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Revista do Brasil #116

revista de política, economia, cultura e ambiente

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HUMOR PARA<br />

MAL-HUMORADOS<br />

Gregório Duvivier<br />

quer cutucar certezas<br />

LIVROS PARA<br />

PEQUENOS CIDADÃOS<br />

Além de histórias,<br />

respeito ao próximo<br />

nº 116 abril/2016 www.redebrasilatual.com.br<br />

NÃO SE<br />

ILUDA<br />

To<strong>do</strong>s defendem o combate à corrupção.<br />

Mas “salva<strong>do</strong>res da pátria” querem cortar<br />

direitos, privatizar e dar o pré-sal


RESPEITO À DEMOCRACIA<br />

ASSISTA AO SEU JORNAL<br />

DAS 19H15 ÀS 20H, DE SEGUNDA A SÁBADO<br />

Notícias, reportagens, entrevistas, colunistas no <strong>Brasil</strong><br />

e no mun<strong>do</strong>, dicas, cultura e mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho com<br />

o olhar da democracia e <strong>do</strong> desenvolvimento<br />

econômico com inclusão social<br />

Canal 44.1 HD digital<br />

em toda Grande São Paulo<br />

Canal 2 Net:<br />

São Paulo (das 19h às 20h30)<br />

Canal 46:<br />

Mogi das Cruzes<br />

Canal 12 Net:<br />

Grande ABCD<br />

No site: tvt.org.br<br />

Satélite C3,<br />

frequência 3851,<br />

symbol rate 6247,<br />

vertical: em to<strong>do</strong> o <strong>Brasil</strong>


ÍNDICE<br />

EDITORIAL<br />

8. <strong>Brasil</strong><br />

As reais intenções<br />

<strong>do</strong>s “indigna<strong>do</strong>s”<br />

18. Entrevista<br />

Duvivier e o remédio<br />

contra a “outrofobia”<br />

22. Trabalho<br />

Acor<strong>do</strong> contra os<br />

males <strong>do</strong> mercúrio<br />

26. América Latina<br />

Início <strong>do</strong> governo Macri<br />

inquieta a Argentina<br />

32. Ambiente<br />

Futuro <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

clima causa dúvidas<br />

36. Literatura<br />

O poeta da floresta<br />

completa 90 anos<br />

Pirâmides em<br />

Teotihuacán<br />

40. Viagem<br />

História e histórias<br />

nas rotas <strong>do</strong> México<br />

44. Cidadania<br />

Livros infantis que<br />

evocam respeito<br />

Seções<br />

Cartas 4<br />

Marcio Pochmann 5<br />

Destaques <strong>do</strong> mês 6<br />

Lalo Leal 15<br />

Mauro Santayana 16<br />

Emir Sader 31<br />

Curta essa dica 48<br />

Atitude 50<br />

PIXABAY<br />

Chico no Rio: divergências existem, mas não se pode pôr em dúvida a integridade da presidenta<br />

Fazer valer a democracia<br />

Ouan<strong>do</strong> Chico Buarque apareceu de surpresa em uma manifestação contra<br />

o impeachment no tradicional Largo da Carioca, no centro <strong>do</strong> Rio,<br />

logo se lembrou <strong>do</strong> golpe de 52 anos atrás, já que era 31 de março. O<br />

cantor e compositor fez referência à data, mas para lembrar que aquele<br />

episódio não poderia se repetir. E fez um apelo ao bom senso: as pessoas<br />

podem não gostar <strong>do</strong> PT, podem não ter vota<strong>do</strong> em Dilma, porém não se podia<br />

pôr em dúvida a integridade da presidenta.<br />

Quem faz comentários políticos tem si<strong>do</strong> hostiliza<strong>do</strong> nas redes sociais, nas ruas,<br />

até dentro de casa. Usar determinadas roupas pode ser motivo de agressão física. Ter<br />

opinião tornou-se condenável. Especialmente quan<strong>do</strong> vai contra a corrente, aquela<br />

encampada pelos principais meios de comunicações, para quem o <strong>Brasil</strong> só anda para<br />

a frente se varrer <strong>do</strong> mapa não a corrupção, mas um parti<strong>do</strong> político, apenas um.<br />

O que embute também aversão a um ideário de busca de avanços sociais, em um país<br />

ainda muito atrasa<strong>do</strong>.<br />

Em sua coluna nesta edição (leia à página 15), o professor Lalo Leal observa: para<br />

saber o que está acontecen<strong>do</strong> no país, é melhor acompanhar os meios de comunicação<br />

estrangeiros. A cobertura política trata de forma desigual as manifestações e inclina-<br />

