orgulho nacional Putin participa decerimônia em homenagem a Yuri GagarinReutersRevolução permanente Leon Trotski acreditava que o sucesso <strong>da</strong> revolução só seriapossível se ela atingisse outros países. Morto em 1940, o bolchevique não viu que suarevolução, embora à força, acabou entrando em quase todo o Leste EuropeuViktor Korotayev /REUTERShulton archivecito imperial russo na 1ª Guerra Mundial.Em fevereiro de 1917, os trabalhadores deMoscou, exasperados com a guerra e coma fome, deflagraram uma greve geral. Astropas despacha<strong>da</strong>s pelo czar Nicolau II, aoinvés de reprimir o movimento, confraternizaramcom os grevistas. Depois de quatrodias de caos, a monarquia ruiu e formouseum governo provisório, liderado pelospartidos liberais.O povo reivindicava o fim <strong>da</strong> participaçãorussa numa guerra que só interessava àselites, envolvi<strong>da</strong>s nas disputas geopolíticaseuropéias. Os jovens <strong>da</strong>s classes pobres, enviadosaos milhões para o matadouro doscampos de batalha, desertavam e voltavampara casa. A população urbana exigia umfim à escassez de alimentos causa<strong>da</strong> pelaguerra. E os camponeses – 85% <strong>da</strong> população– queriam a redistribuição <strong>da</strong>s terras,em mãos <strong>da</strong> nobreza.Paz, pão e terraDurante os oito meses de governo provisórioos políticos burgueses falharam ematender às deman<strong>da</strong>s populares. Trabalhadoresdo campo e <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des se organizaramem conselhos, os sovietes, nos quais asdecisões eram toma<strong>da</strong>s com a participaçãode todos. No início os bolcheviques eramminoria entre os partidos de esquer<strong>da</strong> queatuavam nos sovietes. Mas eram os únicosque defendiam, com coerência, o lema “paz,pão e terra”. A única vantagem real com que2007 outubro REVISTA DO BRASIL 33
Lenin e os bolcheviques contavam era a capaci<strong>da</strong>dede reconhecer o que as massas queriam;“de conduzir, por assim dizer, por saberseguir”, explica Hobsbawm.Em outubro de 1917, quando o governoprovisório resolveu reprimir os conselhosde trabalhadores, os bolcheviques já erammaioria. Lenin, ao ver neles uma alternativade poder, lançou a palavra de ordem<strong>da</strong> insurreição: “Todo o poder aos sovietes”.Com a adesão dos sol<strong>da</strong>dos que voltavam<strong>da</strong>s frentes de batalha, os revolucionáriosassumiram rapi<strong>da</strong>mente o controle<strong>da</strong>s principais ci<strong>da</strong>des, Moscou e São Petersburgo.Os bolcheviques emitiram, semper<strong>da</strong> de tempo, os decretos que atendiamaos anseios do povo, como o <strong>da</strong> reformaagrária. As fábricas, abandona<strong>da</strong>s por seusproprietários, não foram estatiza<strong>da</strong>s deimediato, mas coloca<strong>da</strong>s sob a gestão dosoperários. Um acordo de paz foi assinado,mas durou pouco. Durante quatro anos,a guerra civil entre as forças revolucionárias(os “vermelhos”) e conservadoras (os“brancos”) espalhou morte e devastaçãopor to<strong>da</strong> a Rússia.Nem Lenin nem os demais líderes bolcheviques,como Leon Trotski, que organizouo Exército Vermelho, acreditavamque seria possível construir o socialismoisola<strong>da</strong>mente, num único país. O movimentoseria o estopim de uma revoluçãointernacional que mobilizaria trabalhadoresem nações capitalistas mais adianta<strong>da</strong>s.A febre revolucionária se espalhoupela Europa Central. No entanto, somentena Rússia, gigante e subdesenvolvi<strong>da</strong>,os revolucionários mantiveram o poder.A eles só restava a opção de levar adianteo projeto socialista, em condições maisdesfavoráveis que a imagina<strong>da</strong> em 1917.IdealistaJohn Reed, oamericano quemorreu por umarevolução quese perdeuNesse processo, muitos erros foramcometidos.“Lenin, Trotski e seus companheirosreduziram drasticamenteas liber<strong>da</strong>des democráticas apartir de 1918, o que facilitou oprocesso de burocratização posterior”,afirma o cientista políticoMichel Löwy, <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>dede Paris. Ele recor<strong>da</strong> que RosaLuxemburgo, uma <strong>da</strong>s líderes <strong>da</strong>fracassa<strong>da</strong> revolução na Alemanha,apoiava com entusiasmo osbolcheviques, mas criticava a inclinaçãopara práticas autoritárias. Ela apontava oesvaziamento dos conselhos operários, quese tornavam mero instrumento do PartidoComunista.Ain<strong>da</strong> assim, a transformação do jovemregime soviético na monstruosa máquinaestatal do stalinismo não foi automática.“Não se deve estabelecer um sinal de identi<strong>da</strong>deentre o Estado revolucionário de 1917a 1924 e o Estado contra-revolucionário <strong>da</strong>burocracia”, alerta Löwy, lembrando quequase todos os líderes do movimento de1917 foram eliminados, incluindo Trotski,assassinado em 1940 por um agente stalinistadurante seu exílio, no México.Até hoje se discute se o regime que sobreviveuaté 1991 pode ser chamado de socialismo,uma vez que o poder, exercido emnome dos trabalhadores, sucumbiu à burocraciae ao totalitarismo. Por outro <strong>lado</strong>,as sete déca<strong>da</strong>s de existência <strong>da</strong> URSS mostraramque é possível conduzir um país modernosem a proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> dos meiosde produção – ou seja, sem patrões. O regimesoviético transformou um país atrasadonuma poderosa economia mundial, capazde vencer a Alemanha nazista, de enviar navesao espaço, de proporcionar àpopulação condições de alimentação,saúde, moradia e educação.“Para milhões de habitantes<strong>da</strong>s aldeias, o desenvolvimentosoviético significou a aberturade novos horizontes, a fuga <strong>da</strong>strevas e <strong>da</strong> ignorância para a ci<strong>da</strong>de,a luz e o progresso”, constataHobsbawm em seu livro A Erados Extremos.Grande ironia é que a experiênciasoviética trouxe mais benefíciospara os trabalhadores em outraspartes do mundo do que para os própriosrussos. Muitos estudiosos estão convencidosde que o medo do socialismo foi umdos principais motivos que levaram os paísescapitalistas mais desenvolvidos, sobretudona Europa Ocidental e na América doNorte, a empreender importantes reformassociais. Nesses países, o “perigo bolchevique”teria removido a resistência <strong>da</strong>s classesdominantes às reivindicações históricasdos sindicatos de trabalhadores, como saláriose jorna<strong>da</strong>s dignos e proteção social– conquistas que agora, sem o fantasma docomunismo, se vêem ameaça<strong>da</strong>s pela ofensivaneoliberal. Em outras partes do mundo,o exemplo <strong>da</strong> Revolução Russa inspiroulutas de libertação contra o colonialismoeuropeu.Talvez ain<strong>da</strong> seja cedo para uma avaliaçãodo legado de 1917. A única certeza éque, sem levar em conta esse acontecimentograndioso, o mundo em que vivemos setorna incompreensível. Para aqueles quenão aceitam o triunfo do capitalismo apósa dissolução <strong>da</strong> URSS como “o lance final <strong>da</strong>História”, a proeza dos bolcheviques seguecomo uma referência permanente.