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Ocultismo e Protestantismo na Islândia: Tendências iconófilas de ...

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Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408<strong>Ocultismo</strong> e <strong>Protestantismo</strong> <strong>na</strong> <strong>Islândia</strong>: <strong>Tendências</strong><strong>iconófilas</strong> <strong>de</strong> contextos não-icônicos *Por Christophe Pons **IDEMEC – Institut d’Ethnologie Méditerranéennee et Européenne ComparativeCharge <strong>de</strong> Recherche CNRS[Tradução: Adriane Luísa Rodolpho]Resumo:Ao exami<strong>na</strong>r o universo das socieda<strong>de</strong>s psíquicas e dos médiuns <strong>na</strong> <strong>Islândia</strong>, esteartigo parte <strong>de</strong> uma dupla constatação. De um lado, o esoterismo mo<strong>de</strong>rno gosta <strong>de</strong>explorar as representações (figurativas, teatrais...) como seu modo privilegiado <strong>de</strong>expressão e arvora, <strong>de</strong>sta forma, uma forte tendência iconófila, em sentido amplo.Por outro lado, é neste país <strong>de</strong> tradição reformada que essas vias parecem maisfortemente investidas. Procurando compreen<strong>de</strong>r o paradoxo <strong>de</strong>ssa coabitação, oartigo interroga amplamente a ambivalência entre ocultismo e protestantismo, emtorno do processo cognitivo <strong>de</strong> introspecção inventiva. Mas, ao mostrar igualmentecomo a socieda<strong>de</strong> islan<strong>de</strong>sa procura representar o invisível sempre que possível, essatendência figurativa extrapola os quadros exclusivamente ocultistas para afirmar-sesocialmente como uma sensibilida<strong>de</strong> religiosa distintiva.Palavras-chave:<strong>Islândia</strong> – médiuns – espiritualismo – protestantismo – representações – teatroCada domingo à noite, a partir das 19h30min, entre trinta e cinqüentapessoas se reúnem para sua sessão sema<strong>na</strong>l <strong>na</strong> Socieda<strong>de</strong> Psíquica <strong>de</strong> Reykjavík.Inicialmente previsto para abrigar escritórios, o local do centro foi reorganizado; oespaço é caótico, evocando um cafar<strong>na</strong>um labiríntico. Sobre a porta <strong>de</strong> entrada,* Tradução, autorizada pelo autor, do origi<strong>na</strong>l “Occultisme et protestantisme en Islan<strong>de</strong>. Lestendances iconophiles <strong>de</strong>s contextes aniconiques” publicado em Archives <strong>de</strong> Sciences Sociales <strong>de</strong>sReligions 137 (jan.-mar. 2007), p. 125-143.** Acesse o currículo: http://www.mmsh.univ-aix.fr/i<strong>de</strong>mec/Membres/CV-membres/PONS.htmDisponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 7


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408abaixo do nome oficial <strong>de</strong> SRFR 1 , está escrito em letras maiúsculas e em formatomenor: Álfarskóli, Escola dos Elfos. Num corredor em formato <strong>de</strong> funil, um jovem empé atrás <strong>de</strong> um púlpito, vestido com estilo, recebe as pessoas que chegam para pagarsuas entradas 2 . Em seguida, o corredor se prolonga até duas peças transversais, on<strong>de</strong>senhores distintos e <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> avançada conversam em torno <strong>de</strong> um café. As pare<strong>de</strong>ssão cobertas por estantes on<strong>de</strong> se encontram misturados livros, estatuetas cristãs ebudistas, bonecas, anões, feiticeiras, fantasmas, extraterrestres e trolls, além <strong>de</strong>luminárias <strong>de</strong>corativas e outros bibelôs <strong>de</strong> estilo Kitsch fortemente pronunciado. Demodo geral, da bíblia aos tratados <strong>de</strong> ufologia, passando pelas biografias <strong>de</strong> médiunse pelos princípios <strong>de</strong> doutri<strong>na</strong>s esotéricas, a biblioteca impressio<strong>na</strong> pelo seu tamanho,ao mesmo tempo em que se fun<strong>de</strong> num ecletismo generalizado. Sobre o lado direito<strong>de</strong>ssa estranha passagem, uma série <strong>de</strong> portas fechadas intriga; é lá que, <strong>de</strong> segundaà sexta, os oito médiuns empregados pela socieda<strong>de</strong> dão suas consultas privadas. Àfrente, à esquerda, um minúsculo corredor cheio <strong>de</strong> caixas <strong>de</strong> papelão e <strong>de</strong> livrosempilhados conduz a uma cozinha on<strong>de</strong>, em volta <strong>de</strong> uma mesa, conversam e riemum punhado <strong>de</strong> freqüentadores. Entre eles, a médium Sígriður, que, perto dossetenta anos, continua a oficiar as sessões dominicais. Ainda que ela não dê consultasprivadas, ela conhece muito bem os princípios do transe e das sessões mediúnicasque ela começou a freqüentar e a praticar nos anos <strong>de</strong> 1950. Adjacente à cozinha, umaoutra sala – a maior – é reservada para as reuniões coletivas. Igualmentesobrecarregada <strong>de</strong> <strong>de</strong>corações e bibelôs diversos, essa sala tem suas pare<strong>de</strong>s cobertaspor quadros impressionistas, ilustrando a <strong>na</strong>tureza selvagem e mística da <strong>Islândia</strong>.Dez minutos antes das 20h00min, Magnús S., presi<strong>de</strong>nte fundador e mestre <strong>de</strong>cerimônia, começa a organizar os participantes, agora em número completo; estesdiscutem vivamente sobre todo tipo <strong>de</strong> coisas, não necessariamente espirituais.Segundo critérios não revelados, os freqüentadores habituais tomam lugares queparecem usuais, enquanto que, para os novos, Magnús hesita, antes <strong>de</strong> indicar um1 Sálarrannsók<strong>na</strong>rfélag Reykjavíkur ou Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pesquisas sobre a Alma <strong>de</strong> Reykjavík, equivalenteislandês das Society for Psychical Research.2 O equivalente a uma entrada e meia <strong>de</strong> cinema.Disponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 8


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408assento. De costas para gran<strong>de</strong>s janelas <strong>de</strong> vidro que circundam a sala, seis fileiras <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>screvem um arco, voltadas para uma peque<strong>na</strong> mesa redonda, sobre a qualestão dispostas figuras e pedras 3 em torno <strong>de</strong> um castiçal <strong>de</strong> três braços. Do outrolado da mesa, em frente à assistência, a médium Sígriður senta-se entre duas amigas,as quais lhe seguram cada uma das mãos. Ela fecha os olhos, se ajeita em sua ca<strong>de</strong>irae relaxa um pouco, estirando o pescoço. Ela começa a bocejar. Sobre sua cabeçapen<strong>de</strong> um microfone, preso ao teto. Ele está ligado a um equipamento <strong>de</strong> gravação,atrás do qual toma lugar Magnús. Às 20h00min, enquanto ainda persiste umburburinho <strong>de</strong> conversas, a porta é trancada à chave e as corti<strong>na</strong>s são fechadas. Ocírculo é banhado por uma luz branda. Magnús leva o auditório a um recolhimentoque ele suscita com a Ave Maria <strong>de</strong> Verdi. Logo as bocas se calam, as mãos se juntame os olhos se fecham. Então, num tom <strong>de</strong> voz grave, Magnús <strong>de</strong>clara solenementeaberta a primeira sessão da temporada <strong>de</strong> outono.SessõesO “humor” espiritual do local nos introduz ao coração das manifestaçõescontemporâneas do esoterismo mo<strong>de</strong>rno em área oci<strong>de</strong>ntal. Esta socieda<strong>de</strong> psíquicaislan<strong>de</strong>sa lembra outras observações similares efetuadas em diversas latitu<strong>de</strong>s daAmérica e da Europa do Norte. Trata-se, com efeito, do mesmo fundo espiritualistamostrado por Faivre (FAIVRE, 1996): ele se enraíza numa história recente que seinicia <strong>na</strong>s zo<strong>na</strong>s reformadas do velho mundo – em torno notadamente do suecoSwe<strong>de</strong>nborg (1688-1772) – institucio<strong>na</strong>liza-se, <strong>de</strong> início, <strong>na</strong> América do Norte(eventos <strong>de</strong> Hy<strong>de</strong>sville 1847) e <strong>de</strong>pois retor<strong>na</strong> para a Europa via países da zo<strong>na</strong>nórdica, antes <strong>de</strong> multiplicar-se em toda a Europa cristã, e <strong>de</strong> retor<strong>na</strong>r, enfim, aos3 Trata-se <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ze<strong>na</strong> <strong>de</strong> figuras em porcela<strong>na</strong>, representando animais, crianças angelicais eoutros evocando duen<strong>de</strong>s. Duas pedras tipo “cristal” são igualmente dispostas em diago<strong>na</strong>l sobre amesa. Note-se que nenhum uso será feito <strong>de</strong>sses objetos, assim como da mesa que permaneceráimóvel.Disponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 9