-se à derrubada <strong>do</strong> governo. Isso quan<strong>do</strong> não trata de forma ofensiva e desrespeitosa<br />

alguns de seus representantes. Em nome da livre expressão, recorre-se ao vale-tu<strong>do</strong>.<br />

Em nome da moralidade, quantos interesses e valores inconfessáveis. Corruptos avalian<strong>do</strong><br />

o impeachment?<br />

Assim, é preciso dizer quem quer o quê, e o que está em jogo, com a mudança no<br />

poder. Reformas, sim. Mas para a turma <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> merca<strong>do</strong>, a quem o governo<br />

equivocadamente acenou nos últimos anos, esquecen<strong>do</strong> que há interesses inconciliáveis<br />

em questão. Eles querem eliminar direitos, flexibilizar, privatizar. De um governo<br />

apoia<strong>do</strong> por movimentos sociais esperam-se ações para o crescimento, pela redução da<br />

desigualdade e por justiça social, caminho que o país começou a trilhar, timidamente.<br />

Eles querem retomar uma histórica tradição brasileira, de governar para poucos.<br />

Nota da Redação: esta edição foi fechada no dia 6 de abril, procuran<strong>do</strong> acompanhar, <strong>do</strong> jeito<br />

possível, a velocidade cada vez maior <strong>do</strong>s acontecimentos, em especial na política brasileira.<br />

MÍDIA NINJA<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 3


CARTAS<br />

www.redebrasilatual.com.br<br />

Coordenação de<br />

planejamento editorial<br />

Paulo Salva<strong>do</strong>r e Valter Sanches<br />

Editores<br />

Paulo Donizetti de Souza<br />

Vander Fornazieri<br />

Editor Assistente<br />

Vitor Nuzzi<br />

Redação<br />

Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Eduar<strong>do</strong><br />

Maretti, Fábio M. Michel, Helder Lima, Hylda<br />

Cavalcanti, Rodrigo Gomes e Sarah Fernandes<br />

Arte<br />

Leandro Siman<br />

Iconografia<br />

Sônia Oddi<br />

Capa<br />

Montagem com fotos da Pixabay.<br />

Paulo Pepe/RBA (Gregório Duvivier)<br />

Ilustração de Júnior Caramez para A Princesa<br />

e a Costureira (livros infantis).<br />

Sede<br />

Rua São Bento, 365, 19º andar,<br />

Centro, São Paulo, CEP 01011-100<br />

Tel. (11) 3295 2800<br />

Comercial<br />

Sucesso Mídia (61) 3328 8046<br />

Suporte, divulgação e adesões<br />

(11) 3295 2800 (Carla Gallani)<br />

Impressão<br />

Bangraf (11) 2940 6400<br />

Simetal (11) 4341 5810<br />

Distribuição<br />

Gratuita aos associa<strong>do</strong>s<br />

das entidades participantes.<br />

Tiragem<br />

120 mil exemplares<br />

Conselho diretivo<br />

Adriana Magalhães, Almir Aguiar, Aloísio<br />

Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa,<br />

Antônio Laércio Andrade de Alencar,<br />

Arcângelo Eustáquio Torres Queiroz, Carlos<br />

Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello,<br />

Claudir Nespolo, Cleiton <strong>do</strong>s Santos Silva,<br />

Deusdete José das Virgens, Douglas Izzo,<br />

Edgar da Cunha Generoso, Edmar da Silva<br />

Feliciano, Eliana <strong>Brasil</strong> Campos, Eric Nilson,<br />

Fabiano Paulo da Silva Jr., Francisco Alano,<br />

Francisco Jr. Maciel da Silva, Genival<strong>do</strong><br />

Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas,<br />

Gervásio Foganholi, Glaucus José Bastos<br />

Lima, Isaac Jarbas <strong>do</strong> Carmo, Izídio de<br />

Brito Correia, José Eloir <strong>do</strong> Nascimento,<br />

José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete<br />

de Oliveira Silva, José Roberto <strong>Brasil</strong>eiro,<br />

Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas,<br />

Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva<br />

Holanda, Marcos Frederico Dias Breda,<br />

Maria Izabel Azeve<strong>do</strong> Noronha, Nilton Souza<br />

da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo<br />

João Estaúsia, Raimun<strong>do</strong> Suzart, Raul Heller,<br />

Roberto von der Osten, Rodrigo Lopes Britto,<br />

Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria<br />

Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes,<br />

Valmir Marques da Silva, Wilson Franca<br />

<strong>do</strong>s Santos.<br />

Diretores responsáveis<br />

Juvandia Moreira<br />

Rafael Marques<br />

Diretores financeiros<br />

Rita Berlofa<br />

Moisés Selerges Júnior<br />

Rede da legalidade<br />

A riqueza <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong> tem que ser dividida<br />

