tipos <strong>de</strong> sistemas: os <strong>de</strong> energia e os <strong>de</strong>controle. Chama atenção o fato <strong>de</strong> que ambos os sistemas parecem emcerta medi<strong>da</strong> ser norteados pelas mesmas leis, já que a entropia age emambos.Nos sistemas <strong>de</strong> energia a entropia me<strong>de</strong> o grau <strong>de</strong> homogenei<strong>da</strong><strong>de</strong>estatística no sentido <strong>da</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m relativa à agitação molecular.Já nos sistemas <strong>de</strong> informação, como vimos anteriormente, oprincípio entrópico me<strong>de</strong> o grau <strong>de</strong> homogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> estatística no sentido<strong>da</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha (ou <strong>de</strong> incerteza) relativa ao sistema.Para J. WICKEN (1987: p.18), com notáveis exceções (comoBrillouin), têm sido pouco produtivas as tentativas <strong>de</strong> fazer interagir aTermodinâmica – ciência do processo espontâneo e <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> – e aTeoria <strong>da</strong> Informação – ciência <strong>da</strong> estrutura e <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>. ParaWicken, essa pouca ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> interdisciplinar em muito se <strong>de</strong>ve àambigüi<strong>da</strong><strong>de</strong> semântica <strong>de</strong> conceitos-chave <strong>de</strong>ssas disciplinas, como o <strong>de</strong>entropia.A fim <strong>de</strong> obter uma maior clareza acerca do conceito <strong>de</strong> entropia,preten<strong>de</strong>mos nesta secção averiguar a origem <strong>da</strong> similari<strong>da</strong><strong>de</strong> morfológica<strong>da</strong>s equações <strong>de</strong> Boltzmann e <strong>de</strong> Shannon, apontando algumassemelhanças e diferenças em seus respectivos conteúdos semânticos.Para ZEMAN (1975: p. 247), “<strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista filosófico, élegítimo i<strong>de</strong>ntificar certa similari<strong>da</strong><strong>de</strong> entre a entropia física e ainformacional”.Solomon Marcus radicaliza essa perspectiva. Para ele, a entropia éna ver<strong>da</strong><strong>de</strong> uma ‘metáfora’ científica adota<strong>da</strong> pela Teoria <strong>da</strong> Informação a__100__


partir <strong>de</strong> uma ‘transferência metafórica’ do conceito termodinâmico <strong>de</strong>entropia. Para MARCUS (1995: p. 156), “A idéia científica <strong>de</strong> informaçãonasceu <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> estrutura conceptual <strong>da</strong> Termodinâmica”, ganhandostatus autônomo através <strong>da</strong> metamorfose do conceito <strong>de</strong> entropia e <strong>de</strong>uma metamorfose similar, a do conceito <strong>de</strong> energia.Tal visão nos parece sinceramente um tanto força<strong>da</strong> e imprecisa,pois, além <strong>de</strong> ofuscar diferenças essenciais entre ambos os conceitos,omite o fato <strong>de</strong> que Shannon chegou à fórmula <strong>da</strong> entropia informacional<strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.Já autores como EDWARDS (1971: p. 48) preferem adotar posturamais cautelosa. Ele consi<strong>de</strong>ra que, na construção do conceitoinformacional <strong>de</strong> entropia, a analogia <strong>de</strong> Shannon com os resultados <strong>da</strong>Termodinâmica Estatística é interessante e até sugestiva filosoficamente,mas po<strong>de</strong> também causar certa confusão.WICKEN (1987: p. 26) segue com a mesma visão. Para ele, se porum lado não po<strong>de</strong>mos cair no mito <strong>da</strong> in<strong>de</strong>pendência completa dos doisconceitos, por outro também não po<strong>de</strong>mos eclipsar suas diferenças. Jáque a Termodinâmica Estatística e a Teoria <strong>da</strong> Informação ambas tratamcom ‘incertezas’, e já que ambas trabalham com equações simbolicamenteisomórficas, é natural que muitos teóricos <strong>da</strong> informação consi<strong>de</strong>rem aequação <strong>de</strong> Shannon como uma generalização do conceito <strong>de</strong> entropia,<strong>de</strong>ixando-o livre <strong>da</strong> fenomenologia termodinâmica para a aplicação adistribuições genéricas <strong>de</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>.O próprio Wicken consi<strong>de</strong>ra que essa interpretação gera confusões.Para ele, há duas questões relevantes no exame <strong>de</strong>sse problema:a) Ambos os conceitos <strong>de</strong> entropia comportam-se no mesmosentido?b) São ambos baseados no mesmo tipo <strong>de</strong> hipótese probabilística?Na visão <strong>de</strong> Wicken, a idéia <strong>de</strong> que a entropia <strong>de</strong> Shannon generalizaa <strong>da</strong> Termodinâmica seria automaticamente ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira se conceitosfossem redutíveis a equações, o que não é o caso.No que diz respeito à primeira questão, as incertezas envolvi<strong>da</strong>s naTermodinâmica Estatística e na Teoria <strong>da</strong> Informação são <strong>de</strong> diferentes__101__


naturezas. Naquela, a incerteza é fun<strong>da</strong>mental: não po<strong>de</strong>mos conhecer oestado <strong>de</strong> um sistema químico porque ele não resi<strong>de</strong> em qualquermicroestado específico, mas flutua estocasticamente entre um conjunto <strong>de</strong>alternativas. Já na Teoria <strong>da</strong> Informação a incerteza é a algo como a‘varie<strong>da</strong><strong>de</strong>-anterior-ao-fato’.Outra diferença está na distinção macroestado / microestado, naqual se baseia a equação <strong>de</strong> Boltzmann e Gibbs. Para Wicken ela não seaplicaria à entropia <strong>de</strong> Shannon. E, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a explicação do aumento <strong>da</strong>entropia em sistemas irreversíveis se baseia nessa distinção, não pareceexistir irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> na Teoria <strong>da</strong> Informação.De fato, a entropia é proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> do macroestado, do conjunto <strong>de</strong>probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s, não <strong>de</strong> qualquer microestado específico. Daí o raciocínio<strong>de</strong> Wicken, para quem, sem relação entre macro e microestado, a entropianão <strong>de</strong>veria ser postula<strong>da</strong>. A respeito disso o citado autor reforça:“Shannon sugere inicialmente que a informação é ‘esculpi<strong>da</strong>’ no espaço <strong>de</strong>fase entrópico. Mas logo após <strong>de</strong>sliza para fixar a entropia <strong>de</strong> símbolos emensagens eles próprios” (WICKEN, 1987: p. 21). Isso não é <strong>de</strong> todocorreto. De fato, Shannon fixa entropias <strong>de</strong> mensagens (que sãoconjuntos), mas não <strong>de</strong> símbolos (que são elementos). Para esses últimossão fixados apenas valores relativos à informação, mas não à entropia, queé informação média.Não concor<strong>da</strong>mos também com a afirmação, feita acima, <strong>de</strong> que naTeoria <strong>da</strong> Informação não há qualquer relação entre micro e macroestado,não po<strong>de</strong>ndo por esse motivo a irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> 2 a Lei ser generaliza<strong>da</strong>à análise <strong>da</strong> informação.Se abastecermos uma mensagem continuamente com uma fonteestocástica, tal que seus elementos se rearranjem sempre, essa mensagempo<strong>de</strong> configurar um macroestado a partir <strong>de</strong> microestados. Exemplo dissoé um sistema on<strong>de</strong> dois <strong>da</strong>dos sejam lançados, constituindo um espaçoprobabilístico. Teríamos na soma (macroestado) dos resultados sucessivosdos dois <strong>da</strong>dos (microestados) um exemplo não-termodinâmico <strong>de</strong> relaçãoentre micro e macroestado. Provido que haja uma fonte estocásticacontínua <strong>de</strong> movimento, o macroestado 7 é mais provável que o__102__


macroestado 2, pois tem mais possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s microscópicas <strong>de</strong>configuração (1+6, 2+5, 3+4, etc, enquanto que o 2 só po<strong>de</strong> serconfigurado por 1+1). Nesse sentido, po<strong>de</strong>mos dizer que há relação entremicro e macroestado também na Teoria <strong>da</strong> Informação – ain<strong>da</strong> que apenasem sentido heurístico. Logo, é possível adotar, também para ela, comoveremos à frente, o postulado <strong>da</strong> irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong>.Uma outra diferença entre ambas as entropias, também cita<strong>da</strong> porWICKEN (1987: p. 22), resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong> que na Termodinâmica Estatísticahá duas fontes <strong>de</strong> entropia: uma térmica e uma configuracional. Na Teoria<strong>da</strong> Informação só a segun<strong>da</strong> existe.No que respeita à segun<strong>da</strong> questão posta acima, na Termodinâmicanão po<strong>de</strong>mos falar em incerteza como categoria subjetiva. Já na Teoria <strong>da</strong>Informação a entropia é uma abstração heurística. Da mesma forma, na<strong>teoria</strong> <strong>de</strong> Shannon ‘estado’ é a medi<strong>da</strong> <strong>de</strong> constrangimento imposto sobrea possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> subseqüente. Tal significado <strong>de</strong> estado não suporta relaçãodireta com a Termodinâmica. O mesmo ocorre com a noção correlata <strong>de</strong>transição entre estados. Esta última envolve, na Termodinâmica, novasdistribuições <strong>de</strong> matéria e energia entre estados quânticos disponíveis,enquanto que em comunicação envolve escolhas. A diferença é entre omovimento <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> elementos no espaço <strong>de</strong> fase e a geração <strong>de</strong>uma seqüência abstrata <strong>de</strong> opções estatísticas.A<strong>de</strong>mais, como assinala UYEMOV (1975: p. 97), a fórmula <strong>de</strong>Shannon po<strong>de</strong> ser concebi<strong>da</strong> como “uma suficientemente precisa medi<strong>da</strong><strong>de</strong> parâmetros sistêmicos”. Nesse sentido, a entropia <strong>de</strong> Shannon nãoseria necessariamente sinônimo <strong>de</strong> grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, mas <strong>de</strong>homogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> estatística do substrato do sistema.Portanto, há diversas diferenças entre entropia termodinâmica eentropia informacional, ain<strong>da</strong> que algumas <strong>de</strong>las possam ser i<strong>de</strong>ntificáveisformalmente, isto é, no âmbito <strong>de</strong> um mesmo mo<strong>de</strong>lo abstrato. Isso colocaum problema fun<strong>da</strong>mental para o entendimento <strong>da</strong> relação entre os doistipos <strong>de</strong> entropia: com tantas diferenças, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> provém a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>formal <strong>da</strong>s equações <strong>de</strong> Shannon e Boltzmann?__103__


Acreditamos que ela provém <strong>de</strong> <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s para a formalizaçãomatemática <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s estatísticas <strong>de</strong> um estado. Porém, enquantoa entropia <strong>de</strong> Boltzmann é basea<strong>da</strong> na varie<strong>da</strong><strong>de</strong> real <strong>de</strong> microestadosalternativos entre os quais o sistema se move, a entropia <strong>de</strong> Shannon ébasea<strong>da</strong> em estados como eventos <strong>de</strong>rivando <strong>de</strong> escolhas. Des<strong>de</strong> que umconjunto <strong>de</strong> símbolos expressa alternativas, torna-se <strong>de</strong> fato tentador falarem entropia.Autores como Wicken acreditam que, em função <strong>da</strong>s diferençassupra-cita<strong>da</strong>s e apesar <strong>da</strong>s semelhanças, a fixação <strong>de</strong> entropia paraseqüências simbólicas mais distorce que generaliza o conceitotermodinâmico <strong>de</strong> entropia. Ele supõe que há um paradoxo relacionado aoruído o qual é atribuído ao mal uso do conceito <strong>de</strong> entropia. O paradoxoconsistiria na classificação do ruído também como informação (sendo elena ver<strong>da</strong><strong>de</strong> anti-informação) – o que faz com que se i<strong>de</strong>ntifique no canalruidoso mais, e não menos informação, o que seria um absurdo lógico. Anosso ver tal paradoxo em ver<strong>da</strong><strong>de</strong> não existe, pois o ruído é informaçãoapenas morfologicamente, e não funcionalmente, e é nesse último aspectoque nos interessamos ao li<strong>da</strong>r com uma forma organiza<strong>da</strong> – precisamenteo que é uma mensagem.J. WICKEN (1987: p. 24) pensa que seria melhor, ao invés do termoentropia, usar na Teoria <strong>da</strong> Informação o termo ‘complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>’. Para ele,assim como a entropia é a medi<strong>da</strong> do que não po<strong>de</strong>mos saber sobre umsistema termodinâmico, complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> é a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> informaçãorequeri<strong>da</strong> para especificar singularmente as relações <strong>de</strong> sistemasestruturados.Além disso, “o i<strong>de</strong>al seria tratar o H = - ∑ Pi Log Pi como umaexpressão algébrica padrão, cujo H seria <strong>de</strong>finido conforme a área <strong>de</strong>aplicação ... Ain<strong>da</strong> assim, o termo ‘entropia’ continuaria a passar algo dosentimento <strong>de</strong> W.Weaver, <strong>de</strong> que estamos diante <strong>de</strong> um ‘princípiouniversal’ que fornece profun<strong>da</strong>s leis <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça unidirecional”(WICKEN, 1987, p. 25).De fato, por certo que a similari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ambas as expressõesmatemáticas <strong>da</strong> entropia não advém do fato <strong>de</strong> estarmos diante <strong>de</strong> alguma__104__


misteriosa força <strong>da</strong> natureza, como queria WEAVER (1975), mas apenasdo fato <strong>de</strong> que ambas as expressões li<strong>da</strong>m com distribuições <strong>de</strong>probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, procedimento do pensamento mais a<strong>de</strong>quado aotratamento <strong>de</strong> ambos os objetos <strong>de</strong> estudo <strong>da</strong> Termodinâmica e <strong>da</strong> Teoria<strong>da</strong> Informação, ou seja, sistemas <strong>de</strong> energia e <strong>de</strong> controle.3. NeguentropiaMuitos autores trabalham com a idéia <strong>de</strong> que informação e entropiaseriam i<strong>de</strong>ntificáveis não diretamente, mas em razão inversa. Nessesentido, a informação seria algo como uma ‘entropia negativa’ – ou,simplesmente, neguentropia.Norbert Wiener, por exemplo, chama a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> incerteza média<strong>de</strong> “entropia negativa”, pois, “assim como a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> informação <strong>de</strong>um sistema é a medi<strong>da</strong> <strong>de</strong> seu grau <strong>de</strong> organização, a entropia <strong>de</strong> umsistema é a medi<strong>da</strong> <strong>de</strong> seu grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>sorganização – uma é tão somente oreverso <strong>da</strong> outra” (APUD EDWARDS, 1971: p. 48).ZEMAN (1970: p. 161) raciocina mais ou menos no mesmo sentido.Para ele, a neguentropia diminui com a <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>ção e se conserva oucresce com a evolução.No universo há processos oriundos <strong>da</strong> dispersão ... Contra esses processos<strong>de</strong> <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>ção, <strong>de</strong>sorganização há, contudo, processos <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nsação, <strong>de</strong>concentração; há o crescimento <strong>da</strong> organização ou informação na forma <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> e do aprendizado ... Vi<strong>da</strong>, aprendizado e conhecimento existem sobrea base do fluxo cósmico e estão subordinados ao princípio <strong>de</strong> entropia.Eles estão, contudo, vinculados também ao fluxo oposto – processos <strong>de</strong>aumento <strong>da</strong> entropia negativa (informação).Os processos entrópicos ou neguentrópicos são portanto, nessavisão, concebidos como processos opostos, aqueles <strong>de</strong> sucessiva diluição,estes <strong>de</strong> sucessiva con<strong>de</strong>nsação.O primeiro autor a cunhar o termo ‘neguentropia’ foi Brillouin. Eletambém o i<strong>de</strong>ntificou à informação, no sentido <strong>de</strong> que a informação nãoseria igual à entropia, mas ao seu contrário. Nessa perspectiva, aumento<strong>da</strong> entropia significa per<strong>da</strong> <strong>de</strong> neguentropia. “Signos emitidos pelo__105__


transmissor criam uma muito instável e improvável distribuição <strong>de</strong>correntes no cabo (canal). Isso representa uma situação física <strong>de</strong> baixaprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, por isso <strong>de</strong> alta neguentropia. Quando esses sinais sãoabsorvidos no receptor, essa neguentropia <strong>de</strong>saparece e informação(absoluta) é obti<strong>da</strong>” (BRILLOUIN, p. 594).É evi<strong>de</strong>nte que tais suposições não po<strong>de</strong>m ser encontra<strong>da</strong>s naabor<strong>da</strong>gem <strong>de</strong> Shannon. Em seu já clássico “A Teoria Matemática <strong>da</strong>Comunicação”, Shannon i<strong>de</strong>ntifica a informação à entropia. A únicadiferença é que a primeira po<strong>de</strong> ser calcula<strong>da</strong> para elementos, enquantoque a segun<strong>da</strong> é uma proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> média.Para J. WICKEN (1987: p. 36), a não ser como ‘entropia com sinalnegativo’, a neguentropia é um conceito matematicamente in<strong>de</strong>finível,posto que não há entropia com valor menor que 0. Ele próprio assinala,porém, que isso não diminui a utili<strong>da</strong><strong>de</strong> explanatória do conceito, o qual,uma vez criado, <strong>de</strong>ve ser aproveitado <strong>da</strong> melhor forma possível.Wicken utiliza a idéia <strong>de</strong> ‘neguentropia’ no sentido <strong>de</strong> ‘compressãoprobabilística’, isto é, <strong>de</strong> distância do equilíbrio. Um sistema orgânico,por exemplo, po<strong>de</strong> ser conceituado como aquele reduz (comprime) onúmero <strong>de</strong> suas probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s internas a fim <strong>de</strong> manter-se distante doequilíbrio termodinâmico. Nesse sentido, embora organismos e cristaissejam ambos sistemas <strong>de</strong> baixa entropia, só os primeiros sãoneguentrópicos – pois a baixa entropia dos cristais não é obti<strong>da</strong> emoposição ao equilíbrio, mas constitui-se na própria condição <strong>de</strong> equilíbrio.A explicação <strong>de</strong> Wicken é já bastante esclarecedora. Mas é Denbighsem dúvi<strong>da</strong> o autor que melhor eluci<strong>da</strong> o problema <strong>da</strong>s relações entreinformação, entropia, or<strong>de</strong>m, organização e complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Sem a<strong>de</strong>limitação precisa e rigorosa do significado <strong>de</strong>ssas categorias nãopo<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r plenamente o problema <strong>da</strong> neguentropia, cuja essênciaresi<strong>de</strong> na relação entre esses conceitos e, em particular, na distinção entreentropia termodinâmica e seu equivalente informacional.Na tentativa <strong>de</strong> formular uma função não-conserva<strong>da</strong> para sistemasorganizados, Denbigh <strong>de</strong>para-se com a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentar<strong>de</strong>finições pertinentes <strong>de</strong> organização e or<strong>de</strong>namento, termos sobre os__106__


quais há muita confusão semântica. “Geralmente é suposto que, comoor<strong>de</strong>namento e entropia estão relacionados (inversa e logaritmicamente),qualquer aumento no grau <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> um sistema correspon<strong>de</strong> aum <strong>de</strong>créscimo <strong>da</strong> entropia. Isso é errado” (DENBIGH, 1975: P. 83).WICKEN (1987: p. 6) reforça essa opinião: “A 2 a Lei recebeu uma máimpressão por todo o século <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua formulação por Clausius ...(Perguntava-se) como po<strong>de</strong> a evolução, um processo criativo ... sercausalmente conecta<strong>da</strong> com um princípio essencialmente dissipativo”.Para Wickens, isso caracteriza em certa medi<strong>da</strong> uma ‘mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> antientrópica’,que se nutre <strong>da</strong> suposta evidência <strong>de</strong> que os organismos – quese mantém distantes do equilíbrio através <strong>da</strong> exportação <strong>de</strong> entropia paraseus arredores – seriam prova <strong>da</strong>s limitações intrínsecas do 2 o princípiotermodinâmico.“Muitos evolucionistas acreditam que a lei <strong>da</strong> evolução é um tipo <strong>de</strong>conversão <strong>da</strong> 2 a Lei <strong>da</strong> Termodinâmica, igualmente irreversível mascontrária em tendência” (WICKEN, 1987: p. 36). Para J. Wicken, porém,não há qualquer contradição entre evolução e 2 a Lei, pois os organismospo<strong>de</strong>m obe<strong>de</strong>cer à 2 a Lei exibindo, contudo, uma tendência temporalin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.WICKEN (1987: p. 69) reforça a argumentação acima <strong>de</strong>monstrandoque há relação entre dissipação entrópica e estruturação ecomplexificação <strong>da</strong> matéria. Para ele a entropia é em última instância aforça dirigente <strong>da</strong> agregação e <strong>da</strong> estruturação <strong>de</strong> matéria. Ele próprioressalta que o termo ‘força dirigente’ po<strong>de</strong> ser pouco a<strong>de</strong>quado, na medi<strong>da</strong>em que sugere algum tipo <strong>de</strong> propulsão externa, enquanto estaríamosdiante, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> uma ‘propulsão interna’.Segundo Wicken, a estruturação <strong>da</strong> matéria em formasprogressivamente superiores hierarquicamente se dá através <strong>da</strong>combinação <strong>da</strong>s diretivas casualizantes <strong>da</strong> 2 a Lei com constrangimentosmecânicos providos pelas forças <strong>da</strong> natureza. Para muitos isso soaparadoxal, pois a estruturação é uma tendência integrativa, e o aumento<strong>da</strong> entropia (pelo menos no sentido termodinâmico) é uma tendênciadispersiva. Mas, como mostra o citado autor, essa contradição só se torna__107__


antinômica para aqueles cujo raciocínio está impregnado pelo princípio <strong>de</strong>i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>.Wicken esclarece que juntar enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s pequenas em gran<strong>de</strong>s geraentropia através <strong>da</strong> conversão <strong>de</strong> energia potencial em calor. A dissipaçãoentrópica surge, com isso, como a força dirigente <strong>da</strong> tendência associativado Universo. Ela coman<strong>da</strong> o processo <strong>de</strong> estruturação evolucionária, que éa própria tendência para o crescimento <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> organizacional,ou <strong>da</strong> informação presente no Universo.Logo, ambas as tendências (associativas e dissociativas) formam umpar: estruturação e complexificação provêem meios para a dissipaçãoentrópica, enquanto que a dissipação <strong>de</strong> entropia fornece o sentidofun<strong>da</strong>mental <strong>de</strong> todo processo integrativo. De fato, enquanto o Universoestá constantemente ‘<strong>de</strong>scendo a la<strong>de</strong>ira’ no sentido <strong>de</strong> esgotar potencialtermodinâmico, está também ‘subindo a la<strong>de</strong>ira’ no sentido <strong>de</strong> construirestrutura. Uma coisa só po<strong>de</strong> ocorrer às custas <strong>da</strong> outra.Portanto, não po<strong>de</strong> existir contradição, como parece sugerirBrillouin, entre o aumento <strong>da</strong> organização (vital ou social) e a 2 a Lei, pois,em certos contextos, o aumento <strong>da</strong> entropia é o próprio aumento <strong>da</strong>organização.Conforme esclarece Denbigh, o conceito <strong>de</strong> organização tem osignificado <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, e não o <strong>de</strong> or<strong>de</strong>namento, o qual lhe é opostoem sentido. É o or<strong>de</strong>namento, e não a organização, o conceito que estárelacionado inversamente à entropia. Denbigh, porém, chama atençãopara o fato <strong>de</strong> que ‘<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>namento’ <strong>de</strong>ve ser entendido em sentido maisamplo que o meramente configuracional. A organização seria, nessa visão,uma espécie <strong>de</strong> ‘or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> alto nível’, isto é, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m num patamarqualitativo superior.Partindo dos conceitos sugeridos por Denbigh, J. WICKEN (1987: p.43) esclarece que há dois sentidos em que os elementos <strong>de</strong> um sistemafísico po<strong>de</strong>m ser arranjados <strong>de</strong> modo não-casual. Um <strong>de</strong>les é <strong>de</strong> acordocom os padrões internos ou propensões estatísticas; o outro, <strong>de</strong> acordocom consi<strong>de</strong>rações funcionais. A primeira expressa or<strong>de</strong>m; a segun<strong>da</strong>,organização e informação funcional. A or<strong>de</strong>m biológica é, assim, tanto__108__


or<strong>de</strong>na<strong>da</strong> quanto rica em informação. Or<strong>de</strong>m e complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> seriam,nessa perspectiva, conceitos cognatos, mas opostos em significado.Para WICKEN (1987, p.43), as idéias <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m e <strong>de</strong> organizaçãorelacionam-se inversamente. A noção <strong>de</strong> compressão probabilísticaexpressa bem essa relação inversa. Qualquer seqüência com M símboloseqüiprováveis e duração N requererá para sua especificação N Log M bits.Essa é então a situação <strong>de</strong> máxima complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> concebível naseqüência. Reduções <strong>de</strong>sse valor seriam or<strong>de</strong>namentos.Conforme recor<strong>da</strong> WICKEN (1987, p.44), são duas as fontes <strong>de</strong>or<strong>de</strong>namento em estruturas: a primeira envolve as probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>sabsolutas dos elementos; a segun<strong>da</strong> relaciona-se às probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>scondicionais. Se estas últimas são iguais a 0 ou 1 (constrangimentosfixos), então a or<strong>de</strong>m é completa. Assim, <strong>de</strong>svios <strong>de</strong> eqüiprobabili<strong>da</strong><strong>de</strong> sãoredutores <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> e ampliadores <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m. Já o aumento donúmero <strong>de</strong> elementos produz efeito inverso: reduz a propensão estruturalinfluenciando o arranjo, aumentando assim a complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> e diminuindoa or<strong>de</strong>m. Po<strong>de</strong>mos portanto perceber que or<strong>de</strong>m é sinônimo <strong>de</strong>redundância e informação (ou organização), <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>.Com base nessas <strong>de</strong>finições po<strong>de</strong>mos afirmar que um sistemaorganizado consiste em um conjunto funcional <strong>de</strong> partes e sub-partesconecta<strong>da</strong>s, o que quer dizer o mesmo que uma estrutura. “Um sistemaorganizado tem aquelas funções particulares que suas partesconstituintes e interconexões são capazes <strong>de</strong> arquivar. Isso sugere apossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> relações lógicas entre estrutura e função”. WICKENassinala ain<strong>da</strong> que o fato <strong>de</strong> que o conceito <strong>de</strong> organização é muitas vezesestendido a sistemas afuncionais torna-o mais confuso. Para ele,“sistemas organizados são caracterizados por relações estruturais querequerem informação para sua especificação” (1987: p.40).O mais conhecido tipo <strong>de</strong> sistema organizado é a classe chama<strong>da</strong>por Prigogine ‘sistemas dissipativos’. Sua característica geral é amanutenção <strong>de</strong> um estado que é <strong>de</strong>slocado do equilíbrio termodinâmico<strong>de</strong>vido a um contínuo influxo <strong>de</strong> energia. Os sistemas vivos (tipo <strong>de</strong>sistema dissipativo) são portanto, ao mesmo tempo, processos e coisas.__109__


Eles têm estruturas separa<strong>da</strong>s <strong>de</strong> seus meio-ambientes, mas, como no rioheraclítico, estão em fluxo contínuo. O fluxo termodinâmico assegura aestrutura e esta, inversamente, informa o fluxo.A organização é <strong>de</strong> fato uma proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.Organismos são sistemas dotados <strong>de</strong> organização, <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Masem que sentido po<strong>de</strong>ríamos dizer que são or<strong>de</strong>nados? Uma enzima não émais casual que a estrutura <strong>de</strong> um computador. Em ambos os casos anão-casuali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> estrutura não é (propriamente) questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, mas<strong>de</strong> organização funcional. A or<strong>de</strong>m nos sistemas vivos manifesta-se <strong>de</strong>forma hierárquica, como uma organização biológica sistêmica. Tal or<strong>de</strong>m<strong>de</strong> nível superior é atributo do todo do organismo, não <strong>da</strong> soma <strong>da</strong>spartes <strong>de</strong> seu alfabeto.Com a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> medir o grau <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> um sistema,Denbigh criou a noção <strong>de</strong> integrali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a qual não exporemos aqui empormenores por fugir um pouco ao escopo <strong>de</strong>sta secção. Para nossospropósitos é suficiente saber que o conceito <strong>de</strong> integrali<strong>da</strong><strong>de</strong> torna possívelestabelecer relação entre a organização e parâmetros <strong>de</strong>finíveismatematicamente, como conectabili<strong>da</strong><strong>de</strong> e a varie<strong>da</strong><strong>de</strong>.Após o percurso feito acima, on<strong>de</strong> buscamos uma <strong>de</strong>limitação maisprecisa <strong>de</strong> conceitos-chave como or<strong>de</strong>m e organização, retornamos aoconceito <strong>de</strong> ‘neguentropia’ com uma visão mais clara, a qual nos permiteinclusive distinguir melhor entre os conceitos termodinâmico einformacional <strong>de</strong> entropia. Com base nisso po<strong>de</strong>mos concluir que:a) A entropia termodinâmica é relativa à or<strong>de</strong>m, enquanto que aentropia informacional é relativa à organização oucomplexi<strong>da</strong><strong>de</strong>;b) Não há contradição entre 2 a Lei Termodinâmica e crescimento <strong>da</strong>organização. O que unifica os dois conceitos <strong>de</strong> entropia é o fato<strong>de</strong> serem enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s não-conserva<strong>da</strong>s, isto é, enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s quesempre crescem, embora muitas vezes não no mesmo sentido;c) Portanto, a hipótese <strong>de</strong> base que <strong>de</strong>u origem ao conceito <strong>de</strong>‘neguentropia’ – a <strong>de</strong> que não há como i<strong>de</strong>ntificar, senãoinversamente, informação e entropia – mostra-se incorreta. Mas,__110__


<strong>da</strong> mesma forma que o fruto do pecado não é necessariamentealgo em si pecaminoso, concor<strong>da</strong>mos com Wickens na assertiva<strong>de</strong> que o conceito <strong>de</strong> ‘neguentropia’ po<strong>de</strong> ser aproveitado – porexemplo no sentido proposto por ele, <strong>de</strong> ‘compressãoprobabilística’ –, mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que isso não resulte em um retornoà hipótese que o originou.4. Problemas Epistemológicos Relacionados ao Conceito <strong>de</strong>Entropia.O conceito <strong>de</strong> entropia encontra-se intimamente enre<strong>da</strong>do comvárias noções científicas <strong>da</strong>s mais controversas, como irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong>,tempo, causali<strong>da</strong><strong>de</strong> e previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Qualquer tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>finiçãoconsistente e universal <strong>de</strong>ssas categorias – em particular <strong>da</strong>s duasprimeiras – passa invariavelmente pelo exame epistemológico do princípioentrópico, o qual evi<strong>de</strong>ncia os mais surpreen<strong>de</strong>ntes elos entre Ciência eFilosofia.Como nos relata GAL-OR (1975: p. 213), há na Física basicamenteduas escolas <strong>de</strong> pensamento a respeito dos problemas epistemológicossuscitados pelo conceito <strong>de</strong> entropia:a) A escola estatística (clássica e quântica), <strong>de</strong> caráter i<strong>de</strong>alistasensualista.Essa escola postula um abandono <strong>da</strong> questãoontológica em <strong>de</strong>trimento do problema gnoseológico, ou seja,reclama que os cientistas não <strong>de</strong>vem perguntar-se sobre o que éuma coisa, mas apenas e exclusivamente sobre como po<strong>de</strong>mosconhecê-la. A escola estatística extrai a irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, aentropia, a informação e as assimetrias temporais <strong>de</strong> umaseleção – <strong>de</strong>libera<strong>da</strong> ‘a priori’ – <strong>de</strong> condições iniciais impostaspela <strong>teoria</strong> probabilística <strong>da</strong> simetria temporal;b) A escola astrofísica, <strong>de</strong> caráter realista. Essa escola consi<strong>de</strong>raimprescindível a consi<strong>de</strong>ração dos objetos em sua dimensãoontológica. Ela <strong>de</strong>duz a irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e a assimetria temporal__111__


termodinâmica e eletromagnética do <strong>de</strong>sequilíbrio <strong>de</strong> larga escalafruto <strong>da</strong> dinâmica <strong>de</strong> expansão e resfriamento do Universo.Uma vez posto isso, passemos à enumeração <strong>de</strong> algumas questõesepistemológicas relaciona<strong>da</strong>s à idéia <strong>de</strong> entropia, conectando essaexposição às respostas <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s pelas duas principais correntes <strong>de</strong>pensamento. Comecemos com dois importantes paradoxos relacionadosao fenômeno entrópico, ambos ain<strong>da</strong> não eluci<strong>da</strong>dos.Conforme já mencionamos ao final <strong>da</strong> secção sobre a história doconceito <strong>de</strong> entropia, observações empíricas <strong>de</strong>monstram que, ao longo doespaço cósmico a nós acessível, as proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> natureza nãoapresentam qualquer semelhança com as <strong>de</strong> um sistema em equilíbrio.Por outro lado, a Termodinâmica Estatística reivindica que qualquerregião finita do universo – não importando o quão larga seja – <strong>de</strong>ve ter umtempo finito <strong>de</strong> relaxamento, o estado <strong>de</strong> equilíbrio. Para piorar, esses‘tempos finitos <strong>de</strong> relaxamento’ <strong>de</strong>vem aumentar com o tamanho dosistema – os equilíbrios parciais <strong>de</strong> pequenos sistemas sãoconsi<strong>de</strong>ravelmente mais rápidos que os <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s sistemas. Quandoaplicado em relação ao Universo, portanto, esse postulado falha. Aobservação contradiz, aqui, a predição, na medi<strong>da</strong> em que sabemos hojeque o Universo como um todo não é um sistema em equilíbrio.Outro interessante paradoxo, este <strong>de</strong> natureza informacional,envolve o princípio <strong>da</strong> aditivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> entropia e a Lei dos Gran<strong>de</strong>sNúmeros. Esse paradoxo relaciona-se ao fato <strong>de</strong> que a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>informação necessária para <strong>de</strong>screver o conteúdo <strong>de</strong> um sistema aumentana proporção direta do volume do sistema. No entanto, em Cosmologia aprecisão <strong>da</strong>s previsões cresce justamente com o volume do objeto – o que éexplicado pela Lei dos Gran<strong>de</strong>s Números. Ou seja: se somente umaquanti<strong>da</strong><strong>de</strong> finita <strong>de</strong> informação é necessária para especificar o universointeiro, então a entropia por uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> volume ten<strong>de</strong> a zero quando estevolume aumenta in<strong>de</strong>fini<strong>da</strong>mente, o que é claramente um absurdo. Aqui,para GAL-OR (1975, p. 216), o que parece falhar é o princípio <strong>da</strong>aditivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> entropia (2 a Lei).__112__


Mas talvez o mais importante problema epistemológico relacionado àidéia <strong>de</strong> entropia seja mesmo o <strong>da</strong> irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. O traço comum <strong>de</strong>todo processo irreversível é a produção <strong>de</strong> entropia. É ela que faz ca<strong>da</strong>momento único na história do Universo.A 2 a Lei <strong>da</strong> Termodinâmica <strong>de</strong>monstra que, em um conjunto <strong>de</strong>possíveis seqüências <strong>de</strong> um sistema, aquela que fizer <strong>de</strong>- ∑ Pj Log Pjo valor máximo possui maior probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ocorrer que to<strong>da</strong>s as<strong>de</strong>mais combina<strong>da</strong>s. Isso é o mesmo que dizer que se um sistema, em suacondição atual, não está na máxima condição <strong>de</strong> entropia, as condiçõespossíveis nas quais ele po<strong>de</strong> transformar-se ten<strong>de</strong>m a ser condições <strong>de</strong>maior, e não <strong>de</strong> menor entropia. Se as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>s partes elementares<strong>de</strong> um sistema são in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes umas <strong>da</strong>s outras (não há redundância)<strong>de</strong> forma que o próximo estágio do sistema é aparentemente uma questãocasual, então a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que a entropia cresça exce<strong>de</strong> vastamentea <strong>de</strong> que ela <strong>de</strong>cresça.Em sistemas com número infinitamente gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> parteselementares, é praticamente certo que a entropia crescerá, ou, o que dá nomesmo, é praticamente certo que o sistema se aproximará <strong>da</strong> situação <strong>de</strong>máxima probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, que é o estado <strong>de</strong> equilíbrio. Daí porque umsistema que está comprimido em seu espaço <strong>de</strong> fase, acessando apenasuma pequena fração <strong>de</strong> estados microscópicos disponíveis (como umorganismo), é naturalmente um sistema em não-equilíbrio.A essência <strong>da</strong> irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> está no fato <strong>de</strong> que o crescimento <strong>da</strong>entropia é uma regra, e seu <strong>de</strong>créscimo uma exceção. Isso significa que, seobserva<strong>da</strong> na média, a entropia apenas aumenta, jamais retornando aestágios anteriores, <strong>de</strong> menor entropia. O aumento <strong>da</strong> entropia é o quepo<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> uma certeza estatística.Por que a irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> possui natureza estatística? Há umexemplo, fornecido por WICKEN (1987: p. 67), que certamente nos aju<strong>da</strong>ráa compreen<strong>de</strong>r melhor a questão.__113__


Suponhamos a existência <strong>de</strong> um sistema composto <strong>de</strong> 1000 <strong>da</strong>dos.Se todos forem lançados, juntos configurarão algum macroestado entre1000 (se todos <strong>de</strong>rem 1) e 6000 (se todos <strong>de</strong>rem 6). O macroestado é,portanto, a soma dos resultados dos 1000 <strong>da</strong>dos.Agora vamos supor que arranjemos todos os 1000 <strong>da</strong>dos com a face6 para cima. Teremos então configurado o macroestado 6000. Essemacroestado é altamente improvável, pois apenas um arranjo específico(um microestado) po<strong>de</strong> configurá-lo: aquele em que todos os <strong>da</strong>dosresultam com a face 6 para cima. Por isso esse macroestado (na práticaimpossível em se tratando <strong>de</strong> 1000 <strong>da</strong>dos) como que “pe<strong>de</strong>” para mu<strong>da</strong>r,ou para ser transportado para uma situação mais favorável.No sistema em questão, o macroestado 3000 constitui-se nasituação mais favorável, aquela com maior entropia. Isso é muito fácil <strong>de</strong>enten<strong>de</strong>r, posto que uma enorme quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> arranjos (ou <strong>de</strong>microestados) po<strong>de</strong>m configurá-lo.Assim, provido que tenhamos uma fonte <strong>de</strong> movimento, como umchute nos <strong>da</strong>dos, certamente o sistema <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos assumirá configuraçõesmais favoráveis. Se essa fonte <strong>de</strong> movimento for constante (chutesseguidos), o sistema se aproximará gra<strong>da</strong>tivamente do macroestado 3000,sendo esse caminho estatisticamente irreversível. É importante notarque, se a fonte <strong>de</strong> movimento não existir, o caminho irreversível para omacroestado 3000 não se confirmará, permanecendo como meratendência.Na Teoria <strong>da</strong> Informação, o fato <strong>de</strong> que não existe mensagem semruído liga-se <strong>de</strong> forma estreita ao 2. Princípio <strong>da</strong> Termodinâmica, segundoo qual em um sistema fechado a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m aumenta com o passar dotempo, na proporção em que esse sistema caminha para o equilíbrio comseu meio-ambiente. O ruído é fator <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição potencial door<strong>de</strong>namento <strong>da</strong> mensagem, isto é, <strong>de</strong> reintegração <strong>de</strong>ssa mensagem à suamatéria <strong>de</strong> origem. É como se a natureza lutasse constantemente pelaindistingabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s coisas. Logo, se ela pu<strong>de</strong>sse pronunciar-sefilosoficamente, provavelmente se diria monista, e não atomista.__114__


A irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> reivindica uma compreensão não-atomística <strong>da</strong>natureza. A Termodinâmica, ao contrário <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong> Informação, po<strong>de</strong><strong>de</strong> fato ser conceitua<strong>da</strong> como uma ciência não-atomística. Essacompreensão <strong>de</strong> cunho monista, integrador, que não vê a natureza comoum ‘bloco <strong>de</strong> coisas’, seria exigi<strong>da</strong>, <strong>de</strong> acordo com WICKEN (1987: p. 78),pelo fato <strong>de</strong> que a 2 a Lei não é uma proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> externa dos corpos, e nemmesmo uma força tal qual a gravitação, mas simplesmente um princípio<strong>de</strong> potência, isto é, algo que está presente em tudo sem, no entanto, fazerparte <strong>de</strong> na<strong>da</strong>.Um importante e controverso problema relacionado àirreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> é o <strong>de</strong> sua origem na Termodinâmica Estatística. Seria airreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> embuti<strong>da</strong> aprioristicamente na <strong>teoria</strong>? Ou correspon<strong>de</strong>riaela a algo <strong>de</strong> efetivamente real?Ambas as escolas <strong>de</strong> pensamento, a estatística e a astrofísica,concor<strong>da</strong>m que a irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> macroscópica é extraí<strong>da</strong> <strong>de</strong> equaçõessimétrico-temporais via alguma espécie <strong>de</strong> condições iniciais, ou seja,através <strong>da</strong> suposição <strong>de</strong> uma assimetria (condição inicial) nas equações<strong>de</strong> caráter estatístico-reversível. A discordância dá-se quanto à natureza<strong>de</strong>ssas condições iniciais formais.Conforme explica GAL-OR (1975: P.S 213-215), a Escola <strong>de</strong>Copenhague (ou estatística) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que a irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> origina-se noinstrumento (ou observador) macroscópico que registra informação eretém um registro <strong>de</strong>la (mas não possui um registro do passado).Conseqüentemente a assimetria temporal po<strong>de</strong> ser imposta peloobservador e não cria<strong>da</strong> pelo sistema <strong>de</strong> que faz parte. Com isso a escolha<strong>de</strong> condições iniciais surge não como lei <strong>da</strong> natureza mas como resultado<strong>de</strong> nossa posição como observadores macroscópicos.A argumentação <strong>de</strong> Copenhague apresenta consistênciaarrebatadora. De fato, apesar <strong>da</strong> crença comum <strong>de</strong> que a aparência <strong>de</strong>casuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, por exemplo, vem <strong>de</strong> algum fenômeno casual microscópico(como a agitação térmica), po<strong>de</strong>mos obter um comportamento casual semassumir a existência <strong>de</strong> qualquer acaso subjacente. É <strong>de</strong>monstrável queem certos casos não po<strong>de</strong>mos distinguir entre acaso no sistema e acaso no__115__


instrumento <strong>de</strong> observação do sistema. Como nos mostra ORNSTEIN (p.183), o sistema que resulta <strong>da</strong> adição <strong>de</strong> uma pequena quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>acaso po<strong>de</strong>ria ser reproduzido exatamente se olhássemos o sistemaoriginal através <strong>de</strong> um visor que o distorce casualmente mas não muito.Esse resultado é algo surpreen<strong>de</strong>nte, pois o efeito do visor não écumulativo, enquanto que o <strong>da</strong> perturbação original o é.Já a escola astrofísica tem sobre o problema <strong>da</strong> origem <strong>da</strong>irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> concepções distintas <strong>da</strong>s que possui a Escola <strong>de</strong>Copenhague. Aquela respon<strong>de</strong> a esta última afirmando que osobservadores humanos não po<strong>de</strong>m causar o retrocesso <strong>de</strong> sistemasmacroscópicos por sua própria escolha ou presença (argumento que nosparece <strong>de</strong> um realismo um tanto ingênuo). Além disso, para a escolaastrofísica os observadores não po<strong>de</strong>m ser isolados do resto do Universo e,portanto, não são in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. As condições iniciais assumem, comisso, o caráter <strong>de</strong> leis objetivas.Para a escola astrofísica, portanto, a origem <strong>da</strong> irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> écosmológica. Sua origem nunca está <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um sistema local, atéporque é provado que, quando isolamos um sistema <strong>da</strong>s assimetrias domundo externo, a irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> aos poucos <strong>de</strong>cai.WICKEN (1987: p. 72) segue essa trilha <strong>de</strong> pensamento. Para ele, aorigem física <strong>de</strong> todo processo irreversível está no <strong>de</strong>sequilíbrio entreformas potenciais e cinético-radiantes <strong>de</strong> energia trazido pela dinâmicacósmica <strong>de</strong> expansão e resfriamento. Esse <strong>de</strong>sequilíbrio adviria do fato <strong>de</strong>que a expansão cósmica tem procedido mais rápido que o equilíbriopsicoquímico, fornecendo com isso uma direção global para processosirreversíveis. O fluxo <strong>de</strong> energia ocorrendo sob esse <strong>de</strong>sequilíbrio teriaconseqüências preditivas.GAL-OR (1975: p. 225), que também simpatiza com o ponto <strong>de</strong> vistaastrofísico, afirma que a irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> 2 a Lei não é um postuladoin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, gratuito, mas baseado em condições cosmológicas iniciais.Ela <strong>de</strong>ve portanto ser <strong>de</strong>duzi<strong>da</strong> e <strong>de</strong>riva<strong>da</strong>, por um lado, <strong>da</strong> conservaçãolocal <strong>de</strong> energia (a 1 a Lei), e, por outro, <strong>da</strong> dinâmica global <strong>de</strong> evolução doUniverso. Isso eliminaria <strong>de</strong>finitivamente um certo aspecto__116__


‘fenomenológico’ <strong>da</strong> 2 a Lei, na medi<strong>da</strong> em que imporia a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>construção <strong>de</strong> uma <strong>teoria</strong> termodinâmica global-local sem hipótese apriori <strong>de</strong> existência <strong>de</strong> entropia. No entanto, para a formulação <strong>de</strong>ssa<strong>teoria</strong> termodinâmica unifica<strong>da</strong> a principal dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> segue sendo a <strong>de</strong>formular elos formais entre o mundo do muito vasto e o mundo do muitopequeno.Mas o que exatamente separa essas duas dimensões – a do muitopequeno e a do muito vasto? Uma diferença essencial (mas não a única)está na coexistência <strong>de</strong> comportamentos distintos, e até opostos, entreessas duas dimensões. No micromundo encontramos reversibili<strong>da</strong><strong>de</strong>; nomacromundo, comportamentos irreversíveis.Pouco acordo tem sido alcançado quanto à natureza dos vínculosentre micro e megassistemas. Enquanto que as leis <strong>da</strong> Mecânica sãosimétricas com respeito ao tempo reverso, as leis <strong>da</strong> Termodinâmica (quenão são mecânicas) possuem status essencialmente irreversível. Aeluci<strong>da</strong>ção <strong>de</strong>sse problema segue sendo um dos <strong>de</strong>safios <strong>da</strong> Ciência.Um dos mais importantes problemas epistemológicos relacionados àirreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> é o <strong>da</strong> natureza do tempo. O tempo segue ain<strong>da</strong> hojecomo uma gran<strong>de</strong>za fenomenológica para a Física, posto que não se sabequal a natureza do instigante sistema <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s temporais na qual amaioria <strong>da</strong>s leis físicas está embuti<strong>da</strong>.A 2 a Lei <strong>da</strong> Termodinâmica assumiu gran<strong>de</strong> importância emqualquer discussão epistemológica sobre o tempo. Ela parece provar que apassagem do tempo é unidirecional, o que significa que basta medirmos aentropia <strong>de</strong> <strong>da</strong>do objeto em dois instantes <strong>de</strong> tempo para sabermos qual oinstante do passado e qual o do futuro. Isso <strong>de</strong>fine uma ‘seta do tempo’.Há diversas questões filosóficas suscita<strong>da</strong>s pelo conceito <strong>de</strong> tempo.Po<strong>de</strong> ser a seta do tempo <strong>de</strong>riva<strong>da</strong> <strong>da</strong> expansão do universo e do fluxoirreversível <strong>de</strong> radiação? Estaria a irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> relaciona<strong>da</strong> com aassimetria cosmológica? Por que motivo há assimetria temporal em tudo?E por que to<strong>da</strong>s as assimetrias temporais (termodinâmica, biológica,eletromagnética) atestam a ‘direção positiva’ do tempo? Essas sãoquestões sobre as quais a Ciência ain<strong>da</strong> realiza seus primeiros progressos.__117__


A<strong>de</strong>mais, seria lícito afirmar a existência <strong>de</strong> uma única seta dotempo? Para GAL-OR (1975: p.s 251-216), não. Ele <strong>de</strong>fine três setascosmológicas do tempo. A seta mestra é a assimetria cosmológica temporalgera<strong>da</strong> pela expansão do espaço. Uma segun<strong>da</strong> seta cosmológica temporalé <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> pela <strong>de</strong>créscimo <strong>da</strong> temperatura, ou <strong>da</strong> <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> radiaçãono mundo em expansão. A terceira seta cosmológica seria o fluxounidirecional <strong>de</strong> energia radioativa <strong>da</strong> superfície dos sistemas galácticospara o frio. Essas duas últimas setas são origina<strong>da</strong>s e domina<strong>da</strong>s pelaprimeira, enquanto que o contrário é consi<strong>de</strong>rado fisicamente impossível.O fato <strong>de</strong> que a seta mestra, cosmológica, parece ditar todos osprocessos locais do Universo traz <strong>de</strong> volta uma questão já por nóstangencia<strong>da</strong> algumas vezes, em particular quando tratamos <strong>da</strong> Lei dosGran<strong>de</strong>s Números: por que <strong>de</strong>ve o gran<strong>de</strong> sistema ditar o comportamentodo pequeno, e não o contrário, como se po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> uma visãoatomística do Universo? Um pequeno sistema não po<strong>de</strong> jamais ditarirreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> em um gran<strong>de</strong>. Só o inverso é possível, o que parececolocar a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> pôr os <strong>fun<strong>da</strong>mentos</strong> <strong>da</strong> Termodinâmica local aserviço <strong>da</strong> dinâmica <strong>de</strong> larga escala do universo. Essa questão po<strong>de</strong> sermelhor eluci<strong>da</strong><strong>da</strong> pela Filosofia, como veremos mais à frente, através <strong>da</strong>idéia <strong>de</strong> conexão universal.Também J. Wicken não crê na existência <strong>de</strong> uma única setatemporal. Para ele, ontogênese, evolução e termodinâmica expressam ca<strong>da</strong>uma seta do tempo. Essas setas <strong>de</strong>vem ser dispostas em hierarquia, poisum cosmos coerente é incompatível com visões paralelas do tempo.WICKEN (1987: p. 6) afirma que, se é ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que a 2 a Lei governa todoprocesso irreversível, então um cosmos materialisticamente coerenterequer conexão com essa lei.Uma outra questão diz respeito à relação entre irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> etempo. Por que o tempo é irreversível? UYEMOV (1975: p. 93) afirma quehoje não po<strong>de</strong>mos mais tratar essa questão como fizeram Leibniz e Kant,que, através <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> ‘<strong>teoria</strong> causal do tempo’, assentavam suaessência no princípio <strong>de</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Essa resposta é insatisfatória, pois a__118__


<strong>de</strong>terminação <strong>da</strong> relação <strong>de</strong> precedência <strong>da</strong>s causas no tempo po<strong>de</strong>facilmente gerar um círculo vicioso.Uma outra hipótese é concernente à tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a setatemporal pela 2 a Lei Termodinâmica, através do incremento <strong>de</strong> entropia.Para UYEMOV (1975: p.s 93-94), o que inibe essa tentativa é o ‘princípio<strong>da</strong> entropia negativa’ ou ‘princípio <strong>da</strong> conservação <strong>da</strong> entropia’ (casoparticular do princípio geral <strong>da</strong> conservação formulado por Lomonosov).Segundo esse princípio, o incremento <strong>da</strong> organização em um sistema estávinculado ao <strong>de</strong>créscimo <strong>da</strong> organização em outro (os organismos, porexemplo, mantêm-se vivos exportando entropia para seus arredores). Seesse princípio neguentrópico é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro, então para Uyemov a entropianão po<strong>de</strong> ser aplica<strong>da</strong> ao vetor <strong>da</strong> seta temporal, pois ela não cresceriasempre e nem em todos os casos.Outros parâmetros po<strong>de</strong>m ser usados para <strong>de</strong>terminar a setatemporal mestra, como o grau <strong>de</strong> homogenei<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> ou atéa tendência estatística <strong>da</strong>s coisas <strong>de</strong> passarem <strong>de</strong> estados menosprováveis a estados mais favoráveis. O que unifica essas abor<strong>da</strong>gens é atentativa <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar relações assimétricas.Segundo UYEMOV (1975: p. 95), muitos dos problemas surgidos naabor<strong>da</strong>gem do tempo são oriundos <strong>de</strong> tratamentos ina<strong>de</strong>quados doconceito <strong>de</strong> matéria. “O tempo é uma forma <strong>de</strong> existência <strong>da</strong> matéria.Como afirma Askin, ‘ao reduzir o tempo a meros parâmetros físicosincorremos no mesmo erro que os que em seu tempo reduziram a noção<strong>de</strong> movimento à <strong>de</strong> movimento mecânico’”.De fato, a idéia <strong>de</strong> Uyemov na<strong>da</strong> <strong>de</strong>ixa a <strong>de</strong>ver às mais abarcantesconcepções filosóficas. Já no início do século LÊNIN afirmara: “O tempo éuma forma <strong>de</strong> ser <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva” (1989: p. 204).UYEMOV (1975: p. 100), porém, não leva essa idéia às últimasconseqüências, e vê-se novamente às voltas com a tentativa <strong>de</strong> encontrarcausas específicas ‘não-termodinâmicas’ para a assimetria temporal. Elei<strong>de</strong>ntifica na transição irreversível <strong>de</strong> sistemas externos para sistemasinternos – tendência <strong>de</strong>monstrável matematicamente – essas ‘causas nãotermodinâmicas’.Há, porém, um problema nessa abor<strong>da</strong>gem, semelhante__119__


ao <strong>da</strong> morte térmica na abor<strong>da</strong>gem do vetor temporal pela entropia: se adireção do tempo é <strong>da</strong><strong>da</strong> pela transição <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> sistema a outro,então como o Universo ain<strong>da</strong> não alcançou um estado <strong>de</strong> homogenei<strong>da</strong><strong>de</strong>sistêmica? O próprio Uyemov confessa-se incapaz <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r esseproblema.Uma outra questão relaciona-se à medi<strong>da</strong> do tempo. Como medir otempo absoluto? É altamente duvidoso que as taxas <strong>de</strong> processoscosmológicos e a i<strong>da</strong><strong>de</strong> do Universo possam ser medi<strong>da</strong>s por quaisquer<strong>da</strong>s uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s correntes <strong>de</strong> tempo (anos terrestres, relógios atômicos, etc).Nos primórdios do Universo, on<strong>de</strong> havia temperaturas extremamentealtas, essas uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s não existiam ou não eram relevantes.Porém, a assimetria mestra (a expansão do Universo) estava lá<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>da</strong> expansão. Por que não usar então essa assimetriavolumétrica mestra para <strong>de</strong>finir o conceito <strong>de</strong> tempo? Segundo GAL-OR(1975: p. 227), é lógico e útil <strong>de</strong>finir o tempo <strong>de</strong> acordo com a relaçãoT = V , on<strong>de</strong>V é o volume do espaço em <strong>da</strong><strong>da</strong> época.Para UYEMOV (1975: p.s 100-101), a evolução do Universo <strong>de</strong>ve elaprópria ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> um relógio absoluto. A escolha do volume ao invés<strong>de</strong> uma escala linear evita possíveis mal-interpretações sobre a faseprimordial <strong>da</strong> expansão cósmica.A irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> toca ain<strong>da</strong> em um problema já por nós abor<strong>da</strong>doanteriormente: a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> preditível <strong>da</strong> Ciência. Conforme nos relataGAL-OR (1975: p.s 213-214), “a Termodinâmica e a Mecânica Estatísticacontêm diversos paradoxos”, alguns dos quais já enunciados acima. Mastalvez o mais notável <strong>de</strong>les seja o conhecido “paradoxo <strong>de</strong> Zermelo”, queestárelacionado a um paradoxo mais antigo inerente à Teoria <strong>da</strong>sProbabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época <strong>de</strong> Pascal e Fermat, quando foi firmado o“princípio <strong>da</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> causas”. Ele relaciona-se ao fato empírico<strong>de</strong> que a predição estatística cega é ‘física’, enquanto que a retrodição__120__


estatística cega não o é ... Calculamos apenas a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> algo queacontecerá, mas não a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> algo que já aconteceu. Isso éreconhecido hoje como uma condição inicial (a priori) assimétrica impostapelos físicos estatísticos nas equações simétricas <strong>de</strong> evoluçãomacroscópica.Tal condição correspon<strong>de</strong>ria ao princípio <strong>de</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Para a escola astrofísica, essa condição inicial assimétrica origina-se<strong>da</strong> expansão unidirecional do universo – a qual foi, afinal, origina<strong>da</strong> poruma condição inicial, não por uma condição final. Nesse sentido, adinâmica unidirecional do universo dita a natureza irreversível <strong>da</strong>sobservações, o que remete a idéias <strong>de</strong> conexão causal entre eventos. Nessaperspectiva, o tempo adquire caráter objetivo na dinâmica <strong>de</strong> tais eventos,pois processos irreversíveis <strong>de</strong>sdobram-se preditível e <strong>de</strong>terministicamentepara o equilíbrio em um sistema termodinâmico isolado, e não po<strong>de</strong>mosretrodizer do estado <strong>de</strong> equilíbrio a seqüência singular <strong>de</strong> estados que oprece<strong>de</strong>ram. O passado parece carecer <strong>de</strong> singulari<strong>da</strong><strong>de</strong> ou necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>quando visto do presente. O futuro, ao contrário, parece estruturado porleis causais que operam no presente. Essa visão <strong>da</strong> escola astrofísica é,porém, <strong>de</strong> um realismo excessivamente puro e otimista.Mas após essas afirmações é já do problema <strong>da</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong> queestamos tratando.O paradigma mecânico <strong>de</strong> causação tem dominado o pensamentocientífico há muitos séculos. Apesar <strong>de</strong> ter sido expandido pela MecânicaQuântica, o conceito <strong>de</strong> ‘mecanismo’ segue ocupando terreno causalsingular.Como nos reporta J. WICKEN (1987: p. 56), o conceito <strong>de</strong> entropiaintroduz, porém, idéias novas com relação ao conceito <strong>de</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Aocontrário do paradigma causal clássico, <strong>de</strong> tipo predominantementemecanístico, a Termodinâmica <strong>de</strong>fine <strong>de</strong> forma cientificamente rigorosa aexistência <strong>de</strong> uma hierarquia causal <strong>de</strong> dupla cama<strong>da</strong>: uma mecanísticocontingente;a outra estatístico-necessária.Como vimos anteriormente, a Termodinâmica, em particular emseus primórdios, é uma ciência bastante empírica. Sua estrutura formalconsiste <strong>de</strong> relações algébricas entre os chamados ‘parâmetros <strong>de</strong> estado’,__121__


que especificam singularmente o estado do sistema. Alguns <strong>de</strong>ssesparâmetros (pressão, temperatura) são operacionalmente <strong>de</strong>finíveis ediretamente mensuráveis. Outros (energia interna, entropia) não sãodiretamente mensuráveis, mas po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>finidos em termos <strong>de</strong>parâmetros que o são (calor, trabalho, etc) <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma estrutura global<strong>de</strong> conservação energética (1 a Lei).Essa estrutura <strong>da</strong> Termodinâmica, contudo, não é explanatória nosentido teórico usual, pois a Termodinâmica não trata propriamente comcausas mecanísticas <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nças. Isso não significa, contudo, que elaseja uma Ciência estritamente fenomenológica.Segundo J. WICKEN (1987: p.57), a estrutura causal <strong>da</strong>Termodinâmica é melhor <strong>de</strong>scrita como ‘teleomática’ – termo cunhadopara expressar o caráter nem propriamente teleológico nem propriamentemecânico <strong>da</strong> irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. O ‘teleomático’ seria algo situado entre oteleológico (termo excessivamente vinculado à concepção <strong>da</strong> ‘causa final’aristotélica) e o mecanístico. Isso significa que a existência <strong>de</strong> sistemas<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> tanto <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> operação quanto <strong>de</strong> causas estatísticotermodinâmicas– as quais se encontram no domínio <strong>de</strong> um ‘epistemologiados porquês’.De fato, a distinção porque-como é crítica para estabelecer umaestrutura causal coerente. A Termodinâmica, como Ciência, li<strong>da</strong> mais com‘porquês’ que com ‘comos’. Isso, porque a 2 a Lei não expressa a operação<strong>da</strong>s forças básicas <strong>da</strong> natureza (embora trabalhe através <strong>de</strong>las). Aocontrário disso, ela expressa uma cama<strong>da</strong> causal mais profun<strong>da</strong>, relativaà direção <strong>da</strong> dispersão probabilística <strong>de</strong> matéria e energia no espaço W,uma direção que existe in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> qualquer conjunto <strong>da</strong>do <strong>de</strong>mecanismos cinéticos. Essa direção – referi<strong>da</strong> aqui como ‘teleomática’ –constitui-se precisamente na cama<strong>da</strong> macroscópico-necessária <strong>da</strong>hierarquia causal.Vimos que na Termodinâmica Clássica o princípio do aumento <strong>da</strong>entropia é um tipo <strong>de</strong> causa final in<strong>de</strong>finível cujo conteúdo ontológico estáoculto <strong>da</strong> vista. Na Termodinâmica Estatística, porém, esse princípio<strong>de</strong>riva <strong>de</strong> conceitos probabilísticos tendo a mesma clari<strong>da</strong><strong>de</strong> racionalística__122__


e a mesma ‘necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>’ <strong>da</strong>queles <strong>de</strong> mecanismo. A similari<strong>da</strong><strong>de</strong>, porém,‘morre’ por aí, pois conceitos probabilísticos não possuem qualquerrelação com conceitos mecanísticos.O caráter ‘teleomático’ dos processos termodinâmicos resulta <strong>da</strong>scondições <strong>de</strong> irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Des<strong>de</strong> que a Mecânica e ciências afinsli<strong>da</strong>m estritamente com leis <strong>de</strong> caráter conservativo, a irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong>está além <strong>de</strong> seus domínios. A Termodinâmica, a Teoria <strong>da</strong> Informação e aBiologia seriam, com isso, as únicas ciências que li<strong>da</strong>m comdirecionali<strong>da</strong><strong>de</strong> inerente.Um interessante exemplo <strong>de</strong> atuação do caráter teleomático <strong>da</strong> 2 aLei é fornecido por WICKEN (1987: p. 65). Suponhamos um gásinicialmente confinado à meta<strong>de</strong> do volume <strong>de</strong> um cilindro, e ao qual fossepermitido expandir-se livre e rapi<strong>da</strong>mente. Ao longo do tempo, eleassumiria uma <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> uniforme no interior do cilindro. Des<strong>de</strong> que hámuito mais possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s microscópicas para distribuições uniformes(entropia máxima) que para distribuições não-uniformes, o processo acimapo<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>scrito como uma expansão no espaço <strong>de</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> W, aqual representa a expansão no espaço físico. Sistemas termodinâmicosrequerem a maximização <strong>de</strong> seus volumes no espaço W, provido quetenham meios cinéticos para isso. Se esses meios não existem ou nãoestão disponíveis, a expansão em W permanecerá como mera tendência.Portanto, mecanismos cinéticos são requeridos para qualquertransformação. Um meio cinético po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido como um canalmecânico ao longo do qual a produção <strong>de</strong> entropia po<strong>de</strong> ocorrer. Mas, <strong>de</strong>acordo com o princípio <strong>da</strong> reversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> microscópica, esses mecanismosnão po<strong>de</strong>m contar para direções temporais. Só a segun<strong>da</strong> cama<strong>da</strong> causal,macroscópica, caracteriza<strong>da</strong> pela produção <strong>de</strong> entropia ou expansão noespaço W, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar sentidos temporais. Do que po<strong>de</strong>mos<strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r que falar em ‘mecanismo teleológico’ é uma contradição emtermos, pois contingência (mecanismo) e necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> (teleologia) ocupamníveis causais distintos.A 2 a Lei diz apenas que a dispersão probabilística <strong>de</strong> matéria eenergia <strong>de</strong>ve aumentar com qualquer processo irreversível. Mas o caráter__123__


<strong>de</strong>ssas expansões é <strong>de</strong>terminado por condições mecânicas locais. Esseduplo caráter <strong>da</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong> (necessário/contingente) <strong>de</strong>staca a distinçãoentre o princípio <strong>de</strong> entropia e as várias forças <strong>da</strong> natureza. As últimassão <strong>da</strong><strong>da</strong>s na natureza e apenas constrangem as formas que os fenômenospo<strong>de</strong>m assumir. Ao contrário, a 2 a Lei é, conforme já <strong>de</strong>stacamos, umprincípio <strong>de</strong> potência, através do qual o necessário é atualizado pelamediação do favorável. Isso indica, conforme assevera J. WICKEN (1987:p.s 224-225), que “a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, no sentido <strong>de</strong> intersecções fortuitas <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ias causais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes ... é cega, mas não é livre”.O caráter estatístico <strong>da</strong> conexão necessária, portanto, não explicacomo uma <strong>da</strong><strong>da</strong> sucessão <strong>de</strong> macroestados se <strong>de</strong>senvolve, mas apenasporque ela faz isso. A primeira questão tem sentido puramente mecânico.Mas a irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, ao contrário, é explica<strong>da</strong> probabilisticamente. Aconexão probabilística fornece a causali<strong>da</strong><strong>de</strong> necessária, enquanto que aconexão mecânica fornece a causação contingente.Todo processo natural (e, é possível argumentar, todo processosocial também) envolve essa hierarquia causal <strong>de</strong> dupla cama<strong>da</strong>. Issosignifica que, em lugar <strong>de</strong> expressar a natureza como um ‘bloco <strong>de</strong> coisas’,é necessário expressá-la hierarquicamente, com um corpo comum <strong>de</strong> leise constrangimentos em ca<strong>da</strong> nível <strong>da</strong> hierarquia. Os diversos níveishierárquicos provêem singulari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> contexto para <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s leis,sendo sempre os padrões do micromundo <strong>de</strong>riváveis dos do macromundo,jamais o contrário.A idéia <strong>de</strong> uma dupla cama<strong>da</strong> causal, no entanto, não foiintroduzi<strong>da</strong> pela <strong>de</strong>scoberta do conceito <strong>de</strong> entropia, mas apenas por ela<strong>de</strong>fini<strong>da</strong> rigorosamente. Muito antes disso a Filosofia já havia chegado aessa idéia.O princípio <strong>da</strong> razão suficiente, base <strong>da</strong> filosofia <strong>de</strong> Leibniz, jácontrapunha o suficiente, o teleológico <strong>da</strong> razão à causali<strong>da</strong><strong>de</strong>propriamente dita, modo mecânico <strong>de</strong> atuação. Leibniz buscava, mais queas causas, a ligação entre elas, isto é, o Todo.Também Hegel já atentava para o fato <strong>de</strong> que “A oposição <strong>da</strong>teleologia e do mecanismo é, antes <strong>de</strong> mais, a oposição mais geral <strong>de</strong>__124__


liber<strong>da</strong><strong>de</strong> e necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>”. Teleologia significa, em Hegel, “tradução doconceito para a objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>” (APUD LÊNIN, 1989: p. 172).Portanto, o que hoje é conceito científico <strong>de</strong>limitado <strong>de</strong> formacientificamente rigorosa surgiu antes como genial intuição filosófica. Eisso não ocorreu apenas com a idéia <strong>de</strong> entropia e sua noção causalsubjacente, mas com diversos outros conceitos <strong>da</strong> Ciência. Conformeressalta ENGELS (1982: p. 408), “antes a Filosofia <strong>da</strong> Natureza preenchiaas lacunas <strong>da</strong> Ciência Natural usando a simples imaginação, o que gerouintuições geniais, mas também gran<strong>de</strong>s contra-sensos. Hoje, porém, é aCiência que preenche as lacunas do pensamento puro”.De fato, a Filosofia, em sua longa trajetória, imiscui-seprogressivamente no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> Ciência, <strong>de</strong> forma a não maispo<strong>de</strong>rmos concebê-las separa<strong>da</strong>mente. Em função disso, a correntemarxista reclama o fim <strong>da</strong> Filosofia – pelo menos em sua clássicaacepção, como ‘amor à sabedoria’.A história mesma <strong>da</strong> Filosofia parece <strong>da</strong>r razão a esse ponto <strong>de</strong>vista, que reivindica a completa reintegração <strong>da</strong> Filosofia à Ciência. Masalguém po<strong>de</strong>ria, espantado, interrogar: re-integração? Veremos como épossível falar nisso ao examinarmos, a seguir, os primórdios dopensamento racional, no qual Ciência e Filosofia viviam inocentementeunta<strong>da</strong>s no regozijo <strong>de</strong> sua hoje aliena<strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> original.__125__


Capítulo 4OBJETIVIDADE: A FILOSOFIA COM A PALAVRA"A natureza é perfeita,Não há quem possa duvi<strong>da</strong>r.A noite é dia que dormeE o dia é a noite ao <strong>de</strong>spertar"Alvaia<strong>de</strong> <strong>da</strong> PortelaVimos anteriormente que o instrumental teórico <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong>Informação – e, em particular, as noções <strong>de</strong> informação e entropia –trazem consigo, <strong>de</strong> forma subjacente, certas idéias sobre a natureza doconhecimento. Essas idéias comparecem materializa<strong>da</strong>s em formasparticulares <strong>de</strong> conceber importantes categorias <strong>da</strong> Teoria doconhecimento, como <strong>de</strong>terminismo, causali<strong>da</strong><strong>de</strong> e previsibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntreoutras. O conjunto <strong>de</strong>ssas concepções caracteriza uma forma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong><strong>de</strong> conceber a objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento.Mas o que intentamos exatamente ao classificar um conhecimento<strong>de</strong> “objetivo”? A objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> é uma categoria que diz respeito àcorrespondência entre um pensamento e a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que se propõerepresentar. Se a <strong>de</strong>terminado pensamento correspon<strong>de</strong> uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>objetiva (passível <strong>de</strong> apreensão pelo sujeito em sua essência) diz-se <strong>de</strong>ssepensamento que é um conhecimento objetivo.Em nossa visão a objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> não é uma categoria ontológica.Acreditamos que seria mais correto <strong>de</strong>limitá-la como um conceito <strong>da</strong>__126__


Teoria do Conhecimento. Porém, não resta dúvi<strong>da</strong> <strong>de</strong> que, <strong>de</strong>ntre ascategorias gnoseológicas, é a objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> a que mais diretamenterelaciona-se com a problemática ontológica. Diríamos mesmo que, através<strong>de</strong>la, a problemática ontológica insinua-se por <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> Teoria doConhecimento.É evi<strong>de</strong>nte que não tratamos aqui <strong>de</strong> uma discussão <strong>da</strong>s maissimples. Ela envolve elementos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, como, porexemplo, o que <strong>de</strong> fato enten<strong>de</strong>mos por ‘reali<strong>da</strong><strong>de</strong>’ ou por‘correspondência’ entre pensamento e reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Essa é provavelmente a mais recorrente discussão <strong>da</strong> História <strong>da</strong>Filosofia, e há sobre ela os mais diversos pontos <strong>de</strong> vista – às vezes tãoopostos quanto os <strong>de</strong> um Locke e um Descartes, ou quanto os <strong>de</strong> um Kante um Hegel.A discussão sobre a objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento nem sempre éfeita com o uso direto <strong>de</strong>ssa categoria, como veremos. Há diversas outrasque vez por outra surgem como que ‘apega<strong>da</strong>s’ à discussão – com<strong>de</strong>staque aqui para a noção <strong>de</strong> Totali<strong>da</strong><strong>de</strong>, na qual sempre pareceu apoiarsequalquer proposta <strong>de</strong> conhecimento objetivo.Assistamos então, a partir <strong>de</strong> agora, a esse belo <strong>de</strong>sfile que seseguirá, no qual, com paciência e perseverança, tentaremos exporminimamente como se <strong>de</strong>senvolveram certas concepções que hojeguar<strong>da</strong>mos a respeito do conhecimento. Comecemos com a Grécia Antiga,berço do pensamento racional, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolveram as primeiras idéiassobre a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento.1. Primórdios <strong>da</strong> Noção <strong>de</strong> Objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>Dá-se na Grécia Clássica – e, em particular, nas colônias micênicas<strong>da</strong> Ásia Menor – o primeiro momento em que o ser humano pensa arespeito do conhecimento. As primeiras idéias acerca dos <strong>fun<strong>da</strong>mentos</strong> <strong>da</strong>intuição e <strong>da</strong> intelecção são formula<strong>da</strong>s pelos filósofos do período présocrático,os quais se esparramavam por basicamente quatro escolas <strong>de</strong>pensamento.__127__


O surgimento do pensamento racional com os pré-socráticosexplica-se socialmente pelo avanço <strong>da</strong>s condições <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> nas colôniasmicênicas <strong>da</strong> Ásia Menor, fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s por aqueles que conseguiram escapar<strong>da</strong> <strong>de</strong>struição do Império Micênico pelos dóricos (povos vindos do norte).Nas colônias micênicas <strong>da</strong> Ásia Menor, o resgate do comércio com oOriente – bloqueado pelos dóricos –, <strong>da</strong> navegação e a instauração <strong>da</strong>moe<strong>da</strong> favoreceu os comerciantes, navegadores e artesãos em <strong>de</strong>trimentodos aristocratas al<strong>de</strong>ões. Essa explosão <strong>de</strong> urbani<strong>da</strong><strong>de</strong> impulsionou osurgimento <strong>da</strong> técnica, a qual, por sua vez, reclamava a substituição <strong>de</strong>concepções místicas por noções explicativas dota<strong>da</strong>s <strong>de</strong> altas doses <strong>de</strong>racionali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Esse período correspon<strong>de</strong> ao <strong>da</strong> formação <strong>da</strong> Pólis. Mais que umespaço urbano concreto, a Pólis é um conceito do pensamento que refleteas novas condições <strong>da</strong> organização social. Nela, a palavra e o <strong>de</strong>batelogram ocupar lugar central. A que<strong>da</strong> <strong>da</strong> antiga realeza micênica – quecumpria papel unificador – fazia surgir a idéia <strong>de</strong> “isonomia”, <strong>de</strong> equilíbrioentre as partes do corpo social. Com isso, passava-se a valorizar mais ocoletivo em <strong>de</strong>trimento do individual.A Filosofia nasce, assim, como resultante <strong>da</strong>s discussões políticas<strong>da</strong> ágora (espaço público <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates) e dos rituais <strong>da</strong> religião pública (que,com sua divin<strong>da</strong><strong>de</strong> hierarquiza<strong>da</strong>, servia à legitimação aristocrática <strong>da</strong>hierarquia social) e <strong>da</strong> religião órfica (mais restrita, <strong>de</strong> cunho iniciático eascético-oriental).O pensamento mítico anterior já havia legado todo um leque <strong>de</strong>motivos à nova forma <strong>de</strong> pensamento que se insinuava. A cosmogênese <strong>de</strong>Hesíodo já se <strong>de</strong>sdobrava <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> primordial à diferenciação, aomúltiplo. A mitologia, assim, legava aos pré-socráticos a problemática <strong>da</strong>Totali<strong>da</strong><strong>de</strong>, idéia na qual o pensamento buscará apoiar-se em seusprimórdios.A primeira <strong>da</strong>s escolas pré-socráticas surgiu na Jônia, região quecongregava as ilhas <strong>da</strong> Ásia Menor. A escola jônia possuía teor fortementematerialista. Heráclito <strong>de</strong> Éfeso, representante <strong>de</strong>ssa escola, afirmava__128__


solenemente a existência real do mundo sensível: “Este mundo, que é omesmo para todos os homens...”O primeiro filósofo <strong>de</strong> que se tem notícia é Tales, nascido por volta<strong>de</strong> VII a.c. em Mileto, uma <strong>da</strong>s colônias micênicas <strong>da</strong> Ásia Menor. Algunsvêem nele alguém que resgatou o pensamento mítico anterior (cujosmaiores nomes são Homero e Hesíodo). Mas a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> é que, se a forma<strong>de</strong> seu pensamento era até certo ponto mística, não o era o conteúdo <strong>de</strong>sua reflexão. Enquanto que a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> dos mitos não era assenta<strong>da</strong> naexperiência, mas em uma espécie <strong>de</strong> “plausibili<strong>da</strong><strong>de</strong> existencial”, isto é, emsua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> explicar costumes coletivos (criados e/ou reforçadospelos próprios mitos), a forma propriamente filosófica do pensar, por outrolado, substituía o sentido fantasioso pelo sentido lógico. Natureza eSocie<strong>da</strong><strong>de</strong> passam a ser explica<strong>da</strong>s em si mesmas, não mais em termos <strong>de</strong>algo transcen<strong>de</strong>nte. O próprio Aristóteles vê em Tales o primeiro filósofo afornecer uma explicação material do Universo.De fato, a reflexão sistemática e rigorosa sobre a Natureza era amarca distintiva <strong>de</strong>ssa nascente filosofia. Os Jônios tinham preocupaçõesmais niti<strong>da</strong>mente ontológicas. Questionavam-se sobre a natureza do Ser, oque implicava uma reflexão sistemática sobre a relação entre categoriascomo i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e contradição, uni<strong>da</strong><strong>de</strong> e multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong>, finito e infinito.As principais características do pensamento jônio são oimanentismo (a or<strong>de</strong>m é imanente, não transcen<strong>de</strong>ntal) e o monismo (areali<strong>da</strong><strong>de</strong> é una, idéia bem expressa no conceito <strong>de</strong> ‘physis’). Para pensar aessência do Ser, os jônios criaram po<strong>de</strong>rosas imagens abstrativas taiscomo a arquê (princípio originário do Universo) e a physis (princípioconstitutivo <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as coisas). Tais imagens, <strong>de</strong> fato, na<strong>da</strong> <strong>de</strong>ixam a<strong>de</strong>ver a muitos dos conceitos e princípios <strong>da</strong> Ciência Mo<strong>de</strong>rna. O princípio<strong>de</strong> conservação, por exemplo, já comparecia em germén contido na noção<strong>de</strong> arquê (o uno, o que mu<strong>da</strong> sempre permanecendo no entanto o mesmo).Daí porque Aristóteles, como assinala LARA (1989: p. 47) atribuiu aosjônios a alcunha <strong>de</strong> “físicos” (em oposição aos eleáticos, que ele, conformeveremos a seguir, chamava <strong>de</strong> “metafísicos”).__129__


De maneira que Tales, ao afirmar a água como a única “physis”, é oprimeiro a buscar uma explicação do Universo com base em causasmateriais – o que caracteriza o materialismo em seu primórdio. Éimportante lembrarmos que a noção <strong>de</strong> “physis”, conforme <strong>de</strong>staca LARA(1989, p. 47) coaduna-se perfeitamente com o que mo<strong>de</strong>rnamentechamamos Totali<strong>da</strong><strong>de</strong>, matriz unitária <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> diversa. Não se trataaqui, portanto, <strong>de</strong> uma noção empírica, mas, antes disso, <strong>de</strong> umaabstração construí<strong>da</strong> com base na experiência.A physis e a arquê revelam o infinito e o in<strong>de</strong>terminado, o que estáem tudo sem se i<strong>de</strong>ntificar com na<strong>da</strong>. Essas noções possuem, sem sombra<strong>de</strong> dúvi<strong>da</strong>, sentido filosófico mais amplo que muitas <strong>da</strong>s noções <strong>da</strong> ciênciamo<strong>de</strong>rna, como ressalta F. ENGELS em “A Dialética <strong>da</strong> Natureza”:A Ciência Natural <strong>da</strong> primeira meta<strong>de</strong> do século XVIII era muito maisavança<strong>da</strong> que a <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong><strong>de</strong> grega no que se refere ao conhecimento e àclassificação <strong>de</strong> seus materiais, mas, ao mesmo tempo, estava abaixo <strong>de</strong>lano que diz respeito ao domínio i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>sse material, <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> concepçãogeral <strong>da</strong> natureza. Segundo os filósofos gregos, o mundo era algo quehavia saído do caos e <strong>de</strong>pois se <strong>de</strong>senvolvera, isto é, algo que se forafazendo. Para os naturalistas (do século XVIII) ... a natureza era algoossificado, algo invariável ... (p.s 18-19)O segundo filósofo jônio do ponto <strong>de</strong> vista cronológico éAnaximandro <strong>de</strong> Mileto (VI a.c.), a quem se atribui a primeira elaboração<strong>de</strong> uma cosmologia propriamente dita, “on<strong>de</strong> o espaço mítico é superadopelo espaço geométrico” (LARA, 1989: p. 52). Anaximandro concebia aarquê como o ápeiron (infinito), o qual engendraria to<strong>da</strong> a matéria combase em um movimento <strong>de</strong> bipartição do uno. Isso o coloca como oprimeiro filósofo a esboçar, ain<strong>da</strong> que <strong>de</strong> forma apenas intuitiva, umaconcepção dialética <strong>de</strong> gênese <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Inspirado no processo mecânico <strong>de</strong> rarefação e con<strong>de</strong>nsaçãoutilizado na produção do feltro, Anaxímenes (VI a.c.) – o terceiro dosgran<strong>de</strong>s filósofos <strong>de</strong> Mileto – afirma ser o princípio constitutivo doUniverso o “pneuma ápeiron” (ar infinito). Aliando base técnica e largura<strong>de</strong> entendimento racional, Anaxímenes ofereceu maior consistência àsespeculações dos filósofos <strong>de</strong> Mileto.__130__


