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Planejamento familiar: novos tempos. In - Centro Ruth Cardoso

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Seria no mínimo ingênuo retomar osmesmos discursos utilizados nos anos 50e vitalizados nos anos 60, sem contextualizá-lospara o Brasil-80.A primeira presença nova a ser constatadaé a do movimento de mulheresque, agora, tem sua voz relativamentereconhecida. Sem superestimar a forçadeste movimento, podemos reconhecerque sua simples existência abre campopara uma reavaliação das posições ditasnacionalistas de esquerda por oposiçãoàs identificadas com a direita internacionalista.Os grupos feministas, em seu trajetopolítico, estiveram sempre oscilando entreorientações partidárias e autonomiapara suas reivindicações. Nestecontexto, o planejamento <strong>familiar</strong> semprefoi área conflitiva. Era difícil paraas mulheres aceitar sem discussão o laissez-faireem matéria de controle da reprodução,como pregava a esquerda. Poroutro lado, não podiam se confundir como antinatalismo proposto pela direita.Como o debate estava altamente radicacriamcondições para a igualdade entrehomens e mulheres. As donas-de-casada periferia, ao saírem do gueto domésticopodem demonstrar seu interesse porassuntos sobre os quais não tinham voz.Mas um rápido inventário das mudançassociais ocorridas nestes últimos dezanos não pode deixar de anotar a presençaforte da Igreja. Para o nosso tema,as transformações e a força do catolicismosão extremamente significativas, especialmenteporque esteve ligada à formaçãode grupos populares.Se antes a Igreja era opositora intransigentede qualquer tipo de interferênciano processo reprodutivo, hoje se mostraaberta para a discussão. As linhas de açãodecorrentes da Teologia da Libertaçãoprovocaram um redirecionamento do pensamentocatólico, que voltou-se para avida cotidiana procurando enfrentar problemasconcretos. Neste movimento, areflexão ganhou conteúdo político e teveque ser inovadora, procurando uma perspectivadiferente para enfrentar velhosproblemas. E, com relação ao planejalizadoquando as feministas começarama se manifestar (meados dos anos 70),este assunto sempre foi incômodo.Mas não pode haver prática feministasem tocar nos temas da sexualidade, controledo corpo, respeito pelos desejosdas mulheres, direito ao aborto etc. Ecomo sufocar a discussão, uma vez queela aponta para a necessidade de garantiràs mulheres das classes populares o acessoaos instrumentos da contracepção?A verdade é que os grupos feministas,independentemente de sua vontade expressa,começaram a desmentir na práticaa premissa básica dos adeptos donatalismo. Estes viam na pobreza a únicarazão para o desejo das mulheres controlaremsua fecundidade. O feminismo legitimaoutras razões para esta condutae faz surgir uma nova noção de autonomiaindividual que cria para as mulheresuma identidade política. A presençamaciça de lideranças femininas nos movimentosreivindicativos atesta uma crescenteconsciência de direitos e um aumentode participação. Denunciando asinjustiças sociais, elas ao mesmo tempomento <strong>familiar</strong>, a mudança foi enorme,tanto na teoria 1 quanto na prática.Tanto a Igreja quanto as mulheresfeministas foram mudando suas posiçõesteóricas ao enfrentar o desafio da mobilizaçãopopular. É curioso que, até 1977,os argumentos da hierarquia católica pudessemser usados por um jornal feminis-ta como o Brasil-Mulher 2 que, comentandoo Programa de Prevenção à Gravidezde Alto Risco lançado nessa época,citava as opiniões do Cardeal AloísioLorscheider, Dom Eugênio Sales e deDom José Maria Pires, bispo da Paraíbaque afirmou: "A mulher brasileira nãoprecisa de pílulas de graça, mas sim decomida para ela e seus filhos." É aindamais curioso que neste artigo não apareçanenhuma mulher dando sua opinião.Podemos tomar este fato como sintomade um encoberto mal-estar gerado peladificuldade de compatibilizar o feminismocom a tradicional posição natalistada esquerda? Naquele momento isto eratarefa difícil, em função do clima repressivoem que vivíamos.Agora o momento é outro, e as dife-1 Basta lembrar, entre outros,os artigos recentes do P.Charbonneau, publicados naFolha de S. Paulo ou o livrode Hubert Lepargneur —Demografia ética e Igreja, pu-blicado em 1983.²Brasil-Mulher, n.° de agostode 1977-78.NOVEMBRO DE 1983 3

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