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408Estados Unidos pelo sul católico. Existe, é claro, muito a ser dito, para que se possaretratar esses movimentos transatlânticos, sobre os quais traçamos aqui ape<strong>na</strong>s largaslinhas, em toda a sua fineza. Aubrée e Laplantine (AUBRÉE & LAPLANTINE, 1990)já os evocaram para as zo<strong>na</strong>s do sul católico, mas o movimento se inscreve numatroca difusionista mais ampla, on<strong>de</strong> o sentido horizontal do pêndulo (Europa-EUA)<strong>de</strong>ve igualmente ser pensado pela dimensão vertical das latitu<strong>de</strong>s-atitu<strong>de</strong>s (Norteprotestante – Sul católico) 4 .No quadro <strong>de</strong>ste artigo, nossa visão é mais restrita e consiste em interrogaralgumas pistas, sugeridas pelo caso islandês, a fim <strong>de</strong> repensar o lugar que ocupa oesoterismo mo<strong>de</strong>rno no seio das socieda<strong>de</strong>s contemporâneas da área norte oci<strong>de</strong>ntal.Seguindo Hanegraaff (HANEGRAAFF, 1996) consi<strong>de</strong>ramos que as formascontemporâneas da Nova Era e da pós-Nova Era são as últimas extensões <strong>de</strong> umaherança esotérica mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> cujo ponto <strong>de</strong> partida se situa <strong>na</strong> virada do século XVIIIpara o século XIX. O espiritualismo atual, da qual a socieda<strong>de</strong> psíquica <strong>de</strong> Magnús éuma ilustração, se inscreve nesta filiação do esoterismo recente que <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>mosocultismo 5 . Ora, a observação etnográfica e histórica <strong>de</strong>sse ocultismo, <strong>na</strong> <strong>Islândia</strong> <strong>de</strong>forma bem evi<strong>de</strong>nte, mas também em outras socieda<strong>de</strong>s do Oci<strong>de</strong>nte, faz apareceruma dupla constatação surpreen<strong>de</strong>nte. De um lado, ele explora uma via figurativaque ele emprega como seu modo privilegiado <strong>de</strong> expressão e arvora, <strong>de</strong>ssa forma,uma forte tendência iconófila 6 . Por outro lado, constata-se que é nos países da “franja4 Assim, po<strong>de</strong>mos sublinhar, <strong>de</strong> passagem, que Denizard Hyppolyte Leon Rivail (1804-1854), aliás,que Allan Kar<strong>de</strong>c, promotor <strong>de</strong> doutri<strong>na</strong>s e práticas que foram a “versão” católica do espiritismo,recebeu <strong>na</strong> Suíça uma educação protestante liberal que moldou o “espírito mesmo do espiritismo,em sua doutri<strong>na</strong> e mesmo em sua organização”. (AUBRÉE & LAPLANTINE, 1990: 25).5 Não po<strong>de</strong>mos aqui senão alertar o leitor sobre o fato <strong>de</strong> que, especialmente nesse campo <strong>de</strong>pesquisa, é freqüente a falta <strong>de</strong> rigor <strong>na</strong> utilização das terminologias, isso quando não é totalmentelivre. Assim, para evitar toda ambigüida<strong>de</strong>, tomamos aqui as terminologias <strong>de</strong> Faivre etHanegraaff que falam antes <strong>de</strong> ocultismo (e <strong>de</strong> esotericism) para distinguir esse esoterismo mo<strong>de</strong>rno(após o século XVIII) que se distancia das diversas tradições <strong>de</strong> esoterismo/esoterism históricasmais antigas.6 Empregamos aqui o termo iconófilo num sentido bastante amplo – e livre – para <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>r umatendência geral em procurar todas as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> representações: imagens, pinturas, fotos,esculturas, mas igualmente exibições teatrais, vozes, sons, imagens mentais, etc.Disponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 10


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408nórdica” – ou seja, <strong>de</strong> tradição reformada e, portanto, historicamente conhecidos porsua postura radicalmente anti-icônica (BESANÇON, 1994) – que essa via figurativa éa mais fortemente investida e inventiva.A partir disso, o que significa essa tendência iconófila do ocultismo e comoexplicar sua presença em países <strong>de</strong> tradição mais anicônica? Tomando essa pista,gostaríamos <strong>de</strong> sugerir que a via figurativa do esoterismo mo<strong>de</strong>rno revela umasensibilida<strong>de</strong> religiosa distintiva que conduz a relativizar um tanto o tema doindividualismo <strong>de</strong>sesperado, tão freqüentemente associado aos objetos “margi<strong>na</strong>is”da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> religiosa. Ora, se, nessa perspectiva, a <strong>Islândia</strong> é um bom campo <strong>de</strong>estudo, é porque aqui, com efeito, os participantes das sessões não são os <strong>de</strong>safiliadossociais <strong>de</strong>scritos em outros lugares. Na peque<strong>na</strong> capital, on<strong>de</strong> “cada um se conhece”,muitos freqüentam as sessões não regularmente, mas às vezes, e a prática não chocasenão os membros das Igrejas Livres evangélicas. Além disso, essa sensibilida<strong>de</strong> pelooculto não se afronta com a confissão oficial; ela se situa num espaço <strong>de</strong> coabitaçãotolerante, e ninguém jamais <strong>de</strong>ixou a Igreja Nacio<strong>na</strong>l Lutera<strong>na</strong> da <strong>Islândia</strong>, para seafirmar como espiritualista (o movimento não possui, aliás, nenhum estatutocultual). Aqui nós não retomaremos as razões históricas <strong>de</strong>ssa atitu<strong>de</strong>surpreen<strong>de</strong>ntemente passiva, <strong>de</strong>scritas em outras obras. As razões históricasremontam ao início do século XX, quando o in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntismo se afirma num curiosocompromisso entre a Igreja e o Espiritualismo <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista (PETURSSON, 1983;GISSURARSON & SWAROS, 1997; PONS, 2005).Essas características fizeram com que, hoje em dia, a <strong>Islândia</strong> seja, semdúvida, um mo<strong>de</strong>lo um tanto atípico no panorama do lugar acordado ao ocultismono seio das socieda<strong>de</strong>s do Oci<strong>de</strong>nte. Mas esse mo<strong>de</strong>lo é também um revelador maisgeral, colocando em relevo uma ambivalência das sensibilida<strong>de</strong>s religiosas noconjunto das socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tradição reformada. Uma vez que, por um lado, oocultismo parece ocupar bem um território outro, distinto da confissão oficial,po<strong>de</strong>mos igualmente nos perguntar: até que ponto a via figurativa que o ocultismoDisponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 11