Ain<strong>da</strong> no século VI a.c. levanta-se <strong>de</strong> Éfeso a voz <strong>de</strong> Heráclito,provavelmente o mais controverso dos filósofos jônios, a ponto <strong>de</strong> recebera alcunha <strong>de</strong> “o obscuro”. Heráclito afirmava ser a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira physis ofogo, concepção mais próxima do que se po<strong>de</strong>ria consi<strong>de</strong>rar ‘physis’ naacepção <strong>da</strong> física mo<strong>de</strong>rna. As concepções <strong>de</strong> Heráclito o colocam como oprimeiro filósofo a conceber o movimento como forma necessária <strong>de</strong>existência <strong>da</strong> matéria. Afirmava ele que “nos mesmos rios entramos e nãoentramos, somos e não somos ... não compreen<strong>de</strong>m como o divergenteconsigo mesmo concor<strong>da</strong>; harmonia <strong>de</strong> tensões contrárias, como <strong>de</strong> arco elira” (HERÁCLITO, 1992).Heráclito remete sempre à idéia <strong>de</strong> totali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Para ele, a Razão éuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tensões contrárias, uni<strong>da</strong><strong>de</strong> que as oposições aparentesocultam ao mesmo tempo em que sugerem. Sua concepção <strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> nadiversi<strong>da</strong><strong>de</strong> – que bem mais tar<strong>de</strong> será retoma<strong>da</strong> por Hegel – o coloca comoo <strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> um ‘monismo dialético’. Segundo HEGEL, em Heráclito aúnica coisa absoluta é o processo (APUD LARA, 1989: p. 67).Empédocles <strong>de</strong> Agrigento (V a.c.) aprofun<strong>da</strong> o pensamento <strong>de</strong>Heráclito. É bastante influenciado pela idéia <strong>de</strong> isonomia, já que assistiuao nascimento <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s-estado gregas. Em sua reflexãocomeçam a insinuar-se preocupações mais propriamente gnoseológicas,na medi<strong>da</strong> em que critica o racionalismo e suas ‘ver<strong>da</strong><strong>de</strong>s a priori’. ParaEmpédocles não há Razão para além do conhecimento; só o cognoscível éver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro. A ver<strong>da</strong><strong>de</strong> absoluta não po<strong>de</strong> ser ‘<strong>da</strong><strong>da</strong>’ <strong>de</strong> imediato, existindoapenas como o <strong>de</strong>senvolvimento a partir <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>s sempre relativas.Empédocles, porém, não <strong>de</strong>scarta o rigor racional, mas o coloca aliado <strong>da</strong>experiência, o que confere legitimi<strong>da</strong><strong>de</strong> a qualquer recurso <strong>de</strong> apreensão<strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Há inúmeras semelhanças, como veremos adiante, entre estefilósofo e o pensamento <strong>de</strong> Hegel.Empédocles é o primeiro pensador a imaginar uma cosmologiaevolucionária, basea<strong>da</strong> em uma physis múltipla (terra, ar, fogo e ar) emais dois princípios-força causadores <strong>de</strong> movimento: Éris (separação) ePhilia (união).__131__


A cosmologia <strong>de</strong> Empédocles vê o Universo como composto <strong>de</strong> ciclosperiódicos <strong>de</strong> máxima uni<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong> máxima multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong>. Na máximauni<strong>da</strong><strong>de</strong> temos o Ser eleático (que <strong>de</strong>talharemos a seguir), o qual logocomeça a <strong>de</strong>sagregar-se com a ação <strong>de</strong> Éris. Aí entra o eterno vir-a-serheraclítico. Quando Éris chega ao máximo, inicia-se novamente a ação <strong>de</strong>Philia (força unificadora).Para Empédocles, a combinação dos elementos “físicos” explicaria amultiplici<strong>da</strong><strong>de</strong>. Sua concepção <strong>de</strong> movimento, como ressalta LARA (1989:P. 70) tem ora caráter teleológico-finalístico, ora caráter mecanístico. Porconseguinte, temos aqui pela primeira vez a idéia <strong>de</strong> uma dupla cama<strong>da</strong>causal – a qual vimos anteriormente que comparece na física mo<strong>de</strong>rnaimplica<strong>da</strong> na idéia <strong>de</strong> entropia.Para Anaxágoras <strong>de</strong> Clazômena (final <strong>de</strong> V a.c.), a matéria éinfinitamente divisível e, portanto, <strong>de</strong>nsa. O conceito-chave <strong>de</strong> sua filosofiaé a idéia <strong>de</strong> ‘Nous’, que correspon<strong>de</strong> a um princípio mental presente emto<strong>da</strong>s as coisas, base <strong>de</strong> uma concepção i<strong>de</strong>alista-objetiva.A origem do eterno <strong>de</strong>vir <strong>da</strong>s coisas, segundo ANAXÁGORAS, estariano ‘Nous’: “Há muitas partes <strong>de</strong> muitas coisas. Mas nenhuma coisa écompletamente separa<strong>da</strong> ou distinta <strong>de</strong> nenhuma outra coisa, exceto oespírito ... E quando o espírito começou o movimento, separou-se <strong>de</strong> tudoque era posto em movimento; e tudo o que o espírito pôs em movimento foiseparado” (APUD LARA, 1989: p. 73).Com isso, Anaxágoras ‘radicaliza’ no monismo. Para ele, a únicadiferença entre coisas e seres humanos situava-se na estrutura corpórea<strong>de</strong>ste últimos, já que ambos possuíam ‘Nous’. Essa concepção foi muitocombati<strong>da</strong> pelos <strong>de</strong>fensores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> escravagista, que consi<strong>de</strong>ravamo pensamento a única coisa humana e abominavam o trabalho corporal.Apesar <strong>de</strong> Platão e Aristóteles consi<strong>de</strong>rarem o Nous um corpoestranho na obra essencialmente materialista <strong>de</strong> Anaxágoras, essa noçãoparece seguir Empédocles na inauguração <strong>da</strong> causação teleológica comodistinta <strong>da</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong> mecanística. O <strong>de</strong>vir <strong>de</strong> Anaxágoras não émecânico (contingente), como o dos atomistas, mas teleológico-necessário;é regra, não exceção.__132__


Como Heráclito e Empédocles, Anaxágoras também pensa uni<strong>da</strong><strong>de</strong>e multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> como momentos <strong>de</strong> uma mesma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. A physis épara ele um fluxo dinâmico <strong>de</strong> infinitas partículas chama<strong>da</strong>s spérmata. Areali<strong>da</strong><strong>de</strong> constitui-se em um contínuo divisível ao infinito. Não há,portanto, no pensamento <strong>de</strong>ste filósofo, qualquer oposição entre Ser enão-Ser – oposição tão cara ao pensamento eleático, como veremos.A segun<strong>da</strong> escola filosófica do período pré-socrático é a Pitagóricaou Itálica (pois situava-se na Península Itálica). Para os membros <strong>de</strong>staescola, a noção <strong>de</strong> Harmonia constituía-se em categoria central; elaexprimia as idéias correlaciona<strong>da</strong>s <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, mensurabili<strong>da</strong><strong>de</strong> e relaçõesquantitativas.Os pitagóricos her<strong>da</strong>ram o ascetismo dos dóricos, cuja culturavingou mais em Esparta que em Atenas. Pitágoras (VI a.c.), principalrepresentante <strong>de</strong>ssa corrente, <strong>de</strong> teor notavelmente racionalista, afirmavaser o Número a essência do Universo. Com isso firmava-se pela primeiravez uma physis abstrata, quantitativa. Não à toa, são <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>s aos itálicosas primeiras noções <strong>de</strong> matemática formal.A afirmação do número como proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> geral do Ser permitiu aPitágoras <strong>da</strong>r resposta ao problema <strong>da</strong> multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> na uni<strong>da</strong><strong>de</strong>,problema já antes tratado pelos jônios. Para os pitagóricos, a uni<strong>da</strong><strong>de</strong>correspon<strong>de</strong> ao infinito, mas, como tal, é também finita, <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>, poispo<strong>de</strong> passar a uma outra uni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Par torna-se ímpar e ímpar par,movimento que correspon<strong>de</strong> ao do Ser. Com isso, Pitágoras introduzia acontradição como fun<strong>da</strong>mento do movimento, idéia antes encontra<strong>da</strong> emHeráclito e que teria importante papel no pensamento filosófico posterior.É importante notar porém que, como alerta Hegel, a mu<strong>da</strong>nça emPitágoras, ao contrário <strong>da</strong>quela <strong>de</strong> Heráclito, tem caráter essencialmentegradualista, quantitativo, e não propriamente qualitativo. TambémENGELS observa a respeito <strong>de</strong> Pitágoras, com muita perspicácia, que“Na<strong>da</strong> parece mais simples que a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> quantitativa; e, no entanto,na<strong>da</strong> é mais múltiplo do que ela” (1979: p. 192). Engels observa emsegui<strong>da</strong> que a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> numérica contém em si o caráter dialético <strong>da</strong>oposição uni<strong>da</strong><strong>de</strong>/multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong>.__133__


Com o pitagorismo começa a estruturar-se o pensamento puro emprejuízo do sensível, processo que se radicaliza com os eleáticos. O próprioascetismo, cultivado pelos pitagóricos, tem muito <strong>de</strong> seu conteúdo“assentado na <strong>de</strong>sconfiança no sensível” (LARA, 1989: p. 60). Por essaaudácia em aniquilar o sensorial colocando em seu lugar o Número, isto é,a pura <strong>de</strong>terminação do pensamento, Pitágoras é bastante aplaudido porHegel. Aristóteles, por outro lado, o censura porque, ao adotar comopressuposto o Número, Pitágoras <strong>de</strong>ixava sem explicação a origemqualitativa do movimento, pressupondo as coisas como eternamente<strong>da</strong><strong>da</strong>s sob esse aspecto.Conforme observa inteligentemente LARA (1989: p. 60), apesar <strong>de</strong>sua concepção <strong>de</strong> espaço <strong>de</strong>scontínuo – <strong>de</strong> caráter não-monista –, ospitagóricos persistem sob certo aspecto no monismo jônio, através <strong>da</strong> idéia<strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> numérica, a ‘physis’ pitagórica. De fato, aon<strong>de</strong> há ‘physis’ háem certa medi<strong>da</strong> monismo. Além disso, a noção pitagórica <strong>de</strong> Harmoniaguar<strong>da</strong> em si o sentido <strong>de</strong> Uni<strong>da</strong><strong>de</strong>.A escola pitagórica morreu <strong>de</strong>batendo-se nas contradições entre suaCosmologia – não-monista, que apontava um universo composto <strong>de</strong> partes<strong>de</strong>scontínuas – e suas <strong>de</strong>scobertas matemáticas, em particular o célebre‘teorema <strong>de</strong> Pitágoras’, o qual, ao atestar a existência dos númerosirracionais, apontava para o caráter <strong>de</strong>nso e infinito <strong>da</strong> matéria.Contemporânea dos pitagóricos, a escola eleática (<strong>da</strong> região <strong>de</strong>Eléia) é a primeira a ‘legitimar’ o conhecimento por critérios formais – enão por critérios <strong>de</strong> correspondência com a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, como fizeram osjônios. Adversária maior dos jônios, a escola eleática foi motiva<strong>da</strong>precisamente pela multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> opiniões <strong>da</strong> escola jônia a respeito <strong>da</strong>physis. Se com os jônios lançavam-se a Ontologia e, em menor medi<strong>da</strong>, aGnoseologia, com os eleáticos surgem a Lógica (enquanto preocupação,ain<strong>da</strong> inacaba<strong>da</strong>, com a formalização do conhecimento) e algumasdiscussões metodológicas.Parmêni<strong>de</strong>s (VI a.c.), o maior filósofo eleata, estabelece pelaprimeira vez na história do conhecimento o princípio <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>: “O__134__


que é, é o que é”. Na perspectiva dos eleáticos o Não-ser não existe, sendoo puro na<strong>da</strong>; em virtu<strong>de</strong> disso, o Ser é uno.O Ser <strong>de</strong> Parmêni<strong>de</strong>s possui ain<strong>da</strong> as seguintes proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s:i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> (o Ser é o que é), imperecibili<strong>da</strong><strong>de</strong> (o Ser é eterno, não foi criadodo não-Ser, como criam os jônios, e nem será <strong>de</strong>struído), finitu<strong>de</strong> (o Ser élimitado, não é infinito), além <strong>de</strong> plenitu<strong>de</strong>, continui<strong>da</strong><strong>de</strong>, indivisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> eimobili<strong>da</strong><strong>de</strong>.Parmêni<strong>de</strong>s distingue a ‘via <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>’ (o método racional<strong>de</strong>dutivo)<strong>da</strong> ‘via <strong>da</strong> opinião’ (o método empírico-indutivo). Aimutabili<strong>da</strong><strong>de</strong> e a homogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> do Ser, princípios confirmados pelaRazão, eram negados pela experiência empírica. A sacrifica<strong>da</strong> era entãoesta última, rebaixa<strong>da</strong> à categoria <strong>de</strong> conhecimento paracientífico,fun<strong>da</strong>do no senso comum.Com os eleáticos temos a primeira formulação bem <strong>de</strong>linea<strong>da</strong> doi<strong>de</strong>alismo e do formalismo. O pensamento sobrepõe-se à reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, nãoaceitando a contradição e o movimento empiricamente perceptíveis.Em certo sentido, o mo<strong>de</strong>rno princípio <strong>de</strong> conservação tem no Serparmenídico um seu ancestral (a matéria sempre é). Mas há também umaprofun<strong>da</strong> diferença entre ambos, pois o princípio <strong>de</strong> conservação afirmaque a matéria sempre é apenas na medi<strong>da</strong> em que mu<strong>da</strong>, o que não éadmitido pelos eleáticos, para quem o Ser é estático.Zenão (V a.c.), o segundo eleático em importância, notorizou-se porcriar paradoxos – os conhecidos ‘paradoxos <strong>de</strong> Zenão’ – para mostrar quequaisquer concepções <strong>de</strong> movimento, contradição ou infini<strong>da</strong><strong>de</strong>resultavam em impasses e absurdos lógicos.Melisso (V a.c.), também eleático, tornou-se notório em suamilitância teórica contra Empédocles e os pitagóricos. Estes últimos,apesar <strong>de</strong> igualmente i<strong>de</strong>alistas, não concor<strong>da</strong>vam com a radicali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>sopiniões dos eleatas, em particular com a idéia <strong>de</strong> que a multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong>simplesmente não existia, sendo mera ilusão dos sentidos.LARA (1989: p. 66) comenta que Heráclito é tão racionalista quantoos eleáticos, pois também acredita que o conhecimento ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro se__135__


constrói a partir do Logos (Razão). Mas, ao contrário <strong>de</strong> Parmêni<strong>de</strong>s, oLogos <strong>de</strong> Heráclito <strong>de</strong>ve assumir a contradição, não expurgá-la.A última <strong>da</strong>s escolas pré-socráticas é a atomista, que continua sobmuitos aspectos (em particular sob o <strong>da</strong> a<strong>de</strong>rência ao sensível) aselaborações dos jônios, chegando muitos a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r que Empédocles eAnaxágoras são na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> filósofos atomistas.Os principais filósofos atomistas, Leucipo <strong>de</strong> Mileto (V a.c.) eDemócrito <strong>de</strong> Ab<strong>de</strong>ra (V a IV a.c.), acreditavam, <strong>da</strong> mesma forma queAnaxágoras e ao contrário <strong>de</strong> Pitágoras, em um universo contínuo. Osatomistas reformaram a concepção pitagórica <strong>de</strong> espaço afirmando aexistência do não-ser, um vazio contínuo no qual se moveriam os átomos(a = sem; tomos = pe<strong>da</strong>ços), pequenas partículas <strong>de</strong>scontínuas,homogêneas, infinitas e plenas (não-vazias). A physis era com issoconcebi<strong>da</strong> como o átomo.A mo<strong>de</strong>rna noção <strong>de</strong> átomo guar<strong>da</strong> em relação à antiga umadiferença essencial. Enquanto que esta última engendra uma visãodiscretizante <strong>da</strong> matéria, aquela concebe o átomo apenas como “pontono<strong>da</strong>l”, patamar qualitativo <strong>da</strong> matéria, o qual supera partículas menorese é superado pela molécula (outro ponto no<strong>da</strong>l).Contemporâneos dos últimos pré-socráticos, os sofistas inauguramcom suas especulações o chamado “período socrático”, expressãoespiritual <strong>da</strong> crise <strong>da</strong> Pólis. A sofística substitui as consi<strong>de</strong>raçõescosmológicas dos pré-socráticos por reflexões antropológicas <strong>de</strong> cunhocético e relativista.LARA (1989: p. 69) <strong>de</strong>senvolve a hipótese segundo a qualEmpédocles, Anaxágoras e os atomistas buscavam na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> conciliarHeráclito e os milesianos com os eleáticos, pois a contradição entre ambosabria brechas no racionalismo, brechas introduzi<strong>da</strong>s pelo relativismosofístico.Com o advento <strong>da</strong> problemática antropológica através dos sofistas, aGnoseologia surge mais bem <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>. Ela já era sugeri<strong>da</strong> pelo conflitoentre jônios e eleáticos. Porém, não há como negar que o objeto preferidodos pré-socráticos é a Ontologia, não a Gnoseologia. A sofística, por outro__136__


lado, é a primeira a enunciar <strong>de</strong> modo claro a problemática gnoseológica<strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento, <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e do papel <strong>da</strong> linguagem.Alguns sofistas, como Górgias <strong>da</strong> Sicília (V a.c.), eram abertamenteagnósticos. Outros, como Protágoras <strong>de</strong> Ab<strong>de</strong>ra (V a.c.), eram tão somenterelativistas. A maioria <strong>de</strong>les questionava a infalibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> razão e dossentidos, e principalmente a noção <strong>de</strong> Totali<strong>da</strong><strong>de</strong>.A base social <strong>da</strong> sofística está na vi<strong>da</strong> urbana dos artesãos ecomerciantes. Humanistas em essência, eles aniquilam as bases <strong>da</strong>religião pública, sustentáculo milenar <strong>da</strong> aristocracia al<strong>de</strong>ã.Os mais fervorosos <strong>de</strong>fensores <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimentocostumam ver nos sofistas um ‘asco’ filosófico. Porém, se os olharmos comcerta tolerância epistemológica, perceberemos que o relativismo sofístico<strong>de</strong>scortina uma nova perspectiva cultural, pois rompe com a idéia doprincípio totalizante jônio, noção ain<strong>da</strong> um pouco impregna<strong>da</strong> <strong>de</strong>divin<strong>da</strong><strong>de</strong>.Quando ergue-se <strong>de</strong> Atenas a voz <strong>de</strong> Sócrates (V-IV a.c.), asci<strong>da</strong><strong>de</strong>s-estado gregas já se encontram próximas do ápice <strong>de</strong> sua crise,cujo marco é a Guerra do Peloponeso entre as potências gregas.Sócrates, firme combatente do sofismo, afirma que a razão nãoafasta o Homem <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas é antes instrumento <strong>de</strong> gra<strong>da</strong>tivaaproximação entre ambos. Sua filosofia, porém, possui um aspecto emcomum com a sofística: a continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s preocupações antropológicasem <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> problemas cosmológicos e ontológicos.A superação do pensamento sofístico por Sócrates resulta na<strong>de</strong>scoberta do Conceito, po<strong>de</strong>roso instrumento do conhecimento quesupera a plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> opiniões e sensações na uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Razão. Se asopiniões são contingentes, a Razão é universal.Após os sofistas e Sócrates dois caminhos se abrem: o sensualismorelativismo,por um lado, e o racionalismo absoluto por outro. Aschama<strong>da</strong>s escolas socráticas menores – cínica, cirenaica, megárica eélio-erétria – seguem o primeiro caminho, her<strong>de</strong>iro direto <strong>da</strong> sofística.Nessa perspectiva o Bem e a Razão teriam conteúdo mais existencial. O__137__


segundo e mais conseqüente caminho é seguido por Platão e Aristóteles,os dois maiores filósofos do período socrático.Discípulo <strong>de</strong> Sócrates, Platão (V-IV a.c.) reflete sistematicamentesobre a totali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> cultura grega. Sua Teoria <strong>da</strong>s Idéias <strong>de</strong>sfere noagnosticismo e no relativismo um profundo golpe. Platão consagra aperspectiva filosófica metafísica, que em sua obra aparece conjuga<strong>da</strong> (nãoexatamente oposta) à dialética.Conforme assinala LARA (1989: p. 102), o monismo jônio e eleáticohavia revelado tensões profun<strong>da</strong>s entre a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> e a multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong>.Essas tensões foram resolvi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> modo bastante razoável pelosatomistas, através <strong>de</strong> seu “pluralismo homogêneo”. Platão seguiria, emrelação a esse problema, um outro caminho: o do dualismo.Sócrates havia estabelecido a universali<strong>da</strong><strong>de</strong> do Conceito. Platão vaimais longe, perguntando-se sobre qual a raiz <strong>de</strong>ssa universali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Paraele, a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> do Conceito é a Idéia. Ou seja: o Conceito é subjetivo; aIdéia, na qual se fun<strong>da</strong>menta, objetiva. Platão, portanto, ataca orelativismo sofístico assentando o conhecimento sobre firmes basesobjetivas. Como <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>ssas concepções, para muitoscomentadores Platão é em certa medi<strong>da</strong> um realista.Com efeito, na filosofia platônica o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro real é o puro racional,e a plenitu<strong>de</strong> <strong>da</strong> inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong> é a própria plenitu<strong>de</strong> do Ser, sendo ambasa uni<strong>da</strong><strong>de</strong> absoluta. Essa mesma solução gnoseológica – fortementeembasa<strong>da</strong> na noção <strong>de</strong> Totali<strong>da</strong><strong>de</strong> – será bem mais tar<strong>de</strong> segui<strong>da</strong> porHegel.De fato, a radicali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Parmêni<strong>de</strong>s tornara a perspectivaracionalista um tanto estéril. Ele não possuía, como Platão, a clareza <strong>de</strong>que a própria Idéia estava sujeita à dialética uno/múltiplo,repouso/movimento. Assim, enquanto que em Zenão a dialética temsentido meramente retórico, em Platão tem sentido lógico, gnoseológico e,também, ontológico. Ela surge com força <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> concepçãometafísica platônica, e, fazendo-lhe pensar as contradições uno/múltiplo,finito/infinito e repouso/movimento, permite-lhe livrar-se dos dilemassofísticos e eleáticos. A dialética tem, em Platão, o caráter <strong>de</strong> um__138__


movimento progressivo rumo ao absoluto, e, inversamente, <strong>de</strong>ste aorelativo. Daí porque Hegel reconhece em Platão o fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> dialética naacepção mo<strong>de</strong>rna.Aristóteles <strong>de</strong> Stágiros (IV a.C.), discípulo <strong>de</strong> Platão, é o primeirofilósofo a conceber a noção <strong>de</strong> uma totali<strong>da</strong><strong>de</strong> concreta. Sem abdicar <strong>da</strong>confiança grega na Razão, o filósofo macedônio coloca-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o iníciocomo realista. Seu objetivo é o <strong>de</strong> canalizar a Razão para a análise doconcreto e do contingente.Aristóteles, porém, não é um empirista no sentido mo<strong>de</strong>rno. Seuconceito <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> liga-se à visão do fato como algo que transcen<strong>de</strong> àprópria fatici<strong>da</strong><strong>de</strong>, realizando-se em uma estrutura lógica superior.Da mesma forma que Platão, Aristóteles crê que as condições doconhecimento são condições <strong>de</strong> existência <strong>da</strong> própria reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. ComoPlatão, busca a profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Ser através <strong>da</strong> contingência <strong>da</strong>percepção. Porém, ao contrário <strong>de</strong> Platão, não vê a menor necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> emduplicar a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Para ele, <strong>de</strong>vemos pensar no concreto como tal, e nãocomo manifestação sensível <strong>de</strong> um ‘mundo <strong>de</strong> idéias’. Exatamente por issoo realismo aristotélico transcen<strong>de</strong> o <strong>de</strong> Platão: preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir aessência não como reali<strong>da</strong><strong>de</strong> em si à parte <strong>da</strong> matéria, mas como coisasubjacente aos <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> percepção.O Ser aristotélico é composto <strong>de</strong> substância e aci<strong>de</strong>nte. Essa é acondição para se pensar a permanência (ato) e a mu<strong>da</strong>nça (potência),fugindo dos dilemas sofísticos (que diziam ser incognoscível algo que é enão é) e eleáticos. Segundo sua <strong>teoria</strong> do ato e potência, uma coisa po<strong>de</strong>ser e não-ser, isto é, po<strong>de</strong> ser uma coisa em ato e outra em potência.Nessa perspectiva, o Não-ser faz-se tão real quanto o Ser.Conseqüentemente, o movimento em Aristóteles não acontece doSer ao Ser, mas do Ser potencial ao Ser atual. Dessa forma, ficava sana<strong>da</strong>uma <strong>de</strong>bili<strong>da</strong><strong>de</strong> aponta<strong>da</strong> pelo próprio Aristóteles em relação aopensamento anterior: a <strong>de</strong> ter explicado a essência <strong>da</strong>s coisas (a “physis”)sem no entanto explicar como se dá seu movimento. Ato e potência são, <strong>de</strong>fato, categorias para pensar a Totali<strong>da</strong><strong>de</strong> e o movimento.__139__


Além dos binômios substância/aci<strong>de</strong>nte e Ato/potência, Aristótelesutiliza ain<strong>da</strong> um outro: o par forma (uni<strong>da</strong><strong>de</strong>) e matéria (diversi<strong>da</strong><strong>de</strong>), que<strong>de</strong>senha uma concepção <strong>da</strong> matéria como a pura <strong>de</strong>terminação. Todosesses binômios correspon<strong>de</strong>m, em Aristóteles, a dimensões reais do Ser.Há no Corpus Aristotelicum (conjunto <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> Aristóteles), alémdo mundo <strong>da</strong> physis, o mundo <strong>da</strong>s ‘inteligências puras’, <strong>de</strong> conteúdobastante diverso <strong>da</strong>quele encontrado no platonismo. As ‘inteligênciaspuras’ possuem, aqui, o caráter <strong>de</strong> leis. Elas movimentam os astroscircularmente. No ápice <strong>de</strong>sse movimento está o motor primeiro, algocomo uma “potência ativa absoluta” (LARA, 1989: p. 134), sendo ativa pornão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> na<strong>da</strong> para atualizar-se.O Motor Primeiro é um conceito <strong>de</strong> sabor platônico. Ele move tudosem jamais se imiscuir no processo cósmico, pois caso contrário <strong>de</strong>ixaria<strong>de</strong> ser potência para ser atual como ele. Elemento fun<strong>da</strong>mental nacosmologia <strong>de</strong> Aristóteles, o motor primeiro tornaria-se um axiomamilenar <strong>da</strong> visão <strong>de</strong> mundo medieval.Contudo, há também sutis diferenças entre o platonismo e a idéia<strong>de</strong> ‘motor primeiro’. Este último não se atualiza jamais, é pensamento <strong>de</strong>pensamento, move as coisas sem se preocupar com elas. É algo em simecanístico, lógico, bem menos divino que a divin<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Platão.LARA (1989: p. 134) observa sagazmente que, enquanto Platão estámais para a uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixando um pouco sem sentido a plurali<strong>da</strong><strong>de</strong>, aexplicação energética (energéia = ato) <strong>de</strong> Aristóteles está mais para aplurali<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixando também um pouco vaga a uni<strong>da</strong><strong>de</strong>.Aristóteles pensou tanto sobre a natureza do pensamento(Gnoseologia) quanto a respeito <strong>de</strong> sua estrutura (Lógica). O Conceito (ouIdéia) tem, para Aristóteles, reali<strong>da</strong><strong>de</strong> lógica e conteúdo extramental. Oconteúdo do Conceito é essência imanente à própria coisa, sendo portantoessa essência o que há <strong>de</strong> mais real. A essência é a pura causa, a purarelação, o aspecto inteligível do Ser.À ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ultrapassar os <strong>da</strong>dos sensíveis atingindo a essência<strong>da</strong> própria coisa Aristóteles chamou “intuição intelectual”, a qual__140__


ultrapassa a intuição sensível e percebe as gran<strong>de</strong>s ver<strong>da</strong><strong>de</strong>s que são asessências e os princípios (afirmações auto-evi<strong>de</strong>ntes).A forma superior do conhecimento, acima <strong>da</strong> intuição intelectual, éo raciocínio. A forma do raciocínio é o silogismo, que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>dutivoou indutivo. A eficácia do silogismo <strong>de</strong>dutivo advém <strong>de</strong> a primeirapremissa ter extensão maior que a segun<strong>da</strong>. Já o raciocínio indutivo,historicamente mais controverso, faz exatamente o contrário: parte <strong>de</strong>uma premissa <strong>de</strong> extensão menor que a subsequente. O método científicomo<strong>de</strong>rno é, conforme veremos, predominantemente indutivo.A elaboração <strong>da</strong> Lógica Aristotélica visava o combate ao relativismoe a unificação <strong>de</strong> procedimentos metodológicos. Em Aristóteles, oPrincípio <strong>de</strong> I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> é colocado a serviço <strong>da</strong> experiência. SegundoLARA (1989: p. 143), a Lógica é, em Aristóteles, condição <strong>de</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>do pensamento.Com Aristóteles atinge o ápice a estruturação do tipo metafísico <strong>de</strong>interpretação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Quando nos abstemos <strong>de</strong> pensar qualquer Serparticular para pensar o Ser-em-si, estamos diante <strong>de</strong> uma preocupaçãometafísica. É nesse sentido que o motor primeiro é uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>metafísica. À metafísica como ciência <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e do uno contrapõesea dialética, ciência que vê, no absoluto, as contradições inerentes aoreal.A reflexão grega sobre a relação entre categorias elementares doentendimento – como uno/múltiplo, i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>/contradição,repouso/movimento e absoluto/relativo – revela o esforço inicial parafun<strong>da</strong>r em bases objetivas o conhecimento racional. É <strong>de</strong> inestimável valoro legado <strong>da</strong> filosofia grega para o <strong>de</strong>bate sobre a natureza doconhecimento.As especulações dos gregos permanecem sob diversos aspectosatuais, tendo muitas <strong>de</strong>las se tornado recorrentes na história <strong>da</strong> filosofia.Certas noções, como o princípio <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> ou o ‘motor primeiro’,ganharam mesmo a força <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros dogmas, com sagra<strong>da</strong> aparência<strong>de</strong> pereni<strong>da</strong><strong>de</strong>.__141__


Por outro lado, conforme veremos a seguir, a reflexão sistemáticados gregos tem também servido, quando menos, <strong>de</strong> inesgotável fonte <strong>de</strong>inspiração para as diversas tentativas <strong>de</strong> generalização do imenso materialacumulado pela Ciência Mo<strong>de</strong>rna.2. Primórdios <strong>da</strong> Noção <strong>de</strong> Objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> na Ciência Mo<strong>de</strong>rna“O materialismo é filho <strong>da</strong> Inglaterra” – pronuncia solenemente Marxno início <strong>de</strong> “A Sagra<strong>da</strong> Família”. Com efeito, a maioria <strong>da</strong>s concepçõescientíficas contemporâneas <strong>de</strong>senvolveu-se junto ao reflorescimento docomércio e <strong>da</strong> urbanização, processo cujos primórdios po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificarjá no século XII, mas que conhece seu ápice apenas no século XV. ACiência Natural conhecia nessa época rápidos progressos, que traziamconsigo possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s nunca <strong>da</strong>ntes imagina<strong>da</strong>s.O enorme avanço <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, do comércio e <strong>da</strong>s forças produtivasem geral (incluindo-se aí a Ciência <strong>da</strong> Natureza) exigia a constituição <strong>de</strong>uma nova visão <strong>de</strong> mundo, a qual <strong>de</strong>senvolvia-se aos poucos revelandocontornos niti<strong>da</strong>mente materialistas.Esse nascente materialismo – que seria mais tar<strong>de</strong> chamado <strong>de</strong>“mecânico” – era então inteiramente revolucionário. Ele construiu-se emgran<strong>de</strong> parte na polêmica com a escolástica medieval, que seguia comosólido arcabouço i<strong>de</strong>ológico <strong>da</strong> Igreja. O sistema <strong>de</strong> idéias <strong>da</strong> escolástica –firmemente assentado no platonismo conjungado à <strong>teoria</strong> aristotélica domotor primeiro – constitui-se em uma <strong>da</strong>s mais duradouras e arraiga<strong>da</strong>svisões <strong>de</strong> mundo já conheci<strong>da</strong>s pelo homem.A polêmica entre esse nascente materialismo e a escolásticamedieval <strong>de</strong>senvolveu-se a partir <strong>de</strong> distintas tradições nacionais.Seguiremos as duas principais: a britânica e a francesa. Buscaremosexpor a partir <strong>de</strong>las uma interessante trajetória <strong>de</strong> pensamento, a qual vaido surgimento do materialismo mecânico até o empirismo crítico <strong>de</strong> Kant.Essa trajetória assume, na França, a forma <strong>da</strong> transição do cartesianismopara a Fenomenologia, e, na Inglaterra, o formato <strong>da</strong> transformação doempirismo clássico em empireocriticismo.__142__


Comecemos então pelo final do século XII, quando inicia-se ummovimento <strong>de</strong> revisão do pensamento escolástico, pensamento até entãocentrado na figura <strong>de</strong> Santo Agostinho. Já se processava, nessa época, a<strong>de</strong>cadência do Império Bizantino, o que proporcionava enorme afluxo <strong>de</strong>intelectuais <strong>da</strong>quela região em direção à Itália e outros centros <strong>da</strong> EuropaOci<strong>de</strong>ntal.Junto aos intelectuais <strong>de</strong> Bizâncio migravam textos <strong>de</strong> Aristóteles e<strong>de</strong> seus comentaristas ju<strong>de</strong>us e árabes, que iriam se constituir em objeto<strong>de</strong> investigação nos séculos XIII, XIV e XV. Novas versões <strong>da</strong>s obras <strong>de</strong>Platão e Aristóteles eram com isso divulga<strong>da</strong>s e compara<strong>da</strong>s às versõesoficiais compila<strong>da</strong>s pela Igreja. Esses fatos indicam o início <strong>da</strong> chama<strong>da</strong>"Alta Escolástica", marca<strong>da</strong> pelo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> temas <strong>da</strong> escolásticaanterior (questões lógicas, lingüísticas e gnoseológicas), pela incorporação<strong>de</strong> elaborações do pensamento aristotélico (em particular <strong>de</strong> sua "física") epela construção <strong>da</strong>s maiores e mais importantes sumas teológicofilosóficas.ENGELS <strong>de</strong>talha bem as conseqüências <strong>de</strong>sse período ao assinalarque “Nos manuscritos encontrados <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> que<strong>da</strong> <strong>de</strong> Bizâncio e nasestátuas antigas <strong>de</strong>scobertas em escavações feitas nas ruínas <strong>de</strong> Roma,<strong>de</strong>svendou-se aos olhos do Oci<strong>de</strong>nte assombrado um ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro mundonovo: a antigüi<strong>da</strong><strong>de</strong> grega. Diante <strong>de</strong> suas luminosas figuras<strong>de</strong>sapareciam os fantasmas <strong>da</strong> I<strong>da</strong><strong>de</strong> Média” (1979: p. 15).O século XIII é marcado pela edificação <strong>da</strong> doutrina <strong>de</strong> São Tomás<strong>de</strong> Aquino. Nascido em Nápoles, Aquino estudou em Paris e em Colôniacom seu mestre Santo Alberto Magno, a quem se atribui tê-lo iniciado nomovimento <strong>de</strong> aristotelização <strong>da</strong> escolástica medieval. A doutrina tomistacaracterizava-se pela pretensão em associar - não sem algumas críticas ao“corpus aristotelicum” - as filosofias <strong>de</strong> Santo Agostinho e <strong>de</strong> Aristóteles.Não foram poucas as correntes e os pensadores críticos <strong>de</strong>ssainiciativa. São Boaventura (1221-1274), que via a Razão como um estágiodo <strong>de</strong>senvolvimento do Homem em direção à contemplação <strong>de</strong> Deus,criticava a autonomia filosófica e as supostas evidências do sistema <strong>de</strong>Aristóteles. No mesmo sentido ia a crítica <strong>de</strong> Siger <strong>de</strong> Brabant, que viveu__143__


na segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong> do século XIII negando que a Razão pu<strong>de</strong>sse serin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Fé. Ambos apoiavam-se em Avicena (980-1036), queempenhara-se bem antes disso em emprestar a Aristóteles interpretaçõesneoplatônicas, argumentando ter ele apenas aprofun<strong>da</strong>do o conhecimentosobre as coisas sensíveis, o que não teria sido feito por Platão.Tomás <strong>de</strong> Aquino e, antes, seu mestre Alberto Magno, foram maissagazes: perceberam que a negação <strong>de</strong> Aristóteles conduzia a uma suaforçosa e inevitável introdução no seio <strong>da</strong> escolástica, como um corponocivo e in<strong>de</strong>sejável. Alberto Magno já tinha suas atenções volta<strong>da</strong>s para aFilosofia <strong>da</strong> Natureza, o que po<strong>de</strong> tê-lo aju<strong>da</strong>do em sua aproximação coma parte física do sistema aristotélico.Os objetivos i<strong>de</strong>ológicos do tomismo, portanto, apesar <strong>de</strong>conservadores do ponto <strong>de</strong> vista do avanço do conhecimento científico (jáque não pretendiam ir contra o agostinismo, mas apenas submetê-lo auma reforma necessária), acabaram por <strong>de</strong>sempenhar um papelprogressista; não só porque o tomismo representava um amadurecimento<strong>da</strong> razão medieval, mas também, e fun<strong>da</strong>mentalmente, porque alargava ohorizonte intelectual <strong>de</strong> sua época através do estudo <strong>da</strong> filosofia <strong>de</strong>Aristóteles.Os problemas mais importantes sobre os quais versa o sistema <strong>de</strong>Aquino são o problema <strong>da</strong> relação entre Razão e Fé, a questão <strong>da</strong>existência <strong>de</strong> Deus, o problema gnoseológico dos universais e o problema<strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> do intelecto.O primeiro tema é o <strong>de</strong> maior relevância na obra tomista, visto quesua incompreensão po<strong>de</strong>ria levar a uma racionalização <strong>da</strong> fé ou ao totalirracionalismo. Tomás <strong>de</strong> Aquino vê a Fé e a Razão numa uni<strong>da</strong><strong>de</strong> on<strong>de</strong>não há tensões; Razão e Revelação são esferas subjacentes. Não obstantesejam distintas, não há contradição entre elas, porque não há contradiçãoentre a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> do Homem e a revelação <strong>de</strong> Deus. Ao contrário, o princípiotomista <strong>da</strong> analogia do ser faz a ligação entre o ser do Homem e o ser <strong>de</strong>Deus, princípio que torna possível a apreensão <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> divina peloHomem, por via <strong>da</strong> Revelação. "Se a Razão se move, livremente, <strong>de</strong>ntro doterreno <strong>da</strong> Filosofia, a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> exige que na<strong>da</strong> do que a Razão__144__


preten<strong>de</strong> saber seja contrário ao dogma estabelecido... por isso a Razão<strong>de</strong>ve penetrar até on<strong>de</strong> seja possível no dogma, mas, ao mesmo tempo,partir <strong>de</strong>le para <strong>de</strong>senvolvê-lo e esclarecê-lo" (VITA, 1968: p. 34).Aquino só crê na contradição entre Razão e Fé no caso <strong>de</strong> perversão<strong>da</strong> primeira, pois não há hiato na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, que é una. A razão, <strong>de</strong>ssaforma, é posta a serviço <strong>da</strong> Fé, pois só crendo é possível compreen<strong>de</strong>r. "Asíntese <strong>da</strong> Razão e <strong>da</strong> Fé não tem <strong>de</strong> ser imagina<strong>da</strong> nem discuti<strong>da</strong>, masapenas "codifica<strong>da</strong>" rigorosamente" (VITA, 1968: p. 34).Surge precisamente aqui a preocupação com questões lógicogramaticaisque marca tanto a Alta Escolástica quanto as correntes <strong>de</strong>inspiração aristotélica do período <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência do pensamentoescolástico (scotismo e ockamismo).No que diz respeito ao problema <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> Deus, ele seconstitui no principal ponto <strong>de</strong> alinhamento do tomismo com a física <strong>de</strong>Aristóteles. Sabe-se que a compreensão aristótelica <strong>de</strong> Deus é diversa<strong>da</strong>quela exercita<strong>da</strong> pelos platônicos. Enquanto estes partem <strong>de</strong> umareali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> idéias, acreditando po<strong>de</strong>r captar Deus por via <strong>da</strong> intuição,Aristóteles não alimenta tal fantasia. Enten<strong>de</strong>ndo que todo conhecimentohumano parte dos sentidos e que as idéias universais não possuemexistência concreta, ele nega que o Homem possa ter uma idéia racional<strong>de</strong> Deus, ser que não existe no mundo sensível. O máximo a que po<strong>de</strong>chegar a compreensão humana é o entendimento ain<strong>da</strong> difuso <strong>de</strong> Deuscomo "motor primeiro" <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as coisas, ou seja, como causaprimordial do movimento que existe concretamente. Em Aristóteles, Deusnão é mais que o princípio racional do Universo.A <strong>teoria</strong> aristotélica do motor primeiro constitui-se na base <strong>de</strong> suafísica. É justamente este o princípio que será liqui<strong>da</strong>do pela oposiçãoteológica ao tomismo, cujos lí<strong>de</strong>res, os britânicos Dunas Escoto eGuilherme <strong>de</strong> Ockam, também partiam <strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mentação aristotélica. Aoposição teológica ao tomismo construiu-se como uma corrente que, por<strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> própria Teologia, questionava os pilares fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong>i<strong>de</strong>ologia religiosa. Já ENGELS (1982) nos asseverava que, até o umbral__145__