com os brasileiros e não com meia dúzia de<br />

empresários e políticos neoliberais corruptos...<br />

(“A nova rede da legalidade”, ed. 115)<br />

Edu Souza<br />

A culpa por tu<strong>do</strong> que acontece atualmente<br />

é <strong>do</strong> próprio Lula. Sabia que a<br />

oposição iria fritá-lo na primeira oportunidade,<br />

mas mesmo assim não acreditou.<br />

Acabou dan<strong>do</strong> no que deu. Foi<br />

ataca<strong>do</strong> há tempo mas nem ele e nem<br />

o PT se defenderam. Deixaram para reagir<br />

no final. Agora... aguentem!!! E o<br />

<strong>Brasil</strong>?<br />

Novo <strong>Brasil</strong><br />

Fui assinante de Exame durante alguns<br />

anos. Quan<strong>do</strong> a revista passou a priorizar<br />

assuntos de política, diga-se, defender<br />

os interesses de parti<strong>do</strong>s e políticos<br />

de direita em detrimento de assuntos de<br />

economia e negócios, cancelei a assinatura<br />

e deixei de lê-la. Ficou uma revista canalha<br />

igual à sua irmã Veja. Admira-me<br />

que o governo que apanha semanalmente<br />

desse lixo ainda tenha coragem de nela<br />

fazer anúncios.<br />

Miguel Silva<br />

Chico Buarque<br />

Chico é Chico... E ponto. (“O disco <strong>do</strong><br />

Chico”, ed. 115)<br />

José Fernandes<br />

carta@revista<strong>do</strong>brasil.net<br />

Atraso<br />

Vários erros foram cometi<strong>do</strong>s. O PT, esse<br />

tempo to<strong>do</strong> no governo, tem uma base<br />

irrisória, confiou no PMDB, usou e abusou<br />

de coligação nos esta<strong>do</strong>s, tinha que ter<br />

aproveita<strong>do</strong> e crescer como parti<strong>do</strong>, mas<br />

foi se atrelar ao PMDB e na primeira oportunidade<br />

é traí<strong>do</strong> pelo seu “parceiro”. O<br />

pior vice que poderia arrumar foi Temer,<br />

pelo seu caráter e pela sua base política. Se<br />

fosse de qualquer outro esta<strong>do</strong>, não estava<br />

conspiran<strong>do</strong>. Paulista, nasceu na política<br />

pregan<strong>do</strong> golpe... A história nos diz isso.<br />

(“Sob o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> atraso”, ed. 115)<br />

Manu<br />

Nenhum <strong>do</strong>s BRICS está viven<strong>do</strong> em céu<br />

de brigadeiro. Talvez a Índia seja mais<br />

dócil que o <strong>Brasil</strong>. A Rússia está gastan<strong>do</strong><br />

alguns bilhões por ano na área militar.<br />

A economia chinesa começará a enfrentar<br />

os problemas tipicamente ocidentais.<br />

Mun<strong>do</strong> afora, já se fala numa situação<br />

pré WW III, onde a crise <strong>do</strong> capitalismo<br />

só se resolveria com mais um conflito.<br />

Dilma já não tem muita margem de manobra,<br />

que piora em função de sua personalidade<br />

honesta, mas centraliza<strong>do</strong>ra. Na<br />

surdina o Congresso entrega o <strong>Brasil</strong> com<br />

tu<strong>do</strong> dentro.<br />

Marcos Silva<br />

Vinil<br />

Os discos de vinil fazem da vida de seus<br />

amantes uma verdadeira trilha sonora.<br />

(“Os senti<strong>do</strong>s na ponta da agulha”, ed. 114)<br />

Som Livros Usa<strong>do</strong>s<br />

Zika<br />

Aqui em Ponta Grossa (PR), o Exército<br />

aparentemente esteve nas casas. Mas na<br />

rua onde passo, vejo atráves das grades<br />

aproximadamente 30 garrafas com a boca<br />

para cima e pela metade de água. Não<br />

posso acreditar em certas coisas... (...) (“O<br />

fenômeno Zika”, ed. 114)<br />

Renato Andretti<br />

As mensagens para a <strong>Revista</strong> <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong> podem ser enviadas para o e-mail acima ou para<br />

o seguinte endereço: Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100.<br />