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408toma não é encorajada por aquela – introspectiva – do protestantismo? Oprotestantismo favoreceria aqui uma sensibilida<strong>de</strong> religiosa ocultista, se estamos <strong>de</strong>acordo em <strong>de</strong>finir esta como um mergulho em si mesmo, num mundo <strong>de</strong> imagenspessoais que o indivíduo está autorizado a explorar por si só? Com efeito, esse modo<strong>de</strong> apropriação do saber pela via inter<strong>na</strong> da experimentação não é outro que aimagi<strong>na</strong>ção – no sentido criador – da qual Faivre lembra as origens lutera<strong>na</strong>s (1996 II,p. 55).As temáticas figurativas do ocultismo islandêsMesmo que se trate <strong>de</strong> Nova Era ou <strong>de</strong> formas mais antigas, todos aquelesque se <strong>de</strong>bruçaram sobre as manifestações do esoterismo mo<strong>de</strong>rno fizeram a mesmaconstatação <strong>de</strong> um lugar privilegiado acordado às representações. Na <strong>Islândia</strong>, tantoentre os espiritualistas quanto entre os grupos <strong>de</strong> tradição mais iconófoba(astrobiologistas e teósofos) uma pletora <strong>de</strong> imagens e <strong>de</strong> figurações em trêsdimensões habita o espaço. Entre uma vinte<strong>na</strong> <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s psíquicas, a <strong>de</strong> Magnúsexplora muito bem essa veia, ostentando um aparente bricabraque multiforme edando a impressão <strong>de</strong> um santuário da Nova Era. Se esse excesso não é exatamente anorma, <strong>de</strong>vendo ser imputado ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> origi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu presi<strong>de</strong>ntefundador, ele não faz outra coisa senão retomar e sublinhar uma tendência geraliconófila. Em todo o Oci<strong>de</strong>nte, segundo graus <strong>de</strong> exuberância variáveis, os locaiscontemporâneos do universo esotérico (consultórios <strong>de</strong> médiuns, livrarias, centros)se apresentam sempre como abrigos <strong>de</strong> um universo do Kitsch. Na <strong>Islândia</strong>, elesexploram as potencialida<strong>de</strong>s figurativas <strong>de</strong> três dimensões que balizam seu quadrocosmogônico.Inicialmente, uma dimensão panteísta <strong>de</strong>ixa livre curso a todas as tentações.Com efeito, é neste campo que se experimentam as interpretações maisperso<strong>na</strong>lizadas. Segue-se daí que é pouco surpreen<strong>de</strong>nte que sejam os indivíduos (e,Disponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 12


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408pagãos no ano 999, o monte Hekkla, inicialmente pensado como a porta do inferno àépoca medieval, a legendária plenária do parlamento Þingvellir, ou ainda o cumeSnæfellsness, do qual Júlio Verne fez iniciar a sua peregri<strong>na</strong>ção ao centro da Terra eque é, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, consi<strong>de</strong>rado como receptáculo <strong>de</strong> energias cósmicas. Ao contráriodas temáticas panteístas, esses quadros ocupam um lugar importante <strong>na</strong>s peçascomuns, on<strong>de</strong> eles reafirmam uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ancestral em torno da qual seencontram os vivos. Assim, as gran<strong>de</strong>s salas das sessões coletivas sempre exibem taisilustrações, lembrando uma das origens do esoterismo mo<strong>de</strong>rno romântico, aquele<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>scoberta da Natureza – Naturphilosophie – que foi particularmente forte <strong>na</strong>Europa do Norte e que inicia sua história no movimento <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista contra a coroadi<strong>na</strong>marquesa <strong>na</strong> <strong>Islândia</strong>.Enfim, a terceira dimensão dos ícones cristãos é, sem dúvida, a maistransversal, uma vez que ela impreg<strong>na</strong> sem distinções tanto os salões privadosquanto os locais coletivos. As representações mais freqüentes são as do Cristo e daVirgem Maria. Nas socieda<strong>de</strong>s psíquicas, elas ocupam especialmente um lugarimportante <strong>na</strong>s peque<strong>na</strong>s salas reservadas para as sessões chamadas <strong>de</strong> “círculos <strong>de</strong>preces” (bæ<strong>na</strong>hringir) no <strong>de</strong>correr das quais um punhado <strong>de</strong> indivíduos reza para osmortos curarem os vivos. Essas peças, que se parecem às vezes com peque<strong>na</strong>s capelascatólicas, abrigam igualmente altares on<strong>de</strong> são dispostos terços, cruzes, velas, ícones,estatuetas <strong>de</strong> anjos douradas e ainda a Maria, freqüentemente também ador<strong>na</strong>da comum par <strong>de</strong> asas. Se essa iconografia quase católica po<strong>de</strong> nos surpreen<strong>de</strong>r, convém,entretanto, salientar o quanto ela é profundamente seletiva. Aqui nunca sãorepresentadas as imagens da paixão do Cristo. Não há nenhum traço <strong>de</strong> seussofrimentos nem <strong>de</strong> sua coroa <strong>de</strong> espinhos; Jesus não é nunca crucificado e nãosangra, agoniza ou morre. O Cristo que se apresenta é aquele que abençoa, que reza ecura; trata-se <strong>de</strong> um Cristo taumaturgo, mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>al do médium curador. De igualmodo, Maria não chora o martírio <strong>de</strong> seu filho. Ela é representada carregando oDisponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 14


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408menino Jesus em seu colo ou ainda rezando, figurando a beatitu<strong>de</strong> da felicida<strong>de</strong>eter<strong>na</strong>.Contra o <strong>de</strong>sespero dos sentidos...Essas três temáticas ilustram a via figurativa que o ocultismo percorre. Se a<strong>Islândia</strong> propõe uma boa ilustração, ela não é certamente a única. O processo écorrente <strong>na</strong> maioria das socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais. Ora, curiosamente, a antropologia dassocieda<strong>de</strong>s contemporâneas apreen<strong>de</strong> raramente a ativida<strong>de</strong> figurativa inventiva nostermos <strong>de</strong> uma tendência iconófila, antes ela a enten<strong>de</strong> nos termos <strong>de</strong> um ecletismoaleatório, engendrado pelo individualismo recente do mundo mo<strong>de</strong>rno. Essa posturatestemunha uma tendência a não perceber a profundida<strong>de</strong> temporal das tradiçõesesotéricas às quais remonta tal ativida<strong>de</strong> inventiva, mas antes, a observá-la como fato<strong>de</strong> uma “geração espontânea” que teria emergido há pouco sobre as ruí<strong>na</strong>s dasgran<strong>de</strong>s religiões históricas 8 . No entanto, ela carregaria consigo igualmentepressupostos implícitos, culturalmente inscritos no olhar <strong>de</strong> nossa discipli<strong>na</strong>:enquanto sabemos que a maioria das religiões origi<strong>na</strong>-se <strong>de</strong> processos sincréticos, nocaso do ocultismo, este seria percebido como signo <strong>de</strong> uma superficialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>liranteou, como observa Mary com relação ao sincretismo em geral, <strong>de</strong> um “<strong>de</strong>sespero dosentido” (MARY, 2000). Dessa forma, quando nos <strong>de</strong>bruçamos sobre esse tipo preciso<strong>de</strong> material oci<strong>de</strong>ntal, a tendência consistiria em transcrever uma tendência iconófilaem <strong>de</strong>cadência superficial e em mimetizar, assim fazendo, a mesma atitu<strong>de</strong> rigoristaque, durante um longo tempo, arvoraram as confissões religiosas oficiais com relaçãoàs imagens oficiosas dissi<strong>de</strong>ntes.8 Essa negação <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong>, que ressalta Hanegraaff numa leitura crítica da atitu<strong>de</strong> das ciênciassociais com relação aos objetos da Nova Era (HANEGRAAFF, 1996: 380 e seguintes) encontra-seigualmente entre aqueles que observam esses objetos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as gran<strong>de</strong>s tradições esotéricas. Paraestes últimos, que querem distinguir o verda<strong>de</strong>iro trigo do joio, trata-se <strong>de</strong> não confundir a nobrezadas tradições gnósticas prestigiosas que <strong>de</strong>senham as correntes <strong>de</strong> pensamento esotéricas bastanteantigas, com a popularida<strong>de</strong> das formações ocultistas do século XIX, as quais se assimilariam maisa um esoterismo <strong>de</strong>mocratizado, tor<strong>na</strong>do bem <strong>de</strong> consumo parar um gran<strong>de</strong> público.Disponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 15


