o moderno popularTodos os dias, milhares de pessoas dizem nãoàs instalações do porto privado e espremem-senum ambiente caótico, sujo, com grande riscode acidentes dentro e fora dos barcosponto de convergência de milhares de comerciantese viajantes que lotam os barcosde mercadorias e histórias. Tanto a locali<strong>da</strong>decomo o porto receberam o nome de ManausModerna durante um projeto de urbanizaçãorealizado em 1994, que transformoua área em zona portuária e de comércio. Hojesua moderni<strong>da</strong>de está justamente na resistênciaao moderno. Rivaliza com as novasinstalações do antigo Porto de Manaus, local2007 outubro REVISTA DO BRASIL 43
oficial de embarque para destinos nacionais,internacionais e contêineres. Construído em1902, para escoar os negócios milionários<strong>da</strong> borracha, foi restaurado e modernizadocom guichês informatizados, monitoresque indicam horário de parti<strong>da</strong> e de chega<strong>da</strong>,como em aeroportos. A idéia não prosperou,embora o prédio chame a atenção demuitos, principalmente dos turistas.Em Manaus Moderna tudo é mais simples.Os guichês são guar<strong>da</strong>-sóis, a lanchoneteé um trailer a<strong>da</strong>ptado e o anúncio <strong>da</strong>s parti<strong>da</strong>sé no grito. Três grandes balsas unem-seà terra firme por pontes improvisa<strong>da</strong>s, quesubstituem as esca<strong>da</strong>s deteriora<strong>da</strong>s pela presençaconstante <strong>da</strong> água. Mesmo assim, todosos dias, milhares de pessoas dizem não àsinstalações assépticas do porto privado e espremem-senum ambiente caótico, com riscode acidentes dentro e fora dos barcos.Em Manaus Moderna as passagens custamde 20% a 50% menos do que no embarcadourooficial. Uma passagem para Tabatinga,de 268 reais no guichê, pode sairpor 200 nas ruas. “Negociamos direto como dono do barco, sem aquele monte de impostoscobrados lá dentro”, explica JailsonSilva, um entre centenas de vendedores debilhetes que circulam na calça<strong>da</strong> estreita.Para a maioria <strong>da</strong>s pessoas, as expectativas estão volta<strong>da</strong>s para a chega<strong>da</strong>. Alguns trazem a vi<strong>da</strong>to<strong>da</strong> para dentro dos barcos <strong>da</strong> Manaus Moderna, com o intuito de reiniciá-la em outro porto seguroPara ele, outra razão é o embarque commais agili<strong>da</strong>de, sem passagem por raio X,Polícia Federal, taxas ou limites de carga.O ritmo frenético dos carregadores dá veloci<strong>da</strong>deao porto. Entre passageiros que seacumulam na proa, passam caixas de frutas,colchões, material de construção, passacerveja, passa fogão, passa mamão, passagente, passa açúcar, passam bananas-passas.Tudo muito rápido. Todo mundo tempressa de entregar e de receber. Uma passagema bordo do Coman<strong>da</strong>nte Santana, comdestino a Nhamundá, em território amazonense,ou Faro e Terra Santa, no Pará, custa30 reais, com direito a dois dias sobre aságuas e uma refeição. Um camarote na viagempara Santarém (PA), no Maresia I, saipor 180 reais. Três dias de viagem. Na rede,sai por 50 a 60.“Lei de oferta e procura, meu irmão”, explicaRaimundo Souza de Almei<strong>da</strong>, 42 anos,metade deles vividos ali, às margens do RioNegro, primeiro como carregador e atualmentecomo vendedor de bilhetes. “Quandotem mais barcos, cai o preço; quando44 REVISTA DO BRASIL outubro 2007tem mais gente, o preço sobe. Se é época defestivi<strong>da</strong>des o preço sobe”, completa, sentadoem frente a um cartaz com dezenasde fotos de barcos: Princesa Letícia, AlmirGuimarães, Leão IV e Manuel Silva II.É nessa época que outros vendedores doporto fazem seu extra. José Mendes vendeóculos de sol. Tira cerca de 50 por “dia bom”,e chega a faturar 180 em vésperas de festivaiscomo o de Parintins, em junho, um dosmais famosos do país. Paulo César Nascimentovende pe<strong>da</strong>ços de cor<strong>da</strong> por 2 reaiso par. É produto de primeira necessi<strong>da</strong>de,pois a maioria dos barcos não possui númerosuficiente de ganchos para que todosacomodem suas redes. Com a cordinha, seamarram a qualquer pe<strong>da</strong>ço de madeira dobarco. Paulo César vende 18 pares em diasnormais e mais de 70 nos dias de festa. Concorrecom milhares de ambulantes, que trazemtodo tipo de conveniência: suco ge<strong>lado</strong>,salgadinhos, pão de queijo, laranja descasca<strong>da</strong>,biscoito de polvilho, pano de prato, rádio,fones de ouvido, DVD, canudinho de docede leite, picolés de açaí com tapioca.Disputam espaço com os carregadores novaivém contra o relógio: o Maresia vai sairmeio-dia, o Gênesis III às 15h. Como formigasobreiras, levam bem mais que seu própriopeso. Salvanei de Oliveira carrega quatrosacos de laranja de uma vez, 120 quilos, oque lhe rende 1,50 real. Em dia bom, chega atirar 150 reais, ou seja, repete cem vezes o esforçoque executado uma única vez já parecehercúleo. Nilton Pereira Júnior faz malabarismoscom latas de cerveja, às vezes 20 caixasde uma só vez. Nas mãos de José Menezese de Salustião, mamões se equilibram, batatasvoam. Marcinho engana com uma pilhade papel higiênico sobre os ombros.Enquanto traz o mundo para dentro, atripulação tenta manter a ordem. Algunsconferem os bilhetes, outros identificam eetiquetam o que entra e o que sai, na maioria<strong>da</strong>s vezes com as iniciais dos destinatários.AOS é o senhor Antonio Oliveira <strong>da</strong>Silva, dono de uma próspera ven<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong>dede Alenquer (PA), a um dia e meiode viagem. PD é Pedro Domênico, de Óbidos(PA). No Co<strong>da</strong>jás, é Jorge o responsável