Pede-se que a mensagem venha acompanhada de nome completo, telefone e e-mail.<br />

4 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


MARCIO POCHMANN<br />

Ética empresarial e<br />

a traição das elites<br />

Sem que o <strong>Brasil</strong> herda<strong>do</strong> <strong>do</strong> neoliberalismo seja passa<strong>do</strong> a limpo,<br />

dificilmente a democracia será mantida plenamente<br />

Na sociedade atual, a ética orientada<br />

pela consciência, independente de<br />

vícios e vontade alheia, conforme definida<br />

por clássicos como Aristóteles ,<br />

terminou sen<strong>do</strong> associada ao cumprimento<br />

das leis estabelecidas. Nesse senti<strong>do</strong>, a<br />

busca pelo capital enquanto objetivo exclusivo <strong>do</strong>s<br />

indivíduos submeti<strong>do</strong>s ao capitalismo estaria media<strong>do</strong><br />

pela ação da política e leis.<br />

Em grande medida, a realidade brasileira da corrupção<br />

desvendada por várias operações <strong>do</strong>s órgãos de vigilância,<br />

repressão e justiça explicita como o “amor pelo<br />

dinheiro”, conforme aponta<strong>do</strong> por J. Keynes, subverteu<br />

as leis exigentes de convivência ética, sobretu<strong>do</strong> empresarial.<br />

Mas isso somente se tornou possível com a<br />

liberdade de atuação e as condições decentes de trabalho<br />

concedidas aos órgãos responsáveis pelo governo<br />

lidera<strong>do</strong> pelo PT desde 2003.<br />

Acontece que a prática <strong>do</strong> corrupto no setor público<br />

somente se manifesta a partir da existência <strong>do</strong><br />

corruptor no setor priva<strong>do</strong>, conforme entendeu a<br />

Lei 12.846, de 2013, que inovou a respeito da responsabilização<br />

administrativa e civil de pessoas jurídicas<br />

pela prática de atos contra a administração pública.<br />

Assim, o <strong>Brasil</strong> passou a assistir, pela primeira vez,<br />

empresários sen<strong>do</strong> presos e condena<strong>do</strong>s por práticas<br />

de corrupção.<br />

Percebe-se que, embora a prática da corrupção seja<br />

de longa duração, somente com o novo instrumento<br />

legal e liberdade de atuação das instituições responsáveis<br />

que a prática da corrupção foi detectada e<br />

coibida em grande escala. Mas, para além disso, deve-se<br />

considerar que a desconstrução <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> por<br />

força das políticas neoliberais a<strong>do</strong>tadas ao longo <strong>do</strong>s<br />

anos de 1990 enfraqueceu os dispositivos de coibição<br />

das práticas da malversação <strong>do</strong>s recursos públicos.<br />

Em função disso, a relação entre o Esta<strong>do</strong> e o merca<strong>do</strong><br />

foi sen<strong>do</strong> gradual e lentamente comprometida<br />

pela presença crescente de cartéis participantes <strong>do</strong>s<br />

processos licitatórios nas compras públicas. O aban<strong>do</strong>no<br />

da ética empresarial tornou-se inegável, com o<br />

ANDRÉ TAMBUCCI/ FOTOS PÚBLICAS<br />

desvio das normas básicas da competição em torno<br />

<strong>do</strong>s contratos com o setor público (União, esta<strong>do</strong>s e<br />

municípios) e empresas estatais.<br />

Com a finalidade de acobertar essa prática difundida<br />

no <strong>Brasil</strong> em torno <strong>do</strong> aban<strong>do</strong>no da ética empresarial,<br />

foi sen<strong>do</strong> absorvi<strong>do</strong> e financia<strong>do</strong> o sistema<br />

político nacional, bem como outras instituições de<br />

controle e justiça. O descrédito da população frente<br />

à deturpação da representação partidária e <strong>do</strong>s certames<br />

eleitorais fortalece o movimento maior que<br />

está em curso, de alterar profundamente a relação<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> com o merca<strong>do</strong>.<br />