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408Entretanto, tomado como princípio iconófilo, a via figurativa se mostra comoa ilustração <strong>de</strong> um tipo distintivo <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> religiosa. Ela proce<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta forma<strong>de</strong> saber que se dá pela experimentação, segundo a qual “em favor <strong>de</strong> revelaçõesfulgurantes ou <strong>de</strong> inspiração progressiva, alguns seres recebem o conhecimento pelavia imediata, não-discursiva, dos princípios últimos da realida<strong>de</strong> do mundo”(FAIVRE, 1996 I: 339). Na <strong>Islândia</strong> <strong>de</strong> hoje em dia, as peque<strong>na</strong>s cosmologias pessoaisdos médiuns são um bom testemunho <strong>de</strong>ssa modalida<strong>de</strong> cognitiva, suspeitável <strong>de</strong>conduzir às invenções mais surpreen<strong>de</strong>ntes. Com efeito, todos se <strong>de</strong>dicam a essa arte<strong>de</strong> remendar imaginário, pelo qual eles confeccio<strong>na</strong>m – com elementos disparates e,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> agora, saídos <strong>de</strong> uma globalização <strong>de</strong> bens espirituais – surpreen<strong>de</strong>ntesuniversos on<strong>de</strong> elfos cruzam com espíritos <strong>de</strong> xamãs norte-americanos, quetrabalham em conjunto com monges tibetanos ou freiras católicas (PONS, 2004).Contudo, atrás da primeira impressão <strong>de</strong> bricabraque, no qual tudo parece possível,uma liberda<strong>de</strong> mesurada revela codificações implícitas. Com efeito, os médiunsgeralmente fazem prova <strong>de</strong> uma inventivida<strong>de</strong> que as estruturas ocultistas toleramenquanto se mantiverem aceitáveis, mas que é refreada assim que se tor<strong>na</strong>mameaçadoras para a ortodoxia histórica dos grupos.Esse afastamento das vaida<strong>de</strong>s pessoais se me<strong>de</strong>, por exemplo, pela ausência<strong>de</strong> retratos <strong>de</strong> médiuns nos centros, mesmo a título póstumo. Nas peças comuns,corredores e salas <strong>de</strong> espera, uma dosagem medida contém todas as pretensões.Assim, os únicos retratos fotográficos são aqueles <strong>de</strong> figuras proféticas do século XIX,guardiões da pura ortodoxia, ou então aqueles <strong>de</strong> ilustres estrangeiros como SaïBaba, William James ou Hele<strong>na</strong> Blavatski entre os teósofos. Entre os astrobiologistas,a única figura autorizada é a do fundador Helgi Pjeturs (1872-1949) cuja fotografia –cercada <strong>de</strong> peque<strong>na</strong>s lâmpadas – se ressalta <strong>na</strong> sala das sessões. Ainda que sejapossível encontrar exceções, a rejeição aos retratos <strong>de</strong> médiuns é, entretantoflagrante, logo que pensamos no uso inversamente rebuscado que é feito nos quadrosprivativos dos consultórios pessoais.Disponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 16


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408...ao mergulho inventivoNo fundo, essa constatação é <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> ba<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>. Trata-se <strong>de</strong> nuançara parte do individualismo, lembrando que, no campo religioso como em outros, todaativida<strong>de</strong> criadora abre sempre sua via entre uma performance pessoal e as margensconcedidas pelas instâncias estruturantes. Aceitando tomar os médiuns comoartistas, os historiadores da arte consi<strong>de</strong>raram mais os fatos <strong>de</strong>ssa perspectiva.Assim, os trabalhos <strong>de</strong> Colbert (COLBERT, 1996) apoiando-se <strong>na</strong>s obras daespiritualista america<strong>na</strong> Harriet Hosmer (1830-1908) e notadamente sobre suasesculturas do famoso “Puck” – uma criança angelical com asas <strong>de</strong> morcego, portandoum capuz e sentada sobre um cogumelo – mostram como os médiuns artistas doséculo XIX abriram novas vias <strong>de</strong> expressão sobre<strong>na</strong>tural, tentando inovações quepermaneceriam em acordo com as categorias clássicas (ainda unânimes) daiconografia cristã. Nesses termos, resta que é necessário pensar a ‘nebulosa’ doocultismo (os médiuns, suas cosmologias, suas obras) ou seja, como o espaço <strong>de</strong> umaativida<strong>de</strong> criadora, uma via inventiva que envia a um tipo distintivo <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong>religiosa. Ora, todas as formações do século XIX proce<strong>de</strong>ram pela reativação <strong>de</strong>ssamodalida<strong>de</strong> cognitiva. Em seu notável estudo sobre os primeiros movimentosamericanos, a historiadora Carroll mostra como, para além <strong>de</strong> suas diferenças, osTranscendantalists, os New Church, os New Era Swe<strong>de</strong>nborgians, os Millerits, Shakers eMórmons reivindicaram um mergulho inventivo no « spiritland » como a via da «in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nce of every individual from the spiritual tyranny imposed by established churchesand ministers » (1997, p. 35) * . Da mesma forma, tanto para Paschal Beverly Randolph(1825-1875) quanto para Andrew Jackson Davis (1826-1910) profetas doespiritualismo americano antes dos acontecimentos <strong>de</strong> Hy<strong>de</strong>sville, em 1847, a viageminterior é o caminho espiritual que todo indivíduo <strong>de</strong>ve experimentar (MELTON,* N.T.: “in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> todo indivíduo da tirania espiritual imposta por igrejas e ministrosestabelecidos”.Disponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 17


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 64081994; DELP, 1967; ALBANESE, 1992). Para Davis, que dizia ter sido informado porSwe<strong>de</strong>nborg e Galileu durante íntimas Odisséias, a temática profética repousa sobrea idéia <strong>de</strong> uma peregri<strong>na</strong>ção interior acessível a todos, autorizada pela fusão coletivado grupo. É justamente porque se está entre muitas pessoas, no acúmulo das forças<strong>de</strong> energias, que cada um po<strong>de</strong> partir para explorar seu mundo <strong>de</strong> imagens e <strong>de</strong> látrazer visões que ele vai em seguida partilhar. A forma circular <strong>de</strong> sessõesmediúnicas <strong>de</strong> seis a doze pessoas, no máximo, unidas pelas mãos dadas efluidificadas pelas per<strong>na</strong>s <strong>de</strong>scruzadas se impõe então como o diagrama i<strong>de</strong>al,símbolo <strong>de</strong>ssa via interior e motor das introspecções pessoais coletivamentepartilhadas.Percebe-se, portanto, que um traço comum <strong>de</strong>ssas formações ocultistas é, porassim dizer, a confiança feita ao indivíduo. É ele quem <strong>de</strong>ve fazer prova <strong>de</strong>stacapacida<strong>de</strong> inventiva pela qual ele percorre os mundos interiores on<strong>de</strong> o grupo oenvia só. Ora, esse mo<strong>de</strong>lo cognitivo po<strong>de</strong> ser totalmente reduzido ao processo social<strong>de</strong> individualização da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> contemporânea? Adotar tal ponto <strong>de</strong> vista nãoseria esquecer as biografias <strong>de</strong> gnósticos populares e sábios que, em épocas históricasvariadas, se <strong>de</strong>dicaram a essa mesma modalida<strong>de</strong> distintiva <strong>de</strong> experiência religiosa?Assim, por exemplo, <strong>na</strong> Alemanha do século XVI, místicos, espiritualistas ealquimistas construíam teologias heréticas (KOURÉ, 1971) enquanto que, no mesmomomento, no Frioul italiano, um moleiro <strong>de</strong>lirante reinventava seu cosmos sobre amassa informe <strong>de</strong> um queijo (GINZBURG, 1980). Mas não seria tampouconegligenciar essa disposição específica do mundo reformado, a qual encontramos recentradano coração <strong>de</strong> uma mística junguia<strong>na</strong> que conhece uma formidável escutaem toda a Europa do Norte? Para esse filho <strong>de</strong> pastor, a exploração do inconscientenão seria a confrontação a uma alma huma<strong>na</strong> concebida como substrato autônomo,<strong>na</strong> qual os homens veiculam o tempo <strong>de</strong> suas vidas? Fazer a <strong>de</strong>scoberta equivale acair num mundo <strong>de</strong> imagens do interior mais profundo, via regularmente tomadapelos médiuns islan<strong>de</strong>ses: “Foi então como se, no sentido próprio, o solo ce<strong>de</strong>sse sobDisponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 18