<strong>da</strong>s revoluções burguesas do século XVIII, a única forma conheci<strong>da</strong> <strong>de</strong>I<strong>de</strong>ologia era a religiosa.Criticado por Escoto e Ockam, o princípio fantástico <strong>de</strong> um motorprimeiro não resistiria por muito mais tempo, fulminado com o objetivo <strong>de</strong><strong>da</strong>r lugar às primeiras formulações <strong>de</strong> uma mecânica celeste. De fato, asbases do que ficaria conhecido como mecânica newtoniana já eramlança<strong>da</strong>s em plenos séculos XIII e XIV. Jean Buri<strong>da</strong>n, que fora reitor <strong>da</strong>Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Paris, enunciava rusticamente o princípio <strong>de</strong> inércia.Nicolau Oresme antecipava o sistema <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>na<strong>da</strong>s cartesianas.Henrique <strong>de</strong> Hainbuch, reitor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Viena, escrevia sobre otema <strong>da</strong> Astronomia, enquanto Alberto <strong>de</strong> Saxe, reitor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>Paris, fazia estudos sobre a gravitação. To<strong>da</strong>s essas <strong>de</strong>scobertasimpulsionam o combate à física aristotélica e, em conseqüência, aotomismo, fato que ocasionaria na<strong>da</strong> menos que a <strong>de</strong>molição <strong>da</strong> escolásticamedieval.O scotismo e seu posterior <strong>de</strong>senvolvimento, o ockamismo, surgemportanto como um movimento teológico <strong>de</strong> oposição ao tomismo e aoneoplatonismo. Não é estranho que essas duas correntes sejamcombati<strong>da</strong>s com igual furor. Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, as obras dos Santos AlbertoMagno e Tomás <strong>de</strong> Aquino, mesmo com os aspectos positivos <strong>de</strong>alargamento cultural que possam ter, constroem-se na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> no quadromais geral <strong>da</strong> reação neoplatônica. Portanto, talvez não seja tão precisoclassificar como plenamente aristotélico o sistema tomista, pois, emessência, o intuito <strong>de</strong> Aquino não difere do <strong>de</strong> um Averróis, por exemplo.A diferença está em que o primeiro subordina Aristóteles a Agostinhoaproveitando a mais platônica <strong>da</strong>s heranças lega<strong>da</strong>s pelo aristotelismo: oprincípio do motor primeiro; enquanto que o segundo, menos sagaz,prefere apenas interpretar Aristóteles <strong>de</strong> forma explicitamenteneoplatônica.Com Dunas Escoto (1266 - 1308), portanto, iniciava-se uma novaetapa no pensamento escolástico, que culminaria em sua <strong>de</strong>struição. Acorrente scotista, que se difundiu bastante na irman<strong>da</strong><strong>de</strong> franciscana__146__


(ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro partido católico <strong>de</strong> feições progressistas), possuía conteúdoradicalmente aristotélico e voltava-se para o combate enfurecido dosprincípios platônicos e <strong>da</strong> proposta tomista. Suas bases já haviam sidolança<strong>da</strong>s na França do século XII por Pedro Abelardo em sua conten<strong>da</strong>intelectual com São Bernardo. O surgimento <strong>de</strong> Dunas Escoto representao início <strong>de</strong> um movimento <strong>de</strong> ruptura <strong>da</strong> teologia inglesa com aselaborações <strong>da</strong> teologia francesa, italiana e ibérica, ruptura esta que seconcretizará politicamente com os acontecimentos <strong>da</strong> ReformaProtestante.Dunas Escoto rompe com o tomismo a partir <strong>de</strong> suas reflexões sobreas relações entre Fé e Razão e entre intelecto e vonta<strong>de</strong>, que conferemcaráter histórico à visão cristã do Universo. Para Escoto “criação,encarnação, imputação dos méritos <strong>de</strong> Cristo são, <strong>da</strong> parte, atos livres nosentido pleno <strong>da</strong> palavra, isto é, que po<strong>de</strong>riam não haver sucedido e<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>da</strong> iniciativa <strong>de</strong> Deus, que não têm outras razões que suaprópria vonta<strong>de</strong>” (BRÈHIER, 1977-78: p. 176).Esse voluntarismo <strong>de</strong> Escoto, que coloca a inteligência tanto <strong>de</strong>Deus como do Homem em função <strong>de</strong> suas vonta<strong>de</strong>s, acaba por <strong>de</strong>saguarem um divórcio entre Razão e Fé sem prece<strong>de</strong>ntes na história <strong>da</strong>Teologia. Porque, se Deus não baseia seus atos no entendimento racional,mas em sua vonta<strong>de</strong>, torna-se inútil tentar compreen<strong>de</strong>r racionalmente asver<strong>da</strong><strong>de</strong> divinas, que são puros objetos <strong>de</strong> fé. Tais objetos po<strong>de</strong>riaminclusive não existir, se o Pai assim o quisesse. Deus, é evi<strong>de</strong>nte, não éuma força <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>na<strong>da</strong> que age no mais puramente livre dos arbítrios. Elepossui entendimento racional, ain<strong>da</strong> que este esteja submetido à suavonta<strong>de</strong>, que é racional mas é também livre.Assim, muitas questões <strong>de</strong> fé que no tomismo po<strong>de</strong>m serinvestiga<strong>da</strong>s racionalmente, como a <strong>da</strong> origem e natureza <strong>de</strong> Deus, emEscoto já não po<strong>de</strong>m. Nesse ponto este último resgata Agostinho, masagora com intuito oposto: Deus não é para ser conhecido, mas para seracreditado e amado. O conhecimento serve para a compreensão domundo, não <strong>de</strong> Deus. A Filosofia vai com isso abrindo espaço para asCiências <strong>da</strong> Natureza, que já então se <strong>de</strong>senvolvem.__147__


Além <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar em separado as noções <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> eentendimento, bem como as <strong>de</strong> Razão e Fé, Dunas Escoto opera também oisolamento <strong>da</strong>s idéias <strong>de</strong> intelecto possível e agente e <strong>de</strong> universal eindividual, além <strong>de</strong> conceber <strong>de</strong> forma diferencia<strong>da</strong> a relação entrematéria e forma. Neste último caso, nega o Agostinismo, que afirma que amatéria possui um princípio racional interno que a faz aspirar à forma, etambém ao tomismo, que diz que a matéria não possui existência em atosem uma <strong>da</strong><strong>da</strong> forma. Escoto afirma, já prenunciando o nominalismo <strong>de</strong>Ockam, que, <strong>da</strong>do que a idéia existe aparta<strong>da</strong> <strong>da</strong> matéria e é posterior aela (ain<strong>da</strong> que esta última seja cria<strong>da</strong> por Deus), a matéria possuiexistência atual, e, portanto, subordina sua forma. Isso não é senão ummaterialismo dos mais velados.Quanto à questão do intelecto, Escoto enten<strong>de</strong> que "o papelpróprio do intelecto agente é o <strong>de</strong> separar a forma específica <strong>da</strong> imagemsensível, on<strong>de</strong> está em potência; mas o do intelecto possível é o <strong>de</strong>compreen<strong>de</strong>r a causa total <strong>de</strong>sse ato" (BRÈHIER, 1977-78: p. 179). Oscotismo vê como autônomos os intelectos agente e possível, ain<strong>da</strong> que doprimeiro, que está <strong>de</strong>ntro dos limites do conhecimento imediato, <strong>de</strong>corra osegundo, que é o conhecimento abstrativo, mediato. O objetivo <strong>de</strong> DunasEscoto com essa teorização sobre o intelecto é o <strong>de</strong> negar a concepçãoagostiniana segundo a qual a experiência sensível não joga papel noconhecimento, vindo este último <strong>de</strong> uma iluminação divina na mente dosujeito. Para Escoto, a raiz do conhecimento não está em outro lugar quenão na experiência.Finalmente, na famosa questão dos universais, Dunas Escoto negaa compreensão tomista que via no individual mera forma contigente dogenérico. É aí que se introduz o ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> do nominalismo <strong>de</strong>Ockam, justamente quando Escoto vê os corpos individuais comoreali<strong>da</strong><strong>de</strong>s em si, sem que as quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s comuns a esses corpos, ou seja,os universais, sejam concebidos senão como um esforço <strong>de</strong> abstração <strong>da</strong>mente humana. O individual não parte do universal, mas, ao contrário,este é que é inferido <strong>da</strong> existência concreta <strong>da</strong>quele. Por certo não é meracoincidência a semelhança entre esse entendimento scotista e o__148__


individualismo metodológico que perpassa a época mo<strong>de</strong>rna, <strong>de</strong> Bacon aKant.As teses <strong>de</strong> Dunas Escoto têm seu <strong>de</strong>senvolvimento mais inventivo eoriginal na obra <strong>de</strong> Guilherme <strong>de</strong> Ockam (1280 - 1350), <strong>de</strong> quempo<strong>de</strong>mos dizer que é o responsável mais direto pelo triunfo inapelável <strong>da</strong>corrente scotista. A ele se atribui a li<strong>de</strong>rança <strong>da</strong> oposição teológica aotomismo. As pretensões político-i<strong>de</strong>ológicas <strong>de</strong> Ockam têm base na lutados feu<strong>da</strong>is leigos contra as aspirações do Vaticano no sentido <strong>da</strong>dominação mundial <strong>da</strong> Igreja Católica. Vale lembrar que Martinho Luterofoi iniciado no ockamismo por obra direta <strong>de</strong> um discípulo <strong>de</strong> Ockam,Gabriel Biel. É também na existência <strong>de</strong> Ockam que se po<strong>de</strong> situar onascimento <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> Escola <strong>de</strong> Oxford, <strong>de</strong> caráter empírico, cujo ápiceserá alcançado no século XVIII, com Berkeley, Hume e Kant.Ockam aprofun<strong>da</strong> a tendência gnoseológica conti<strong>da</strong> em germe já emDunas Escoto: o nominalismo. Para o ockamismo,o universal não provém do espírito, a não ser por certa maneira <strong>de</strong>consi<strong>de</strong>rar a imagem sensível, não se levando em conta o que nela há <strong>de</strong>individual... Por conseguinte, é falso o problema (tomista) <strong>da</strong> individuação,que supõe existir a espécie antes do indivíduo, posto que se pergunta poraquilo que a individualiza. Ora, na<strong>da</strong> existe, a não ser o individual, que é oprimeiro objeto do conhecimento. (BRÈHIER, 1977-78: p. 184)A argumentação <strong>de</strong> Ockam contra a existência dos universais évisivelmente her<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>de</strong> Aristóteles em sua conten<strong>da</strong> com a doutrinai<strong>de</strong>alista <strong>de</strong> Platão. Os ockamistas - bem como os scotistas - assumem <strong>de</strong>forma intransigente a <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> gnoseologia aristotélica, no tempo mesmoem que negam o princípio do motor primeiro - base <strong>da</strong> física <strong>de</strong> Aristóteles- com o objetivo <strong>de</strong> substituir "a mitologia <strong>da</strong>s inteligências motrizes poruma mecânica celeste, com princípios idênticos aos <strong>da</strong> mecânica terrestre"(BRÉHIER, 1977-78: p. 189). Assim como <strong>de</strong>svinculam Razão <strong>de</strong> Fé,ockamismo e scotismo contribuem também para o <strong>de</strong>svinculamento - tãonecessário ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s Ciências Naturais - entre a visãotranscen<strong>de</strong>ntal, metafísica, do Universo, e a física <strong>da</strong> Natureza. Otomismo, vale notar, admitia também a gnoseologia <strong>de</strong> Aristóteles, mas, se__149__


o fazia, era com o objetivo maior <strong>de</strong> chegar à sua física e transformá-la naconcepção cristã oficial do Universo.Guilherme <strong>de</strong> Ockam é quem inaugura uma tradição <strong>de</strong> pensamentoque se esten<strong>de</strong>rá até Kant, sendo ain<strong>da</strong> hoje hegemônica no pensamentooci<strong>de</strong>ntal. Ockam, ao negar que as idéias universais se situam nas coisasou nas palavras em si, afirma logo em segui<strong>da</strong> que elas se situam naspalavras enquanto uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> significação convenciona<strong>da</strong>s, instituí<strong>da</strong>s.Com isso, o nominalismo ockamista retoma a filosofia <strong>de</strong> Pedro Abelardo esubstitui a questão <strong>da</strong> natureza dos universais pelo problema do corretouso no conhecimento. Inicia-se assim a preocupação com a formalizaçãodo conhecimento que marcará todo o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> Escola <strong>de</strong>Oxford e alcançará o máximo <strong>de</strong> sua elaboração na obra kantiana. Ain<strong>da</strong>em nosso século essas preocupações lógicas se constituem em objeto <strong>da</strong>maioria <strong>da</strong>s discussões sobre o conhecimento científico.A reação ao nominalismo seria forte e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> amplitu<strong>de</strong>. A partir<strong>de</strong> meados do século XIV começam a se <strong>de</strong>senvolver uma série <strong>de</strong>doutrinas céticas, agnósticas ou metafísicas que se esten<strong>de</strong>riam até oséculo XVII. Não por coincidência, um dos primeiros países on<strong>de</strong> ocorreessa reação é a então atrasadíssima Alemanha. Lá, o frei dominicanoJonh Eckhart (1260 - 1327) cria uma doutrina mística <strong>de</strong> inspiraçãoplatônica caracteriza<strong>da</strong> pelo uso <strong>da</strong> linguagem literária. Seu objetivo: acondução <strong>da</strong> alma à preparação, através <strong>da</strong> purgação e do isolamento,para o encontro com Deus. Para Eckhart, é inútil especular acerca dodivino. Deve-se substituir o conhecimento, o "logos", pelo amor, como já odissera Plotino. É nessa doutrina mística que se situa, não por acaso, agênese <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> filosofia alemã, cujo ápice se <strong>da</strong>ria no século XIX, comHegel.O advento <strong>da</strong> reação ao nominalismo divi<strong>de</strong> os ambientes científicos:<strong>de</strong> um lado as universi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, que serviam <strong>de</strong> refúgio para o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s “artes liberais”; <strong>de</strong> outro, os mosteiros e conventos,on<strong>de</strong> se ensinavam as concepções oficiais <strong>da</strong> Igreja.Nos séculos XV, XVI e até o início do século XVII ganha muita forçao ceticismo renascentista, cujos a<strong>de</strong>ptos trabalhavam <strong>de</strong>ntro e fora <strong>da</strong>s__150__


universi<strong>da</strong><strong>de</strong>s versando sobre temas relativos ao método e à formalizaçãodo conhecimento. Corrente típica <strong>de</strong> períodos <strong>de</strong> crise, o ceticismo <strong>da</strong>Renascença voltava-se contra os avanços metodológicos alcançados pelas"autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s" <strong>da</strong> Ciência e <strong>da</strong> Filosofia, fossem elas Aristóteles ou osnominalistas. O primeiro dos céticos mais notáveis foi Erasmo Desidério,dos Países Baixos, e, os últimos, Charron e o português FranciscoSanchez. Este último pregava um "exame direto <strong>da</strong>s coisas", semsubmetê-las a mo<strong>de</strong>los ou <strong>teoria</strong>s cria<strong>da</strong>s por outrem.De Descartes o cepticismo conheceu, no século XVII, crítica tãocontun<strong>de</strong>nte e feroz que não mais teve condições <strong>de</strong> se soerguer. Veremospouco mais à frente como isso se <strong>de</strong>u.Antes, porém, surgia na Inglaterra o empirismo <strong>de</strong> Francis Bacon(1561 - 1626), fruto do <strong>de</strong>senvolvimento científico <strong>da</strong> Escola <strong>de</strong> Oxford. Étambém nessa época que se inscreve a existência do físico italiano GalileuGalilei (1564 - 1642). Ambos, Bacon e Galilei, são peças fun<strong>da</strong>mentaispara a compreensão <strong>da</strong> proposta her<strong>da</strong><strong>da</strong> do nominalismo <strong>de</strong> aliança entrea experiência sensível e a linguagem formaliza<strong>da</strong> <strong>da</strong> Ciência.Galileu Galilei <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u e <strong>de</strong>senvolveu a <strong>teoria</strong> heliocentrista <strong>de</strong>Nicolau Copérnico (1473 - 1543). É consi<strong>de</strong>rado o fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rnaCiência <strong>da</strong> Natureza. Professava que "a investigação natural não consistianuma simples recopilação dos <strong>da</strong>dos sensíveis, mas numa or<strong>de</strong>nação<strong>de</strong>les pela razão matemática" (VITA, 1968: p. 48). Dizia GALILEI que "olivro <strong>da</strong> Natureza está escrito em língua matemática e suas letras sãotriângulos, círculos figuras geométricas, <strong>de</strong> maneira que sem elas não sepo<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r uma única palavra" (APUD VITA, 1968: p. 48).O intuito cartesiano <strong>de</strong> resgatar o i<strong>de</strong>al pitagórico <strong>da</strong> "essênciamatemática <strong>da</strong> Natureza" é seguido em Galilei, que, ao instaurar umavisão explicitamente matemática, quantitativa <strong>da</strong> Natureza, prossegue apreocupação nominalista com a formalização do raciocínio e amatematização do conhecimento científico. Galileu, aliás, po<strong>de</strong> serconsi<strong>de</strong>rado o responsável pela concretização dos dois elementos maisvaliosos do nominalismo: a visão <strong>da</strong> natureza e o método <strong>da</strong> física. Omo<strong>de</strong>lo galileano <strong>de</strong> Ciência será tomado por Kant como parâmetro, na__151__


medi<strong>da</strong> em que inaugura a idéia <strong>da</strong> hipótese racional como ponto <strong>de</strong>parti<strong>da</strong> <strong>da</strong> Ciência, colocando a experiência, conforme já havia feitoDescartes, como a comprovação a posteriori do saber construídoaprioristicamente pelo cientista. Galileu terá o conteúdo <strong>de</strong> sua elaboração<strong>de</strong>senvolvido pelos físicos do século XVII e XVIII, <strong>de</strong>ntre eles Sir IsaacNewton (1642 - 1727).Já a obra <strong>de</strong> Francis Bacon é, em resumo, uma primeira tentativa<strong>de</strong> sistematização do empirismo inglês. Em vi<strong>da</strong>, Bacon <strong>de</strong>monstrou tantopreocupações políticas (foi eleito para a Câmara dos Comuns em 1584)quanto científicas. Ele abominava o conhecimento medieval, as sumas <strong>de</strong>inspiração aristotélica e propunha uma reforma radical do conhecimentocientífico. "Para Bacon o órgão apropriado para a investigação é, emver<strong>da</strong><strong>de</strong>, a lógica metodológica <strong>da</strong> Ciência Natural, preconizando comomeio principal o método <strong>da</strong> indução, que ... consiste ... numa combinação<strong>da</strong> observação com a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> do entendimento" (VITA, 1968: p. 47).Com efeito, Bacon não procura senão organizar algunsprocedimentos técnicos e operacionais que vinham sendo utilizados noprocesso <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s Ciências <strong>da</strong> Natureza. Como bemacrescenta É. BRÉHIER (1977: p. 36), "o Novum Organum (principal obra<strong>de</strong> Bacon) é precisamente isto, e na<strong>da</strong> mais: um programa <strong>de</strong> Ciências <strong>da</strong>Natureza, com a parte lógica que a elas se refere".A principal influência <strong>de</strong> Bacon é a do alquimista inglês RogerBacon (1210 - 1278), que teria sido professor em Oxford. A alquimia sesitua na aurora <strong>da</strong>s Ciências Naturais e utiliza-se <strong>de</strong> procedimentosexperimentais primitivos. É nela que Francis Bacon se inspira para<strong>de</strong>senvolver a concepção aristotélica <strong>de</strong> indução, que, em seuentendimento, passa a ser um conjunto <strong>de</strong> procedimentos progressivos <strong>de</strong>eliminação. Eliminação <strong>de</strong> aspectos do fenômeno que, para Bacon, sãocontingenciais e <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>sprezados ou eliminados do exame científico."A indução ten<strong>de</strong> a eliminar, para encontrar a forma, tudo o que há <strong>de</strong>qualitativo, <strong>de</strong> propriamente sensível em nossa experiência. Po<strong>de</strong>-se sedizer, em certo sentido, que Bacon é mecanicista, uma vez que vê a__152__


essência <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> coisa <strong>da</strong> Natureza em uma estrutura geométrica emecânica permanente" (É.BRÈHIER, 1977: p. 41).Contudo, ao contrário do que crêem os cientistas franceses eitalianos <strong>de</strong> sua época, Bacon, apesar <strong>de</strong> admitir uma "estruturamatemática <strong>da</strong>s coisas", <strong>de</strong>sconfia <strong>da</strong>s Ciências Matemáticas e quercolocá-las como servas <strong>da</strong> Física. Isso é fruto <strong>de</strong> sua visão <strong>de</strong> experiência,her<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>da</strong> alquimia. Longe <strong>de</strong> ver a matemática como a substância <strong>da</strong>matéria (concepção quase pitagórica), ele a concebe apenas como alinguagem <strong>da</strong> Ciência. Também em <strong>de</strong>corrência disso não crê na maiscélebre <strong>da</strong>s <strong>teoria</strong>s que se <strong>de</strong>senham em sua época, a <strong>da</strong>s hipóteses apriori. É o empirista em estado puro: para ele o conhecimento está nascoisas, e o Homem <strong>de</strong>ve, isolando-se, buscar nelas os resultados <strong>da</strong>pesquisa, utilizando os oito "procedimentos <strong>de</strong> experimentação" que elepropõe. Os resultados <strong>da</strong> investigação não vêm antes <strong>da</strong> experimentação,como propõem Descartes e Galileu e <strong>de</strong>cretará Kant, mas, ao contrário,<strong>de</strong>correm <strong>de</strong>la e só com ela po<strong>de</strong>m ser extraídos.O pensamento <strong>de</strong> Bacon, que se torna o maior ponto <strong>de</strong> referênciapara a tradição mecanicista que se <strong>de</strong>senvolve em especial na Inglaterra, émais tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvido por John Locke, que fornece versão maisconsistente do empirismo baconiano. Essa corrente gnoseológica rivalizapraticamente durante to<strong>da</strong> a I<strong>da</strong><strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rna com o materialismo francês.Ambas as correntes têm início justamente com Escoto, Ockam e PedroAbelardo, cujas visões representam o ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> <strong>da</strong> Ciência Naturale o fim <strong>da</strong> cosmologia aristotélica, na medi<strong>da</strong> em que convertem oconhecimento "<strong>de</strong> coisas... em conhecimento <strong>de</strong> símbolos, instituindo opensar matemático" (VITA, 1968: p. 46).De fato, há duas coisas que ganham relevo com o nominalismo: aformalização <strong>da</strong> linguagem científica e a experiência. É à experiência que oempirismo inglês dá relevo, ao passo que seu êmulo, o materialismofrancês (e também o italiano) confere mais <strong>de</strong>staque ao primeirocomponente que citamos: a estrutura organizativa do raciocínio e <strong>da</strong>linguagem.__153__


Esse segundo caminho, <strong>de</strong> cunho racional-<strong>de</strong>dutivo, tem no nome<strong>de</strong> Descartes seu maior ponto no<strong>da</strong>l. Vejamos como se <strong>de</strong>senvolveu, no<strong>de</strong>bate com o empirismo britânico, essa segun<strong>da</strong> tradição materialista, afrancesa.Vimos acima que o século XVI foi profun<strong>da</strong>mente marcado pela crisedo edifício político, científico e filosófico <strong>da</strong> Igreja, crise esta manifesta<strong>da</strong>em acontecimentos como a Reforma Religiosa, os quais atestam a agonia<strong>de</strong>finitiva do modo <strong>de</strong> produção feu<strong>da</strong>l e <strong>da</strong> direção política <strong>da</strong> Igreja.Às portas do século XVII o cenário intelectual europeu encontravaseinteiramente hegemonizado pelo ceticismo, tão bem representado nasobras <strong>de</strong> Agripa <strong>de</strong> Netteschein (1487 - 1535), <strong>de</strong> Francisco Sanchez(1552 - 1631) e <strong>de</strong> Michel <strong>de</strong> Montaigne (1533 - 92). Esse ceticismo era omesmo ao qual nos referimos acima, como uma reação ao nominalismoNão há dúvi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> que o ceticismo é peça-chave no quadro <strong>de</strong><strong>de</strong>composição do pensamento medieval, cujos alicerces - a filosofia gregado período socrático e as obras <strong>de</strong> Santo Agostinho - começavam a ruirdiante do <strong>de</strong>senvolvimento do capitalismo comercial, que trazia consigo oavanço <strong>da</strong> Ciência, <strong>da</strong> técnica e <strong>da</strong> urbanização. O clima <strong>de</strong> incerteza e <strong>de</strong>gran<strong>de</strong>s dúvi<strong>da</strong>s tomava conta dos centros <strong>de</strong> produção do conhecimento<strong>de</strong>ssa época, como reflexo, no terreno no pensamento, <strong>de</strong>ssa época <strong>de</strong>crise.O arcabouço científico que se <strong>de</strong>senvolveria ao longo <strong>da</strong> I<strong>da</strong><strong>de</strong>Mo<strong>de</strong>rna, se po<strong>de</strong> ter seus primórdios situados na conten<strong>da</strong> com aescolástica, passa no entanto por um momento crítico no início do séculoXVII, quando vê-se diante <strong>de</strong> um adversário ain<strong>da</strong> mais forte que a<strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte escolástica: o ceticismo.Nascido em La Haye, filho <strong>de</strong> burgueses que se <strong>de</strong>dicavam aocomércio e à administração <strong>da</strong>s terras <strong>de</strong> sua proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>, RenéDescartes teve Luís XIII à frente do cenário político <strong>de</strong> sua época (1610 -1643). O governo <strong>de</strong>sse monarca foi caracterizado por ações <strong>de</strong> apoio esustentação à burguesia, ações estas que, porém, não pretendiamentregar aos burgueses o po<strong>de</strong>r, mas apenas usá-los contra a nobreza nosentido <strong>de</strong> fortalecer a monarquia. Ou seja: a burguesia não era ain<strong>da</strong> (ao__154__


contrário do caso <strong>da</strong> Inglaterra) uma classe suficientemente fortepoliticamente, o que em certa medi<strong>da</strong> explica o estágio atrasado <strong>da</strong> França<strong>de</strong> então, que dificilmente po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>senvolver sua Ciência e sua Filosofia<strong>de</strong> forma alheia à vonta<strong>de</strong> e ao financiamento <strong>da</strong> classe burguesa.Descartes é sem dúvi<strong>da</strong> o nome mais notável no contexto docombate ao ceticismo e do erguimento <strong>da</strong>s vigas-mestras <strong>da</strong> primeiraRevolução Técnico-Científica. Seu objetivo manifesto: construir osalicerces sobre os quais se apoiaria todo o novo edifício <strong>da</strong> Razão. E eleinicia essa tarefa pela própria dúvi<strong>da</strong>, toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> empréstimo aos céticoscom outra conotação: aqui a dúvi<strong>da</strong> é o próprio instrumento <strong>da</strong> Ciência, esó se a supera quando se a perpassa esgotando-lhe em to<strong>da</strong>s as direções.Para DESCARTES, a dúvi<strong>da</strong> <strong>de</strong>ve-se ser exacerba<strong>da</strong> até o ponto em que seduvi<strong>de</strong> <strong>da</strong> própria dúvi<strong>da</strong>. Nesse ponto extremo, a incerteza quase máximadá lugar a uma dose mínima <strong>de</strong> certeza.... resolvi fazer <strong>de</strong> conta que to<strong>da</strong>s as coisas que até então haviam entradono meu espírito não eram mais ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras que as ilusões <strong>de</strong> meussonhos. Mas, logo em segui<strong>da</strong>, adverti que, enquanto eu queria assimpensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava,fosse alguma coisa. E, notando que esta ver<strong>da</strong><strong>de</strong>: eu penso, logo existo,era tão firme que to<strong>da</strong>s as mais extravagantes suposições dos céticos nãoseriam capazes <strong>de</strong> a abalar, julguei que podia aceitá-la... como o primeiroprincípio <strong>da</strong> Filosofia que procurava (grifo nosso). (1991: p. 7)Eis portanto o fun<strong>da</strong>mento aon<strong>de</strong> Descartes assentava aobjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento: a própria razão.A gran<strong>de</strong> filósofo francês percorre, conseqüentemente, um caminhoinverso ao dos céticos: enquanto estes últimos partem <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong>lachegam à dúvi<strong>da</strong>, ele parte <strong>da</strong> dúvi<strong>da</strong> e, retirando <strong>de</strong>la certezas mínimas,chega então à reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. A partir <strong>da</strong>s primeiras certezas, surgi<strong>da</strong>s <strong>da</strong>exacerbação <strong>da</strong> dúvi<strong>da</strong>, Descartes infere outras certezas, e assim vaigradualmente <strong>de</strong>compondo a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> através do puro enca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong>raciocínios. Tudo começa com o "cogito": se duvido, penso, e <strong>da</strong>í <strong>de</strong>voinvariavelmente concluir que existo. O "Penso, logo existo" inaugura umanova etapa no <strong>de</strong>senvolvimento do pensamento, justamente por tratar <strong>de</strong>forma inovadora e eficaz <strong>da</strong> relação sujeito-objeto, fazendo a conexão entre__155__


o objetivo e o subjetivo que os céticos, presos à subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> incerteza,não conseguiram fazer. Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, a própria concepção <strong>de</strong> relaçãosujeito-objeto <strong>de</strong> Descartes já é fruto <strong>de</strong> um avançado trabalho com ascategorias dialéticas dúvi<strong>da</strong> e certeza, que lhe proporciona excelentesresultados.Diante <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> constante do conhecimento em seus<strong>de</strong>sdobramentos, Descartes propõe que seu método racional seja operadoatravés dos procedimentos <strong>de</strong> análise (dividir problemas em parcelasmínimas a serem soluciona<strong>da</strong>s), <strong>de</strong> síntese (or<strong>de</strong>nação dos pensamentos,indo dos mais simples aos mais complexos) e <strong>de</strong> enumeração (enumerardúvi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> forma que na<strong>da</strong> seja omitido).O método racional <strong>de</strong> Descartes cria uma oposição (aliás, não foge<strong>da</strong> oposição) entre a contingência do mundo real e a generali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>sconstruções <strong>de</strong>dutivas. Descartes reconhece que a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, por sercomplexa, dificilmente po<strong>de</strong> ser absorvi<strong>da</strong> inteiramente por idéias. Existemprincípios racionais que não se verificam empiricamente. Daí a concepçãodo dualismo cartesiano matéria/espírito. Descartes dá seqüência, nesseponto, à tradição platônica. Prossegue também, acrescente-se, a tradiçãomonista dos eleáticos, para os quais não há vazio na Natureza.Foram bastante frutíferas as incursões cartesianas pelo terreno <strong>da</strong>sciências exatas e naturais. Descartes procurou <strong>de</strong>senvolver justamente oscampos <strong>da</strong> Ciência e do Pensamento que a sabedoria escolástica só haviatido a preocupação <strong>de</strong> copiar dos gregos. Não obstante sua gnoseologiaseja sabi<strong>da</strong>mente racionalista, o Descartes cientista possuía forte apegocom o experimentalismo.No campo <strong>da</strong> Biologia as concepções cartesianas sobre o corpoforam profun<strong>da</strong>mente influencia<strong>da</strong>s pelos avanços <strong>da</strong> Anatomia. Dentro <strong>de</strong>seu dualismo, o mecanismo do corpo está unido a um componenteespiritual, que não é a alma escolástica (sensitiva ou vegetativa), mas umaalma dota<strong>da</strong> <strong>de</strong> alto teor <strong>de</strong> racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> (<strong>da</strong>í o Homem po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>duzirver<strong>da</strong><strong>de</strong>s a priori). As explicações mecânicas <strong>de</strong> Descartes acerca <strong>da</strong>respiração, <strong>da</strong> circulação sangüínea, do batimento cardíaco, etc.,eliminaram a hipótese <strong>da</strong> alma vegetativa dos escolásticos.__156__


Em suas incursões pela Matemática, Descartes viu-se no <strong>de</strong>ver <strong>de</strong>levar avante a tarefa <strong>de</strong> Pitágoras: <strong>de</strong>scobrir a estrutura numérica que seoculta na essência <strong>da</strong>s coisas. É Descartes o responsável pela criação <strong>da</strong>Geometria Analítica, instrumental que tinha por finali<strong>da</strong><strong>de</strong> superar ocálculo abstrato tanto <strong>da</strong> análise geométrica dos gregos quanto <strong>da</strong> álgebracontemporânea. A primeira estava restrita à imaginação <strong>de</strong> figuras e, asegun<strong>da</strong>, ao entendimento puramente numérico ("confuso" e "obscuro")<strong>da</strong>s coisas.Descartes supera a intuição matemática <strong>de</strong> Arquime<strong>de</strong>s nãopropriamente rompendo com ela, mas <strong>de</strong>svelando os próprios recursosutilizados na Grécia, <strong>de</strong>sconhecidos ou conhecidos apenas intuitivamentepelos gregos. A filosofia cartesiana continua se valendo <strong>da</strong>s formasgeométricas, mas passa a vê-las como uma forma figura<strong>da</strong> <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>zasnuméricas. É essa a idéia do Plano Cartesiano: as figuras são suportesdos cálculos. Daí porque Descartes prossegue (e aprofun<strong>da</strong>) a tradiçãoPitagórica, e faz questão <strong>de</strong> não se atribuir o mérito <strong>da</strong> GeometriaAnalítica, cuja criação teria cabido em ver<strong>da</strong><strong>de</strong> aos gregos. Descartes só ateria revelado e aos procedimentos utilizados em sua criação.Também o mo<strong>de</strong>rno princípio <strong>de</strong> conservação encontra emDescartes um <strong>de</strong> seus precursores. Ele postulou a in<strong>de</strong>strutibili<strong>da</strong><strong>de</strong> domovimento, mas apenas sob o aspecto puramente quantitativo. Oprincípio <strong>de</strong> conservação enunciado em 1842 é qualitativo.O experimentalismo <strong>de</strong> Descartes, não obstante caminhasse emaliança com seu racionalismo, situa-se no quadro <strong>de</strong> uma mentali<strong>da</strong><strong>de</strong>científica mecânica que, bem ou mal, marcou profun<strong>da</strong>mente o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> Ciência nesse período. Descartes po<strong>de</strong> ser inserido noquadro mais geral do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s formulações <strong>da</strong> chama<strong>da</strong>"Escola <strong>de</strong> Oxford", que, conforme vimos, irrompe do seio <strong>da</strong> I<strong>da</strong><strong>de</strong> Médiacom concepções gnoseológicas experimentalistas.A filosofia cartesiana é em essência, po<strong>de</strong>mos assim dizer, ummaterialismo com peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s francesas. Enquanto que naInglaterra o materialismo <strong>de</strong>senvolve-se colado ao empirismo, na França,pelo menos até às vésperas <strong>da</strong> Revolução Francesa, o materialismo__157__


amadurece apoiado no racionalismo. Contudo, apesar <strong>da</strong>s diferenças <strong>de</strong>tradição nacional, é para um só rumo que a Ciência e a Filosofia seencaminham nessa época: a primeira, para a Revolução Científica eTecnológica do século XVII; a segun<strong>da</strong>, para o ápice <strong>da</strong> filosofia alemã nosséculos XVIII e XIX, que representa o supra-sumo <strong>da</strong>s discussõesontológicas e gnoseológicas <strong>de</strong> até então. A principal contribuiçãocartesiana para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> Ciência e do Pensamento não ésenão a mesma dos materialistas ingleses <strong>da</strong> Escola <strong>de</strong> Oxford: ambos<strong>de</strong>sligam a Filosofia <strong>da</strong> Teologia, revinculando-a à Ciência e atribuindolhe,portanto, papel fun<strong>da</strong>mentalmente prático.Mas, já à época <strong>de</strong> Descartes, no século XVII, como an<strong>da</strong>va omaterialismo empírico britânico? A Inglaterra <strong>de</strong>ssa época encontrava-seàs vésperas <strong>da</strong> Revolução Gloriosa. É nesse momento que irrompia o maisconseqüente dos pensadores materialistas ingleses: Sir John Locke.Na infância <strong>de</strong> Locke, ain<strong>da</strong> no século XVI, a dinastia do Tudor, naInglaterra, apesar <strong>de</strong> também possuir interesses próprios, expressava <strong>de</strong>forma magistral os interesses <strong>da</strong> burguesia inglesa. Essa dinastia contavacom monarcas bastantes habilidosos politicamente, que tentavamencaixar suas exigências entre as <strong>da</strong> plebe, as <strong>da</strong> aristocracia e as <strong>da</strong>burguesia.No começo do século XVII, porém, tem início a dinastia dos Stuart,monarcas inabilidosos que criaram muitos conflitos com o parlamentoburguês. A burguesia <strong>de</strong>ssa época, já suficientemente forte, não precisavamais do absolutismo para consoli<strong>da</strong>r seus interesses. Dessa forma, com oacirramento <strong>da</strong> disputa (que aparecia sob a forma <strong>de</strong> conflitos religiosos)entre as classes <strong>da</strong> época - a aristocracia feu<strong>da</strong>l e a burguesia -, osinteresses <strong>da</strong> aristocracia, que vinham sendo concretizados pelosmonarcas <strong>de</strong> Stuart, são submetidos aos <strong>da</strong> burguesia em 1689 naRevolução Gloriosa. Tal revolução coloca o po<strong>de</strong>r nas mãos <strong>da</strong> Câmarados Comuns, que o outorga a Guilherme <strong>de</strong> Orange, <strong>de</strong>ixando claro que opo<strong>de</strong>r <strong>da</strong>quele monarca era <strong>de</strong>rivado do parlamento.Percebe-se que já à época a burguesia não era homogênea: existiamdisputas entre a classe mercantil, protegi<strong>da</strong> pelos monopólios, e setores__158__


que tentavam quebrar esses monopólios. Havia ain<strong>da</strong> cama<strong>da</strong>s urbanasnovas, comerciantes, empresários agrícolas, to<strong>da</strong>s estas interessa<strong>da</strong>s no<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> indústria <strong>de</strong> transformação. Locke fazia parte <strong>de</strong>staterceira cama<strong>da</strong>.O currículo <strong>de</strong> Locke era bastante diversificado, abrangendoassuntos como a Química, a Meteorologia, a Teologia e a Filosofia. Foiassessor do con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Shaftesbury, que era representante dos interessesdo parlamento. Foi também amigo <strong>de</strong> Sir Isaac Newton, que compartilhava<strong>de</strong> suas concepções filosóficas. As principais obras <strong>de</strong> Locke, vale lembrar,foram publica<strong>da</strong>s logo após a Revolução Gloriosa.Com Locke, o empirismo inglês alcança o máximo <strong>de</strong> seurefinamento e <strong>de</strong> sua elaboração <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do processo <strong>de</strong><strong>de</strong>composição <strong>da</strong> escolástica com Dunas Escoto no século XIII. Sua obragnoseológica, o "Ensaio Acerca do Entendimento Humano", inicia-secom a contestação <strong>da</strong>s doutrinas <strong>de</strong> Descartes e Leibniz, que afirmavamrespectivamente a existência <strong>de</strong> "idéias inatas" e <strong>de</strong> "princípios práticosinatos". "Nem os princípios nem as idéias são inatas”, afirmava Locke.Segundo Locke, nenhum tipo <strong>de</strong> princípio ou conhecimento é inato,sendo todos adquiridos com a experiência. O próprio fato <strong>de</strong> existiremidéias <strong>de</strong> inatismo <strong>de</strong>ve-se à <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> princípios gerais que nãopo<strong>de</strong>m ser questionados logo que entendidos. Isso teria conduzidorapi<strong>da</strong>mente à explicação inatista.Locke, porém – apesar <strong>de</strong> <strong>da</strong>r um passo à frente em relação a Bacone Hobbes –, não leva às últimas conseqüências seu empirismo, <strong>de</strong>ixandoclaro em sua obra os limites e as insuficiências <strong>de</strong>ssa concepçãoepistemológica. Para o empirismo lockesiano, as fontes do conhecimentosão a experiência e a reflexão, instrumentos que suprem a mente <strong>da</strong>matéria e do objeto do conhecimento. Ele opera portanto uma sutilseparação entre a sensação (experiência externa) e a reflexão (experiênciainterna), colocando-as como fontes <strong>de</strong> conhecimento in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes einaugurando, portanto, uma espécie <strong>de</strong> gnoseologia empírico-dualista. Opensamento lockesiano, segundo ENGELS, "é filho do compromisso <strong>de</strong>classe <strong>de</strong> 1688", isto é, do compromisso (<strong>de</strong> divisão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res) entre a__159__