Diante disso, contu<strong>do</strong>, as elites distanciam-se <strong>do</strong><br />

compromisso democrático, alienan<strong>do</strong> mais e organizan<strong>do</strong><br />

forças sociais em torno <strong>do</strong> impedimento da<br />

presidente Dilma, cujo enfrentamento da corrupção<br />

tem si<strong>do</strong> incomparável e leva<strong>do</strong> a ferro e fogo. A traição<br />

maior ocorre quan<strong>do</strong> o movimento das elites<br />

pretende colocar outro governo, qualquer governo,<br />

sem base legal para solapar as operações que colocam<br />

em xeque quase to<strong>do</strong>s os parti<strong>do</strong>s e lideranças<br />

nacionais e locais.<br />

Sem que o <strong>Brasil</strong> herda<strong>do</strong> <strong>do</strong> neoliberalismo e que<br />

borrou a ética empresarial seja passa<strong>do</strong> a limpo, dificilmente<br />

a democracia será mantida plenamente.<br />

Por isso, a traição das elites em relação à defesa <strong>do</strong><br />

regime democrático no <strong>Brasil</strong>.<br />

O descrédito da<br />

população frente<br />

à deturpação da<br />

representação<br />

partidária e<br />

<strong>do</strong>s certames<br />

eleitorais<br />

fortalece o<br />

movimento<br />

maior que<br />

está em curso,<br />

de alterar<br />

profundamente<br />

a relação <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> com o<br />

merca<strong>do</strong><br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 5


edebrasilatual.com.br Informação<br />

diária no portal,<br />

no Twitter e no Facebook<br />

Obama e<br />

Raúl Castro<br />

Para crianças, não<br />

Em votação unânime, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou<br />

a proibição de publicidade infantil. A decisão saiu após uma ação<br />

<strong>do</strong> Ministério Público de São Paulo contra uma peça publicitária,<br />

a partir de uma denúncia feita em 2007. O STJ julgou procedentes<br />

as denúncias de publicidade abusiva e venda casada, afirman<strong>do</strong> que<br />

deveriam ter si<strong>do</strong> respeitadas normas de proteção específicas <strong>do</strong><br />

público infantil. “É uma decisão paradigmática. É a primeira que<br />

chega no STJ sobre esse tema e traz interpretação de um conjunto<br />

de leis que garantem a prioridade absoluta <strong>do</strong> direito das crianças,<br />

inclusive nas relações de consumo”, afirmou a advogada que representa<br />

a Alana, associação autora da denúncia. bit.ly/rba_crianças<br />

Trabalho para eles, não<br />

O <strong>Brasil</strong> tem ainda mais de 3 milhões de jovens de 5 a 17 anos trabalhan<strong>do</strong>,<br />

mas esse número vem diminuin<strong>do</strong>. Em duas décadas, de 1992 a 2013, a<br />

redução foi de 59% – de 7,8 milhões para 3,2 milhões. A queda no perío<strong>do</strong><br />

2003-2013 foi de: 38,4%. Os da<strong>do</strong>s foram divulga<strong>do</strong>s pelo Fórum Nacional de<br />

Prevenção e Erradicação <strong>do</strong> Trabalho Infantil, com base em informações <strong>do</strong><br />

IBGE. bit.ly/rba_infantil<br />

Apesar da<br />

redução, o<br />

<strong>Brasil</strong> ainda tem<br />

3 milhões de<br />

trabalha<strong>do</strong>res<br />

entre 5 e 17 anos<br />

FOTOS: PIXABAY<br />

VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL<br />

Tio Sam na Ilha<br />

A presença de um presidente norte-<br />

-americano em Cuba representou um<br />

fato histórico que ainda terá repercussões<br />

devidamente conhecidas. Em 22 de<br />

março, Barack Obama afirmou ser<br />

preciso “enterrar os restos da Guerra Fria<br />

nas Américas” e disse que seu governo<br />

continuará trabalhan<strong>do</strong> pelo fim <strong>do</strong><br />

embargo econômico à Ilha, em decisão<br />

que depende <strong>do</strong> Congresso de seu país.<br />

Especialistas destacam os esforços<br />

diplomáticos da Casa Branca e <strong>do</strong> Vaticano<br />

para consumar esse reencontro, mas<br />

lembram que se trata de um processo<br />

também tardio, à medida que outros países,<br />

como China e Rússia, já intensificaram essa<br />

aproximação. bit.ly/rba_cuba<br />

Canibais<br />

nos trilhos<br />

Uma denúncia de “canibalização” de trens<br />

levou a Companhia <strong>do</strong> Metropolitano<br />

(Metrô) de São Paulo ao Tribunal de<br />

Contas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (TCE), e diretores da<br />