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408mim e como se eu fosse precipitado numa profun<strong>de</strong>za obscura. Não pu<strong>de</strong> evitar umsentimento <strong>de</strong> pânico. Mas logo, e sem que eu tivesse atingido ainda umaprofundida<strong>de</strong> maior, eu me encontrei – para meu gran<strong>de</strong> alívio – sobre meus pés,numa massa mole, viscosa. Eu estava numa obscurida<strong>de</strong> quase total. Após algumtempo, meus olhos se acostumaram à escuridão, <strong>de</strong> um sóbrio crepúsculo. Em minhafrente, estava a entrada <strong>de</strong> uma caver<strong>na</strong> obscura; um anão estava <strong>de</strong> pé. Ele meparecia ser <strong>de</strong> couro, como se ele tivesse sido mumificado. Eu tive que me esgueirarcontra ele para passar pela estreita entrada” (JUNG, 1957: 208).As disposições culturais da figuração ordináriaA partir <strong>de</strong> então, como dar conta da pregnância iconófila ocultista nocontexto <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> lutera<strong>na</strong> protestante? Sem dúvida é necessário suporalguns laços significantes entre as vias da introspecção inventiva e as doprotestantismo. Mas, antes disso, existem igualmente outros fatores sociaisimportantes que precisamos sublinhar, até porque estes recolocam o olhar no campoordinário do mundo social.Assim como o duen<strong>de</strong> Puck <strong>de</strong> Hosmer, o anão <strong>de</strong> Jung nos indica, comefeito, a origem <strong>de</strong>sse mundo <strong>de</strong> imagens em que logo beberão as formaçõesocultistas. Tanto um quanto outro nos enviam às imagens <strong>de</strong> um folclore nórdico,que jogou um papel essencial, enquanto suporte <strong>de</strong> figurações panteístas, e que semantém até nossos dias bastante ativo. É necessário pensar aqui no uso feito, já noséculo XIX, das fairies pelos Ocultistas da América e da Europa do Norte. Afi<strong>na</strong>l,paralelamente as ence<strong>na</strong>ções da presença <strong>de</strong> mortos – notadamente pela via dafotografia – as fairies também foram objetos <strong>de</strong> representações fotográficas(SANDERSON, 1973) teatrais (GAFFORD, 1940) esculturais (COLBERT, 1996)pictóricas e literárias, que não tinham outro objetivo senão fornecer as provas dasdimensões invisíveis. Ora, o problema não é tanto o fato <strong>de</strong> que o esoterismoDisponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 19


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408mo<strong>de</strong>rno tenha bebido nesse capital <strong>de</strong> imagos, mas que esse folclore faça objeto <strong>de</strong>uma figuração que ultrapassa os quadros ocultistas e que po<strong>de</strong> ser encontrada emtodo o mundo social. Fi<strong>na</strong>lmente, como não perceber, com efeito, em toda Europa doNorte, a força não anedótica <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira “paixão ordinária” (BROMBERGER,1998) pelas figurações dos mundos invisíveis, das quais as primeiras expressões são,sem dúvida, os jardins privados! Na <strong>Islândia</strong>, as pessoas se <strong>de</strong>dicam com primor aessa arte popular da cenografia dos mundos ctônicos figurados por elfos, anões ougnomos em miniatura, dispostos em torno das casas. A sensibilida<strong>de</strong> por mundosmaravilhosos, inscrita <strong>na</strong> prática cultural <strong>de</strong> uma jardi<strong>na</strong>gem dominical, dáigualmente livre curso a uma imagi<strong>na</strong>ção prolífica: disposições <strong>de</strong> fontes, cascatas elagos, agenciamento <strong>de</strong> moinhos e outros acessórios movidos pelo vento, mastambém invenções <strong>de</strong> apoios ou suportes inéditos, como pequenos seixos <strong>de</strong> riopintados, meio enterrados e figurando todo um povo em tamanho reduzido, ouainda, bastões fincados no chão e que evocam colônias do abaixo... Entretanto, a<strong>Islândia</strong> não é mais exemplar nesse sentido. Outros países mais ao sul a superamnesse quesito, mas sempre segundo o recorte reformado que vai da Europa àAmérica do Norte, passando pelo Reino Unido.Des<strong>de</strong> então, é necessário conceber essa tendência iconófila em dimensõesque não são mais estritamente ocultistas, mas que encontramos também inscritas noshabitus ordinários que testemunham uma disposição cultural para representar oinvisível. Na <strong>Islândia</strong>, os elfos foram beneficiados particularmente por essadisposição. Des<strong>de</strong> as últimas décadas, as pessoas fizeram uso até da cartografia paraespacializar seus mundos invisíveis <strong>na</strong>s imediações das cida<strong>de</strong>s. Ora, se essascartografias têm igualmente um objetivo turístico, elas não se tor<strong>na</strong>m menossignificantes da maneira pela qual a figuração visual é facilmente convocada para darconta <strong>de</strong> um patrimônio invisível. Sem dúvida, é necessário consi<strong>de</strong>rar aqui que essatemática panteísta dos mundos animados, presente <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> fora dos gruposocultistas, reata e testemunha, apesar <strong>de</strong> tudo – num espírito <strong>de</strong> Her<strong>de</strong>r ou <strong>de</strong> GoetheDisponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 20


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408– as raízes longínquas <strong>de</strong> um romantismo <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. E, nessa perspectiva, os trabalhos<strong>de</strong> Hafstein (HAFSTEIN, 2000) são particularmente esclarecedores. Observandocomo os elfos reaparecem regularmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> 1944 9 , ele<strong>de</strong>monstra o procedimento pelo qual essa socieda<strong>de</strong> reabilita seu espírito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lromântico, que ela proclama numa representação da Natureza autóctone mitificada,figurada por seres invisíveis que são si<strong>na</strong>lados com rochas protegidas e estradas<strong>de</strong>sviadas. Deste ponto <strong>de</strong> vista, não pairam dúvidas sobre o fato <strong>de</strong> que, se astemáticas do esoterismo mo<strong>de</strong>rno encontram-se hoje em dia diluídas no social, forados círculos ocultistas, isso se <strong>de</strong>ve, em parte, ao fato do longínquo parentescoexistente entre folclore, esoterismo e espírito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l romântico. No entanto, aomesmo tempo, essas condições históricas não dão conta <strong>de</strong>sta disposição cultural <strong>de</strong>figurar o invisível, que se manifesta ainda quando franqueamos o limiar separandoos mundos ctônicos exteriores dos grupos domésticos interiores.Ao entrar <strong>na</strong>s casas, as temáticas figurativas <strong>de</strong>slizam em direção ao registro<strong>de</strong> uma representação da ancestralida<strong>de</strong>. Assim, encontramos, <strong>na</strong> maioria das casas,várias pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong>dicadas aos retratos <strong>de</strong> ancestrais, acompanhados <strong>de</strong> figurações <strong>de</strong>fazendas e terras ancestrais. De igual forma, encontramos, às vezes, em um cantoalgumas arrumações, lembrando altares, on<strong>de</strong> os retratos dos últimos <strong>de</strong>saparecidossão ro<strong>de</strong>ados por cruzes, velas e figurinhas <strong>de</strong> anjos, cujo número cresce com aaproximação do Natal. Essas diversas instalações testemunham, em todo caso, opapel concedido aos suportes icônicos <strong>na</strong> manutenção da lembrança dos mortos.Com efeito, assim que introduzida <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong> islan<strong>de</strong>sa, a fotografia <strong>de</strong>sempenhouum papel <strong>de</strong> mimesis que ela jamais abandonou. Além dos usos espiritualistas pelos9 Particularmente por ocasião <strong>de</strong> trabalhos e obras que <strong>de</strong>vem ser interrompidos, porque osbulldozers e máqui<strong>na</strong>s <strong>de</strong> terrapla<strong>na</strong>gem estragam, quando afrontam rochedos on<strong>de</strong> os elfossupostamente habitam. Os primeiros acontecimentos <strong>de</strong>ssa <strong>na</strong>tureza ocorreram por ocasião dosgran<strong>de</strong>s trabalhos <strong>de</strong> infra-estruturas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is (pós Segunda Guerra Mundial) os quais haviamsido conduzidos por americanos, que se instalaram <strong>na</strong> ilha no início da Guerra Fria.Disponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 21