urguesia e a nobreza, na época <strong>da</strong> "gloriosa revolução" (APUD IUDIN &ROSENTAL, 1959: p. 329).De fato, se Bacon cultivava um empirismo tão otimista e ingênuoque chegava às raias <strong>da</strong> fantasia, Locke advoga, pelo contrário, umempirismo covar<strong>de</strong>, que não avança to<strong>da</strong>s as conseqüências <strong>de</strong> suaspremissas.Locke vê a dimensão e o movimento como quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s objetivas("primárias"), e o som, o cheiro, o calor, etc., como quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s subjetivas("secundárias"). Ou seja: Locke distingue entre duas quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>matéria. As primárias são inseparáveis do corpo exterior à mente, e assecundárias são parte dos objetos como potências, manifesta<strong>da</strong>s apenasem contato com o sujeito.Resi<strong>de</strong> aqui a gran<strong>de</strong> contradição <strong>da</strong> filosofia <strong>de</strong> Locke, pois adivisão <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s em primárias (objetivas) e secundárias (subjetivas)contradiz explicitamente sua afirmação <strong>de</strong> base, segundo a qual “todoconhecimento advém <strong>da</strong> experiência”. Fica aqui evi<strong>de</strong>nte o dualismo <strong>da</strong>filosofia <strong>de</strong> Locke, cuja parte materialista foi <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> pelosmaterialistas franceses, <strong>de</strong>ntre eles Di<strong>de</strong>rot e Holbach, enquanto que aparte i<strong>de</strong>alista foi her<strong>da</strong><strong>da</strong> por Hume e Berkeley e <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> nadoutrina i<strong>de</strong>alista subjetiva <strong>de</strong>sses pensadores.O pensar, no enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Locke, é uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> que abarca to<strong>da</strong>sas possíveis ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s cognoscíveis. Tendo em vista fornecer respostas aquestões que só os inatistas julgavam ser capazes <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r, Lockecriou a "classificação <strong>da</strong>s idéias", or<strong>de</strong>nando-as segundo sua origem esegundo a matéria que captam. As contradições <strong>da</strong> filosofia <strong>de</strong> Locke –oriun<strong>da</strong>s <strong>de</strong> sua tentativa <strong>de</strong> qualificar o empirismo, conciliando-o com oracionalismo – em muito se refletem na “classificação”. Nela, oprocedimento analítico lockesiano em muito lembra o <strong>de</strong> Kant naelaboração <strong>de</strong> sua filosofia críticaA classificação começa pelas idéias simples, que po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>sensação (provin<strong>da</strong>s do exterior), <strong>de</strong> reflexão (provin<strong>da</strong>s <strong>da</strong> própria mente)ou mistas (provin<strong>da</strong>s do exterior <strong>da</strong> mente, ain<strong>da</strong> que não possuamexistência concreta fora <strong>de</strong>la). Quanto à representativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s coisas__160__


capta<strong>da</strong>s pelas idéias simples, Locke distingue entre as "idéias simplesenquanto percepções em nosso espírito" e as "idéias simples enquantomodificações <strong>da</strong> matéria nos corpos causadores <strong>de</strong> tais percepções".O segundo tipo <strong>de</strong> idéia é para Locke o <strong>da</strong>s idéias compostas, quesurgem do agrupamento <strong>de</strong> idéias simples. São três os tipos <strong>de</strong> idéiascompostas: as forma<strong>da</strong>s por idéias simples agrupa<strong>da</strong>s em uma única coisa(homem, ouro, etc); as forma<strong>da</strong>s por idéias simples concatena<strong>da</strong>s porcoor<strong>de</strong>nação (relaciona<strong>da</strong>s), como a idéia <strong>de</strong> filiação, por exemplo, e ascompostas <strong>de</strong> modo misto (idéias simples consigo mesmas e com outras).Os problemas que Locke pretendia explicar com sua <strong>teoria</strong> <strong>da</strong>sidéias, apontando erros dos inatistas, eram basicamente três: as questõesdo infinito, <strong>da</strong> potência e <strong>da</strong> substância.O infinito é para Locke a repartição <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s homogêneas quecompõem as idéias simples <strong>de</strong> número, duração e espaço. Distingue-se dofinito porque tal repetição não tem fim. É falso, portanto, segundo Locke,conceber o infinito como sendo anterior ao finito, tal qual faziam osinatistas. Vemos aqui a seqüência clara <strong>da</strong>s idéias nominalistas, paraquem os universais <strong>de</strong>rivam dos individuais, e não o contrário.A potência é uma idéia composta <strong>de</strong> modo simples (ou seja, idéiasimples que se repete a si mesma). É forma<strong>da</strong> pela repetição <strong>da</strong>experiência <strong>de</strong> modificações comprova<strong>da</strong>s nas coisas sensíveis e nopróprio Homem (essa ‘repetição <strong>da</strong> experiência’ será mais tar<strong>de</strong> chama<strong>da</strong>por Hume <strong>de</strong> “hábito”). Existem as idéias <strong>de</strong> potência ativa (causammodificação), como a vonta<strong>de</strong>, e as idéias <strong>de</strong> potência passiva (que dizemrespeito àquilo que sofre modificação). Essa concepção <strong>de</strong> potência atestaque Locke só concebe a forma mecânica <strong>de</strong> movimento, isto é, omovimento externo-contingente, não interno-necessário.Na questão <strong>da</strong> substância, segundo Locke, o erro dos inatistasestava em que concebiam a substância como uma idéia simples, quandona ver<strong>da</strong><strong>de</strong> ela é uma idéia composta <strong>de</strong> modo misto (tanto <strong>de</strong> idéiassimples consigo mesmas como com outras). Locke usa esse fato para<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o seu método experimental, já que conhecer a substância não épossível a partir <strong>de</strong>la própria, mas somente a partir <strong>de</strong> suas partes__161__


componentes. Segue aqui portanto a tradição nominalista para a qual osuniversais não existem, mas apenas os particulares. Apesar <strong>de</strong> admitir adivisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> infinita <strong>da</strong>s substâncias (tal qual já o fazia Anaxágoras),Locke não <strong>de</strong>ixa jamais <strong>de</strong> postular sua reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.O "Ensaio Acerca do Entendimento Humano" abor<strong>da</strong> também oproblema dos limites do conhecimento e <strong>de</strong> suas formas legítimas,problema que alcançaria em Kant o auge <strong>de</strong> sua elaboração.Para Locke o conhecimento faz-se através <strong>de</strong> quatro or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong>vínculos ou conveniências, expressados por juízos: i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> oudiferença (A = B, A # B), relação (filiação, por exemplo), coexistência (AB,BC, etc.) e correspondência <strong>da</strong> idéia com o concreto.Já as fontes <strong>de</strong> certeza com relação à existência concreta <strong>da</strong>scoisas são <strong>de</strong> três tipos: certeza intuitiva (advin<strong>da</strong> <strong>da</strong> reflexão), certezasensível e certeza <strong>de</strong>monstrativa <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> Deus.Para Locke, o conhecimento real provém <strong>da</strong> conveniência <strong>da</strong>s idéiasentre si e <strong>de</strong>stas com a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> (e não só <strong>da</strong>s idéias entre si, comoqueriam os racionalistas). Essa preocupação com a formalização doconhecimento, que em Locke é bastante marcante, passará a Hume eBerkeley e, <strong>de</strong>stes, a Kant.Mas, até lá, tanto os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes do empirismo britânico quanto osdo cartesianismo ain<strong>da</strong> teriam um longo caminho pela frente. Osfranceses, às vésperas <strong>de</strong> sua revolução burguesa, trocariam <strong>de</strong> papel comos ingleses, "re<strong>de</strong>scobrindo" Bacon, Hobbes e Locke, que já na Inglaterrase encontravam sepultados. Voltaire, Montesquieu, Rousseau, Holbach,Di<strong>de</strong>rot e D'Alembert assumem, então, o papel <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>irosmaterialistas ingleses!Enquanto isso, na Inglaterra, o nominalismo, que tanto progressorepresentara à época do combate ao tomismo, involui <strong>de</strong> Locke a GeorgeBerkeley (1685 - 1753) e David Hume (1711 - 1776). Estes dois últimos -afirmando que as coisas exteriores não são mais que idéias e sensaçõesgesta<strong>da</strong>s no interior <strong>da</strong> consciência subjetiva do Homem - transformam(ao nominalismo) em uma filosofia retrógra<strong>da</strong> e <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte, a nova cara do__162__


empirismo inglês que, déca<strong>da</strong>s após a Revolução Gloriosa, entra tambémem estado <strong>de</strong> irrefreável putrefação.3. A Noção <strong>de</strong> Objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> na Ciência Mo<strong>de</strong>rnaConforme vimos anteriormente, a Ciência Natural é em seusprimórdios inteiramente revolucionária, na medi<strong>da</strong> em que rompe <strong>de</strong>forma materialista com o pensamento teológico. Porém, paradoxalmente,essa mesma Ciência Natural <strong>de</strong>senvolvia-se liga<strong>da</strong> a uma mentali<strong>da</strong><strong>de</strong>mecânica e a uma concepção <strong>de</strong> natureza estática que se refletia nopensamento filosófico <strong>da</strong> época. Diz ENGELS:O que realmente caracteriza esse período é a elaboração <strong>de</strong> uma peculiarconcepção <strong>de</strong> conjunto, cujo centro era constituído pela noção <strong>de</strong>invariabili<strong>da</strong><strong>de</strong> absoluta <strong>da</strong> Natureza ... Em contraste com a história <strong>da</strong>humani<strong>da</strong><strong>de</strong>, que se <strong>de</strong>senvolve no tempo, prescreveu-se à história naturalum <strong>de</strong>senvolvimento apenas no espaço ... A ciência natural, tãorevolucionária a princípio, <strong>de</strong>frontou-se, <strong>de</strong> repente, com uma Naturezaabsolutamente conservadora. (1979: p. 18)Passemos então a enten<strong>de</strong>r, a partir <strong>de</strong> agora, <strong>de</strong> que forma essarígi<strong>da</strong> e inflexível noção <strong>de</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, subjacente ao materialismo <strong>de</strong>tipo mecânico, entra irrefreavelmente em crise, sendo aos poucossubstituí<strong>da</strong> por uma nova concepção materialista <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> doconhecimento. Chamaremos aqui essa nova concepção <strong>de</strong> materialismohistórico, ou, simplesmente, <strong>de</strong> materialismo mo<strong>de</strong>rno.As insuficiências e contradições do materialismo anterior já eramsugeri<strong>da</strong>s pela filosofia <strong>de</strong> Locke. Ela atesta a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se construiruma <strong>teoria</strong> materialista que, ao mesmo tempo, leve em conta asingulari<strong>da</strong><strong>de</strong> do pensamento. Aí sempre residiu historicamente o pontofraco <strong>de</strong> todo o materialismo. Locke falha ao tentar superar essadificul<strong>da</strong><strong>de</strong>, caindo em uma espécie <strong>de</strong> dualismo eclético.Em dualismo semelhante cairia Immanuel Kant. Em sua obra as<strong>de</strong>ficiências e incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s do antigo materialismo alcançavam o auge,tornando-se como que ‘fraturas expostas’ <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> mecânica doséculo XVIII.__163__


Eminente personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> filosofia alemã do século XVIII,Immanuel Kant nasceu em 1724 em uma pequena ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> AlemanhaOriental. Filho <strong>de</strong> uma humil<strong>de</strong> família <strong>de</strong> artesãos religiosos, herdou <strong>de</strong>seus pais uma boa educação e a retidão <strong>da</strong> conduta ética. Tornou-se namaturi<strong>da</strong><strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> estudioso <strong>da</strong>s ciências e <strong>da</strong> filosofia, assuntos nosquais doutorou-se. Seguiu na maior parte <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> a carreira docente,ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> que só se encerrou já às vésperas <strong>da</strong> enfermi<strong>da</strong><strong>de</strong> que o levariatranslúcido ao túmulo, em 1804.Kant é sem dúvi<strong>da</strong> o maior filósofo do século XVIII, pontoculminante do processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> Ciência e do Pensamentoque tivera início no século XII. A obra kantiana é her<strong>de</strong>ira direta <strong>da</strong>dissolução do materialismo inglês na filosofia dos chamadosempireocriticistas (dos quais Hume é o nome mais <strong>de</strong>stacado), que haviaminaugurado a concepção do caráter subjetivo <strong>da</strong> experiência sensível,recebendo com isso críticas ferozes e eloqüentes dos representantes domaterialismo francês.Diante <strong>da</strong> conten<strong>da</strong> que se apresentava, entre os empiristas"críticos" ingleses e os materialistas <strong>da</strong> França, Kant propunha umaresolução <strong>de</strong>finitiva do problema do conhecimento. Tal resolução,consistia na reunião, em um só corpo teórico, <strong>de</strong> supostos materialistas ei<strong>de</strong>alistas."O traço fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> filosofia <strong>de</strong> Kant é a conciliação... <strong>de</strong> direçõesfilosóficas heterogêneas e opostas... Quando Kant admite que às nossasrepresentações correspon<strong>de</strong> algo existente fora <strong>de</strong> nós, certa coisa-em-si,aí Kant é materialista. Quando <strong>de</strong>clara esta coisa-em-si ser incognoscível,transcen<strong>de</strong>nte, ultra - terrenal, então Kant fala como i<strong>de</strong>alista" (IUDIN &ROSENTAL, 1959: p. 296 - 297).Apesar <strong>de</strong> Kant aceitar e incluir no universo <strong>de</strong> seu sistema - emparticular quando trata <strong>da</strong>s Ciências Naturais - certas constataçõesmaterialistas, sua filosofia representa visível reação ao materialismofrancês. Sua conciliação com o materialismo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Inglaterra<strong>de</strong>monstra a <strong>de</strong>sorganização <strong>da</strong> burguesia alemã e sua visão vacilante domaior acontecimento histórico do século XVIII: a Revolução Francesa.__164__


"Kant correspon<strong>de</strong> perfeitamente - afirmam Marx e Engels - à importância,à situação penosa e à miséria dos burgueses alemães, cujos mesquinhosinteresses não foram jamais capazes <strong>de</strong> transformarem-se em interessesnacionais comuns <strong>de</strong> uma classe" (MARX & ENGELS APUD IUDIN &ROSENTAL, 1959: p. 298).O sistema kantiano é comumente chamado <strong>de</strong> “filosofiatranscen<strong>de</strong>ntal”. Esse termo tem como referência um sistema <strong>de</strong>conceitos que se ocupa não <strong>de</strong> objetos, mas com o “modo <strong>de</strong> conhecimento<strong>de</strong> objetos na medi<strong>da</strong> em que este <strong>de</strong>ve ser possível a priori” (KANT, 1991:p. 35). Kant não preten<strong>de</strong>u alcançar a construção completa <strong>de</strong> uma talfilosofia, o que resultaria em um gigantesco cânone <strong>de</strong> Teoria doConhecimento. Preocupou-se apenas com a “Crítica Transcen<strong>de</strong>ntal”, aqual não tem a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliar quaisquer conhecimentos, mas <strong>de</strong>apenas retificá-los, verificando suas reais possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Essa crítica seriacomo que a primeira parte <strong>da</strong> filosofia transcen<strong>de</strong>ntal. Em Hegel, o termotranscen<strong>de</strong>ntal assume o significado <strong>de</strong> subjetivo, psicológico.Portanto, a “Crítica <strong>da</strong> Razão Pura”, principal obra <strong>de</strong> Kant, seriacomo que a idéia completa <strong>de</strong> uma filosofia transcen<strong>de</strong>ntal, mas ain<strong>da</strong> nãoela mesma. Seu objeto são os conceitos e juízos puros, que são tipos <strong>de</strong>conceitos e juízos a priori em que nenhum conceito empírico estámesclado. A “Crítica” está dividi<strong>da</strong> em duas partes: a doutrinatranscen<strong>de</strong>ntal dos elementos (<strong>da</strong> razão pura), e a doutrina transcen<strong>de</strong>ntaldo método <strong>da</strong> razão pura. Ambas se subdivi<strong>de</strong>m em dois troncos:sensação e entendimento – os dois troncos do conhecimento humano.O objetivo <strong>de</strong>clarado <strong>de</strong> KANT com seu “método crítico” é o <strong>de</strong>verificar se os conhecimentos <strong>da</strong> razão seguem ou não “o caminho seguro<strong>de</strong> uma Ciência” (1991: p. 11). Com a crítica <strong>da</strong> Razão, Kant preten<strong>de</strong>“transformar o procedimento tradicional <strong>da</strong> Metafísica e promover atravésdisso uma completa revolução na mesma, seguindo o exemplo dosgeômetras e investigadores <strong>da</strong> natureza” (KANT, 1991: p. 16).A gran<strong>de</strong> revolução opera<strong>da</strong> por Kant na epistemologia mo<strong>de</strong>rnaconsistiu em <strong>de</strong>slocar do centro do processo do conhecimento o objeto,__165__


colocando em seu lugar o sujeito e realizando com isso giro gnoseológicosurpreen<strong>de</strong>nte e original.Ao primeiro a <strong>de</strong>monstrar o triângulo equilátero ... acen<strong>de</strong>u-se uma luz,pois achou que não tinha <strong>de</strong> rastrear o que via na figura ou o simplesconceito <strong>da</strong> mesma e como que apreen<strong>de</strong>r disso suas proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s, masque tinha <strong>de</strong> produzir (por construção) o que segundo conceitos ele mesmointroduziu pensando e se acrescentou a priori e que, para saber <strong>de</strong> modoseguro algo a priori, não precisava acrescentar na<strong>da</strong> à coisa a não ser oque ressaltava necessariamente <strong>da</strong>quilo que ele mesmo havia posto nelaconforme seu conceito ... (Galileu, Torricelli e Stahl) ... compreen<strong>de</strong>ramque a razão só discerne o que ela própria produz segundo seu projeto ...(KANT, 1991: p. 13)A revolução epistemológica kantiana tem em última instância afinali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> positivar a Metafísica, conhecimento isolado e especulativo<strong>da</strong> Razão, que se eleva acima <strong>da</strong> experiência e do mundo sensível,especulando sobre conceitos como os <strong>de</strong> Deus, Liber<strong>da</strong><strong>de</strong> e Imortali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Até agora se supôs que todo nosso conhecimento tinha que se regularpelos objetos ... Por isso tente-se ver uma vez se não progredimos melhornas tarefas <strong>da</strong> Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular pelonosso conhecimento, o que assim já concor<strong>da</strong> melhor com a requeri<strong>da</strong>possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um conhecimento a priori dos mesmos que <strong>de</strong>veestabelecer algo sobre os objetos antes <strong>de</strong> nos serem <strong>da</strong>dos. (KANT, 1991:p. 14)Po<strong>de</strong>-se, portanto, regular a intuição dos objetos pelos próprios ou,ao contrário, regular os objetos pela intuição que <strong>de</strong>les temos, referindo aessa intuição como representação <strong>de</strong> algo como objeto, e <strong>de</strong>terminandoeste por aquela. Para Kant, esta última alternativa representa umcaminho mais fácil, pois “a própria experiência é um modo <strong>de</strong>conhecimento que requer entendimento” (KANT, 1991: p. 14). Assim,conhecimentos a priori são conhecimentos que o sujeito coloca ele próprionas coisas. Para tanto é necessário distinguir entre os objetos comoobjetos dos sentidos e do entendimento experimental e os objetos comoobjetos <strong>da</strong> razão isola<strong>da</strong>, como veremos mais à frente.O critério último <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento é em Kant aexperiência. Se surge um qualquer conflito “<strong>da</strong> razão consigo mesma”, oexperimento <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma que <strong>de</strong>vemos encontrar os elementos <strong>da</strong>__166__


azão pura, em última instância, na confirmação ou refutação <strong>de</strong> algo porum experimento.Porém, esse apego à experiência coloca em relação à Metafísica umestranho problema: como positivá-la, se não po<strong>de</strong>mos ultrapassar osestreitos limites <strong>da</strong> experiência – o que, paradoxalmente, é justamente afinali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Metafísica? Kant soluciona essa contradição afirmando quenossos conhecimentos são conhecimentos dos fenômenos, não <strong>da</strong> coisaem-si(nômeno). Isso quer dizer que são conhecimentos <strong>da</strong>s coisas comose manifestam ou aparecem, e não como efetivamente são em essência.Para o autor <strong>da</strong> “Crítica”, o que nos impele a ultrapassar os limites<strong>da</strong> experiência fenomênica é o incondicionado.Quando se admite que o nosso conhecimento <strong>da</strong> experiência se guie pelosobjetos como coisas em si mesmas, ocorre que o incondicionado <strong>de</strong>maneira alguma po<strong>de</strong> ser pensado sem contradição; se contrariamente ...se admite que ... estes objetos, como fenômenos, muito antes se guiempelo nosso modo <strong>de</strong> representação, ocorre que a contradição <strong>de</strong>saparece; eque, conseqüentemente, o incondicionado tem que ser encontrado não emcoisas na medi<strong>da</strong> em que as conhecemos (nos são <strong>da</strong><strong>da</strong>s), mas sim nelasna medi<strong>da</strong> em que não as conhecemos, como coisas em si mesmas. (KANT,1991: p. 15)A essência <strong>da</strong> obra crítica kantiana consiste, portanto, na imposição<strong>da</strong> duali<strong>da</strong><strong>de</strong> fenômeno/coisa-em-si, sendo o princípio <strong>de</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong>eficiente apenas nas coisas enquanto fenômenos, pois a coisa-em-si seriaincondiciona<strong>da</strong>, absoluta, livre, enquanto que a coisa para nós <strong>da</strong><strong>da</strong> é aocontrário <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>.Já no início <strong>da</strong> “Crítica <strong>da</strong> Razão Pura” Kant <strong>de</strong>ixa anteverclaramente o caráter dualista <strong>de</strong> seu pensamento. Para ele, “segundo otempo” todo conhecimento começa com a experiência, nenhumarepresentação po<strong>de</strong> jamais precedê-la. Os objetos estimulam os sentidos,que produzem por si só as primeiras representações, pondo oentendimento (razão) em ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> diante do chamamento a comparar,conectar ou separar essas primeiras representações.Logo após isso, porém, KANT já parece remar em sentido contrário:“Embora todo o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por__167__


isso todo ele se origina justamente <strong>da</strong> experiência” (1991: p. 25). Mesmo oconhecimento <strong>da</strong> experiência já conteria algo “<strong>da</strong>quilo que a nossa própriacapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimento fornece <strong>de</strong> si mesma”, e que num examemenos <strong>de</strong>talhado aparece indistinto <strong>da</strong> matéria prima empírica.Questão fun<strong>da</strong>mental <strong>de</strong> to<strong>da</strong> Teoria do Conhecimento está emsaber se há conhecimentos a priori, absolutamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> to<strong>da</strong>e qualquer experiência e distintos dos conhecimentos empíricos (aposteriori). Em relação a essa questão, Kant adota como pressupostofun<strong>da</strong>mental <strong>de</strong> seu pensamento a existência <strong>de</strong> conhecimentos a priori.Na medi<strong>da</strong> em que há razão nas Ciências, há sempre nelas algo a priori. AMatemática e a Física seriam prova disso, pois <strong>de</strong>terminam seus objetos apriori (a segun<strong>da</strong> pelo menos em parte). A Matemática e a Física <strong>de</strong>vemconstituir-se, na visão <strong>de</strong> Kant, em mo<strong>de</strong>lo para to<strong>da</strong> e qualquer matériaque preten<strong>da</strong> seguir o “caminho seguro” <strong>de</strong> uma Ciência. Essa pretensãoserá bastante critica<strong>da</strong> mais tar<strong>de</strong> por Hegel.As características mais essenciais dos conceitos a priori são anecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> e a universali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Kant <strong>de</strong>monstra essa assertiva afirmandoque, ao tirarmos do conceito <strong>de</strong> “corpo” to<strong>da</strong>s as características empíricaspossíveis, ain<strong>da</strong> assim restariam proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s como extensão esubstância, próprias não do objeto, mas <strong>da</strong> estrutura profun<strong>da</strong> dopensamento humano.Há na obra <strong>de</strong> Kant três tipos i<strong>de</strong>ntificáveis <strong>de</strong> juízos (assertivaslógicas, agregados <strong>de</strong> conceitos). Os juízos analíticos (ou <strong>de</strong> eluci<strong>da</strong>ção)ocorrem quando o predicado está contido no sujeito, sendo ambospensados por i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>. Esse tipo <strong>de</strong> juízo não amplia o conhecimento,servindo apenas para eluci<strong>da</strong>r as proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s já conti<strong>da</strong>s <strong>de</strong> antemão nosujeito. Por exemplo: “todo corpo é extenso”.O segundo tipo <strong>de</strong> juízo é o juízo sintético. Nele, o predicado estáfora do sujeito; não há i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, embora haja relação entre ambos.Esses são os juízos <strong>de</strong> experiência, também chamados “juízos <strong>de</strong>ampliação”, pois acrescem <strong>de</strong> fato o conhecimento com algo novo.Enquanto que os juízos analíticos têm como fun<strong>da</strong>mento o princípio__168__


aristotélico <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, os sintéticos têm como critério <strong>de</strong> vali<strong>da</strong><strong>de</strong>unicamente a experiência.O terceiro tipo <strong>de</strong> juízo é aquele que Kant coloca como sua maior<strong>de</strong>scoberta filosófica. São os juízos sintéticos a priori, os quais, emborain<strong>de</strong>pen<strong>da</strong>m <strong>da</strong> experiência, ain<strong>da</strong> assim ampliam o conhecimento sobreum objeto. A idéia geral <strong>de</strong> causali<strong>da</strong><strong>de</strong> (“To<strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> estadocorrespon<strong>de</strong> a uma causa”) seria com isso um juízo sintético a priori. Aessência dos “sintéticos a priori” está no fato <strong>de</strong> que o conhecimentocientífico é composto <strong>de</strong> intuição mais conceito, isto é, <strong>da</strong> apriori<strong>da</strong><strong>de</strong> dosanalíticos mais a fecundi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos sintéticos. Isso significa que, para Kant,o conhecimento científico é uma construção que parte <strong>de</strong> um juízo a prioriinicial e o <strong>de</strong>senvolve ligando-o a outros juízos a priori. O juízo sintético apriori, que surge <strong>de</strong>ssa forma <strong>de</strong> raciocínio, apesar <strong>de</strong> possuir afecundi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos juízos experimentais, não é um juízo baseado naexperiência.Kant afirma que todos os juízos matemáticos são sintéticos e apriori. Na Geometria todos os juízos seriam a priori, mas haveria algumasproposições analíticas. A Física e as Ciências <strong>da</strong> Natureza conteriam juízossintéticos a priori como princípios (princípio <strong>da</strong> conservação, princípio <strong>da</strong>ação e reação, etc).A Metafísica, portanto, para fun<strong>da</strong>r-se como Ciência, <strong>de</strong>ve basear-sefirmemente em proposições sintéticas a priori. A condição <strong>de</strong> existência <strong>da</strong>Metafísica, com isso, estaria <strong>da</strong><strong>da</strong>: a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> proposiçõesapriorísticas que, ao mesmo tempo, ampliam o conhecimento.Ao examinar os princípios <strong>da</strong> intuição e do entendimento puros,Kant <strong>de</strong>fine a primeira como o modo como o conhecimento se refereimediatamente aos objetos, e ao qual ten<strong>de</strong> todo pensamento. Só asensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> – “capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> obter representações segundo o modocomo somos afetados pelos objetos” (KANT, 1991: p. 39) – forneceintuições.Já através do entendimento pensamos os objetos intuídos.Portanto, o entendimento não produz intuições, mas intelecções,__169__


conceitos. Mas, por outro lado, o entendimento <strong>de</strong>ve sempre referir-se aintuições sensíveis.Kant distingue entre dois tipos <strong>de</strong> intuição. A intuição empírica éaquela que se refere ao objeto mediante sensação. O fenômeno é o objeto<strong>de</strong> uma intuição empírica. Ele divi<strong>de</strong>-se em matéria e forma fenomênica. Amatéria fenomênica é aquilo que no fenômeno correspon<strong>de</strong> à sensação.Já a forma fenomênica é o que faz o múltiplo do fenômeno ser percebidocomo todo or<strong>de</strong>nado.A intuição pura, ao contrário <strong>da</strong> empírica, é a forma pura <strong>da</strong>sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong><strong>da</strong> a priori como condição estrutural <strong>da</strong> percepção.Extensão e figura seriam assim modos <strong>da</strong> intuição pura.Em sua “Estética Transcen<strong>de</strong>ntal” – primeiro trecho <strong>da</strong> “Crítica <strong>da</strong>Razão Pura” – Kant analisa os conceitos <strong>de</strong> espaço e tempo, que segundoele constituem-se em formas <strong>da</strong> intuição pura que condicionam a intuiçãoempírica.Para KANT, o espaço não é abstraído <strong>de</strong> quaisquer experiênciasexternas. Ao contrário, estas últimas só através <strong>de</strong>le se tornam possíveis.“O espaço é uma representação a priori necessária que subjaz a to<strong>da</strong>s asintuições externas, ... condição <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> dos fenômenos e não uma<strong>de</strong>terminação <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>stes” (1991: p. 42). O espaço é, portanto,forma pura <strong>da</strong> intuição. Como tal, é sempre uno.A representação do espaço, conseqüentemente, não é conceito, masintuição, a qual po<strong>de</strong> conter em si um número infinito <strong>de</strong> conceitos. Nessesentido, o espaço é “disposição formal do sujeito a ser afetado por objetos”,“forma do sentido externo em geral” (KANT, 1991: p. 42), sendo o sentidoexterno aquele que representa (intui) objetos fora <strong>de</strong> nós, todos juntos noespaço. Ele <strong>de</strong>termina figura, magnitu<strong>de</strong> e relação recíproca.Como po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r do exposto acima, o espaço não éevi<strong>de</strong>ntemente proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> coisa-em-si, mas a pura receptivi<strong>da</strong><strong>de</strong> dosujeito aos objetos, a qual <strong>de</strong>ve existir antes para que haja experiência.O espaço po<strong>de</strong> abarcar to<strong>da</strong>s as coisas que nos aparecem externamente,mas não to<strong>da</strong>s as coisas em si mesmas ... Nossas explicações ensinam,portanto, a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> (isto é, vali<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva) do espaço no tocante a tudo__170__


o que po<strong>de</strong> nos ocorrer externamente como objeto, mas ao mesmo tempo ai<strong>de</strong>ali<strong>da</strong><strong>de</strong> ... no tocante às coisas pon<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s em si mesmas ... Logo,afirmamos a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> empírica do espaço (com vistas a to<strong>da</strong> possívelexperiência externa) e não obstante sua i<strong>de</strong>ali<strong>da</strong><strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>ntal, isto é,que ele na<strong>da</strong> é tão logo <strong>de</strong>ixemos <strong>de</strong> lado a condição <strong>de</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>to<strong>da</strong> experiência. (KANT, 1991: p. 43)Da mesma forma, o tempo também não é conceito extraído <strong>da</strong>experiência empírica, mas forma em geral <strong>da</strong> percepção a priori. O tempoé sucessivo e não simultâneo, assim como o espaço é simultâneo e nãosucessivo. Ao contrário do espaço, ele possui uma só dimensão. É infinito,e todo conceito construído sobre esta intuição não é mais que limitação<strong>de</strong>ssa infinitu<strong>de</strong>.Kant afirma que são muitos os conceitos sintéticos a prioriconstruídos sobre a intuição pura do tempo. Movimento e mu<strong>da</strong>nça sãotalvez os principais <strong>de</strong>les. Assim, só com a intuição <strong>de</strong> tempo po<strong>de</strong>ríamoscompreen<strong>de</strong>r como Ser e não-Ser po<strong>de</strong>m existir coetaneamente.O tempo, portanto, não pertence às coisas em si mesmas. Aocontrário, é a forma do sentido interno (modo como a mente intui a siprópria e a seu próprio estado interno), assim como o espaço foi <strong>de</strong>finidocomo a forma do sentido externo. O tempo não fornece figura nenhuma.Daí porque, por carência <strong>de</strong> analogias, nós o representamos por uma linhainfinita.Por conseguinte, nessa visão o tempo na<strong>da</strong> é com respeito à coisaem-si.“Possui vali<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva apenas no tocante aos fenômenos, poisestes já são coisas que assumimos como objetos <strong>de</strong> nossos sentidos; mas<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser objetivo quando ... se fala <strong>de</strong> coisas em geral” (KANT, 1991: p.47). Em suma, tal qual o espaço, o tempo é <strong>de</strong> uma só vez uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>empírica e uma i<strong>de</strong>ali<strong>da</strong><strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>ntal. É o “modo <strong>de</strong> me apresentar amim mesmo como objeto” (Id. ib.).Do que po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r que o espaço como intuição pura nãose movimenta: ele é imóvel. O que se movimenta são coisas empiricamentepercebi<strong>da</strong>s através <strong>da</strong> noção <strong>de</strong> espaço. Igualmente, “o tempo não mu<strong>da</strong>,mas sim algo que é no tempo” (KANT, 1991: p. 49).__171__


Portanto, a objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento fun<strong>da</strong>menta-se, em Kant,exclusivamente nas condições estruturais <strong>da</strong> percepção. A concepção <strong>de</strong>reali<strong>da</strong><strong>de</strong> empírica e i<strong>de</strong>ali<strong>da</strong><strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>ntal do espaço e do tempo – que<strong>de</strong>ixa entrever to<strong>da</strong> a essência dualista <strong>da</strong> gnoseologia kantiana – <strong>de</strong>ixapreserva<strong>da</strong> a segurança do conhecimento apenas na medi<strong>da</strong> em que éexperimental:Com efeito, estamos seguros <strong>de</strong>le quer estas formas sejam inerentes àscoisas em si mesmas, quer apenas à intuição <strong>de</strong>stas coisas. Ao contrário,aqueles que afirmam a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> absoluta do espaço e do tempo, seja quea aceitem como subsistente (matemáticos) ou como apenas inerente(metafísicos), têm que se achar sempre em conflito com os princípios <strong>da</strong>própria experiência. (KANT, 1991: p. 48)Assim, a constituição e as relações dos objetos no espaço e notempo, e mesmo o espaço e o tempo, <strong>de</strong>sapareceriam se suprimíssemos osujeito e a constituição subjetiva. A coisa-em-si continuaria a existir, mastão incognoscível continuaria quanto o é agora para nós e nossasubjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Logo, não po<strong>de</strong>mos jamais questionar sobre a coisa-em-si,mas apenas sobre nosso modo <strong>de</strong> percebê-la como fenômeno. “Em todocaso conheceríamos inteiramente apenas o nosso modo <strong>de</strong> intuição ... oque po<strong>de</strong>m ser os objetos em si mesmos jamais se nos tornaria conhecido”(KANT, 1991: p. 49).Apesar disso, para Kant constitui-se em falsificação <strong>da</strong> doutrinafenomênica afirmar que a sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> não é mais que representaçãoconfusa <strong>da</strong>s coisas. “A diferença entre uma representação confusa e umaclara é meramente lógica, e não se refere ao conteúdo”. Nesse ponto Kantintroduz a noção <strong>de</strong> um critério formal <strong>de</strong> vali<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento.Para ele, <strong>de</strong> fato, através <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> nós não apenas não percebemosas coisas <strong>de</strong> forma confusa; na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, não as percebemos <strong>de</strong> formanenhuma como são em si. Essa crítica é dirigi<strong>da</strong> a Leibniz, que, com suadoutrina gnoseológica dividi<strong>da</strong> entre sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e intelecto, afirmavaque a primeira percebe as coisas (em si) confusas, enquanto que a últimaas or<strong>de</strong>na. Para Kant, ao contrário, em qualquer momento <strong>de</strong> nossasensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> ou entendimento sempre passamos ao largo <strong>da</strong> coisa-em-si.__172__


Portanto, a crítica <strong>de</strong> Kant a Leibniz não faz mais que aprofun<strong>da</strong>r eradicalizar o agnosticismo <strong>de</strong>ste último.Porém, segundo Kant, é errado afirmar que a doutrinatranscen<strong>de</strong>ntal transforma os objetos em ilusão. Enquanto fenômenos, osobjetos ficam efetivamente <strong>da</strong>dos. Se consi<strong>de</strong>rássemos, porém, os objetosem si como coisas <strong>da</strong><strong>da</strong>s, aí sim os transformaríamos em ilusão. A noçãokantiana <strong>de</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> é, portanto, puramente fenomênica. “Seàquelas formas <strong>da</strong> representação se atribui reali<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva, não se po<strong>de</strong>evitar que, através disso, tudo seja transformado em simples ilusão ... emtal caso não se po<strong>de</strong> levar a mal o bom Berkeley por ter <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>do oscorpos a uma simples ilusão” (53).Como po<strong>de</strong>mos perceber, na visão <strong>de</strong> Kant é a noção do objetivo-emsique cria a idéia <strong>de</strong> ilusão. Adotar esse pressuposto (o <strong>da</strong> ilusão) seriaentão um erro, a começar do fato <strong>de</strong> que a ilusão é própria do sujeito, nãopo<strong>de</strong>ndo portanto, como todos os outros conceitos, ser atribuí<strong>da</strong> à coisaem-si.Ao fenômeno também não po<strong>de</strong>mos atribuir a idéia <strong>de</strong> ilusão, poisnão há segundo Kant como ter dúvi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> que ele – ao contrário donômeno – nos é efetivamente <strong>da</strong>do.Kant preserva o caráter objetivo <strong>da</strong> intuição sensível (pura ouempírica), já que ela só é sensível porque se refere a um objeto, ain<strong>da</strong> queapenas como fenômeno. Por outro lado, para preservar a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>intuição ele precisa retirar ao pensamento qualquer possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>apreensão do real. Ou seja: para salvar a percepção empírica, mate-se opensamento! Aqui temos o materialismo vulgar em seu leito <strong>de</strong> morte.Da mesma forma que a Estética Transcen<strong>de</strong>ntal tem como objeto asintuições puras ou formas <strong>da</strong> intuição em geral, forneci<strong>da</strong>s pelasensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, a Lógica <strong>de</strong> Kant tem por objeto os conceitos puros ouformas do pensamento em geral, forneci<strong>da</strong>s pelo entendimento. A Lógica<strong>de</strong> Kant subdivi<strong>de</strong>-se em Geral (estu<strong>da</strong> as regras necessárias <strong>de</strong> todo equalquer pensamento) e Particular (organón <strong>de</strong> tal ou qual ciência). ALógica Geral abstrai <strong>de</strong> si qualquer conteúdo e consi<strong>de</strong>ra apenas “a formado entendimento que po<strong>de</strong> ser forneci<strong>da</strong> às representações” (57).__173__