empresa admitiram que foram retiradas<br />

peças de cinco composições para garantir a<br />

manutenção de outras. Mas alegaram que<br />

se tratava de um procedimento planeja<strong>do</strong>.<br />

Segun<strong>do</strong> o Sindicato <strong>do</strong>s Metroviários,<br />

havia 11 trens para<strong>do</strong>s, em duas regiões,<br />

nas zonas leste e sul da capital paulista.<br />

A entidade afirma que o Metrô tira vários<br />

itens dessas unidades para que outras<br />

possam operar.<br />

bit.ly/rba_metro1<br />

bit.ly/rba_metro2<br />

CUBA DEBATE<br />

6 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


Reitor e índio<br />

O <strong>do</strong>utor em Agronomia Jefferson Fernandes <strong>do</strong><br />

Nascimento, 51 anos, tornou-se em 12 de março o<br />

primeiro reitor indígena <strong>do</strong> país. Eleito em novembro, ele<br />

assumiu a reitoria da Universidade Federal de Roraima<br />

(UFRR), instituição criada em 1989 e que nunca teve<br />

em sua direção um representante <strong>do</strong> próprio esta<strong>do</strong>.<br />

Nascimento é da etnia Macuxi, a maior de Roraima.<br />

“Somos dividi<strong>do</strong>s em várias comunidades, com localização<br />

diversa no esta<strong>do</strong> em regiões de fronteira”, conta. “Sempre<br />

que posso participo, com minha família, das atividades<br />

culturais, além de acompanhar desafios da região em várias<br />

esferas: política, social, econômica. Valorizo<br />

minhas raízes.”<br />

Ele lembra que a UFRR é a primeira instituição federal<br />

de ensino superior a implementar cursos específicos de<br />

graduação para formação de indígenas. “Nosso objetivo<br />

é desenvolver e articular com professores, comunidades<br />

e organizações de Roraima e com a sociedade em geral a<br />

formação profissional <strong>do</strong>s indígenas da região, de mo<strong>do</strong><br />

específico, diferencia<strong>do</strong> e intercultural. Temos visto a<br />

melhoria na qualidade deste estudante que sai da UFRR<br />

e amplia espaços sociais e políticos na sociedade e a<br />

contribuição para suas comunidades.”<br />

bit.ly/rba_reitor<br />

Eleito em novembro, Jefferson Fernandes <strong>do</strong> Nascimento<br />

é da etnia Macuxi, a maior de Roraima<br />

UFRR<br />

Muitos interesses em<br />

torno <strong>do</strong> fornecimento<br />

da água potável<br />

Não é bem assim<br />

As chuvas <strong>do</strong>s primeiros meses de 2016 trouxeram<br />

alívio à população de São Paulo, mas o problema está<br />

longe de terminar, em que pese declaração feita pelo<br />

governa<strong>do</strong>r Geral<strong>do</strong> Alckmin (PSDB), para quem a<br />

crise está superada. “(A afirmação) mostra uma visão<br />

equivocada sobre segurança hídrica, induz o aumento<br />

<strong>do</strong> consumo e, consequentemente, diminui a já frágil<br />

resiliência da Grande São Paulo para enfrentar novas<br />

crises. Inclusive porque a situação atual é melhor <strong>do</strong><br />

que na mesma data em 2014 e 2015, mas ainda muito<br />

pior <strong>do</strong> que era entre 2010 e 2013, perío<strong>do</strong> anterior<br />

à crise”, diz a Aliança pela Água, que reúne 48<br />

organizações. Para a Aliança, as chuvas contribuíram<br />

para a recuperação <strong>do</strong> nível <strong>do</strong>s reservatórios, “mas<br />

ainda estamos distantes de atingir um nível seguro”.<br />

bit.ly/rba_agua1<br />

O Dia Mundial da Água, celebra<strong>do</strong> em 22 de março,<br />

foi motivo para reflexão sobre como os interesses<br />

financeiros pre<strong>do</strong>minam sobre questões sociais e<br />

ambientais. Os rios de São Paulo são exemplo disso.<br />

“Temos de ter uma cultura de apropriação <strong>do</strong>s rios.<br />

É preciso considerar que os rios são nossos amigos, e<br />

não depósitos de lixo. Isso tem de mudar. O rio não é<br />

sujo, sujos somos nós, que poluímos os rios”, afirma<br />

o pesquisa<strong>do</strong>r e ecologista Ricar<strong>do</strong> Raele, autor <strong>do</strong><br />