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408quais, no século passado, faziam aparecer os ancestrais atrás do sujeito 10 , é precisotambém pensar no papel necrológico concedido às fotografias nos jor<strong>na</strong>is <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is,assim como a facilida<strong>de</strong> com a qual se fotografa o <strong>de</strong>funto em seu caixão nosenterros, sendo colocadas, em seguida, nos álbuns <strong>de</strong> família. Nesse mesmo caminho,é preciso, sem dúvida, conceber a criação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1987, <strong>de</strong> um banco <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>de</strong>imagens, das quais uma das óticas é a reunião da totalida<strong>de</strong> das primeiras fotografias<strong>de</strong> islan<strong>de</strong>ses, tiradas durante o século XIX. Aqui, a museografia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l seconfun<strong>de</strong> com uma iniciativa cumulativa que procura, por meio <strong>de</strong> suportes visuais,representar exaustivamente uma soma <strong>de</strong> ascen<strong>de</strong>ntes invisíveis.É inútil continuar seguindo ainda mais exemplos para nos darmos conta doquanto esse uso da fotografia se revela como uma atitu<strong>de</strong> mimética surpreen<strong>de</strong>nteneste contexto luterano. Afi<strong>na</strong>l, ela se opõe, com efeito, à iconofobia histórica domundo protestante, para o qual “toda representação, todo drama, toda mimesis eramrepreensíveis; a representação em si era falsa. A imitação era consi<strong>de</strong>radacorruptora” já que ela era ilusão e, portanto, falsida<strong>de</strong>, o que significava “ir contraaquilo que Deus criou” (GOODY, 2003: 131). Como <strong>de</strong>monstraram muito bem ostrabalhos <strong>de</strong> Besançon (BESANÇON, 1994) a iconofobia protestante não era,historicamente, <strong>de</strong> meios-termos: ela afirma uma rejeição veemente a toda e qualquerforma <strong>de</strong> mimesis – imagens, espetáculos, teatro, jogos – enquanto cópia mentirosa.Essa afirmação da iconofobia nos reconduz, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, ao paradoxo doqual partimos, revelando a força <strong>de</strong> uma paixão figurativa ocultista nesses contextos.Ora, para a <strong>Islândia</strong>, esse paradoxo se revela igualmente numa disposição cultural,diluída fora dos limites dos quadros ocultistas e pela qual as presenças invisíveis sãorepresentadas, sem cessar, no cotidiano ordinário do mundo visível dos vivos.Assim, como já observamos anteriormente, trata-se <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong> bem popular –10 É preciso ressaltar que essa técnica, totalmente abando<strong>na</strong>da, conhece um equivalentecontemporâneo <strong>na</strong>s fotografias <strong>de</strong> auras. Particularmente estimadas nos meios ocultistas, essasfotos fazem aparecer atrás do sujeito não mais seus ancestrais, mas forças espirituais <strong>de</strong>cli<strong>na</strong>das emuma paleta cromática.Disponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 22


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408uma “religião ordinária”, po<strong>de</strong>ríamos dizer – quando, em meados do Natal, astumbas nos cemitérios se ilumi<strong>na</strong>m <strong>de</strong> velas, chamadas <strong>de</strong> luzes vivas (lífandi ljós) asquais são fi<strong>na</strong>nciadas pelas coletivida<strong>de</strong>s e não pelo ministério do culto; ou quando,do mesmo modo, e sem dúvida mais ainda, as formas <strong>na</strong>rrativas <strong>de</strong> evocação dos<strong>de</strong>funtos se apresentam sob um linguajar extremamente imaginário, metafórico,repousando sobre uma semiótica visual-auditiva (cores, luzes, sorrisos, roupas,timbres...) que codifica a <strong>na</strong>tureza dos comércios simbólicos entre mortos e vivos(PONS, 2002).Ambivalência das sensibilida<strong>de</strong>s religiosasA contradição concomitante <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong> ocultista iconófila num contextoconfessio<strong>na</strong>l iconófobo se dilui <strong>na</strong> ambivalência <strong>de</strong> uma dimensão costumeiraordinária, <strong>de</strong> antemão incli<strong>na</strong>da a figurar o invisível tanto quanto possível. Noentanto, essa disposição particular – cultural – não esgota a força dos laços entreocultismo e protestantismo, que se impõe primeiro como fato histórico. É necessáriolembrar a massiva proporção <strong>de</strong> protestantes entre as figuras proféticas do ocultismoe os locais <strong>de</strong> emergência das principais formações que balizam, até hoje, a paisagemdo esoterismo mo<strong>de</strong>rno? Po<strong>de</strong>mos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, supor que existe, tanto noesoterismo quanto no protestantismo, uma introspecção no íntimo, que é seu traço <strong>de</strong>união. Afi<strong>na</strong>l, como não perceber, com efeito, que, <strong>na</strong> austerida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um grupoprotestante, reunido por ocasião <strong>de</strong> um culto, é favorecida uma sensibilida<strong>de</strong>religiosa que se exprime sobre o modo da abertura interior, lembrando aquela da viaocultista. Tanto para um quanto para outro, trata-se sempre <strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong>introspecção íntima, seja em direção a Deus, seja em direção a um mundo <strong>de</strong>imagens, como a via <strong>de</strong>ixada livre pelo aniconismo domi<strong>na</strong>nte. Este conduz areconsi<strong>de</strong>rar a fronteira entre essas duas sensibilida<strong>de</strong>s religiosas, não mais asseparando simplesmente, mas, ao contrário, consi<strong>de</strong>rando a permeabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seusDisponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 23


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408limites respectivos. Lembremos, por exemplo, dos círculos <strong>de</strong> preces, estes locais <strong>de</strong>recolhimento que cresceram em toda Europa e América protestante do século XIX.Tratava-se <strong>de</strong> pequenos grupos <strong>de</strong> cinco a <strong>de</strong>z pessoas on<strong>de</strong>, no quadro <strong>de</strong> umacomunida<strong>de</strong> seletiva, partilhava-se o exercício privado <strong>de</strong> uma prece íntima.Reivindicando o direito legítimo, no protestantismo, <strong>de</strong> praticar sua fé fora dos locaisoficiais, esses círculos <strong>de</strong> prece – formas prototípicas das seitas no sentido weberiano– conduziam tanto à criação <strong>de</strong> movimentos religiosos alter<strong>na</strong>tivos <strong>de</strong> tipo ocultista(PROTHERO, 1993) quanto à criação <strong>de</strong> Igrejas livres fundamentalistas (WILSON,1974; PFEFFER, 1974).Para a <strong>Islândia</strong> atual, já evocamos a dificulda<strong>de</strong> em contabilizar o número<strong>de</strong>sses círculos que dizem respeito à religião ordinária, ou seja, uma forma <strong>de</strong>sensibilida<strong>de</strong> religiosa oriunda tanto do confessio<strong>na</strong>l instituído quanto do oficiosopraticado. Mesmo se esses círculos não têm nenhuma existência legal, eles estão,entretanto, presentes em todos os lugares. Originários <strong>de</strong> uma sociabilida<strong>de</strong> antesfemini<strong>na</strong>, eles engrossam re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> ajuda mútua que se elaboramfreqüentemente <strong>de</strong> maneira quase espontânea, em função das necessida<strong>de</strong>s dascircunstâncias sociais. Assim, vemos que eles surgem geralmente por ocasião <strong>de</strong>períodos <strong>de</strong> crise: doenças, aci<strong>de</strong>ntes. A <strong>na</strong>tureza do que se pratica aí é ambivalente:a meio caminho entre a austerida<strong>de</strong> protestante <strong>de</strong> uma invocação ao Senhor e orecurso direto aos mortos, aos quais guiamos, vemos e com os quais discutimos(PONS, 2002b). Esses locais oficiosos <strong>de</strong> uma prática híbrida, espiritualista econfessio<strong>na</strong>l, testemunham não somente o <strong>de</strong>slocamento que po<strong>de</strong>m operar assensibilida<strong>de</strong>s religiosas (encontramos neles médiuns e pastores, e a fé protestanterealiza a experiência das aparições) mas também a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discernir osentido <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>slocamento (quem, do ocultismo e do protestantismo, faz aqui aleitura popular do outro?).Depois dos objetos, das esculturas e das imagens, a convocação dos espíritoscompõe a última parte da iconicida<strong>de</strong> ocultista. Descarregando-se da rejeiçãoDisponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 24


