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Planejamento familiar: novos tempos. In - Centro Ruth Cardoso

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estão convencidas) de que a laqueaduratubária é uma solução confortável. Poroutro lado, abusos médicos e o autoritarismoquase sempre presente na relaçãotradicional médico-paciente, também têmseu lugar neste cenário.É certo que os médicos enfrentam sériasdificuldades para prescrever qualqueroutro anticoncepcional razoavelmente seguroalém da pílula e da laqueadura.Recorrer ao DIU, ao diafragma ou mesmoàs geléias, está fora do alcance dapopulação de baixa renda. A alta difusãoda pílula se deve ao fato de que é freqüentementeusada sem orientação médica,expondo suas usuárias a transtornosgraves. Basta que tenhamos umavaga idéia das dificuldades que existempara conseguir uma consulta na rede públicapara imaginarmos que ela dificilmenteserá procurada para controles periódicos.E, se procurada, é preciso contarque fornecer ou não informaçõessobre anticoncepção é assunto a ser decididopor cada médico, e é comum queas mulheres encontrem barreiras quandométodo para evitar a concepção mas, namaioria dos casos é um recurso dianteda falta de opção.Estas razões são suficientes para demonstrara necessidade de um programaglobal que procure remover os obstáculosque as mulheres encontram quando desejamcontrolar seu próprio destino. E oúnico caminho viável aponta para o aperfeiçoamentoda assistência à saúde. Maso ponto de partida tem que ser o reconhecimento,em alto e bom som, da legitimidadedo planejamento <strong>familiar</strong>, paraem seguida preparar médicos e paramédicospara este atendimento, garantindolhesos recursos necessários para que possamindicar e prescrever qualquer métodoanticoncepcional que lhes pareça adequado.Também é condição necessária paraqualquer programa ter êxito que as questõesligadas à reprodução sejam mais livrementediscutidas, de modo que os médicosnão sejam os únicos a deter informaçõessobre as vantagens ou desvantagensde cada método. A reprodução éassunto que interessa a todos e que nãoprocuram ajuda. Com este panorama, épossível supor que uma parte dos 43.9%de mulheres que recorrem a laqueadurasou anovulatórios, o faça por falta deoutras opções.Se isto é verdade, é urgente que seprograme uma ação mais eficiente pararesponder a esta demanda. Não cabe discutirse vamos ou não controlar a natalidade,uma vez que a população já planejasua fecundidade, como mostram astaxas decrescentes de natalidade e as pesquisasde opinião 5 confirmam. Estas informamque 31% daqueles que têm rendaabaixo de 2 salários-mínimos e 34%dos que ganham entre 2 e 5 salários-mínimosacreditam que o governo deveatuar, ainda que sem imposições, nestecampo. É significativo que o número demulheres que tem esta opinião seja maiorque o de homens porque, sem dúvida,elas conhecem melhor as dificuldades queenfrentam para evitar a gravidez.Se juntarmos a este quadro o exorbitantenúmero de abortos que, apesar dailegalidade, são realizados, teremos umquadro mais realista. O aborto não é umNOVEMBRO DE 1983pode ser tratada como uma especialidadefechada. Em outros países, os grupos feministase ecológicos têm tido um papelimportante na divulgação de informaçõestécnicas de interesse geral e também nacrítica da postura médica que justifica,em nome da ciência, muitos preconceitosdo senso comum.Quando a prática da anticoncepção jáé aceita como normal, parece esdrúxuloque recomece o debate sobre planejamento<strong>familiar</strong> nos termos em que ele secolocava quando era um privilégio dasclasses médias e altas em áreas urbanas.Agora, trata-se de exigir um atendimentoeficiente que garanta às mulheres de todasas classes, de qualquer idade, solteirasou casadas, o direito de escolheremse querem ou não ter filhos e em quemomento.Estas são as razões pelas quais umapolítica de planejamento <strong>familiar</strong> é umapolítica social inadiável no Brasil.<strong>Ruth</strong> <strong>Cardoso</strong> é professora de Antropologia da Universidadede São Paulo.Novos Estudos Cebrap, São Paulo,v. 2, 3, p. 2-7, nov. 835Folha de S. Paulo, 19/06/83.

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