livro Análise Ambiental: Sustentabilidade, Cenários e<br />

Estratégia, lança<strong>do</strong> em 2015.<br />

Para ele, os rios são termômetros de nosso estágio<br />

civilizatório. Ele destaca ganhos sociais, econômicos,<br />

políticos, culturais e estratégicos com um processo<br />

de despoluição. “Mas <strong>do</strong> ponto de vista social, os<br />

ganhos são os mais importantes. Com esses rios<br />

limpos, nós poderíamos ter um parque linear<br />

gigantesco. A cidade seria cortada pelos rios e pelo<br />

parque, com árvores, atrain<strong>do</strong> pássaros, por exemplo,<br />

e equipamentos culturais também poderiam atrair<br />

as pessoas, como um museu de história natural, com<br />

da<strong>do</strong>s da fauna e flora construída nesses rios, e que já<br />

existia antes da poluição.” bit.ly/rba_agua2<br />

MARCOS SANTOS/USP IMAGENS<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 7


BRASIL<br />

Articula<strong>do</strong>res contra o governo<br />

dizem que não há golpe, mas situação<br />

política obriga atores a revelar suas verdadeiras,<br />

e muitas vezes violentas, intenções<br />

NA HORA DA<br />

No país <strong>do</strong>s para<strong>do</strong>xos chama<strong>do</strong><br />

<strong>Brasil</strong>, políticos investiga<strong>do</strong>s<br />

por corrupção<br />

e alguns até réus, como<br />

o presidente da Câmara,<br />

Eduar<strong>do</strong> Cunha (PMDB-RJ), tentam levar<br />

adiante um processo de impeachment<br />

contra uma presidente da República sem<br />

que haja, ao menos até agora, um crime de<br />

responsabilidade. Parti<strong>do</strong>s de oposição pedem<br />

formalmente a prisão de Guilherme<br />

Boulos, líder <strong>do</strong>s sem-teto, acusan<strong>do</strong>-o de<br />