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408protestante <strong>de</strong> toda mimesis em matéria religiosa, as sessões mediúnicas reivindicamo recurso ao espetáculo e à ence<strong>na</strong>ção teatral. Para tanto, e como se <strong>de</strong> longa data elastivessem estado preocupadas em manter o laço entre as sensibilida<strong>de</strong>s, as diversasformações ocultistas da Europa e da América do Norte sempre mantiveram suassessões no domingo à noite, a fim <strong>de</strong> permitir aos a<strong>de</strong>ptos freqüentar, <strong>de</strong> igual forma,os cultos no domingo <strong>de</strong> manhã. Na <strong>Islândia</strong>, e como ilustra a Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Magnús,o jogo <strong>de</strong> ambivalências entre ocultismo e protestantismo opera notadamente sobre oregistro <strong>de</strong> uma complementarida<strong>de</strong>. Assim, a representação das sessões mediúnicascoloniza e explora as características <strong>de</strong>ixadas livres pela maneira lutera<strong>na</strong> <strong>de</strong> viver orito.Teatralida<strong>de</strong>sApós um breve recolhimento ao som da Ave Maria, Magnús felicita aassistência por ter-se reunido. Ele reafirma a importância <strong>de</strong> tais reuniões e do que sefaz nelas, argumentando por uma leitura dos escritos <strong>de</strong> Ei<strong>na</strong>r Kvaran (um dosfundadores, no século XIX), o qual fala sobre os diálogos entre um <strong>de</strong>funto<strong>de</strong>sesperado e uma assembléia <strong>de</strong> vivos, a qual tenta reconfortá-lo. Em algunsminutos, Magnús requer assim a atenção <strong>de</strong> um auditório que, a partir <strong>de</strong> então, estáinvestido <strong>de</strong> uma missão. No entanto, ele logo a <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> lado, apresentando o grupopara aqueles que estão aí pela primeira vez. O tom é um tanto diferente, com umaleveza inesperada, <strong>de</strong>ixando para trás a gravida<strong>de</strong> anterior. Começando pelamédium Sígriður, que já está refeita, ele a <strong>de</strong>screve como “uma velha pele, mas aindamuito boa para os contatos!”. Enten<strong>de</strong>ndo a provocação e rindo muito, ela respon<strong>de</strong><strong>de</strong> maneira incisiva, fingindo estar contrariada. Mas Magnús continua a fazer omesmo com os outros freqüentadores, os quais ele apresenta no mesmo tomsarcástico, antes <strong>de</strong> concluir esse preâmbulo com uma série <strong>de</strong> piadas, algumas <strong>de</strong>conotação sexual. A audiência é dividida; se alguns riem bastante, outrosDisponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 25


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408permanecem mais reservados com relação a essas brinca<strong>de</strong>iras. Entretanto, e apesardos excessos – uma característica <strong>de</strong> Magnús – não existem invenções. Com relaçãoàs sessões <strong>de</strong> grupos americanos, Irving Zaretsky (ZARETSKY, 1974: 202) notou essemesmo uso limi<strong>na</strong>r das piadas com o objetivo <strong>de</strong> relaxar o ambiente, criar um bomhumor geral e convocar as energias positivas que facilitam a qualida<strong>de</strong> das trocas,assegurando assim que os espíritos que intervirão estarão, eles também, com umhumor favorável. Da mesma forma, essa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> relaxamento e <strong>de</strong> leveza éreproduzida a cada vez que ocorrem as gran<strong>de</strong>s sessões, episodicamente, <strong>na</strong>s salascomu<strong>na</strong>is com um “médium-star”. Não se trata, nunca, <strong>de</strong> um lugar <strong>de</strong> aflição, aon<strong>de</strong>vamos abatidos, mas antes <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> aon<strong>de</strong> vamos com os amigos,com a família e filhos, <strong>na</strong> expectativa <strong>de</strong> uma boa diversão. Se não se fazem gozaçõescom os ancestrais, muitas são as brinca<strong>de</strong>iras e, geralmente, mortos <strong>de</strong> bom humoraparecem <strong>de</strong> bom grado.Vemos bem aqui a distância que separa esses rituais das práticasconfessio<strong>na</strong>is, uma vez que a busca <strong>de</strong> um humor jovial (que autoriza o riso) se opõeà austerida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um recolhimento solene e sério, característica dos cultosprotestantes. Mas vemos igualmente <strong>de</strong> que forma Magnús sabe fazer prova <strong>de</strong>ambivalências, operando <strong>de</strong>slizamentos entre as fronteiras <strong>de</strong> uma oposição“relaxamento” versus “austerida<strong>de</strong>”, oposição que relembra aquela sublinhada porGoody entre “teatro-jogo” e “rito-trabalho”, quando o autor distingue as duasatitu<strong>de</strong>s cognitivas com relação à imagem e à representação (GOODY, 2003).Afi<strong>na</strong>l, parece claro que esses rituais ocultistas foram pensados nos termos <strong>de</strong>uma retomada e <strong>de</strong> uma continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> representação lúdica quereata com as origens religiosas da tragédia grega, aquela das formas ancestrais <strong>de</strong> umteatro dos mortos (BASTIDE, 1972: 81). Desse modo, <strong>de</strong>sfaz-se o protesto clássico dosoponentes ao ocultismo – sejam eles positivistas ou religiosos – quando estes<strong>de</strong>nunciam, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIX, o caráter ilusionista e espetacular <strong>de</strong>ssas sessõescomo a prova <strong>de</strong> sua falsida<strong>de</strong>. Afi<strong>na</strong>l, se os protagonistas do oculto – médiuns eDisponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 26


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408inspiradores – foram freqüentemente homens <strong>de</strong> palcos, isso se <strong>de</strong>ve antes a umaessência propriamente teatral <strong>de</strong>ssas práticas religiosas do que a uma suposta frau<strong>de</strong>.Des<strong>de</strong> os exercícios espirituais dos Transcen<strong>de</strong>ntalists, que reataram com Shakespearee com a tragédia grega (GAFFORD, 1940) até os teatros terapêuticos do doutorvienense Jakob L. Moreno – figura intermediária entre Jung e Freud – (BERGÉ, 1998)passando por célebres atrizes médiuns como Emma Hardinge Britten (OPPENHEIM,1985) os laços entre ocultismo e teatro se afirmam sobre todos os lados 11 . Na <strong>Islândia</strong>,também o ocultismo se impôs no século XIX pela forma teatral, notadamente, através<strong>de</strong> jovens médiuns que re-produziam a imagem reencontrada <strong>de</strong> Óðin, o <strong>de</strong>us-xamãdos Vikings, ou através <strong>de</strong> jovens médiuns que redigiam por escritura automática aspeças <strong>de</strong> teatro atribuídas às produções post-mortem dos ancestrais Jó<strong>na</strong>sHallgrímsson, H.C. An<strong>de</strong>rsen (século XIX) e Snorri Sturluson (século XIII).Jogando nesse incessante vai-e-vem entre retenção e diletantismo, Magnúsreacalma seu grupo com um segundo momento <strong>de</strong> recolhimento musical. As mãossão tomadas novamente, os rostos abaixados. Um após outro, os participantesapresentam-se e, num tom <strong>de</strong> benção anônima, Magnús repete os nomes solicitandoque a luz e a força estejam com eles. Ao fim <strong>de</strong>sse longo momento, a médiumSígriður parece estar pronta. Os transes, pouco <strong>de</strong>monstrativos no contexto islandês,se manifestam ao menos por alguns ruídos e contorções mínimas. Mas os olhos<strong>de</strong>sempenham um papel fundamental. Se eles permanecem fechados todo o tempoda sessão, as pálpebras <strong>de</strong>monstram uma gama <strong>de</strong> expressões que transfiguram osrostos em uma máscara: franzidas, distendidas ou mesmo semi-abertas, as pálpebrasmimetizam humores invisíveis. Com um timbre sôfrego, Sígriður empresta então suavoz para um primeiro espírito, originário do norte do país, e que parece surpreso porestar aqui. Ajudado por dois acólitos, Magnús o interroga. Pouco a pouco, suai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> se revela: trata-se <strong>de</strong> uma jovem, uma adolescente ingênua e divertida,11 Os exemplos que manifestam estes laços são inesgotáveis. De passagem, notamos que Leon Rivailfoi, ele também, próximo dos meios artísticos, uma vez que ele fazia a contabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um teatro,durante os anos que prece<strong>de</strong>ram sua transformação em Allan Kar<strong>de</strong>c.Disponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 27