A Lógica Geral subdivi<strong>de</strong>-se em Analítica e Dialética. A Analítica“resolve em seus elementos a completa ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> formal do entendimento e<strong>da</strong> razão e os apresenta como princípios <strong>de</strong> avaliação lógica <strong>de</strong> todo nossoconhecimento” (KANT, 1991: p. 59). Li<strong>da</strong> portanto apenas com osconceitos puros; não trata <strong>de</strong> intuições e nem <strong>de</strong> conceitos empíricos.Subdivi<strong>de</strong>-se em duas partes, respectivamente sobre os conceitos e osprincípios do entendimento puro. A Analítica constitui-se em um dosmaiores pe<strong>de</strong>stais <strong>da</strong> epistemologia contemporânea.No que diz respeito à dialética, ela toma em Kant a acepção dossofistas, e é vista como uma lógica do vazio e do erro.Na posse <strong>de</strong> uma arte tão enganosa, que consiste em <strong>da</strong>r a todos osnossos conhecimentos a forma do entendimento mesmo que no tocante aseu conteúdo se esteja ain<strong>da</strong> muito vazio e pobre, resi<strong>de</strong> algo tão tentadorque aquela Lógica Geral, que é apenas um cânone para julgamento, foiutiliza<strong>da</strong> como uma espécie <strong>de</strong> organón ... para a ilusão ... A Lógica Geral,como pretenso organón, <strong>de</strong>nomina-se dialética. (KANT, 1991: p. 59)Kant empresta à Lógica Dialética o sentido bastante particular <strong>de</strong>“crítica <strong>da</strong> ilusão dialética”.A concepção kantiana <strong>de</strong> dialética surge <strong>da</strong> limitação que Kantimputa à experiência sensível e ao próprio pensamento. Para ele, aexperiência, que não oferece nenhuma imagem fiel e nenhuma certezasobre a coisa-em-si, é contudo a única e a melhor fonte <strong>de</strong> conhecimento,posto que tudo o mais não passa <strong>de</strong> especulação e <strong>de</strong> convenção. Porém, oHomem possui naturalmente uma tendência a ultrapassar a experiênciano sentido <strong>de</strong> buscar uma compreensão mais exata sobre o mundonomênico. Mas, pelo fato <strong>de</strong> ser este imensamente caótico e incaptávelpelo espírito humano, a tentativa <strong>de</strong> pensá-lo transforma-se logo em umasérie <strong>de</strong> erros e gera contradições ao nível <strong>da</strong> razão. Kant chamou <strong>de</strong>‘dialética’ tanto esses erros quanto o estudo crítico <strong>de</strong>les.Kant <strong>de</strong>senvolveu portanto uma visão negativa <strong>de</strong> dialética,consi<strong>de</strong>rando "tais contradições como um erro, como uma ilusão e nãocomo o reflexo <strong>da</strong>s contradições reais do mundo exterior. To<strong>da</strong>s asconsi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> Kant sobre o caráter contraditório <strong>da</strong> razão, sobre as__174__


antinomias, confluem na <strong>de</strong>fesa do agnosticismo" (IUDIN & ROSENTAL,1959: p. 297).A contradição toma em Kant, portanto, o formato <strong>da</strong>s antinomias.Estas últimas, ao invés <strong>de</strong> refletirem o objetivo, são proposiçõespuramente subjetivas, que <strong>de</strong>monstram o caráter errático que toma oconhecimento quando quer investigar questões como a <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, quenão fornecem qualquer possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> certeza empírico-experimental.Apesar disso, Hegel chegou a reconhecer na concepção dialética kantianao mérito <strong>de</strong> colocá-la como proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> necessária <strong>da</strong> razão (embora tenhaficado apenas por aí).O que faz Kant em síntese é retirar ao conhecimento suas basesobjetivas, colocando a Ciência como mera criação subjetiva, como umagran<strong>de</strong> convenção. Surgem <strong>da</strong>í suas preocupações lógicas e <strong>de</strong>formalização do conhecimento científico, preocupações estas que já <strong>de</strong>s<strong>de</strong>o fim <strong>da</strong> I<strong>da</strong><strong>de</strong> Média vinham se <strong>de</strong>senvolvendo, como vimosanteriormente. Para Kant, to<strong>da</strong> <strong>de</strong>scoberta científica hegemonicamenteaceita <strong>de</strong>ve antes <strong>de</strong> tudo se pautar por regras universalmente aceitas. Seassim proce<strong>de</strong>r, diante <strong>de</strong> outras <strong>de</strong>scobertas fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s nas mesmasregras universalmente aceitas essa <strong>de</strong>scoberta será aquilo que o Homemconvencionou ser ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro sobre a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> em <strong>de</strong>terminado momento.Ao tentar conciliar tendências absolutamente opostas na Teoria doConhecimento, Kant incorre em uma concepção eclética que cin<strong>de</strong>inexoravelmente sujeito e objeto. A reali<strong>da</strong><strong>de</strong> fica <strong>de</strong>sse modo a par doHomem, fecha<strong>da</strong>, estagna<strong>da</strong>, enquanto o ser humano vive como que emum outro mundo, purgando sua separação <strong>da</strong> natureza com discussõescientíficas que nunca conseguirão reproduzi-la em sua essência.A principal crítica a Kant foi formula<strong>da</strong> por Georg WilhelmFriedrich Hegel, que superou todo o i<strong>de</strong>alismo alemão anteriorreivindicando novamente bases objetivas para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>Ciência. A objeção fun<strong>da</strong>mental <strong>de</strong> Hegel ao kantismo inci<strong>de</strong> sobre seuagnosticismo, e, em particular, sobre a noção <strong>de</strong> “coisa-em-si”, a qualchama <strong>de</strong> “coisa <strong>de</strong> pensamento <strong>da</strong> abstração vazia”, “sombra abstrata,segrega<strong>da</strong> <strong>de</strong> todo conteúdo”.__175__


De fato, para Hegel o conhecimento não possui quaisquer limites,pois, se se o concebe como limitado pela percepção sensível e suas“formas a priori”, então esse conhecimento não é mais que o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro<strong>de</strong>sconhecimento do mundo real.Hegel nasceu em 1770 em uma pequena ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> AlemanhaOci<strong>de</strong>ntal. Seguiu a carreira docente até 1831, ano <strong>de</strong> sua morte. Suamaior contribuição para a história do pensamento está no<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma gnoseologia dialética – supera<strong>da</strong> e <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>mais tar<strong>de</strong> pelo pensamento marxista.A concepção hegeliana <strong>da</strong> dialética difere radicalmente <strong>da</strong> <strong>de</strong> Kant esurge justamente <strong>da</strong> crítica a este no que respeita à questão <strong>da</strong>possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e dos limites do conhecimento.O trânsito <strong>da</strong> concepção kantiana à hegeliana marca a passagem doi<strong>de</strong>alismo subjetivo ao i<strong>de</strong>alismo objetivo. Isso porque, para Hegel, areali<strong>da</strong><strong>de</strong> do mundo material e espiritual é a própria Idéia ou Razãoabsoluta automanifestando-se na natureza, nas instituições sociais e nahistória. É, portanto, a Idéia objetiva<strong>da</strong> nas coisas. Por isso, o sistemafilosófico <strong>de</strong> Hegel é <strong>de</strong>nominado i<strong>de</strong>alismo absoluto, ou, também,panlogismo, visto que, para ele, tudo é manifestação do logos, <strong>da</strong> Razãoabsoluta.A reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, para Hegel, compreen<strong>de</strong> tudo: a Idéia, a Natureza, oEspírito e a história. A Idéia é o princípio inteligível <strong>de</strong> tudo, visto que éimanente a to<strong>da</strong>s as coisas. A Natureza é a manifestação objetiva <strong>da</strong> Idéiano espaço, em cujo ápice se encontra o Homem, ponto culminante do<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> natureza. Nele a Idéia toma consciência <strong>de</strong> si mesma eaí tem início a evolução autoconsciente do Espírito, a qual se <strong>de</strong>nominahistória.Portanto, são três os momentos dialéticos do auto<strong>de</strong>senvolvimento<strong>da</strong> Idéia:a) A Idéia-em-si (gran<strong>de</strong> tese). Princípio inteligível <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Constitui-se num sistema <strong>de</strong> conceitos puros que representam osesquemas do mundo natural e espiritual. A Idéia - em - si <strong>de</strong>senvolve-seem três momentos dialéticos cujo complexo é objeto <strong>da</strong> Lógica;__176__


) A Idéia-fora-<strong>de</strong>-si (gran<strong>de</strong> antítese), exterioriza<strong>da</strong>. A Natureza. Nodomínio <strong>de</strong>sta, a Idéia <strong>de</strong>senvolve-se também em três momentos dialéticos<strong>de</strong>s<strong>de</strong> as formas ínfimas do mundo físico até as formas mais perfeitas <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> orgânica.c)A Idéia-para-si (gran<strong>de</strong> síntese). O Espírito. Nesta fase a natureza,tendo esgotado a sua fecundi<strong>da</strong><strong>de</strong>, volta-se para si, tomando consciência<strong>de</strong> si no Espírito.Os três momentos dialéticos do <strong>de</strong>senvolvimento do Espírito são osseguintes: o Espírito subjetivo (o indivíduo) - que compreen<strong>de</strong> os trêsgraus dialéticos <strong>da</strong> consciência, <strong>da</strong> autoconsciência e <strong>da</strong> Razão; o Espíritoobjetivo (a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>) - on<strong>de</strong> temos os graus dialéticos do Direito, <strong>da</strong>Etici<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> Morali<strong>da</strong><strong>de</strong>, e, por fim, o Espírito absoluto (Deus), que se<strong>de</strong>senvolve nos graus <strong>da</strong> Arte, <strong>da</strong> Religião e <strong>da</strong> Filosofia.O instrumental teórico elaborado por Hegel para tentar vencer eexplicar as dilacerações <strong>de</strong> seu tempo – e em particular os rumoscontraditórios <strong>da</strong> Revolução Francesa – foi o método dialético,fun<strong>da</strong>mentado nas seguintes idéias principais: a) a idéia <strong>de</strong> contradiçãoou negação; b) a idéia <strong>de</strong> movimento como um atributo inseparável <strong>da</strong>matéria e do Espírito; c) a idéia <strong>de</strong> totali<strong>da</strong><strong>de</strong> orgânica, e, por fim, d) aidéia heraclítica <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> dos opostos. Exemplificando <strong>de</strong> formatípica seu método dialético, Hegel afirma:Po<strong>de</strong>-se salientar ... que uma assim chama<strong>da</strong> proposição fun<strong>da</strong>mental ouprincípio <strong>de</strong> filosofia, se é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira, já é por isso mesmo falsa, na medi<strong>da</strong>em que é somente proposição fun<strong>da</strong>mental ou princípio. Por conseguinte,é fácil refutá-la. A refutação consiste na indicação <strong>da</strong> sua <strong>de</strong>ficiência. E talproposição é <strong>de</strong>ficiente porque é apenas o universal ou princípio, é ocomeço. A refutação seria, portanto, propriamente o <strong>de</strong>senvolvimento doprincípio. (HEGEL, 1991: p. 201)As formas lógicas <strong>de</strong> Hegel não são, portanto, “formais”, mas plenas<strong>de</strong> conteúdo vivo, real. Essas formas lógicas são o próprio conteúdo doreal, têm caráter ontológico-i<strong>de</strong>alista. Em Hegel, o conteúdo substancial éum conteúdo <strong>de</strong> pensamentos. Natureza e homem são compostos <strong>de</strong> umasubstância mental comum, as enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s puras.__177__


O Ser <strong>de</strong> Hegel é a pura tensão. Ser puro e puro na<strong>da</strong> são para ele amesma coisa, pois não possuem outra <strong>de</strong>terminação que não estaspróprias. O Ser puro e o na<strong>da</strong> opõem-se ao algo, que é <strong>de</strong>terminado. “Umser <strong>de</strong>terminado ... finito, é um ser que se liga a outro; é um conteúdo queestá em relação <strong>de</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> com outro conteúdo, com o mundo todo ...(É) a conexão reciprocamente <strong>de</strong>terminante do todo” (APUD LÊNIN, 1989:p.s 105-106). Logo, o Ser começa na sua uni<strong>da</strong><strong>de</strong> incondiciona<strong>da</strong> ein<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> com o Não-ser, surgindo <strong>da</strong> tensão <strong>de</strong> ambos o algo, que é<strong>de</strong>terminado.Conforme ressalta Hegel, essa <strong>de</strong>termini<strong>da</strong><strong>de</strong> que caracteriza o algo,quando “assim isola<strong>da</strong> para si, como <strong>de</strong>termini<strong>da</strong><strong>de</strong> que é, é a quali<strong>da</strong><strong>de</strong>... A quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> tal modo que valha distintamente como quali<strong>da</strong><strong>de</strong> queé, é a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>” (APUD LÊNIN, 1989: p. 107). Já aqui vemos prenunciarseuma concepção <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> bastante distinta <strong>da</strong>quela <strong>de</strong> Kant, paraquem a <strong>de</strong>termini<strong>da</strong><strong>de</strong> é própria apenas do fenômeno.A idéia hegeliana <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> implica em uma concepção <strong>de</strong>objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> radicalmente distinta <strong>da</strong> que foi <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> pela Escola <strong>de</strong>Oxford, alcançando seu ápice no agnosticismo <strong>de</strong> Kant.Para Hegel, esse agnosticismo é em gran<strong>de</strong> medi<strong>da</strong> fruto <strong>da</strong>tentativa kantiana <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> absoluta em ver<strong>da</strong><strong>de</strong>sparticulares, relativas. Como bem resume ENGELS, a filosofia <strong>de</strong> Kant é“impotente, porque pe<strong>de</strong> o impossível e, portanto, nunca chega a na<strong>da</strong> <strong>de</strong>real” (1982: p. 395).Hegel, ao contrário, vê a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento no elemento <strong>de</strong>universali<strong>da</strong><strong>de</strong>; nessa perspectiva, a particularização surgi<strong>da</strong> do cindir <strong>de</strong>correntes filosóficas em oposição não é senão a forma do movimento <strong>da</strong>ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. A ver<strong>da</strong><strong>de</strong> não resi<strong>de</strong> em tal ou qual sistema filosófico em luta,mas na totali<strong>da</strong><strong>de</strong> do movimento dos sistemas filosóficos. Assim, aconsciência que se mantém presa à unilaterali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma oposição não éa ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira consciência <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>.A opinião não concebe a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos sistemas filosóficos como oprogressivo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas na diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> vê apenas acontradição. O botão <strong>de</strong>saparece no <strong>de</strong>sabrochar <strong>da</strong> flor, e po<strong>de</strong>-se dizer__178__


que é refutado pela flor. Igualmente, a flor se explica por meio do frutocomo um falso existir <strong>da</strong> planta, e o fruto surge em lugar <strong>da</strong> flor comover<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> planta. Essas formas não apenas se distinguem mas serepelem como incompatíveis entre si. Mas a sua natureza flui<strong>da</strong> as torna,ao mesmo tempo, momentos <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> orgânica na qual não somentenão entram em conflito, mas uma existe tão necessariamente quanto aoutra; e é essa igual necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> que unicamente constitui a vi<strong>da</strong> do Todo.(Hegel, p. 192)Portanto, para HEGEL, o preocupar-se meramente com osresultados imediatos <strong>de</strong> um conhecimento, bem como com a meradiversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s opiniões é passar ao largo <strong>da</strong> coisa, superficialmente.O fim para si é o universal sem vi<strong>da</strong>, assim como a tendência é o puroimpulso que ain<strong>da</strong> carece <strong>de</strong> sua reali<strong>da</strong><strong>de</strong> efetiva; e o resultado nu é ocadáver que a coisa <strong>de</strong>ixou atrás <strong>de</strong> si. Do mesmo modo, a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> ésobretudo o limite <strong>da</strong> coisa. Ela começa on<strong>de</strong> a coisa termina e é o que acoisa não é. Esse atarefar-se com o fim e os resultados ... em lugar <strong>de</strong> sepren<strong>de</strong>r à coisa, esse modo <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r sempre passa superficialmentesobre ela. Em lugar <strong>de</strong> nela <strong>de</strong>morar-se e <strong>de</strong> esquecer-se a si mesmo nela,esse saber se pren<strong>de</strong> sempre a algo diverso e permanece <strong>de</strong> preferência emsi mesmo, ao invés <strong>de</strong> estar na coisa e <strong>de</strong> se entregar a ela. O que há <strong>de</strong>mais fácil é julgar o que possui conteúdo e <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mais difícil éapreendê-lo e ... produzir a sua exposição. (1991, p. 192-93)Nessa perspectiva, não há como impor à Ciência quaisquer limites,como pretendia Kant. Limite posto <strong>da</strong> forma como o fez Kant é pura coisado pensamento metafísico. Limite posto junto à sua própria negação é adialética – e portanto a Ciência. Se tudo vai além <strong>de</strong> seus limites, como éque a Razão (logo ela!) não po<strong>de</strong>ria ultrapassá-los?Portanto, não parece ser correto, como acreditava Kant, que asformas do pensamento estejam vagando sobre o conteúdo e não sejam opróprio conteúdo, idéia efetivamente sugeri<strong>da</strong> pela “coisa-em-si”. Éabsurdo um conhecimento que, embora possa ser <strong>de</strong>clarado ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro,não po<strong>de</strong> conhecer a coisa-em-si.A<strong>de</strong>mais, não seria também o próprio pensamento uma coisa-em-si?Nesse caso, como conhecê-lo, formulando a respeito <strong>de</strong>le uma “crítica”?Sobre isso, LÊNIN observa <strong>de</strong> modo sagaz: “Em Kant a abstração vazia <strong>da</strong>coisa-em-si está no lugar do curso vivo, do movimento ca<strong>da</strong> vez maisprofundo do nosso saber acerca <strong>da</strong>s coisas” (1989: p. 95). De fato, o__179__


próprio HEGEL adverte que “se perguntarmos o que são as coisas-em-si,já na pergunta jaz assim <strong>de</strong> um modo impensado a impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>resposta” (APUD LÊNIN, 1989: p. 108).Hegel adverte que não é preciso <strong>de</strong>preciar o começo doconhecimento por sua limitação; ele <strong>de</strong>ve ser aceito apenas provisória ehipoteticamente. Mesmo que contra ele possamos adiantar a crítica doinstrumental do conhecimento (à mo<strong>da</strong> <strong>de</strong> Kant), mesmo esta trata-se <strong>de</strong>pressupostos que exigem fun<strong>da</strong>mentação e mediação, não sendo por issomuito melhor que o começo “contra o qual protesta” (a <strong>de</strong>terminação maissimples e empírica).Assim, os reclames criticistas <strong>de</strong>vem ser tomados “apenas comopretensões vãs a que sejam atendidos eles antes <strong>de</strong> algo <strong>de</strong> outro ... Ométodo <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> também sabe que o começo é um imperfeito, porque écomeço, mas sabe simultaneamente que este imperfeito em geral é umnecessário, porque a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> é apenas o vir-a-si-próprio através <strong>da</strong>negativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> imediati<strong>da</strong><strong>de</strong>” (HEGEL APUD LÊNIN, 1989: p. 208).Na concepção hegeliana,A ver<strong>da</strong><strong>de</strong> do Ser é a essência ... O Ser é o imediato. Ao querer conhecer over<strong>da</strong><strong>de</strong>iro, o que o Ser é em si e para si, o saber não permanece junto doimediato e <strong>da</strong>s suas <strong>de</strong>terminações, mas penetra através <strong>de</strong>le, com opressuposto <strong>de</strong> que por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong>sse Ser ain<strong>da</strong> há algo <strong>de</strong> outro que opróprio Ser, <strong>de</strong> que este plano recuado constitui a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> do Ser. Esteconhecimento é um saber mediado, pois não se encontra imediatamentejunto <strong>da</strong> e na essência, mas começa por um outro, o Ser, e tem <strong>de</strong>percorrer ... o caminho do ultrapassar do Ser ou, antes, do enfiar-se porele. (HEGEL APUD LÊNIN, 1989: p. 123)Esse caminho do conhecimento, que parece exterior ao Ser, é emHegel, conforme sugere seu panlogismo, o próprio movimento do Ser.A essência existe enquanto aparência e enquanto reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Aaparência é o imediatamente <strong>de</strong>terminado. No momento <strong>da</strong> aparência oconteúdo permanece para si, tal qual é, e foi apenas transportado do Serpara a aparência. O conteúdo <strong>da</strong> aparência, portanto, não é posto por elaprópria; ela apenas o tem imediatamente. Logo, o que diferencia aessência <strong>da</strong> aparência é <strong>de</strong>terminação do âmbito <strong>da</strong> própria essência, o__180__


que faz <strong>da</strong> aparência a natureza negativa <strong>da</strong> essência. LÊNIN, comentandoa respeito disso, afirma que “o aparente ... <strong>de</strong>saparece maisfreqüentemente, não se sustenta tão ‘fortemente’, não assenta tãosoli<strong>da</strong>mente quanto a essência” (1989: p. 124).A essência é <strong>de</strong> fato a mediação absoluta consigo, e, no seumovimento <strong>de</strong> exteriorização, sempre regressa a si. “Hegel é pela vali<strong>da</strong><strong>de</strong>objetiva <strong>da</strong> aparência, do ‘imediatamente <strong>da</strong>do’ ... Filósofos menoresdiscutem se se <strong>de</strong>ve tomar por base a essência ou o imediatamente <strong>da</strong>do.Hegel substitui o ou por e, explicando o conteúdo concreto <strong>de</strong>sse ‘e’”(LÊNIN, 1989: p. 127). A essência encontra-se no meio termo entre o Ser eo Conceito, e transita para este último.O Conceito é o elemento próprio <strong>da</strong> Ciência – coroamento doEspírito. Só nele a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> encontra seu sistema – a forma <strong>de</strong> suaexistência. Porém, o que o absoluto – o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro – exige parasua expressão não é tanto a forma do conceito quanto seu oposto, a saber,o sentimento e a intuição do conceito, sendo estes os “que <strong>de</strong>vem tomar apalavra e receber expressão” (HEGEL, 1991: p. 194).A Lei constitui-se na uni<strong>da</strong><strong>de</strong> dos fenômenos. Estes últimosencontram na lei a permanência. A lei po<strong>de</strong> também ser <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> comoreflexão do fenômeno na i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> consigo. “A lei não está, portanto, paraalém do fenômeno, mas imediatamente presente nele; o reino <strong>da</strong>s leis é oreflexo tranqüilo do mundo existente ou que aparece ... A existênciaregressa à lei como ao seu fun<strong>da</strong>mento ... A lei é, portanto, o fenômenoessencial” (HEGEL APUD LÊNIN, 1989: p. 140-141).Hegel faz a distinção entre a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira Ciência e o meroformalismo afirmando que a primeira capta o absoluto em sua essência,que é o automovimento. Quando, por outro lado,a mesma forma imóvel e una é aplica<strong>da</strong> superficialmente pelo sujeito noato do saber à reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que está presente, e a matéria do saber émergulha<strong>da</strong> <strong>de</strong> fora nesse elemento estático, tal modo <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r cumpreas exigências <strong>da</strong> Ciência tão pouco quanto os arbitrários <strong>de</strong>vaneios sobre oconteúdo. Com efeito, a Ciência exigia a riqueza que flui <strong>de</strong> si mesma e adiferença <strong>da</strong>s figuras que a si mesma se <strong>de</strong>termina. Aqui, ao contrário,trata-se <strong>de</strong> um formalismo monocromático ... (HEGEL, 1991: p. 198)__181__


Hegel esforça-se por <strong>de</strong>monstrar o vazio do formalismo kantiano.Sua tría<strong>de</strong> dialética é morta, aconceptual, puramente formal. É algosuperficial, exterior. Esse tipo <strong>de</strong> pensamento toma“<strong>da</strong> intuição ordinária <strong>de</strong>terminações sensíveis que, sem dúvi<strong>da</strong>, <strong>de</strong>vemsignificar algo diferente do que exprimem; <strong>de</strong> outra parte se utiliza o que éem si mesmo significante, as <strong>de</strong>terminações puras do pensamento comosujeito, objeto, substância, causa, universal, etc ..., mas <strong>de</strong> maneira tãoacrítica e inconsi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> como na vi<strong>da</strong> ordinária, e do mesmo modo comose utilizam <strong>de</strong>bili<strong>da</strong><strong>de</strong> e força, expansão e contração, <strong>de</strong> sorte que essametafísica é tão acientífica quanto essas mesmas representaçõessensíveis” (HEGEL, 1991: p. 214).O formalismo <strong>de</strong> fato, parte <strong>de</strong> conceitos do pensamento como sefossem coisas <strong>da</strong><strong>da</strong>s pela intuição.A incompetência po<strong>de</strong> vir a cair num espanto admirativo em face <strong>de</strong> talforça que une aparências tão distantes uma <strong>da</strong> outra, e em face <strong>da</strong>violência que o tranqüilo mundo sensível sofre <strong>da</strong> parte <strong>de</strong> semelhantemodo <strong>de</strong> unir as coisas, o que lhe confere a aparência <strong>de</strong> um conceito sem,no entanto, exprimir o objeto principal, a saber, o conceito mesmo ou asignificação <strong>da</strong> representação sensível. (HEGEL, 1991: p. 214)O formalismo vale-se <strong>de</strong> uma mera aplicação exterior e vazia <strong>da</strong>fórmula, processo chamado <strong>de</strong> “construção” e baseado na “purai<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> ... branco sem forma. Essa natureza monocromática doesquema e suas <strong>de</strong>terminações sem vi<strong>da</strong>, essa i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> absoluta e apassagem <strong>de</strong> uma coisa na outra, constituem igualmente o conhecimentomorto e o entendimento exterior” (HEGEL, 1991, p. 215).Já a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira Ciência, por outro lado, é o avesso do meroformalismo. O fun<strong>da</strong>mental para ela não é a contradição morta, mas otrânsito <strong>da</strong> conexão. A Ciência, ao contrário do formalismo, mergulhafundo na matéria e segue seu movimento, retornando com isso a si mesmae encontrando o conteúdo em sua plenitu<strong>de</strong>.A Ciência po<strong>de</strong> organizar-se somente por intermédio <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> própria doconceito ... Desta maneira ... o conteúdo não recebe sua <strong>de</strong>termini<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>outro, prega<strong>da</strong> sobre ele, mas a dá a si mesmo e se dispõe a si mesmocomo momento e como lugar do todo. O entendimento que proce<strong>de</strong> portabelas ... (apenas) classifica ... Esse processo fornece apenas uma__182__


indicação do conteúdo, mas não o próprio conteúdo ... O entendimentoformal <strong>de</strong>ixa aos outros o cui<strong>da</strong>do <strong>de</strong> cumprir essa tarefa, que é aprincipal. (HEGEL, 1991: p.s 215-216)O formalismo postula que a mera possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> representar-sealgo <strong>de</strong> modo diferente é o bastante para refutar uma representação.Atribui todo valor ao universal “nessa forma <strong>da</strong> inefetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>”. Afirma auniversali<strong>da</strong><strong>de</strong> unilateral e, portanto, abstrata, como ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira. Masna<strong>da</strong> que seja unilateral po<strong>de</strong> ser ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro, pois o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro é o total, enão quaisquer partes ou aspectos particulares. Como afirma HEGEL namais célebre passagem <strong>da</strong> “Fenomenologia do Espírito”, “O ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro é oTodo. Mas o todo é somente a essência que atinge a completu<strong>de</strong> por meio<strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento. Deve-se dizer do Absoluto ... que é o que naver<strong>da</strong><strong>de</strong> é apenas no seu fim. Nisto consiste sua Natureza: ser ... sujeitoou <strong>de</strong>vir-<strong>de</strong>-si-mesmo” (1991, p. 199).Portanto, não existe na<strong>da</strong> semelhante a uma coisa-em-siincognoscível, pois, como alerta o próprio Hegel na “Ciência <strong>da</strong> Lógica”, oHomem não po<strong>de</strong> estar fora <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong>s coisas.“A substância é sempre em si mesma sujeito, (e) po<strong>de</strong>-se dizer que todoconteúdo é sua própria reflexão em si. O subsistir ou a substância doexistir do conteúdo é a igual<strong>da</strong><strong>de</strong> consigo mesmo. Com efeito, sua<strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong> consigo seria a sua dissolução. Mas a igual<strong>da</strong><strong>de</strong> consigo é apura abstração, e a pura abstração é o pensar ... É aqui que secompreen<strong>de</strong> que o ser é pensar” (HEGEL, 1991: p. 216).Aqui insinua-se já um dos mais fun<strong>da</strong>mentais aspectos do obra <strong>de</strong>Hegel: o <strong>de</strong> que não existe, como em Kant, qualquer indissolúvelcontradição entre sujeito e objeto, pois ambos se unificam na Idéia. Aoposição sujeito/objeto não passa, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> sua aparência diversa,contraditória, mas em essência plena, una. Em Hegel, como em Platão eAristóteles, as condições do conhecimento são condições <strong>de</strong> existência <strong>da</strong>própria reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, conteúdo que se notorizou na célebre máxima “o real éracional, e o racional é real”.A Filosofia sempre buscou o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro na substância, na matériaem si mesma, como coisa aparta<strong>da</strong> do sujeito. Para HEGEL, ao contrário,“tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r e exprimir o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro não como substância,mas, exatamente na mesma medi<strong>da</strong>, como sujeito” (1991, p. 198). Essa__183__


não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser uma solução surpreen<strong>de</strong>nte para o problema doconhecimento (embora não original). Mas, se refletirmos um pouco mais,veremos também que é uma solução bastante cômo<strong>da</strong>. Basta fecharmosos olhos e imaginarmos que tudo é idéia e que a matéria não passa <strong>de</strong>aci<strong>de</strong>nte, e com isso tudo se resolverá. Essa foi a mesma soluçãoemprega<strong>da</strong> por Platão no combate ao relativismo sofístico. Ela apareceporém, aqui, mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>, e não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> conter um gran<strong>de</strong> avançopara a história do conhecimento: a refutação <strong>de</strong> um agnosticismo tambémmais <strong>de</strong>senvolvido (o kantiano), através <strong>da</strong> compreensão <strong>de</strong> que a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>absoluta só existe no seu processo, como <strong>de</strong>vir <strong>de</strong> si própria nos seusdiversos momentos ou figuras, que são as ver<strong>da</strong><strong>de</strong>s relativas ouparticulares.Hegel, por conseguinte, restitui precisamente aquilo que falta àconcepção kantiana <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>: o movimento. ENGELS resume bem esseaspecto ao afirmar queA ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira significação e o caráter revolucionário <strong>da</strong> filosofia <strong>de</strong> Hegel ...residia ... em que ela ... <strong>de</strong>u o golpe <strong>de</strong> misericórdia no caráter <strong>de</strong>finitivo <strong>de</strong>todos os resultados do pensar e do agir humanos. A ver<strong>da</strong><strong>de</strong> ... não eramais para Hegel uma coleção <strong>de</strong> proposições dogmáticas prontas ... aver<strong>da</strong><strong>de</strong> residia agora no próprio processo do conhecer, no longo<strong>de</strong>senvolvimento histórico <strong>da</strong> Ciência, que se eleva <strong>de</strong> estágios inferioresdo conhecimento para ... superiores. (1982, p. 380-381)Além <strong>de</strong> criticar a concepção <strong>de</strong> uma substância inexoravelmentecindi<strong>da</strong> do sujeito, HEGEL critica também a crença comum (em particulardo empirismo) em uma substância morta, idêntica a si mesma na suaimediati<strong>da</strong><strong>de</strong>:A substância vivente é também o Ser que na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> é sujeito ou, o que dáno mesmo, é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente efetivo somente na medi<strong>da</strong> em que é omovimento do pôr-se-a-si-mesma, ou é a mediação consigo mesma dotornar-se outra. Como sujeito, ela é a pura simples negativi<strong>da</strong><strong>de</strong> e,justamente por isso, é a cisão do simples ou a duplicação que se opõe queé novamente a negação <strong>de</strong>ssa diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> indiferente e do seu oposto. Over<strong>da</strong><strong>de</strong>iro é unicamente essa diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> que se reinstaura ou a reflexãoem si mesma no ser-outro. Não é uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> original enquanto tal, ouimediata enquanto tal. É o <strong>de</strong>vir <strong>de</strong> si mesmo, o círculo que pressupõe seufim como seu alvo, tem esse fim como princípio e é efetivo somente pormeio <strong>da</strong> sua realização e do seu fim. (1991, p. 199)__184__


O empirismo clássico sempre postulou ingenuamente a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>entre forma (pensamento) e conteúdo (reali<strong>da</strong><strong>de</strong>). O empirismo crítico, poroutro lado, renunciou à investigação <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> cindindo ambosirrevogavelmente. HEGEL, criticando ambas as concepções, afirma serenganojulgar-se que o conhecimento po<strong>de</strong> contentar-se com o em-si ou a essênciamas poupar a forma, <strong>de</strong> tal forma que o princípio absoluto ou a intuiçãoabsoluta pu<strong>de</strong>sse tornar supérflua a explicitação <strong>da</strong> essência e o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> forma. Justamente porque a forma é tão essencial àessência quanto esta o é a si mesma, a essência não <strong>de</strong>ve ser apreendi<strong>da</strong> eexpressa puramente como essência, ou seja, como substância imediata... mas igualmente como forma e na riqueza total <strong>da</strong> forma <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>.Somente assim é apreendi<strong>da</strong> e expressa como algo efetivo. (1991, p. 199)Hegel lembra, tangenciando o genial, que o conhecimento metafísicotem medo <strong>de</strong> admitir que a mediação (o conhecimento) não é o absoluto,como se isso resultasse em abandonar o conhecimento absoluto.Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, porém, esse horror nasce <strong>da</strong> ignorância <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong>mediação e do próprio conhecimento absoluto. Com efeito, a mediaçãona<strong>da</strong> mais é que a igual<strong>da</strong><strong>de</strong> consigo mesma que a si mesma se move ... anegativi<strong>da</strong><strong>de</strong> reduzi<strong>da</strong> à sua simples abstração, o simples <strong>de</strong>vir ... Tratase,pois, <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sconhecimento <strong>da</strong> Razão quando a reflexão é excluí<strong>da</strong> dover<strong>da</strong><strong>de</strong>iro e não é apreendi<strong>da</strong> como momento positivo do Absoluto. É ela(a reflexão) que faz com que o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro seja um resultado, mas, aomesmo tempo, suprime essa oposição (como resultado) ao seu <strong>de</strong>vir, poisesse <strong>de</strong>vir é igualmente simples e não é diferente <strong>da</strong> forma do ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iroque consiste em mostrar-se simples no resultado ... Se o embrião é, semdúvi<strong>da</strong>, homem em si, no entanto, ele não o é para si. O homem é para sitão-somente como razão forma<strong>da</strong>, que a si mesma se fez o que já é em si...(HEGEL, 1991: p. 200)Hegel toma <strong>de</strong> empréstimo o pensamento teleológico <strong>de</strong> Aristótelespara explicar que a razão é o agir <strong>de</strong> acordo com um fim. O fim é algo <strong>de</strong>imediato, posto que está em repouso, mas é ao mesmo tempo motor e,portanto, sujeito. O fim é igual ao começo <strong>da</strong> mesma forma que o ato é aomesmo tempo potência, que o efetivo imediato é ao mesmo tempoconceito, riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>termini<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Por isso o começo supõe o seu fimcomo o em si supõe o para si, e move-se para ele através <strong>da</strong> pura e__185__


simples negativi<strong>da</strong><strong>de</strong>. O fim atualizado é portanto, ao mesmo tempo,movimento e resultado do <strong>de</strong>vir <strong>de</strong>senvolvido. Já o começo, na medi<strong>da</strong>em que se atualiza, é um comportar-se negativo com seu fim.Do exposto acima po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r que o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro em Hegelnão é mera correspondência entre sujeito e objeto (até porque em seupensamento não há essa dicotomia, já que tudo é i<strong>de</strong>al). Mais que isso, over<strong>da</strong><strong>de</strong>iro é ele próprio sujeito, é a Idéia (<strong>de</strong> caráter objetivo, nãosubjetivo) concebi<strong>da</strong> em seu eterno <strong>de</strong>vir. Ou seja: a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> no seu<strong>de</strong>senvolvimento é sujeito <strong>de</strong> si própria, pois engendra-se a si própria.Essas concepções <strong>de</strong> Hegel são <strong>de</strong>senvolvimentos necessários <strong>de</strong> seupanlogismo, isto é, do fato <strong>de</strong> que a Lógica não tem, em seu sistema, osentido que tradicionalmente lhe é atribuído na História <strong>da</strong> Filosofia (o <strong>de</strong>“forma” do pensamento). A Lógica possui aqui caráter ontológico (poistudo é Idéia), confundindo-se com o próprio movimento do real e doracional – que são idênticos.LÊNIN afirma que Hegel viu no movimento dos conceitos omovimento <strong>da</strong> própria reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Conceitos que habitualmente parecem mortos, Hegel analisa-os e mostraque neles existe movimento. Finito? Significa que se move para o fim!Algo? Significa não aquilo que é outro. Ser em geral? In<strong>de</strong>termini<strong>da</strong><strong>de</strong> talque Ser = Não-ser. Flexibili<strong>da</strong><strong>de</strong> omnilateral, universal, dos conceitos,flexibili<strong>da</strong><strong>de</strong> que vai até à i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> dos contrários. Esta flexibili<strong>da</strong><strong>de</strong>,aplica<strong>da</strong> subjetivamente, é igual a ecletismo e sofística ... Aplica<strong>da</strong>objetivamente, isto é, refletindo a omnilaterali<strong>da</strong><strong>de</strong> do processo material esua uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, é dialética, é o reflexo correto do <strong>de</strong>senvolvimento eterno domundo. (1989, p. 109)O movimento do conceito, em Hegel, dá-se do conceito puramenteformal ao juízo; <strong>de</strong>ste à proposição; <strong>de</strong>sta ao silogismo, e vai <strong>da</strong>í àtransformação plena <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do conceito em objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. ParaHegel tudo resume-se nesse movimento, isto é, tudo é um silogismo, umuniversal que se enca<strong>de</strong>ia com a singulari<strong>da</strong><strong>de</strong> através <strong>da</strong> particulari<strong>da</strong><strong>de</strong>.LÊNIN <strong>de</strong>senvolve disso uma interpretação materialista ao afirmar quePara Hegel, o agir, a prática, é um silogismo lógico ... E isto é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>!Naturalmente, não no sentido <strong>de</strong> que a figura <strong>da</strong> lógica tem o seu ‘ser-__186__


outro’ na prática do Homem, mas vice-versa: a prática do Homem,repetindo-se milhares <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> vezes, fixa-se na consciência doHomem como figuras <strong>da</strong> Lógica ... (com) a soli<strong>de</strong>z <strong>de</strong> um preconceito, (com)um caráter axiomático ... (1989: p. 195)Que é exatamente o Espírito? É a substância que é essencialmentesujeito! Ou seja: ao contrário <strong>de</strong> Kant, que vê na coisa-em-si – substânciamorta, <strong>de</strong>sprovi<strong>da</strong> <strong>de</strong> qualquer conceito – o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro real, para Hegel sóo espiritual é o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro real. Ele é a essência, o puro para-si, o que noseu ser-fora-<strong>de</strong>-si, isto é, na sua suposição <strong>de</strong> um ser-outro, <strong>de</strong> uma“substância material”, permanece não obstante em si mesmo.Qual a relação entre a Ciência e o Espírito? A Ciência é o último<strong>de</strong>grau do Espírito, é o Espírito que se sabe Espírito. O fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong>Ciência surge como o reconhecer-se a si mesmo (sujeito) no ser-outro(objeto). Os motivos platônicos saltam aqui à vista.O Espírito não é aquele que afasta o negativo,como acontece quando dizemos <strong>de</strong> alguma coisa que ela não é na<strong>da</strong> ouque é falsa, e assim, satisfeitos, passamos a outra coisa. Ao contrário, oEspírito é esse po<strong>de</strong>r somente quando contempla o negativo face a face ejunto <strong>de</strong>le permanece. Esse permanecer é a força mágica que converte onegativo em Ser. Tal força é o mesmo que acima foi <strong>de</strong>nominado sujeito eque, pelo fato <strong>de</strong> conferir o existir à <strong>de</strong>termini<strong>da</strong><strong>de</strong> no seu elementosuprime a imediatei<strong>da</strong><strong>de</strong> abstrata ... O sujeito é, por conseguinte, asubstância ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira, o Ser ou a imediatei<strong>da</strong><strong>de</strong> que não tem fora <strong>de</strong> si amediação, mas é a própria mediação. (HEGEL, 1991: p. 206)Portanto, como vimos acima, o conhecimento jamais é algo <strong>de</strong>exterior ao sujeito. Concebê-lo <strong>de</strong>ssa forma é precisamente o que abreespaço para o agnosticismo. O conhecimento é ele próprio sujeito, uni<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> opostos (subjetivo/objetivo) <strong>de</strong>senvolvendo-se a si própria.Assim, a natureza <strong>da</strong> Ciência é o movimento <strong>da</strong>s essenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s.Esse caminho não é o do “filosofar contingente que se pren<strong>de</strong> a quaisquerobjetos”, mas o que abraça o movimento do conceito – que vai <strong>da</strong>universali<strong>da</strong><strong>de</strong> abstrata à flui<strong>de</strong>z do automovimento do concreto – e,portanto, “o mundo total <strong>da</strong> consciência na sua necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>” (HEGEL,1991: p. 206).__187__


Segundo HEGEL, o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro e o falso como valores absolutos,isolados e fixos são próprios apenas dos pensamentos privados <strong>de</strong>movimento e, portanto, <strong>de</strong> conteúdo.“A ver<strong>da</strong><strong>de</strong> não é uma moe<strong>da</strong> ... Assim como a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> do sujeito e doobjeto, do finito e do infinito, do ser e do pensar, etc tem o inconveniente<strong>de</strong> significar o que o sujeito e o objeto, etc são fora <strong>da</strong> sua uni<strong>da</strong><strong>de</strong> e,portanto, uma vez na sua uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, não são mais o que diz a suaexpressão, exatamente do mesmo modo o falso é um momento <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>não mais como falso” (1991, p. 208-209).Aqui Hegel mostra to<strong>da</strong> a radicali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seu monismo – essência<strong>de</strong> sua oposição a Kant, que é dualista. Para aquele, apesar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rmosdistinguir tudo <strong>de</strong> tudo, não obstante tudo é tudo, pois to<strong>da</strong> e qualquerdistinção é o lado negativo do Ser; sua positivi<strong>da</strong><strong>de</strong> está na uni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Nãoobstante, a negativi<strong>da</strong><strong>de</strong> é <strong>de</strong> primordial importância, pois nela resi<strong>de</strong> araiz do automovimento.Ciência e simples consciência são em Hegel perspectivas opostas.O ponto <strong>de</strong> vista do estar consciente – ver as coisas objetivas em oposiçãoa si próprio, e ver a si próprio em oposição às coisas objetivas – é para aCiência justamente a per<strong>da</strong> do Espírito. Para a consciência, por outrolado, a Ciência é o “longínquo além, no qual ela não mais se possui a simesma” (HEGEL, 1991: p. 203). Ambas – Ciência e consciência – vêemuma à outra como o inverso <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mas constituem-se em momentosdo longo percurso do saber rumo ao Conceito puro (essência).A consciência é o existir imediato do Espírito e tem dois momentos:o do saber e o <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, negativo em relação ao primeiro.Quando o Espírito se <strong>de</strong>senvolve nesse elemento e expõe os seusmomentos, essa oposição inci<strong>de</strong> em ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>les, e todos surgem comomomentos <strong>da</strong> consciência. A Ciência <strong>de</strong> um tal caminho é a Ciência <strong>da</strong>experiência que a consciência faz. A consciência não sabe e não concebena<strong>da</strong> que não tenha lugar na sua experiência. Com efeito, o que está nessaexperiência é somente a substância espiritual toma<strong>da</strong>, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, comoobjeto do seu Si. (HEGEL, 1991: p. 207)Hegel coloca a experiência, portanto, como a forma através <strong>da</strong> quala consciência cindi<strong>da</strong> (entre o Eu e a Substância) <strong>de</strong>senvolve-se rumo àuni<strong>da</strong><strong>de</strong> do conceito.__188__


Para Hegel, é em última instância falso o distinguir entre um sabere sua substância, não obstante essa <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong> seja momento essencialdo conhecimento. Dela virá inexoravelmente a igual<strong>da</strong><strong>de</strong>, que é a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>não no sentido <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong> tenha sido elimina<strong>da</strong>, mas nosentido <strong>de</strong> que ela permanece subsistindo como momento negativo.De fato, a separação entre Eu e Substância resolve-se justamente noconceito, momento em que é supera<strong>da</strong> a cisão entre saber e ver<strong>da</strong><strong>de</strong> (oconceito é o saber ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro). “O que parece acontecer fora <strong>de</strong>la (<strong>da</strong>substância) e parece ser uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> volta<strong>da</strong> contra ela é seu própriooperar, e ela mostra ser essencialmente sujeito. Quando a substância tivermostrado perfeitamente essa sua natureza, o Espírito terá tornado seuexistir igual à sua essência. Do mesmo modo como é, é ... para si”(HEGEL, 1991: p. 207). Isso significa que, quando o Espírito alcança oconceito, o Ser está absolutamente mediatizado. Com isso o Espíritopreparou para si o saber, fazendo o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro, além <strong>de</strong> ser ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro,tomar ain<strong>da</strong> a forma do ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro.A noção <strong>de</strong> Espírito, como po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>signa um sujeitoessencialmente coletivo do conhecimento, portanto social. Desse sujeito oindivíduo não passa <strong>de</strong> um pobre momento. É <strong>de</strong>vido a essa concepção <strong>de</strong>sujeito total, coletivo, que Hegel consegue resolver positivamente oproblema <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento. Já Kant, que não alcança maisque a concepção <strong>de</strong> um sujeito individual, não consegue ir longe e faznaufragar o conhecimento em uma resolução negativa e dilemática doproblema <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>.A substância do indivíduo é para Hegel o existir passado doEspírito, proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> já adquiri<strong>da</strong> do espírito universal. É portanto osenso comum. Já a Ciênciarepresenta igualmente na sua figuração o que já passou a momento eproprie<strong>da</strong><strong>de</strong> do Espírito ... A impaciência (leia-se Kant) exige o impossível,que vem a ser a conquista do fim sem o meio. De um lado, <strong>de</strong>ve-sesuportar a longa extensão <strong>de</strong>sse caminho, pois ca<strong>da</strong> um dos momentos énecessário. De outro lado, é preciso <strong>de</strong>morar-se em ca<strong>da</strong> um dosmomentos, pois ca<strong>da</strong> um é uma figura individual total, e somente seráconsi<strong>de</strong>rado absolutamente na medi<strong>da</strong> em que for consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> sua__189__


<strong>de</strong>termini<strong>da</strong><strong>de</strong> como todo ou concreto, ou o todo for consi<strong>de</strong>rado naparticulari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>terminação. (HEGEL, 1991: p. 204)Já o existir é o Espírito que já terminou seu trabalho, “e no qual,por conseguinte, sua ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> e seu interesse já não mais resi<strong>de</strong>m”(HEGEL, 1991: p. 205). A existência é, pois, o superar (negativo) do <strong>de</strong>vir.Logo, conforme conclui com muita proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> LÊNIN, “Quando to<strong>da</strong>s ascondições <strong>da</strong> coisa estão disponíveis, ela entra na existência” (1989, p.137). MARX afirma o mesmo com relação à Ciência Social:Uma formação social nunca perece antes que estejam <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>sas forças produtivas para as quais ela é suficientemente <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>, enovas relações <strong>de</strong> produção mais adianta<strong>da</strong>s jamais tomarão o lugar,antes que suas condições materiais <strong>de</strong> existência tenham sido gera<strong>da</strong>s noseio mesmo <strong>da</strong> velha socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. É por isso que a humani<strong>da</strong><strong>de</strong> só se propõeas tarefas que po<strong>de</strong> resolver, pois, se se consi<strong>de</strong>ra mais atentamente, sechegará à conclusão <strong>de</strong> que a própria tarefa só aparece on<strong>de</strong> as condiçõesmateriais <strong>de</strong> sua solução já existem ... (1982c: p. 26).O existir, portanto, é ele já quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, pensamento <strong>de</strong>terminado eidêntico a si mesmo. O que temos aqui é o próprio “Nous” <strong>de</strong> Anaxágoras,filósofo citado por Hegel como aquele que primeiramente reconheceu aexistência <strong>da</strong> essência. O “Nous” é, na visão <strong>de</strong> Hegel, a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>irasubstância. Como possui i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, parece firme. Mas essa igual<strong>da</strong><strong>de</strong> étambém negativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, o que faz com que a coisa transite para sua própriadissolução.Ao contrário <strong>de</strong> Kant, Hegel não consi<strong>de</strong>ra o conhecimentomatemático um paradigma para a Filosofia. A Matemática, para Hegel, éum conhecimento formal, incapaz <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r o automovimento doconceito; apreen<strong>de</strong> apenas na fórmula o <strong>de</strong>vir do existir <strong>da</strong> coisa, não o<strong>de</strong>vir <strong>da</strong> coisa em sua essência. O método <strong>da</strong> matemática não po<strong>de</strong> poisser o <strong>da</strong> filosofia, pois “o método é a consciência acerca <strong>da</strong> forma doauto<strong>de</strong>senvolvimento interno do seu conteúdo ... É (portanto) o conteúdoem si, a dialética, que ele tem em si próprio e que o move adiante” (HEGELAPUD LÊNIN, 1989: p. 100).O aspecto formal do conhecimento matemático seria fruto, segundoHegel, <strong>da</strong> adoção <strong>da</strong> igual<strong>da</strong><strong>de</strong> (i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>) como pressuposto básico.__190__


Nesse sentido, Hegel o consi<strong>de</strong>ra uma intelecção exterior à coisa, quereduz o automovimento do conceito à matéria na qual aparece idêntico asi, exterior e sem vi<strong>da</strong>; por meio <strong>de</strong>sse conhecimento, portanto, a coisaver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira é altera<strong>da</strong>. Assim, embora um teorema matemático possa ser(formalmente) ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro, seu conteúdo é sempre falso. O conhecimentomatemático é assim colocado como o que busca um fim, um resultado,não se pren<strong>de</strong>ndo ao movimento íntimo <strong>da</strong> coisa. É portanto umconhecimento intrinsecamente negativo.A matéria <strong>da</strong> Filosofia, ao contrário, não é o inessencial, mas oexistir no seu conceito, a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> vista como “seu próprio movimento nointerior <strong>de</strong>la mesma” (HEGEL, 1991: p. 213).Já ENGELS, ao contrário <strong>de</strong> Hegel, não tem sobre a Matemáticaopinião assim tão radical. “O número é a mais pura <strong>de</strong>terminaçãoquantitativa que conhecemos. Mas está cheio <strong>de</strong> diferenças qualitativas ...Por conseguinte, o que diz Hegel a respeito <strong>da</strong> ausência <strong>de</strong> pensamento naaritmética é incorreto” (1979: p. 189). ENGELS cita como exemplo <strong>de</strong>raciocínio qualitativo em matemática o cálculo infinitesimal, “que tornoupossível, pela primeira vez, que a Ciência representasse,matematicamente, processos e não apenas estados” (1979: p. 191). Engelschama atenção também para o fato <strong>de</strong> que, quanto mais complexo o objeto<strong>de</strong> uma ciência, mais difícil é sua matematização.A reali<strong>da</strong><strong>de</strong> do Espírito é, em Hegel, a Idéia. A Idéia é o conceitoa<strong>de</strong>quado, “o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro como tal”. Nela resi<strong>de</strong> a essência <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>do conhecimento.Como se <strong>de</strong>u ... o resultado <strong>de</strong> a Idéia ser a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> do conceito e <strong>da</strong>objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro, não é <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rá-la apenas como um objetivo– do qual haveria que aproximar-se, mas que permaneceria ele própriosempre uma espécie <strong>de</strong> além –, mas <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que todo o real só é namedi<strong>da</strong> em que tem em si e expressa a Idéia. O objeto, o mundo objetivo esubjetivo, em geral, <strong>de</strong>vem não apenas ser congruentes com a Idéia, massão eles próprios a congruência do conceito e <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>; aquelareali<strong>da</strong><strong>de</strong> que não correspon<strong>de</strong> ao conceito é mero fenômeno – o subjetivo,contingente, arbitrário, inver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro. (HEGEL APUD LÊNIN, 1989: p. 176)__191__


Mas por que a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> é a Idéia? Porque ela é objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> maisconceito; porque todo o real – na medi<strong>da</strong> em que é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro – é Idéia. Eisaqui o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> noção <strong>de</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> em Hegel. O ser singular éapenas parte <strong>da</strong> Idéia. Para ser a própria Idéia, precisa juntar-se a outrasreali<strong>da</strong><strong>de</strong>s subsistentes por si. Só nessa ligação realiza-se o conceito. “Osingular por si não correspon<strong>de</strong> ao seu conceito; esta limiti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> suaexistência constitui a sua finitu<strong>de</strong> e a sua <strong>de</strong>cadência” (HEGEL APUDLÊNIN, 1989: p. 178).Portanto, a Idéia em Hegel é a própria Totali<strong>da</strong><strong>de</strong>. É a “possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>que tem em si própria sua reali<strong>da</strong><strong>de</strong> ... Nela (Idéia) estão conti<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s asrelações do entendimento, mas no seu infinito regresso e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> em si”(HEGEL APUD LÊNIN, 1989: p. 180). Na medi<strong>da</strong> em que a Idéia é tambémela própria processo, fica claro porque o conceito jamais alcançainteiramente a Idéia, a não ser no infinito.A dialética é em Hegel precisamente o método para o conhecimento<strong>da</strong> Idéia. “O método absoluto ... não se comporta como reflexão exterior,mas toma o <strong>de</strong>terminado a partir <strong>de</strong> seu próprio objeto, uma vez que elepróprio (objeto) é o princípio imanente e a alma <strong>de</strong>le (do método)” (HEGELAPUD LÊNIN, 1989: p. 198).A dialética, portanto, como método, correspon<strong>de</strong> ao própriocomportar-se <strong>da</strong> Idéia. É então, como afirma Engels, “ciência <strong>da</strong>srelações”, em oposição à Metafísica como “ciência <strong>da</strong> separação”. LÊNIN,utilizando a mesma noção, afirma que “Resumi<strong>da</strong>mente po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>finir aDialética como a doutrina <strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> dos contrários. Com isso abarcarse-áo núcleo <strong>da</strong> dialética, mas isso exige esclarecimentos e<strong>de</strong>senvolvimento” (1989: p. 200).A idéia <strong>de</strong> dialética é bastante antiga. Remete até mesmo a antes <strong>de</strong>Platão. Já os eleáticos a haviam usado para combater a própria noção <strong>de</strong>movimento, o que significa que usaram premissas <strong>da</strong> dialética (ain<strong>da</strong> que<strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista subjetivo e exterior) para combater a própriaDialética.A dialética realmente positiva, porém, consiste não na contradiçãocomo enlaçamento exterior, mas como o transitar entre os opostos. “Não é__192__


a negação vazia, não é a negação gratuita, não é a ... vacilação, dúvi<strong>da</strong>cética ... mas a negação como momento <strong>da</strong> conexão, como momento do<strong>de</strong>senvolvimento, como retenção do positivo, isto é, ... sem qualquerecletismo” (LÊNIN, 1989: p. 203).De fato, o pensar dialético põe o vir-a-ser como o conteúdo, oconceito e o existir lógico <strong>da</strong> coisa. O saber dialético é, então, “a astúciaque, parecendo subtrair-se à ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, vê como a <strong>de</strong>termini<strong>da</strong><strong>de</strong> e suavi<strong>da</strong> concreta, justamente quando julgam perseguir sua própriaconservação e seu interesse particular, realizam o inverso e constituemum agir que se dissolve e se faz momento do todo” (HEGEL, 1991: p. 217).Já o pensar anti-dialético, metafísico, “faz <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> lei sua,<strong>de</strong>ixa o conteúdo contraditório que tem perante si cair na esfera <strong>da</strong>representação, no espaço e no tempo, on<strong>de</strong> o contraditório é mantido fora<strong>de</strong>-sinum um-ao-lado-do-outro e num a-seguir-um-ao-outro, e, assim,aparece perante a consciência sem o contato recíproco” (HEGEL APUDLÊNIN, 1989: p. 204). Não é que o formalismo não conceba <strong>de</strong> nenhummodo a contradição. Ele até chega a pensá-la, “só que <strong>de</strong>svia logo o olhar<strong>de</strong>la e ... transita <strong>de</strong>la apenas para a negação abstrata” (HEGEL APUDLÊNIN, 1989: p. 205).Da afirmação acima po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r a força que possui ain<strong>da</strong>hoje o princípio aristotélico <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, o qual põe <strong>de</strong> lado to<strong>da</strong> anegativi<strong>da</strong><strong>de</strong>. No pensamento dialético, ao contrário, a negativi<strong>da</strong><strong>de</strong>é a fonte mais interior <strong>de</strong> to<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, do automovimento vivo eespiritual, a alma dialética que todo o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro tem em si próprio,através <strong>da</strong> qual somente ele é um ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro; pois somente sobre estasubjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> repousa o superar <strong>da</strong> oposição entre conceito e reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e auni<strong>da</strong><strong>de</strong> que é a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. – O segundo negativo, a negação <strong>da</strong> negação, aoqual chegamos, é aquele superar <strong>da</strong> contradição; ... é o momento maisinterior, mais objetivo ... pelo qual há um sujeito ... livre. (HEGEL APUDLÊNIN, 1989: p. 205)A profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> crítica <strong>de</strong> Hegel ao agnosticismo <strong>da</strong> Escola <strong>de</strong>Oxford só é comparável à rotun<strong>da</strong> crítica <strong>de</strong> Descartes ao ceticismorenascentista. De fato, com Hegel o conhecimento é recolocado nos trilhos__193__


<strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, na medi<strong>da</strong> em que é <strong>de</strong>finitivamente superado o dualismoagnóstico.Mas os frutos <strong>de</strong>ssa superação só serão plenamente colhidos com ostambém alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895),que superam o método hegeliano fun<strong>da</strong>ndo uma concepção inteiramentenova a respeito do conhecimento. Essa concepção assenta-se em umadialética <strong>de</strong> tipo objetivo-materialista, ou, o que dá no mesmo, em ummaterialismo <strong>de</strong> tipo mo<strong>de</strong>rno, que incorpora em si as principaisconquistas do pensamento dialético-i<strong>de</strong>alista.A essência do corte epistemológico operado por Marx com aFilosofia anterior está em que fun<strong>da</strong> a noção <strong>de</strong> Totali<strong>da</strong><strong>de</strong> não na ‘Idéia’,mas no conceito <strong>de</strong> Prática Social – ou simplesmente Práxis. Isso trazprofun<strong>da</strong>s conseqüências para a história do conhecimento – e, emparticular, para a distinção entre Ciência e Filosofia, a qual entra emcolapso diante <strong>da</strong> noção <strong>de</strong> Práxis.A nova concepção materialista fun<strong>da</strong><strong>da</strong> por Marx e Engels – omaterialismo histórico – possui como núcleo a gnoseologia hegeliana. Damesma forma que o hegelianismo, o marxismo é também uma espécie <strong>de</strong>pensamento monista – busca a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a conexãouniversal. Nesse sentido, combate tanto quanto Hegel a unilaterali<strong>da</strong><strong>de</strong>metafísica, a qual gera uma totali<strong>da</strong><strong>de</strong> fragmentária e dispersa, base dorelativismo.O materialismo histórico, portanto, <strong>da</strong> mesma forma que o i<strong>de</strong>alismoobjetivo hegeliano, fun<strong>da</strong>menta a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento objetivona noção <strong>de</strong> Totali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mas a Totali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Marx não é i<strong>de</strong>al, isto é, nãose fun<strong>da</strong>menta no pensamento, mas na própria reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Isso, porque agnoseologia hegeliana aparece em Marx conjuga<strong>da</strong> a uma ontologiamaterialista, que resolve a dicotomia entre Ser e Pensar não na Idéia,mas na própria reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social.Ao colocar a noção <strong>de</strong> Práxis como essência <strong>de</strong> seu pensamento, omaterialismo mo<strong>de</strong>rno estabelece com a Ciência uma profun<strong>da</strong> conexão.Fruto direto do imenso avanço <strong>da</strong>s forças produtivas <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado pelo__194__


<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> Ciência Natural, o materialismo histórico preocupa-seespecialmente com a influência <strong>da</strong> prática científica na constituição <strong>de</strong>visões <strong>de</strong> mundo, e, inversamente, com a influência <strong>de</strong> visões <strong>de</strong> mundona constituição <strong>da</strong>s diversas ciências.Além disso, o materialismo mo<strong>de</strong>rno busca expressar sua noção <strong>de</strong>totali<strong>da</strong><strong>de</strong> em uma síntese construí<strong>da</strong> a partir <strong>de</strong> noções importantes <strong>da</strong>sciências especializa<strong>da</strong>s. Tal síntese expressa aspectos <strong>da</strong> essência <strong>da</strong>reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. A conservação <strong>da</strong> energia, por exemplo, é manifestação, naforma <strong>de</strong> lei científica, do princípio dialético <strong>da</strong> transformação <strong>da</strong>quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> em quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois, para que uma forma <strong>de</strong> energia sejatransforma<strong>da</strong> em outra, é necessário <strong>de</strong>terminado acréscimo ou subtração<strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> movimento.O materialismo histórico é portanto um método epistemológico,que não serve para “criar” novas <strong>teoria</strong>s científicas, mas para generalizálashistórica e epistemologicamente, apontando em que medi<strong>da</strong> revelamaspectos importantes ao avanço <strong>da</strong> prática social.Qual a diferença entre o materialismo mo<strong>de</strong>rno e o materialismoanterior, comumente chamado <strong>de</strong> “mecânico” ou “vulgar”? Há emprimeiro lugar diferenças <strong>de</strong> conteúdo social. As duas formas <strong>de</strong>materialismo surgem <strong>de</strong> processos sociais distintos. O materialismomecânico é a visão construí<strong>da</strong> pela burguesia revolucionária paracombater o pensamento medieval, abrindo caminho, <strong>de</strong>ssa forma, para oavanço <strong>da</strong> Ciência Natural e, conseqüentemente, para o progresso <strong>da</strong>sforças produtivas. Já o materialismo histórico é a concepção <strong>de</strong> mundo doproletariado revolucionário, que a usa como arma <strong>de</strong> combate contra asformas <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ntes nas quais se tornou o materialismo anterior,<strong>de</strong>generado no chamado “empireocriticismo”. Ao combater tais i<strong>de</strong>ologiascéticas e relativistas, o materialismo mo<strong>de</strong>rno busca afirmar a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>do progresso em direção a novas e mais avança<strong>da</strong>s formas <strong>de</strong> organizaçãosocial. Isso era exatamente o que fazia o materialismo mecânico em seusprimórdios, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> que visões <strong>de</strong> mundo materialistas estãocomumente liga<strong>da</strong>s a forças sociais renovadoras.__195__


Do ponto <strong>de</strong> vista estritamente epistemológico, as diferenças entreas duas formas <strong>de</strong> materialismo relacionam-se intimamente à concepçãogeral <strong>de</strong> movimento. O materialismo mo<strong>de</strong>rno concebe “o movimento, emseu sentido mais geral, ... como forma <strong>de</strong> existência, como atributoinerente à matéria, (que) compreen<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as transformações e processosque se produzem no Universo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as simples mu<strong>da</strong>nças <strong>de</strong> lugar até àelaboração do pensamento” (ENGELS, 1979: p. 41).Portanto, para o materialismo mo<strong>de</strong>rno o movimento não éaci<strong>de</strong>ntal, mas, como em Hegel, atributo essencial, <strong>de</strong> forma que, se amatéria é incriável e in<strong>de</strong>strutível, o movimento também o é. Omaterialismo mecânico concebia a mera mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> lugar como a únicae, portanto, como a mais eleva<strong>da</strong> forma <strong>de</strong> movimento. O materialismohistórico reconhece que, <strong>de</strong> fato, todo movimento liga-se à mu<strong>da</strong>nçamecânica <strong>de</strong> lugar, mas assinala que esta não se constitui na totali<strong>da</strong><strong>de</strong>do movimento, senão em um aspecto inseparável <strong>de</strong>la. “Quanto maiseleva<strong>da</strong> a forma <strong>de</strong> movimento, tanto menor a mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> lugar”(ENGELS, 1979: p. 41).A visão <strong>de</strong> movimento subjacente ao materialismo mecânico é afonte <strong>da</strong> conheci<strong>da</strong> explicação <strong>da</strong>s causas do movimento a partir <strong>de</strong>forças, obscuro conceito <strong>da</strong> mecânica que serve menos para conhecer quepara <strong>de</strong>sculpar-se perante a incompetência em conhecer. Já Hegelressaltava que a explicação por meio <strong>de</strong> “forças” é, em geral, tautológica:explica, por exemplo, o movimento <strong>da</strong> Terra como “força <strong>de</strong> atração dosol”. Mas que força é essa? Essa explicação correspon<strong>de</strong> ao mesmo quedizer: “o movimento na<strong>da</strong> mais é que o movimento”. A respeito dissoafirma ENGELS:Constitui maneira muito peculiar <strong>de</strong> objetivar, essa <strong>de</strong> introduzir, numa leijá estabeleci<strong>da</strong> como in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> nossa subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> ... o conceitopuramente subjetivo <strong>de</strong> força ... Não se acrescenta a mínima objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>nova à <strong>de</strong> uma lei já estabeleci<strong>da</strong> ou à objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma ação quandonela introduzimos uma força: o que lhe acrescentamos é a nossaafirmação subjetiva <strong>de</strong> que ela atua em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma força inteiramente<strong>de</strong>sconheci<strong>da</strong> no momento ... É neste ponto, precisamente, que adquireum sentido essa objetivação que é, antes, uma subjetivação: não porquetenhamos reconhecido inteiramente a lei, mas sim, exatamente, porqueain<strong>da</strong> nos encontramos às escuras ... Com esse mesmo direito os__196__


escolásticos <strong>da</strong> I<strong>da</strong><strong>de</strong> Média explicavam as mu<strong>da</strong>nças <strong>de</strong> temperatura pormeio <strong>de</strong> uma ‘vis calorífica’ e <strong>de</strong> uma ‘vis frigifaciens’, fugindo assim aqualquer investigação ... (1979: p.s 51-52)Ain<strong>da</strong> mais o conceito <strong>de</strong> força distorce o entendimento dosfenômenos quando os torna unilaterais. Todos os processos naturais sãorelações, logo processos bilaterais. Portanto, o que o conceito <strong>de</strong> forçaquer expressar nunca é totalmente uma força, pela menos não no sentido<strong>da</strong> própria Mecânica (para quem a uma ação sempre correspon<strong>de</strong> umareação). Essa Ciência po<strong>de</strong>, porém, <strong>da</strong>r-se o luxo <strong>de</strong> utilizar tal conceitoabstrato porque, nela, “consi<strong>de</strong>ram-se as causas do movimento como<strong>da</strong><strong>da</strong>s: ninguém se preocupa com sua origem, mas apenas com seusefeitos” (ENGELS, 1979: p. 55). O conceito <strong>de</strong> força obscureceespecialmente a noção <strong>de</strong> movimento, colocando-o como externo à coisa,ao invés <strong>de</strong> apreendê-lo como interno, ou, simplesmente, comoautomovimento.Não preten<strong>de</strong>mos porém dizer, com isso, que não haja na<strong>da</strong> <strong>de</strong>efetivamente real relacionado ao conceito <strong>de</strong> “força”. Hegel apresenta umainteressante <strong>de</strong>finição dialética <strong>de</strong>sse conceito, afirmando que “força” é “auni<strong>da</strong><strong>de</strong> negativa em que a contradição do todo e <strong>da</strong>s partes se resolveu”.Essa é uma <strong>de</strong>finição surpreen<strong>de</strong>nte, pois vê a força como algo interno,não como coisa impingi<strong>da</strong> externamente por qualquer po<strong>de</strong>r estranho.O materialismo histórico, portanto, apreen<strong>de</strong> o movimento <strong>de</strong> umaforma mais abstrata que o materialismo mecânico. Este último toma umaspecto isolado, uma manifestação empírica do movimento (o<strong>de</strong>slocamento espacial) como sendo o movimento em geral.Diferentemente, o materialismo mo<strong>de</strong>rno chega à máxima abstração <strong>de</strong>movimento já imagina<strong>da</strong> pelo Homem.Na visão do materialismo marxista, a forma fun<strong>da</strong>mental <strong>de</strong> todomovimento é a contradição. A negativi<strong>da</strong><strong>de</strong> heraclítica é, nesse sentido,reafirma<strong>da</strong> e aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong> por Marx e Engels. Nessa perspectiva, aoposição entre atração e repulsão <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser vista como oposição entreduas forças e passa a ser concebi<strong>da</strong> como a oposição entre formaselementares do movimento. Com efeito, todo e qualquer movimento__197__


constitui-se em um intercâmbio <strong>de</strong> opostos, que <strong>de</strong>vem se compensarentre si. Se ambos se equilibram, ou se um dos dois predomina, ou, ain<strong>da</strong>,se ca<strong>da</strong> um dos opostos se transfere para uma parte distinta e isola<strong>da</strong> <strong>da</strong>matéria, então o movimento entra em colapso. Na concepção dialética,porém, essas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s são excluí<strong>da</strong>s <strong>de</strong> antemão.Já HEGEL afirmara, sobre a tradicional dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> do pensamentohabitual em compreen<strong>de</strong>r a contradição e o movimento, que “A ternurahabitual para com as coisas ... que apenas cui<strong>da</strong> <strong>de</strong> que elas não secontradigam, esquece aqui ... que, com isso, a contradição não é resolvi<strong>da</strong>,mas apenas empurra<strong>da</strong> para outro sítio, em geral, para a reflexãosubjetiva ou exterior” (APUD LÊNIN, 1989: p. 128).De fato, um dos preconceitos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> Lógica Aristotélica éo <strong>de</strong> colocar a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> hierarquicamente acima <strong>da</strong> contradição,enquanto que é esta última a mais profun<strong>da</strong>. A contradição, vistacomumente como contingência, ou até mesmo como aberração mórbi<strong>da</strong>, éna ver<strong>da</strong><strong>de</strong> a raiz <strong>de</strong> todo o movimento e vitali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mesmo a experiênciasensível <strong>de</strong>tecta coisas contraditórias, mas as coloca em geral comoexceção, como mero <strong>de</strong>slocamento espacial <strong>de</strong> algo que é sempre idênticoa si. Mas a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> é que, como já lembrava Heráclito na metáfora do rio,algo que se moveu no espaço não é mais o mesmo. “Algo só se move nãona medi<strong>da</strong> em que neste ‘agora’ está aqui e num outro ‘agora’ está ali, masna medi<strong>da</strong> em que num e mesmo ‘agora’ está aqui e não ali, na medi<strong>da</strong> emque neste aqui simultaneamente é e não é ... O movimento é a contradiçãoexistindo” (HEGEL APUD LÊNIN, 1989: p. 132).Portanto, conforme acentua LÊNIN, a <strong>de</strong>finição dialética <strong>de</strong>movimento correspon<strong>de</strong> a uma concepção “<strong>de</strong> movimento <strong>de</strong> moto próprio,autônomo, espontâneo, interno-necessário” (1989: p. 132).É justamente por conceber o movimento como atributo fun<strong>da</strong>mental<strong>da</strong> matéria que o materialismo mo<strong>de</strong>rno concebe a relação sujeito/objeto<strong>de</strong> forma radicalmente distinta do materialismo anterior – este últimomuito bem sintetizado no empirismo em suas diversas manifestações.O empirismo vê a relação sujeito/objeto <strong>de</strong> forma estanque. Ele nãoa concebe como uma oposição dialética em permanente mu<strong>da</strong>nça e__198__


<strong>de</strong>senvolvimento, mas apenas como uma indissolúvel antinomia. É em<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>ssa concepção <strong>de</strong> relação sujeito/objeto que o empirismo,como vimos anteriormente, sempre viveu embaraçado com a noçãopuramente ilusória <strong>de</strong> uma “substância material” à parte do pensamento.Para o materialismo histórico tal substância não existe, pois, tal comoHegel já o <strong>de</strong>clarara, já ela é mediação, já ela é coisa do pensamento.A concepção <strong>de</strong> uma “substância material” aparta<strong>da</strong> do pensamento– calcanhar-<strong>de</strong>-aquiles do empirismo, que em última instância o levou aoagnosticismo – é critica<strong>da</strong> por Marx e Engels por tornar o pensamentomeramente passivo, contemplativo, isto é, por fazer do pensar em geralalgo essencialmente exterior à coisa (coisa esta que, não sem razão, logose tornaria “em-si”).Segundo Marx, isso <strong>de</strong>corre do fato <strong>de</strong> que o materialismo vulgarnão compreen<strong>de</strong> o mundo sensível como ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> prática.A principal insuficiência <strong>de</strong> todo o materialismo até os nossos dias ... é queas coisas, a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, o mundo sensível são tomados apenas sob a formado objeto ou <strong>da</strong> contemplação, mas não como ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> sensívelhumana, práxis, não no sentido subjetivo. Por isso aconteceu que o ladoativo (do pensamento) foi <strong>de</strong>senvolvido, em oposição ao materialismo, peloi<strong>de</strong>alismo – mas apenas abstratamente, pois que o i<strong>de</strong>alismo naturalmentenão conhece a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> sensível, real, como tal. Feuerbach quer objetossensíveis realmente distintos dos objetos do pensamento; mas não toma aprópria ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> humana como ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva. (MARX, 1982b: p. 1)De fato, também Lênin, em seus estudos sobre Hegel, chamavaatenção para o fato <strong>de</strong> que o conceito abstrato <strong>de</strong> matéria é como tal nãomais que uma abstração, algo sem existência efetiva no sentido <strong>de</strong> ser<strong>da</strong>do à intuição. Citando HEGEL, ele afirma: “Quando se abstrai <strong>de</strong> to<strong>da</strong>sas <strong>de</strong>terminações, <strong>de</strong> to<strong>da</strong> forma <strong>de</strong> um algo, resta a matériain<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>” (APUD LÊNIN, 1989: p. 135). Ou seja: a matéria em geral,como i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> consigo própria sem qualquer forma ou <strong>de</strong>terminação, épuramente abstrata. O que é <strong>da</strong>do à percepção sensível é a matéria<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>, isto é, a matéria na sua uni<strong>da</strong><strong>de</strong> com a forma. A matériain<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> (o mesmo que a ‘coisa-em-si’) é abstração vazia <strong>de</strong><strong>de</strong>terminação, e por isso é <strong>de</strong> fato incognoscível – mas o é somente no__199__


sentido <strong>de</strong> que nela na<strong>da</strong> há que se conhecer, a não ser o fato <strong>de</strong> que éinteiramente <strong>de</strong>sprovi<strong>da</strong> <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>termini<strong>da</strong><strong>de</strong> ou quali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Portanto, o gran<strong>de</strong> problema do antigo materialismo está emconceber a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> extra-mental como sendo mais real do que o própriopensamento, o que tornava este último passivo, meramente contemplativo.A radicalização <strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong> vista leva, em Hume e Kant, à completaimpotência do pensamento: o puro agnosticismo.Já Hegel superara criticamente esse ponto <strong>de</strong> vista. Troçando <strong>de</strong>le,afirmava o gran<strong>de</strong> filósofo alemão:“ É apenas um conceito!”, costuma-se dizer, quando se lhe contrapõe nãoapenas a Idéia, mas a existência palpável, sensível ... como algo que fossemais excelente que o conceito. Consi<strong>de</strong>ra-se então o abstrato comomenor do que o concreto, porque nele haveria sido <strong>de</strong>ixa<strong>da</strong> <strong>de</strong> partemuito <strong>de</strong>ssa matéria. O abstrair, segundo essa opinião, tem a significação<strong>de</strong> que, apenas para nosso uso subjetivo, foi tirado do concreto um ououtro caráter, <strong>de</strong> tal modo que, com o <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> parte <strong>de</strong> tantasproprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s ... do objeto, na<strong>da</strong> lhe <strong>de</strong>ve ter sido cortado no que toca aoseu valor e à sua digni<strong>da</strong><strong>de</strong> ... <strong>de</strong> tal modo que seria apenas incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>do entendimento não recolher semelhante riqueza e ter <strong>de</strong> se concentrarcom a indigente abstração. Ora, se a matéria <strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>da</strong> intuição e <strong>da</strong>representação são toma<strong>da</strong>s, face ao pensado e ao conceito, como o real – éesta uma perspectiva cujo abandono é ... condição do filosofar ... Opensamento abstrativo é <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar, portanto, não como mero por <strong>de</strong>lado <strong>da</strong> matéria sensível ... mas ele é antes o superar e a redução <strong>de</strong>la,como puro fenômeno, ao essencial ... no conceito. (HEGEL APUD LÊNIN,1989: p.s 154-155)Do exposto acima, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r que a gnoseologiado marxismo não é empírica. Ao contrário disso, a visão <strong>de</strong> mundoinaugura<strong>da</strong> por Marx e Engels tem como núcleo a própria dialéticahegeliana. Mas esta última comparece agora livre <strong>da</strong>s idiossincrasias dosistema hegeliano. Esse sistema entrava muitas vezes em contradiçãocom seu método, ficando o “lado revolucionário ... abafado sob o ladoconservador que o afixia” (ENGELS, 1982: p. 382).De fato, a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> construir um sistema filosófico fechandoo,como <strong>de</strong> praxe, com uma ver<strong>da</strong><strong>de</strong> absoluta, fez Hegel <strong>de</strong>clarar seupróprio sistema como um dogma. Assim, sempre <strong>de</strong>senhou-se em torno <strong>da</strong>filosofia <strong>de</strong> Hegel uma contradição entre os que respal<strong>da</strong>m-se em seusistema (conservador) e os que privilegiam seu método (revolucionário).__200__


Já na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 30 do século passado essa cisão se encontrava bemacentua<strong>da</strong> entre os seguidores <strong>da</strong> doutrina <strong>de</strong> Hegel na Europa. Nesseperíodo, a ala esquer<strong>da</strong> – a dos chamados jovens hegelianos, queprivilegiavam o método hegeliano – serviu <strong>de</strong> ante-sala <strong>da</strong> filosofiamarxista.Portanto, há enorme i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> epistemológica entre Hegel e omaterialismo mo<strong>de</strong>rno. E, ao contrário do que pensam muitos, o mesmonão ocorre com a relação entre esse mesmo materialismo e o empirismo.De fato, em crítica ao ponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong> gnoseologia empírica, afirmaMarx na “Introdução à Crítica <strong>da</strong> Economia Política”:Parece que o correto é começar pelo real e pelo concreto, que são apressuposição prévia e efetiva; assim, em Economia, por exemplo,começar-se-ia pela população, que é a base e o sujeito do ato social <strong>de</strong>produção como um todo. No entanto, graças a uma observação maisatenta, tomamos conhecimento <strong>de</strong> que isso é falso. A população é umaabstração se <strong>de</strong>sprezarmos, por exemplo, as classes que a compõem ...Assim, se começássemos pela população, teríamos uma representaçãocaótica do todo, e ... através <strong>de</strong> uma análise, chegaríamos a conceitos ca<strong>da</strong>vez mais simples; do concreto i<strong>de</strong>alizado passaríamos a abstrações ca<strong>da</strong>vez mais tênues até atingirmos <strong>de</strong>terminações as mais simples. (MARX,1982a: p. 14).Portanto, a maior <strong>de</strong>ficiência do empirismo está em não perceberque o concreto imediato não nos é “<strong>da</strong>do”, não está “fora” do pensamento,mas é ele próprio representação, e, portanto, ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> do pensamento. A“população” não é uma concreção, mas, ao contrário, uma abstração, ea<strong>de</strong>mais caótica, do todo.Neste ponto é inevitável recor<strong>da</strong>r um trecho <strong>de</strong> HEGEL a respeito doprocesso <strong>de</strong> análise, que <strong>de</strong>senvolve idéia semelhante à exposta acima:O processo <strong>de</strong> analisar uma representação, tal como comumente eraconduzido, consistia somente na supressão <strong>da</strong> forma do seu serconhecido.Dividir uma representação nos seus elementos originais éremontar aos seus momentos que, como condição mínima, não tenham aforma <strong>de</strong> representação previamente encontra<strong>da</strong> mas constituam aproprie<strong>da</strong><strong>de</strong> imediata do Si. Essa análise chega, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, apensamentos que são <strong>de</strong>terminações já conheci<strong>da</strong>s, firmes e bemassenta<strong>da</strong>s. Mas este separado, sendo ele próprio inefetivo, é um momentoessencial, pois, somente pelo fato <strong>de</strong> que o concreto se divi<strong>de</strong> e se fazinefetivo, ele é o que se move. (1991, p. 205)__201__


Para MARX, igualmente, o método exato é aquele que percebe que“O concreto é concreto porque é síntese <strong>de</strong> muitas <strong>de</strong>terminações, isto é,uni<strong>da</strong><strong>de</strong> do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como oprocesso <strong>da</strong> síntese, como o resultado, não como o ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong>que seja o ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> efetivo e, portanto, o ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> também<strong>da</strong> intuição e <strong>da</strong> representação. No primeiro método (o empírico), arepresentação plena volatiliza-se em <strong>de</strong>terminações abstratas; no segundo,as <strong>de</strong>terminações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meiodo pensamento” (1982 a: p. 14).Comparemos esse trecho <strong>de</strong> Marx com a crítica <strong>de</strong> Hegel ao métodoindutivo. Para este último, o indutivismoencobre o engano do conhecer que admitiu unilateralmente experiênciasatravés <strong>da</strong>s quais ele somente podia chegar às suas <strong>de</strong>finições eprincípios simples – e, com isso, elimina a refutação a partir <strong>da</strong>experiência, uma vez que toma e faz valer essa experiência, não na suatotali<strong>da</strong><strong>de</strong> concreta, mas como exemplo, e, <strong>de</strong>certo, pelo lado que aproveitaàs hipóteses e à <strong>teoria</strong>. Nesta subordinação <strong>da</strong> experiência concreta às<strong>de</strong>terminações pressupostas a base <strong>da</strong> <strong>teoria</strong> obscurece-se, é mostra<strong>da</strong>apenas pelo lado que está conforme à <strong>teoria</strong>. (HEGEL APUD LÊNIN, 1989:p. 190)Do exposto acima po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r o caráter essencialmente<strong>de</strong>dutivo <strong>da</strong> gnoseologia dialética. Quer isso dizer que o raciocíniodialético utiliza-se largamente do procedimento <strong>de</strong> abstração científica,isto é, do procedimento <strong>de</strong> partir sempre <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s mais gerais, <strong>da</strong>abstração mais primordial, ou simplesmente <strong>da</strong> essência – aquilo que acoisa tem <strong>de</strong> comum em qualquer <strong>de</strong> suas manifestações – indo <strong>de</strong>la aproprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s mais específicas e <strong>de</strong>monstrando em que condições essasproprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s mais específicas se manifestam. Segundo MARX, “O métodoque consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira<strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzilocomo concreto pensado” (1982 a: p. 14). HEGEL afirma coisa bastantesemelhante ao postular que o método “é o conceito puro que se relacionaapenas consigo próprio ... Mas também há o Ser preenchido, o conceitoque se concebe a si próprio, o Ser como totali<strong>da</strong><strong>de</strong> concreta” (APUDLÊNIN, 1989: p. 208). É notável, aqui, o fato <strong>de</strong> que já Hegel pressupunha__202__


a noção <strong>de</strong> totali<strong>da</strong><strong>de</strong> concreta, embora ain<strong>da</strong> não a tivesse como elementoessencial <strong>de</strong> seu pensamento.Mas, a partir do exposto acima, chegamos à surpreen<strong>de</strong>nteconclusão <strong>de</strong> que, no âmbito do conhecimento, o pensamentoefetivamente “produz” o real. Não no sentido subjetivo, segundo o qualqualquer pensamento já é só por isso ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro (o pensamentoinver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro é justamente aquele que se concebe autônomo do real), masno sentido <strong>de</strong> que o Homem produz o mundo muito mais do que esteproduz o Homem. O pensamento, portanto, cria a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> no sentido <strong>de</strong>que ele também é ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> prática.Se a divisão do trabalho havia engendrado a noção <strong>de</strong> umpensamento apartado <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> prática (concebendo esta últimaapenas no sentido corporal), é a própria prática social que restitui opensamento à reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.... O movimento <strong>da</strong>s categorias aparece como o ato <strong>de</strong> produção efetivo –que recebe infelizmente apenas um impulso do exterior -, cujo resultado éo mundo, e isso é certo ... na medi<strong>da</strong> em que a totali<strong>da</strong><strong>de</strong> concreta, comouma totali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamentos, como um concreto <strong>de</strong> pensamentos, é<strong>de</strong> fato um produto do pensar, do conceber; não é (porém) <strong>de</strong> modonenhum o produto do conceito que pensa separado e acima <strong>da</strong> intuição e<strong>da</strong> representação, e que engendra a si mesmo, mas <strong>da</strong> elaboração <strong>da</strong>intuição e <strong>da</strong> representação em conceitos ... O sujeito real permanecesubsistindo, agora como <strong>da</strong>ntes, em sua autonomia fora do cérebro, isto é,na medi<strong>da</strong> em que o cérebro não se comporta senão especulativamente,teoricamente. (MARX, 1982 a: p. 15)Vin<strong>da</strong>s <strong>da</strong> pena <strong>de</strong> um notório materialista como Marx, essasafirmações po<strong>de</strong>m soar surpreen<strong>de</strong>ntes. Mas só o são se não lembrarmosque nelas resi<strong>de</strong> a essência do corte epistemológico operado pelomarxismo com relação à filosofia anterior, para a qual ou a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>existia apenas fora do pensamento, ou a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> nunca existiu, e só oque existia era sempre o pensamento.A elaboração materialista histórica traz em si, sem sombra <strong>de</strong>dúvi<strong>da</strong>, diversos elementos her<strong>da</strong>dos <strong>da</strong> gnoseologia hegeliana. Isso se<strong>de</strong>monstra pelas afirmações <strong>de</strong> Hegel a respeito do progresso doconhecimento:__203__