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408<strong>de</strong>sesperada, engraçada e patética. A troca é truncada, enigmática. Mas compreen<strong>de</strong>se,enfim, que ela não havia percebido que estava morta. Magnús lhe diz isso e lheinforma que ela está numa sessão mediúnica em Reykjavík. Na assistência, todos osrostos estão voltados sobre a velha mediadora que soluça, agora, respon<strong>de</strong>ndo queela sabia bem que as coisas já não eram como antes, mas que ela não queria irembora. Ela fala em seguida <strong>de</strong> um aci<strong>de</strong>nte, mencio<strong>na</strong> uma criança e <strong>de</strong>saparece.Quase imediatamente surge um segundo espírito, muito mais seguro, que seapresenta como a avó do primeiro espírito. Esta retoma e expõe os fatos: sua netamorreu num aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> carro há menos <strong>de</strong> 17 anos, mas o que ninguém sabia entãoera que ela estava grávida. A velha senhora parte, <strong>de</strong>ixando a médium adormecida,enquanto os vivos ficam em silêncio, numa prece coletiva. Das profun<strong>de</strong>zas <strong>de</strong>ssameditação, um dos freqüentadores toma a palavra. Ele se dirige à adolescente, aconvida a ir em direção aos seus e <strong>de</strong> encontrá-los <strong>na</strong> sumurlandi (summerland)também conhecido como himinsborg (cida<strong>de</strong> dos céus) que ele <strong>de</strong>screve como um lugarluminoso, colorido, aquecido e doce.Logo após essa primeira seqüência, outros espíritos seguirão segundo umaor<strong>de</strong>m que já expus em outro momento (PONS, 2005) entre eles, os “espíritos <strong>de</strong>sábios”, que são livremente interrogados pelos participantes. Afi<strong>na</strong>l, um outroaspecto relevante <strong>de</strong>ssas práticas é igualmente seu caráter interativo e participativo.Se existe, <strong>de</strong> forma clara, uma representação codificada, ela não é fixa e <strong>de</strong>ixaespontaneamente um lugar para o espontâneo e para o inesperado. Assim as sessõesmediúnicas se distinguem – notadamente da codificação estrita das missas religiosas– por esse registro da performance, on<strong>de</strong> a invenção do roteiro proce<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma açãocoletiva aleatória. Nesse sentido, trata-se <strong>de</strong> um teatro <strong>de</strong> improvisação que se exerceao longo <strong>de</strong> um balizamento fixo. Além disso, freqüentando as sessões, os vivos nãosabem jamais se eles irão – ou não – atuar, uma vez que qualquer um po<strong>de</strong> serinterpelado pelos mortos sem que ninguém espere. Esta noite em especial, em funçãoDisponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 28


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408da força emotiva das primeiras trocas, os espíritos sábios foram amplamenteinterrogados sobre a morte <strong>de</strong> crianças e sobre o estatuto da alma nos fetos.Corti<strong>na</strong>Como todo espetáculo, as sessões mediúnicas são freqüentemente <strong>de</strong>siguais,e seu sucesso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> sempre <strong>de</strong> um coquetel misterioso. Em muitos casos, osparticipantes retor<strong>na</strong>m as suas casas sem maiores entusiasmos, pensando <strong>na</strong> manhã<strong>de</strong> segunda-feira e <strong>na</strong> sema<strong>na</strong> que se inicia. A sessão, divertimento sema<strong>na</strong>l, separece então a uma ida ao cinema, quando vamos ver um filme que esquecemos logoque entramos em casa. No entanto, às vezes, também, sem que se espere, a qualida<strong>de</strong>é elevada ao máximo! Por uma dosagem sutil entre a sala, os espíritos, o médium e osacontecimentos, uma força emotiva <strong>na</strong>sce <strong>na</strong> tensão coletiva. Nesses casos, sentimonos<strong>de</strong>liciosamente febris, ainda um pouco trêmulos, como após havermos vividoalguma coisa <strong>de</strong> importante e <strong>de</strong> esteticamente belo. Aliás, quando isso acontece – ecomo acontece! – não voltamos diretamente para casa. Ficamos um pouco, bebemoscafé e partilhamos nossas emoções. Explicamos como nos sentimos quando seaproxima uma presença, como fomos invadidos por uma alterida<strong>de</strong> num momentoou noutro. E, além disso, tomam-se algumas disposições, pois, afi<strong>na</strong>l, conhecemosentão o nome <strong>de</strong> uma adolescente por quem é preciso fazer alguma coisa. E, então,combi<strong>na</strong>mos <strong>de</strong> nos encontrar novamente, para um círculo <strong>de</strong> preces e <strong>de</strong> telefo<strong>na</strong>raos pais da jovem moça...Nos anos <strong>de</strong> 1970, o etnólogo africanista Beattie esten<strong>de</strong>u até o Oci<strong>de</strong>nte aa<strong>na</strong>logia entre mediunida<strong>de</strong> e teatralida<strong>de</strong>. Ele se apoiava notadamente numa série<strong>de</strong> nove traços 12 , que ele encontrou no drama grego dionisíaco, nos cultos dos12 A prece (1), a obrigação (2), a distração (3), a abstração (4), o uso <strong>de</strong> máscara (5), os <strong>de</strong>sempenhosaprendidos (6), uma linguagem específica (7), um frágil status social (8), a veracida<strong>de</strong> do exercício(9).Disponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 29


Revista Eletrônica do Núcleo <strong>de</strong> Estudos e Pesquisa do <strong>Protestantismo</strong> (NEPP) da Escola Superior <strong>de</strong> TeologiaVolume 15, jan.-abr. <strong>de</strong> 2008 – ISSN 1678 6408Banyoro Ugan<strong>de</strong>ses e no espiritualismo da Europa e da América do Norte (BEATTIE,1977). De um ponto <strong>de</strong> vista formal, a coisa parecia evi<strong>de</strong>nte. Entretanto, fazer essaa<strong>na</strong>logia suporia que a antropologia se libera do olhar singular que ela dirige sobreas possessões, os transes e as mediunida<strong>de</strong>s, assim que essas têm lugar no Oci<strong>de</strong>nte.Em 1872, Tylor já havia freqüentado os círculos espiritualistas da socieda<strong>de</strong> londri<strong>na</strong>,procurando aí algumas vias heurísticas para colocar à prova sua teoria animista. Noentanto, ele havia caído numa constatação <strong>de</strong> frau<strong>de</strong> e <strong>de</strong> teatralida<strong>de</strong> muitoflagrante, consi<strong>de</strong>rando que era muita distração para ser sincero (STOCKING, 1971).Ora, essa relegação no impossível credível é sempre, sem dúvida, o que atravessa umbom número das análises contemporâneas <strong>de</strong>sses fenômenos. Basta pensarmos <strong>na</strong>Nova Era que vemos imediatamente <strong>de</strong> que forma nossas tradições discipli<strong>na</strong>res sãoprontas a alocar esses objetos <strong>na</strong>s manifestações <strong>de</strong>sesperadas <strong>de</strong> um individualismopós-mo<strong>de</strong>rno. Tomando a via da imagem, da cenografia teatral e da re-presentação,tentamos i<strong>de</strong>ntificar uma sensibilida<strong>de</strong> específica – muito amplamente presente <strong>na</strong>socieda<strong>de</strong> islan<strong>de</strong>sa – a qual <strong>de</strong>sejamos conceber como construída ple<strong>na</strong>mente <strong>de</strong>uma atitu<strong>de</strong> religiosa. Essa sensibilida<strong>de</strong>, que coloca a criativida<strong>de</strong> pessoal nocoração da démarche, põe muito mais problemas teóricos às ciências sociais e àsautorida<strong>de</strong>s clericais do que aos seus praticantes corriqueiros, os quais se a<strong>de</strong>quammuito bem.ReferênciasALBANESE, C. L. On the matter of spirit; Andrew Jackson Davis and the marriage of Godand Nature. Jour<strong>na</strong>l of the American Aca<strong>de</strong>my of Religion, 1992, LX(1). p. 1-17.AUBRÉE, M. & LAPLANTINE, F. La table, le livre et les esprits. Naissance, évolution et actualitédu mouvement social spirite entre France et Brésil. Paris: Jean-Clau<strong>de</strong> Lattès, 1990.BASTIDE, R. Le rêve, la transe et la folie, Paris: Seuil, (1972) 2003.BEATTIE, J. Spirit Mediumship as Theatre. RAIN, 20(June), 1977. p. 1-6.BERGÉ, C. Jeu, incorporation et métaphore dans les théâtres thérapeutiques. Gradhiva, 23,1998. p. 23-33.Disponível <strong>na</strong> Internet: http://www3.est.edu.br/nepp 30


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