O conhecer corre <strong>de</strong> conteúdo em conteúdo. Em primeiro lugar, esteprosseguir <strong>de</strong>termina-se pelo fato <strong>de</strong> começar com <strong>de</strong>termini<strong>da</strong><strong>de</strong>ssimples e por as seguintes serem sempre mais ricas e mais concretas.Pois o resultado contém o seu começo e o <strong>de</strong>curso <strong>de</strong>ste enriqueceu aquelecom uma nova <strong>de</strong>termini<strong>da</strong><strong>de</strong> ... O conceito ... em ca<strong>da</strong> estágio <strong>de</strong> ulterior<strong>de</strong>terminação eleva to<strong>da</strong> a massa do seu conteúdo anterior, e, pelo seuprosseguir dialético, não só ele não per<strong>de</strong> na<strong>da</strong> nem <strong>de</strong>ixa algo para trás,como traz consigo todo o adquirido e enriquece-se e con<strong>de</strong>nsa-se em si ...O mais rico é, portanto, o mais concreto e o mais subjetivo, e o que seretira para a profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> mais simples é o mais po<strong>de</strong>roso e o maisabarcante ... É <strong>de</strong>ste modo que ca<strong>da</strong> passo do prosseguimento no<strong>de</strong>terminar ulterior, na medi<strong>da</strong> em que se afasta do começoin<strong>de</strong>terminado, é também uma retroaproximação <strong>de</strong>le e que, com isto, oque primeiro podia aparecer como diverso – o fun<strong>da</strong>mentar regressivo docomeço e o seu <strong>de</strong>terminar progressivo ulterior – coinci<strong>de</strong>m e são omesmo. (HEGEL APUD LÊNIN, 1989: p. 207)O fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> gnoseológica entre Hegel e o marxismoresi<strong>de</strong> na <strong>de</strong>terminação dos três momentos do conhecimento. Em Marx,esses momentos assumem a forma <strong>de</strong> intuição imediata, universalabstrato e concreto pensado. Para HEGEL (1991: p. 193), esse movimentotriádico do pensamento consiste em sair <strong>da</strong> “imediati<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>substancial para a universali<strong>da</strong><strong>de</strong> do pensamento <strong>da</strong> coisa em geral,apreen<strong>de</strong>ndo a concreta e rica plenitu<strong>de</strong> segundo as <strong>de</strong>termini<strong>da</strong><strong>de</strong>s, eindo <strong>de</strong>sta universali<strong>da</strong><strong>de</strong> à plenitu<strong>de</strong> do conceito que penetra naprofundi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> coisa”.Contudo, há uma condição para que possamos i<strong>de</strong>ntificarplenamente o método dialético <strong>de</strong> Hegel ao <strong>de</strong> Marx e Engels. Conformeeluci<strong>da</strong> Lênin, é necessário “<strong>de</strong>scascar” Hegel para <strong>de</strong>scobrir Marx.De fato, o materialismo mo<strong>de</strong>rno representa uma superação dohegelianismo. Não porém no sentido <strong>de</strong> que essa filosofia foi simplesmentenega<strong>da</strong> e <strong>de</strong>ixa<strong>da</strong> <strong>de</strong> lado. Ao contrário, conforme explica ENGELS,Não se vence uma filosofia simplesmente com o <strong>de</strong>clará-la falsa. E umaobra tão po<strong>de</strong>rosa como a filosofia <strong>de</strong> Hegel ... não se <strong>de</strong>ixou pôr <strong>de</strong> ladopelo fato <strong>de</strong> se a ignorar sem mais. Ela tinha <strong>de</strong> ser supera<strong>da</strong> em seupróprio sentido, isto é, no sentido em que sua forma fosse criticamenteaniquila<strong>da</strong>, mas o novo conteúdo através <strong>de</strong>la ganho fosse salvo. (1982, p.387)__204__


De fato, Marx alerta para o fato <strong>de</strong> que a maneira <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r dopensamento, indo do mais abstrato ao mais concreto para reproduzir areali<strong>da</strong><strong>de</strong> sob a forma <strong>de</strong> concreto pensado, <strong>de</strong>ixa-nos com a falsaimpressão <strong>de</strong> que esse é o processo <strong>de</strong> gênese do próprio concreto. “Porisso é que Hegel caiu na ilusão <strong>de</strong> conceber o real como resultado dopensamento que se sintetiza em si, se aprofun<strong>da</strong> em si e se move por simesmo ... Mas este não é <strong>de</strong> modo nenhum o processo <strong>de</strong> gênese dopróprio concreto” (MARX, 1982 a: p. 14).MARX alerta ain<strong>da</strong> para o fato <strong>de</strong> que as categorias mais abstratas,apesar <strong>de</strong> sua vali<strong>da</strong><strong>de</strong> para to<strong>da</strong>s as épocas, são, contudo ... igualmenteproduto <strong>de</strong> condições históricas ... A socie<strong>da</strong><strong>de</strong> burguesa é a organizaçãohistórica mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>, mais diferencia<strong>da</strong> <strong>da</strong> produção. As categoriasque exprimem suas relações ... permitem penetrar na articulação e nasrelações <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as formas <strong>de</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sapareci<strong>da</strong>s,sobre cujas ruínas e elementos se acha edifica<strong>da</strong>, e cujos vestígios, nãoultrapassados ain<strong>da</strong>, leva <strong>de</strong> arrastão <strong>de</strong>senvolvendo tudo o que antes foraapenas insinuado ... (Da mesma forma) a anatomia do Homem é a chavepara a anatomia do macaco. (1982 a: p. 17)Ou seja: apesar <strong>da</strong>s mais abstratas categorias terem valido <strong>de</strong>s<strong>de</strong>sempre e muito antes <strong>de</strong> serem <strong>de</strong>scobertas (o capital, por exemplo, tinhana I<strong>da</strong><strong>de</strong> Média a forma menos <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> fundiária), éporém o avanço <strong>da</strong> prática social que cria as condições para que essascategorias sejam intuí<strong>da</strong>s como tais, isto é, como conceitos dopensamento.O i<strong>de</strong>alismo hegeliano, portanto, sucumbe diante <strong>da</strong> noção <strong>de</strong>prática social. É ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que essa noção já estava pressuposta em Hegel,por entremeio <strong>de</strong> sua linguagem tão obscura quanto uma opalina. EmMarx, porém, a idéia <strong>de</strong> Prática Social não só é formula<strong>da</strong> <strong>de</strong> modo claro,como também exposta junto <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as suas inevitáveis conseqüências.Com o marxismo, portanto, o sistema hegeliano é subjugado.Porém, o núcleo revolucionário <strong>da</strong> epistemologia hegeliana é não sópreservado, como também elevado a um novo patamar. Marx resume essasuperação ao afirmar:__205__


A questão <strong>de</strong> saber se ao pensamento humano pertence a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> objetivanão é uma questão <strong>da</strong> <strong>teoria</strong>, mas uma questão prática. É na práxis que oser humano tem que comprovar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, isto é, a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e o po<strong>de</strong>r, ocaráter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> ou nãoreali<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> um pensamento que se isola <strong>da</strong> práxis é uma questãopuramente escolástica (MARX, 1982b: p. 1).Marx inaugurou a primeira forma realmente conseqüente <strong>de</strong> encararo materialismo – sem <strong>de</strong>sprezar a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> do pensamento, mas aomesmo tempo colocando-a como parte do mundo real. Com isso, adialética <strong>de</strong> Hegel, basea<strong>da</strong> no automovimento do conceito, era inverti<strong>da</strong>.Passava-se a ver o real não como imagem do conceito, mas o conceitocomo elaboração imagética do real.ENGELS ressalta que a principal refutação <strong>de</strong> Kant e <strong>de</strong> todo oagnosticismo não é nem tanto a teórica, forneci<strong>da</strong> pela obra <strong>de</strong> Hegel,mas a própria prática social, através <strong>da</strong> “experimentação e <strong>da</strong> gran<strong>de</strong>indústria”. “Quando po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>monstrar a correção <strong>de</strong> nossa concepção<strong>de</strong> um processo natural ... produzindo-o a partir <strong>da</strong>s suas condições,fazendo-o, acima <strong>de</strong> tudo, tornar-se utilizável para objetivos nossos, põesefim à inapreensível “coisa-em-si” <strong>de</strong> Kant ... A “coisa-em-si” tornou-secoisa-para-nós” (1982: p. 389).Para o mesmo ENGELS, a Ciência Natural e a indústria, com seuprogresso impetuoso, foram as responsáveis pelo rápido avanço <strong>da</strong>filosofia nos últimos séculos, a ponto <strong>de</strong> esta abdicar <strong>de</strong> si própriaenquanto conhecimento autônomo para se imiscuir <strong>de</strong> vez na Ciência. Nosmaterialistas isso se <strong>de</strong>ixava ver <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, “mas também os sistemasi<strong>de</strong>alistas se encheram ca<strong>da</strong> vez mais com um conteúdo materialista eprocuraram conciliar a oposição entre espírito e matéria panteisticamente,<strong>de</strong> modo que, finalmente, o sistema <strong>de</strong> Hegel representou apenas ummaterialismo, segundo método e conteúdo i<strong>de</strong>alisticamente posto <strong>de</strong>cabeça para baixo” (1982: p. 390).O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> Filosofia culmina portanto na noção <strong>de</strong>Prática Social, essência <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento no materialismomo<strong>de</strong>rno. Dissemos acima que essa noção já era pressuposta em Hegel emsua obscura linguagem i<strong>de</strong>alista. Vejamos <strong>de</strong> que modo.__206__


Hegel colocava o conhecer (lado teórico <strong>da</strong> prática) e o “bem” ou“querer” (ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> ou “Idéia” prática) como as duas formas essenciais <strong>de</strong>supressão <strong>da</strong> unilaterali<strong>da</strong><strong>de</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>/objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>.(O conceito) tem <strong>de</strong> novo, como algo <strong>de</strong> subjetivo, o pressuposto <strong>de</strong> umser-outro que é em si (a coisa-em-si); ele é o impulso ... que ... se quer <strong>da</strong>robjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, e efetuar-se no mundo objetivo. Na Idéia teórica, o conceitosubjetivo ... está contraposto ao mundo objetivo, do qual retira ... opreenchimento. Na Idéia prática, porém, ele está diante do real como algo<strong>de</strong> real; a certeza <strong>de</strong> si próprio – que o sujeito no seu estar em-e-para-sitem –, é, porém, uma certeza <strong>da</strong> sua reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> irreali<strong>da</strong><strong>de</strong> do mundo... (HEGEL APUD LÊNIN, 1989: p. 192)LÊNIN completa este trecho <strong>de</strong> Hegel comentando que “Aconsciência do Homem não só reflete o mundo objetivo como o cria”(1989: p. 192), já que, não satisfeito com o mundo, o Homem <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>modificá-lo.HEGEL fornece sínteses ain<strong>da</strong> melhores sobre a Prática Social:O conhecer sabe-se apenas como apreen<strong>de</strong>r, como a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> ... doconceito consigo próprio; o preenchimento, isto é, a objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong>termina<strong>da</strong> em e para si, é para ele um <strong>da</strong>do e aquilo que éver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente é a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva existente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente dopôr subjetivo. Para a Idéia prática, pelo contrário, esta reali<strong>da</strong><strong>de</strong> efetiva,que está simultaneamente <strong>de</strong>fronte <strong>de</strong>la como invencível limitação, valecomo um em e para si nulo, que só <strong>de</strong>ve receber a sua <strong>de</strong>terminaçãover<strong>da</strong><strong>de</strong>ira e único valor através dos fins do Bem (<strong>da</strong> Prática). A vonta<strong>de</strong>,portanto, só é um empecilho para o alcançar do seu objetivo por seseparar do conhecer ... A Idéia do Bem po<strong>de</strong>, portanto, encontrar o seucomplemento somente na Idéia do ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro. (APUD LÊNIN, 1989: p.s194-195)Diz ain<strong>da</strong> HEGEL: “Se o fim do Bem não <strong>de</strong>vesse, contudo ... serefetuado, isso seria uma recaí<strong>da</strong> do conceito no ponto <strong>de</strong> vista que oconceito tem antes <strong>da</strong> sua ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> – (o) ... <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> efetiva<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> como nula, e, contudo, pressuposta como real ...” (APUDLÊNIN, 1989: p. 196). É exatamente assim que Kant e todo o empirismopressupõem sua reali<strong>da</strong><strong>de</strong>: morta, invencível e imutável pelo conceito emsua ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Em comentário a esse respeito Lênin acentua o fato <strong>de</strong> queo não-cumprimento dos fins tem por causa a suposição <strong>de</strong> uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>__207__


não-existente como efetiva, ao passo que a única reali<strong>da</strong><strong>de</strong> efetiva é aquelaa ser transforma<strong>da</strong>.Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong> dialética, ao contrário <strong>da</strong> Metafísica acima<strong>de</strong>scrita, “na medi<strong>da</strong> em que, pela ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> do conceito objetivo, areali<strong>da</strong><strong>de</strong> efetiva exterior é mu<strong>da</strong><strong>da</strong> e a sua <strong>de</strong>terminação é, assim,supera<strong>da</strong>, é-lhe precisamente por esse fato tira<strong>da</strong> a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> meramenteaparente, a <strong>de</strong>termini<strong>da</strong><strong>de</strong> exterior e a nuli<strong>da</strong><strong>de</strong> ...” (HEGEL APUD LÊNIN,1989: p. 196).Aqui é possível perceber em Hegel o florescimento <strong>de</strong> ummaterialismo velado, expresso na concepção <strong>da</strong> prática social (o ‘Bem’)como o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro critério <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Dito por ele próprio:No resultado a mediação supera-se a si própria, é uma imediati<strong>da</strong><strong>de</strong> quenão é o restabelecimento <strong>da</strong> pressuposição, mas antes o ser-superado<strong>de</strong>la. A idéia do conceito <strong>de</strong>terminado em e para si está, com isso, posta,não apenas meramente no sujeito ativo, mas ... como uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>efetiva imediata, e, inversamente, esta, tal como é no conhecer, está posta<strong>de</strong> maneira a que seja objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> que é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente. (HEGEL APUDLÊNIN, 1989: p. 197)A ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> prática é, portanto, a pura negativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois trata-se <strong>de</strong>algo ao mesmo tempo real e irreal. A contradição só <strong>de</strong>saparece quando aprática supera a subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do fim, e, com ela, to<strong>da</strong> a oposição entresubjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Nesta oposição, ambas são finitas. Vistas emsua uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, são infinitas.Portanto, conforme assinala LÊNIN em comentário às afirmaçõesacima <strong>de</strong> Hegel, a Idéia Absoluta não é mais que a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Idéiateórica com a Idéia prática, uni<strong>da</strong><strong>de</strong> que se estabelece “precisamente naTeoria do Conhecimento” (1989: p. 197). A Teoria do Conhecimento éportanto a própria Prática Social vista como conjunto e como processo,isto é, em sua uni<strong>da</strong><strong>de</strong> plena.Concebendo a Prática Social <strong>de</strong>sta forma, como a própriaracionali<strong>da</strong><strong>de</strong> em seu conjunto, o materialismo mo<strong>de</strong>rno põe fim àfilosofia em seu tradicional sentido especulativo. Vista <strong>de</strong>ssa perspectiva,a Filosofia é <strong>de</strong>saloja<strong>da</strong> <strong>da</strong> Ciência pela mo<strong>de</strong>rna dialética. Já HEGELdizia: “Trabalhar no sentido <strong>de</strong> que a Filosofia se aproxime <strong>da</strong> forma <strong>da</strong>__208__


Ciência – e <strong>da</strong> meta na qual ela possa <strong>de</strong>ixar seu nome <strong>de</strong> ‘amor do saber’e ser saber efetivo – eis o propósito que me atribuí” (HEGEL, 1991: p.193).Mas é a ENGELS que passamos por fim a palavra, para que possacompletar <strong>de</strong> forma ain<strong>da</strong> mais contun<strong>de</strong>nte o que disse acima Hegel:Abandona-se a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> “absoluta”, inalcançável ... por ca<strong>da</strong> umindividualmente, e, em troca, perseguimos as ver<strong>da</strong><strong>de</strong>s relativasalcançáveis pela via <strong>da</strong>s ciências positivas e do compêndio dos seusresultados por intermédio do pensar dialético. Com Hegel remata-se,em geral, a filosofia; por um lado, porque ele reuniu todo o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>la no seu sistema ... por outro lado, porque ... ele nosmostra o caminho <strong>de</strong>ste labirinto dos sistemas (filosóficos) aoconhecimento positivo real do mundo. (1982, p. 384)__209__


CONCLUSÕES“Vou pra rua e bebo a tempesta<strong>de</strong>"Chico Buarque.O século XX certamente será lembrado, no futuro, como um período conturbado.De um lado, nosso tempo é marcado pelas “trevas” <strong>da</strong> crise social sem prece<strong>de</strong>ntes. Deoutro, pelas “luzes” <strong>da</strong>s imensas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s anuncia<strong>da</strong>s tanto pelo acúmulo científicoe tecnológico quanto pela mobilização <strong>de</strong> forças sociais transformadoras. A humani<strong>da</strong><strong>de</strong>tem <strong>de</strong> fato, neste século, percorrido uma trilha repleta <strong>de</strong> avanços e recuos, por on<strong>de</strong> oprogresso caminha <strong>de</strong> mãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s com a crise.Disso <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>mos ser nossa época essencialmente contraditória.Isso se reflete naquilo a que muitos costumam chamar <strong>de</strong> “crise <strong>de</strong>paradigmas” – expressão que, sem explicar muita coisa, não faz mais queacentuar em nossa época um certo caráter “fantasmagórico”.A tal “crise <strong>de</strong> paradigmas” correspon<strong>de</strong>, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, a um períodoem que a humani<strong>da</strong><strong>de</strong> prepara seu salto para novas e mais avança<strong>da</strong>svisões <strong>de</strong> mundo. Não se trata, pois, <strong>de</strong> uma crise crônica <strong>de</strong> velhice, mas<strong>da</strong>quele estado <strong>de</strong> dúvi<strong>da</strong>s e incertezas tão próprio <strong>de</strong> qualquer puber<strong>da</strong><strong>de</strong>bem vivi<strong>da</strong>.Esse estado <strong>de</strong> coisas reflete-se bem na revolução que vem sendoopera<strong>da</strong> pelas novas disciplinas <strong>da</strong> Ciência, em geral nasci<strong>da</strong>s no séculoXX, embora algumas, como a Termodinâmica, possam ter suas raízesfinca<strong>da</strong>s no século XIX.ENGELS, falando-nos a partir do século passado, já prenunciavaessa revolução ao verificar que, na Ciência,Tudo aquilo que se consi<strong>de</strong>rava rígido, se havia tornado flexível; tudoquanto era fixo, foi posto em movimento; tudo quanto era tido por eterno,tornou-se transitório; ficara comprovado que to<strong>da</strong> a natureza se movianum eterno fluxo e permanente circulação. Dessa forma, voltava-se àsconcepções dos gran<strong>de</strong>s fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> filosofia grega ... Tudo isso, apenas__210__


com uma diferença essencial: tudo quanto, entre os gregos, era umaintuição genial, tornou-se agora para nós o resultado <strong>de</strong> uma investigaçãoseveramente científica, liga<strong>da</strong> à experiência, e, por conseguinte, oconhecimento se apresenta sob uma forma muito precisa e clara. (1979: p.23)A noção termodinâmica <strong>de</strong> entropia dá razão a Engels. De fato, a<strong>de</strong>finição do conceito <strong>de</strong> entropia como um princípio <strong>de</strong> potência,en<strong>de</strong>micamente presente em to<strong>da</strong>s as coisas e processos do mundo, ésuficientemente abstrata para atestar a proeminência do movimentocomo atributo inseparável, interno e in<strong>de</strong>strutível <strong>da</strong> matéria.Já ENGELS afirmava, referindo-se à 1 a Lei Termodinâmica, que “Amo<strong>de</strong>rna ciência natural ... (adotou) <strong>da</strong> filosofia o princípio <strong>da</strong>in<strong>de</strong>strutibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do movimento ... o movimento <strong>da</strong> matéria não éapenas o grosseiro movimento mecânico, a simples mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> lugar; écalor e luz, tensão elétrica e magnética, associações e dissociaçõesquímicas, vi<strong>da</strong> e, finalmente, consciência” (1979: p. 28).O conceito <strong>de</strong> entropia traz <strong>de</strong> fato elementos novos ao velhoproblema <strong>da</strong> disputa entre concepções dialéticas e visões <strong>de</strong> mundometafísicas, apoia<strong>da</strong>s no princípio <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>. Zenão <strong>de</strong> Eléia, porexemplo – que afirmava a impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do movimento a partir <strong>da</strong>premissa <strong>de</strong> que as linhas não eram mais que composições <strong>de</strong> pontos –,certamente ficaria surpreso se tivesse podido conhecer o princípioentrópico, já que sua afirmação sobre a impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do movimentoremete à “hipótese <strong>de</strong> equilíbrio”.O conceito <strong>de</strong> entropia parece ir em sentido oposto ao do enunciado<strong>de</strong> Zenão: pontos não são mais que intersecções <strong>de</strong> linhas, e não ocontrário. O <strong>de</strong>scanso, portanto, é caso especial <strong>de</strong> movimento, e oequilíbrio não é mais que caso limite <strong>de</strong> processo irreversível.A Física Clássica não cultivava essa visão. Para ela, o natural era oestático e o inerte, e a mu<strong>da</strong>nça irreversível era o que requeria explicaçãoespecial.. Mas, quando a estrutura conceptual tem como pressuposto airreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, o movimento é justamente o que não precisamosexplicar.__211__


Essa visão <strong>da</strong>s coisas chega mesmo a conferir plausibili<strong>da</strong><strong>de</strong> àconcepção evolucionista <strong>de</strong> Heráclito e Empédocles, elabora<strong>da</strong> há umpunhado <strong>de</strong> séculos. Empédocles havia chegado a <strong>de</strong>senhar umacosmologia com certo nível <strong>de</strong> complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, na qual duas forças opostas(Éris e Philia) tensionavam a matéria para momentos-limite <strong>de</strong> máximauni<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong> máxima dispersão, sendo essa contradição a fonte eterna <strong>da</strong>vitali<strong>da</strong><strong>de</strong> e do movimento. Mais <strong>de</strong> dois milênios após, ENGELScontinuava a enunciar: “É um eterno ciclo esse em que se move a matéria... Na<strong>da</strong> é eterno a não ser a matéria em eterna transformação e eternomovimento, bem como as leis pelas quais se move e se transforma” (1979,p.s 29-30).Também a Teoria <strong>da</strong> Informação já traz em si como elementosubjacente uma concepção <strong>de</strong> processo bem mais avança<strong>da</strong> que a <strong>da</strong>sdisciplinas mecânicas do século XVIII. Em função disso, essa <strong>teoria</strong> adotauma idéia flexível <strong>de</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> como uma categoria essencialmentegnoseológica, isto é, sem qualquer existência para além dos limites doconhecimento e <strong>da</strong> relação sujeito/objeto. Subjaz à Teoria <strong>da</strong> Informação aidéia <strong>de</strong> que a garantia <strong>de</strong> conhecimento objetivo não está namateriali<strong>da</strong><strong>de</strong> do objeto em si, ontologicamente concebido. Ao contrário, aobjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do conhecimento respal<strong>da</strong>-se, como já afirmara Hegel, noimpulso do conhecimento para preencher-se com conteúdo real, isto é, na‘vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>’ que faz o conhecimento trabalhar nos limites <strong>da</strong>relação certeza/incerteza.Mas <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem esse impulso? Qual sua reali<strong>da</strong><strong>de</strong>? Trata-se <strong>de</strong> um“princípio transcen<strong>de</strong>ntal”? Na obscura linguagem hegeliana parece quesim. Mas o mesmo não ocorre com Marx, que esclarece ser esse “impulso”oriundo <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> – esta sim ontológica – <strong>de</strong> transformação <strong>da</strong>reali<strong>da</strong><strong>de</strong> pelo Homem. Nunca é <strong>de</strong>mais recor<strong>da</strong>r a afirmação <strong>de</strong> Marxsegundo a qual “O sujeito ... está <strong>da</strong>do tanto na reali<strong>da</strong><strong>de</strong> efetiva quantono cérebro” (1982 a: p. 18).Esse novo materialismo, <strong>de</strong> caráter histórico, interpreta as diversasdisciplinas científicas em sua totali<strong>da</strong><strong>de</strong>, isto é, como “pontos no<strong>da</strong>is” doavanço <strong>da</strong>s forças produtivas e <strong>da</strong> organização social. Concebe-as,__212__


portanto, não como disciplinas ‘neutras’, mas como manifestaçõesparticulares, finitas e relativas <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> humana como um todo. Aessência <strong>de</strong>ssa racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> é a transformação constante do mundo; <strong>da</strong>íporque as diversas ciências particulares trazem fortes impactos para aorganização social e para a constituição <strong>de</strong> novas visões <strong>de</strong> mundo. Não,porém, no sentido do “<strong>de</strong>terminismo tecnológico”, idéia correntesegundo a qual o avanço <strong>da</strong> tecnologia teria “fugido ao controle” doHomem, subordinando qualquer tentativa <strong>de</strong> transformação social ousa<strong>da</strong>e conseqüente. O “<strong>de</strong>terminismo tecnológico” – pilar <strong>de</strong> sustentação dodiscurso “globalizante” – supõe que a tecnologia é algo como uma “forçaoculta” que subleva o Homem, quando, ao contrário, é a racionali<strong>da</strong><strong>de</strong>humana que <strong>de</strong>ve subordinar a seus fins o avanço tecnológico.O materialismo renascentista já conhecia o método histórico <strong>de</strong> Vicoe, mesmo, a tría<strong>de</strong> dialética do escolástico Nicolau <strong>de</strong> Cusa. Portanto, omaterialismo mo<strong>de</strong>rno não é a primeira mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> histórica a se<strong>de</strong>senvolver. Porém, é certamente a mais profun<strong>da</strong> e conseqüente <strong>da</strong>si<strong>de</strong>ologias materialistas já <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s.Assim como o materialismo antigo (<strong>de</strong> cunho metafísico) –firmemente assentado no princípio <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> – tornou-se sensocomum, o materialismo histórico (<strong>de</strong> cunho dialético), também estáfa<strong>da</strong>do a, com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> Ciência e o progresso social, tornar-seum dia uma concepção <strong>de</strong> uso comum. Quando isso acontecer, ahumani<strong>da</strong><strong>de</strong> estará muni<strong>da</strong> com as ferramentas i<strong>de</strong>ológicas <strong>de</strong> base paraa construção <strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> em constante auto-superação, pois todo equalquer resultado <strong>da</strong> razão será tornado inútil se o consi<strong>de</strong>rarmosabsoluto.É possível perceber o materialismo mo<strong>de</strong>rno irrompendo por entre aCiência do século XX. Já no século passado afirmava ENGELS: “As leiseternas <strong>da</strong> Natureza se transformam, ca<strong>da</strong> vez mais, em leis históricas”(1979: p. 184). O gran<strong>de</strong> pensador alemão dizia ain<strong>da</strong>: “A concepçãometafísica tornou-se impossível, na Ciência <strong>da</strong> Natureza, <strong>de</strong>vido ao próprio<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta” (1979: p. 201).__213__


De fato, essa revolução <strong>de</strong> princípios, aludi<strong>da</strong> por Engels, atravessou<strong>de</strong> parte a parte a Ciência do século XX, e estaríamos redon<strong>da</strong>menteenganados caso pensássemos que tal transformação está completa. AHistória, ciência-mestra ao lado <strong>da</strong> Filosofia, confere-nos a respeito dissomaior largura <strong>de</strong> entendimento. Ela <strong>de</strong>monstra, <strong>de</strong> modo absolutamenteinequívoco, que a crise do período renascentista, na qual gestavam-senovas visões <strong>de</strong> mundo, não durou anos e nem mesmo déca<strong>da</strong>s, masséculos inteiros.Nesse período eram revolvi<strong>da</strong>s estruturas profun<strong>da</strong>s do pensamento,e dois caminhos abriam-se: o do ceticismo/agnosticismo e o <strong>da</strong> crençainabalável (às vezes ingenuamente otimista) nas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s doconhecimento. Coisa semelhante parece ocorrer hoje.Nessa perspectiva, a Teoria <strong>da</strong> Informação, enquanto objeto <strong>de</strong>análise epistemológica, tem recebido interpretações varia<strong>da</strong>s, no mais <strong>da</strong>svezes contraditórias. De fato, como tudo, ela é produto <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>seu tempo, sendo assim suscetível a interpretações <strong>de</strong> cunho agnóstico,mas também a visões contrárias, <strong>da</strong>do que guar<strong>da</strong> elementos <strong>da</strong>mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> contraditória <strong>de</strong> seu tempo.Como vimos no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> nosso percurso, a noção <strong>de</strong> informaçãoleva ao limite a reflexão gnoseológica ao forçá-la a pensar a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>uma enti<strong>da</strong><strong>de</strong> sem existência empírica, a qual, não obstante, é inegávelque conhecemos, na medi<strong>da</strong> em que somos capazes <strong>de</strong> formular leis queprescrevem seu comportamento.Para muitos, porém, a informação não passa <strong>de</strong> abstraçãoheurística, sendo suas leis na<strong>da</strong> mais que <strong>de</strong>terminações subjetivas,impostas pelo próprio pensamento. Dentro <strong>de</strong>ssa tendência, há os quevêem no princípio <strong>da</strong> razão <strong>de</strong> transmissão limitações genuínas relativasao conhecimento. Na tendência oposta, alguns autores, na tentativa <strong>de</strong><strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> informação, afirmam-na como uma espécie <strong>de</strong>“substância”, sem muitas vezes se <strong>da</strong>rem conta dos contrasensos geradospor esse noção na História <strong>da</strong> Filosofia. A nosso ver ambas as tendênciasconstituem-se nos lados <strong>de</strong> uma mesma moe<strong>da</strong>, pois, como vimos__214__


anteriormente, a afirmação <strong>de</strong> uma “substância” aparta<strong>da</strong> do pensamentoé, em última instância, o que resultou no agnosticismo.Zeman expressa bem o fato a que nos referimos. Para ele, o objetodo conhecimento e seu reflexo na percepção são indissociáveis, mas nãoidênticos. Partindo <strong>de</strong>sse princípio (<strong>de</strong> aparência <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já dualista),Zeman afirma que o mundo como um todo é um sistema sempre maiscomplexo e rico que sua imagem na cognição, sendo portanto acapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> informativa humana relativamente limita<strong>da</strong>.Com base no percurso filosófico que realizamos no capítulo anterior,cremos ter <strong>de</strong>monstrado que essa idéia conduz facilmente aoagnosticismo. Senão vejamos o que o próprio ZEMAN diz mais à frente:A complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> e varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> relações é reduzi<strong>da</strong> na cognição. Certosaspectos do contexto global são isolados e removidos do fluxo do tempo. Ocontínuo é transformado em <strong>de</strong>scontínuo, o indivisível em divisível, o totalem parcial ... A <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> informação sempre se estabelece ... Issoproce<strong>de</strong> <strong>da</strong> divisão entre objetivo e subjetivo, entre o original e a imagem(1975: p.s 248-249).ZEMAN conclui, com isso, que “A cognição está confina<strong>da</strong> àscaracterísticas espaço-temporais do Homem” (1975: p. 249). Para ele, oparâmetro <strong>de</strong> limitação e per<strong>da</strong> <strong>de</strong> informação não era levado em conta naCiência do Séc. XVIII, quando era gran<strong>de</strong> a voga <strong>da</strong> idéia <strong>de</strong> que acognição real era absolutamente precisa. Mas a negação simples <strong>de</strong>ssepressuposto indica que, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, é ele quem permanece como hipóteseimplicitamente adota<strong>da</strong>. A idéia <strong>de</strong> que o conhecimento é absoluto não<strong>de</strong>ve ser “nega<strong>da</strong>”, mas supera<strong>da</strong>, eleva<strong>da</strong> a um novo patamar.As opiniões <strong>de</strong> Zeman, expostas acima, em praticamente na<strong>da</strong>diferem do transcen<strong>de</strong>ntalismo kantiano. Em nossa visão, tais opiniõessão <strong>de</strong>corrências lógicas dos pressupostos empíricos firmados, e, emparticular, o <strong>de</strong> que “o objeto é mais rico que seu reflexo na cognição”.Jaz na superfície <strong>de</strong>ssa idéia uma aparência <strong>de</strong> profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong> extremacorreção. Na<strong>da</strong> mais falso, como nos revela a História <strong>da</strong> Filosofia.Já Hegel afirmara que não há uma “substância” mais rica que opensamento, pois já essa substância é coisa do pensamento. Logo, o mais__215__


ico será sempre a coisa do pensamento, pois é este que se eleva acima doreal para subjugá-lo na abstração.Portanto, não é a suposta “reali<strong>da</strong><strong>de</strong>” o elemento mais rico e ativo.Ao contrário. A coisa mais rica do mundo é mesmo o ser humano. Somosnós que, através <strong>da</strong> abstração (muitas vezes consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> “indigente” emcomparação com o real), reduzimos a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> à sua essência com afinali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> agir sobre ela. O pensamento concebido como coisa “fora <strong>da</strong>substância” é mera reali<strong>da</strong><strong>de</strong> metafísica, morta, vazia, aconceptual einefetiva. De fato, o pensamento é também parte <strong>da</strong> “substância”, parteque, diga-se <strong>de</strong> passagem, só existe para transformar a própriasubstância.Além disso, como po<strong>de</strong>mos dizer que um objeto é mais rico que seureflexo se tudo que po<strong>de</strong>mos saber sobre esse objeto se dá apenas atravésdo reflexo? Essa é a contradição central do antigo materialismo, a qual,cedo ou tar<strong>de</strong>, teria que revelar-se.Com efeito, não po<strong>de</strong>mos jamais falar <strong>de</strong> um objeto em estado“puro”, como coisa à parte do conhecimento. Aqui resi<strong>de</strong> a essência dochamado “fim <strong>da</strong> Filosofia” – essência muito bem resumi<strong>da</strong> no fato <strong>de</strong> quenão po<strong>de</strong>mos afirmar na<strong>da</strong> sobre o “Ser”, a não ser aquilo que <strong>de</strong>lepo<strong>de</strong>mos conhecer.É por isso que afirmar a incognoscibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um objeto é umacontradição em termos. Pois, se não po<strong>de</strong>mos conhecê-lo, como sabemosentão que é incognoscível? A<strong>de</strong>mais, se po<strong>de</strong>mos afirmar sobre o objetopelo menos uma proposição – a <strong>de</strong> que ele é incognoscível – por quemotivos não po<strong>de</strong>ríamos afirmar outras? Essas contradições advêm dofato, afirmado por Hegel, <strong>de</strong> que a própria incognoscibili<strong>da</strong><strong>de</strong> já é coisafirma<strong>da</strong> pelo pensamento, não po<strong>de</strong>ndo portanto jamais ser atribuí<strong>da</strong> à“coisa” (muito menos “em-si”).Não há portanto quaisquer limites imputáveis ao conhecimento.Ou, dizendo melhor, esses limites são sempre relativos, enquanto que ocaráter ilimitado do conhecimento é absoluto.__216__


Aos agnósticos para quem a percepção e a linguagem constituem-seem barreiras ao conhecimento, não custa relembrar a já cita<strong>da</strong> afirmação<strong>de</strong> ENGELS a respeito <strong>de</strong> supostos limites sensoriais do conhecimento:As formigas possuem olhos diferentes dos nossos: po<strong>de</strong>m ver os raiosluminosos químicos, mas, no que diz respeito ao conhecimento <strong>de</strong>ssesraios, invisíveis para nós, estamos muito mais adiantados que as formigas:somente o fato <strong>de</strong> que possamos <strong>de</strong>monstrar que as formigas vêem coisaspara nós invisíveis, e que essa <strong>de</strong>monstração repousa apenas empercepções obti<strong>da</strong>s através <strong>de</strong> nossos olhos, só isso basta para mostrarque a constituição especial do olho humano não representa uma barreiraabsoluta ao conhecimento. (1979: p. 185)A evolução do conhecimento, portanto, reduz assintoticamente adistância entre sujeito e objeto, embora não possa jamais eliminá-lacompletamente senão no infinito. O que rompe a duali<strong>da</strong><strong>de</strong> entre forma(pensamento) e matéria (substância) é o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> práticasocial.Essa nova concepção materialista, tempera<strong>da</strong> no próprio avanço <strong>da</strong>Ciência e <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, reflete-se nas diversas disciplinas científicas doséculo XX, como a Teoria <strong>da</strong> Informação.Os conceitos <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong>ssas novas disciplinas científicas, como os<strong>de</strong> informação e entropia, relacionam-se invariavelmente ao rompimentocom antigas formas, estáticas e mecânicas, <strong>de</strong> conceber tanto a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>quanto o conhecimento. Consi<strong>de</strong>ramos lícito afirmar, até mesmo, que,enquanto anteriormente nossa visão <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> (Ontologia) subordinavae em certa medi<strong>da</strong> enclausurava nossa visão do conhecimento(Gnoseologia), hoje parece ser esta última aquela que efetivamente toma apalavra e dita os passos.Com efeito, antes concebíamos a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> como uma substânciaidêntica a si mesma, aparta<strong>da</strong> do pensamento e a ele invariavelmenteoposta. Bastava-nos apenas, assim, colher “amostras” <strong>de</strong>ssa substânciapara conhecê-la. Assim, <strong>da</strong> mesma forma que quando estamos nainfância, não víamos muitas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s em qualquer coisa que seapresentasse.__217__


Contudo, ao <strong>de</strong>pararmos com as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s e percalços inerentesao conhecimento, começamos a perceber que na<strong>da</strong> é assim tão simples.De forma que nossas compreensões sobre o processo do conhecimento nosfizeram então perceber a imensa complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> do mundo que nos ro<strong>de</strong>ia.Era a Teoria do Conhecimento que, com isso, assumia a ponta,submetendo em <strong>de</strong>finitivo a Ontologia.É essa a essência do que <strong>de</strong>nominamos anteriormente “fim <strong>da</strong>Filosofia”. De fato, é o próprio <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> Ciência que vai aospoucos mostrando inequivocamente que a Ontologia, em sua forma“pura”, <strong>de</strong>svincula<strong>da</strong> <strong>da</strong> Ciência, <strong>de</strong>genera facilmente em pura metafísica.Já Francis Bacon, em seu “A Gran<strong>de</strong> Instauração”, enunciava <strong>de</strong>modo visionário que, “um dia”, os princípios <strong>da</strong> Ciência estariam <strong>de</strong> talmodo entranhados nas pessoas que constituiriam a própria estrutura dosenso comum. Segundo Bacon, quando isso acontecesse seria possívelremo<strong>de</strong>lar to<strong>da</strong> Filosofia sobre a Ciência.Mas Bacon apenas profetizava. Marx e Engels, ao contrário,anunciam que o dia esperado chegou.__218__


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