incitar a violência, enquanto seus alia<strong>do</strong>s<br />

pregam abertamente atos ofensivos contra<br />

artistas e juízes, ou contra qualquer um<br />

que se manifestar a favor da preservação<br />

<strong>do</strong> mandato de Dilma Rousseff.<br />

O clima de intolerância instaura<strong>do</strong> no<br />

país levou a reações que fazem supor que<br />

o jogo não está decidi<strong>do</strong>. Comitês pela<br />

democracia se multiplicaram pelo país,<br />

assim como seguidas manifestações de<br />

rua defendem a legalidade e chamam a<br />

atenção para as intenções por trás de um<br />

8 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


BRASIL<br />

FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL<br />

Para virar a mesa e intimidar, vale praticamente<br />

tu<strong>do</strong>. Um colunista <strong>do</strong> jornal<br />

Folha de S. Paulo, Hélio Schwartsman,<br />

por exemplo, escreveu na edição de 5 de<br />

abril que o impeachment de Dilma seria<br />

uma solução “muito mais civilizada que<br />

o assassinato”. E um grupo chegou a oferecer<br />

uma gratificação a quem filmasse<br />

ataques ao ex-ministro Ciro Gomes, crítico<br />

<strong>do</strong> processo de impedimento.<br />

Apreço à democracia<br />

Em 31 de março, quan<strong>do</strong> várias manifestações<br />

pelo país pregaram o respeito<br />

à legalidade e criticaram o processo de<br />

impeachment, muitos se lembraram de<br />

1964. O cantor e compositor Chico Buarque<br />

apareceu em um ato no Rio de Janeiro<br />

e admitiu que existem desiludi<strong>do</strong>s<br />

com o governo e gente que não gosta <strong>do</strong><br />

PT ou de Dilma, mas ponderou que isso<br />

não podia significar dúvidas quanto<br />

à integridade da presidenta. Disse ainda<br />

que to<strong>do</strong>s estavam uni<strong>do</strong>s “pelo apreço à<br />

democracia e em defesa intransigente da<br />

democracia”.<br />

Caetano Veloso, não exatamente um<br />

apoia<strong>do</strong>r <strong>do</strong> governo, viu semelhanças<br />

entre o ato anti-Dilma <strong>do</strong> dia 13 de março,<br />

na Avenida Paulista, em São Paulo, e<br />

a Marcha da Família com Deus pela Liberdade,<br />

manifestação conserva<strong>do</strong>ra de<br />

1964. E seu público mostrou que outros<br />

personagens estão na mira: durante apresentação<br />

com Gilberto Gil no Farol da<br />

Barra, em Salva<strong>do</strong>r, a plateia completava<br />

com gritos de “Cunha!” o refrão da música<br />

Odeio Você. Caetano também acompanhou<br />

o coro que foi se repetin<strong>do</strong> em atos<br />

pelo país, o “não vai ter golpe”.<br />

Réu no Supremo Tribunal Federal<br />

(STF), Eduar<strong>do</strong> Cunha segue em frente<br />

nas articulações contra Dilma. Na Câmara,<br />

a comissão especial que analisa o processo<br />

de impeachment acelerou os trabalhos<br />

– a expectativa era de que a votação<br />

ocorreria no dia 18 de abril –, enquanto<br />

as reuniões <strong>do</strong> Conselho de Ética, que<br />

investiga Cunha, se arrastam há meses.<br />

Mesmo quem se declara como oposição,<br />

mas é contra o impeachment, sofre<br />

ataques. Em cerimônia no Palácio <strong>do</strong> Planalto,<br />

a atriz Letícia Sabatella disse diante<br />

de Dilma que era oposição ao governo,<br />

mas comparecia ao ato a favor da presidenta<br />

porque via em ação um plano oposicionista<br />

para tomar o poder “na marra”.<br />

Pouco tempo depois, foi atacada em<br />

redes sociais e teve o perfil apaga<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

Facebook.<br />

Golpe palaciano<br />

Alguns <strong>do</strong>s principais jornais embarcaram<br />

com gosto na campanha para remover<br />

o governo, replican<strong>do</strong> discurso <strong>do</strong><br />

merca<strong>do</strong> financeiro que só sem Dilma o<br />

país pode entrar no eixo. Mas uma gestão<br />

<strong>do</strong> PMDB, que em três minutos decidiu<br />

deixar a base aliada, seria solução?<br />

“O PMDB encontra-se envolvi<strong>do</strong> em<br />

to<strong>do</strong>s os episódios de corrupção que<br />

são utiliza<strong>do</strong>s para atingir o PT”, diz<br />

o cientista político Fabiano Santos, em<br />

entrevista ao jornal El País. “Dificil-<br />

VERDADE<br />

suposto clamor pela moralidade. Entidades<br />

patronais e políticos conserva<strong>do</strong>res se<br />

preparam para uma avalanche de iniciativas<br />

contra direitos sociais, pela chamada<br />

flexibilização da legislação trabalhista,<br />

por mais privatizações e mudanças na lei<br />

<strong>do</strong> pré-sal, a fim de facilitar o jogo para<br />

empresas de fora.<br />

ANTONIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL<br />

DUPLA DINÂMICA<br />

Uni<strong>do</strong>s em uma mesma<br />

estratégia, o vice-presidente,<br />

Michel Temer, e o presidente<br />

da Câmara, Eduar<strong>do</strong> Cunha, são<br />

as principais peças <strong>do</strong> PMDB<br />

no xadrez político em que se<br />

transformou a tentativa das<br />

forças conserva<strong>do</strong>ras de apear <strong>do</strong><br />

poder o PT e a presidenta Dilma<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 9


BRASIL<br />

mente os atores hoje inconforma<strong>do</strong>s<br />

com o governo, à esquerda e à direita,<br />

enxergariam nas lideranças deste parti<strong>do</strong><br />

autoridade e competência para<br />

administrar a crise, sobretu<strong>do</strong> em uma<br />

conjuntura que para muitos resulta de<br />

um golpe palaciano.”<br />

Para o analista, um processo de<br />

impeachment vitorioso teria significa<strong>do</strong>s<br />

negativos para o país. “Significaria a<br />

quebra <strong>do</strong> jogo democrático e a revelação<br />

de que as bases institucionais da democracia<br />

brasileira ainda são frágeis, ao<br />

contrário <strong>do</strong> que vínhamos imaginan<strong>do</strong><br />

desde a promulgação da Constituição de<br />

1988”, afirma, identifican<strong>do</strong> uma “típica<br />

conspiração palaciana, apoiada por setores<br />

monopólicos <strong>do</strong>s meios de comunicação<br />

e setores <strong>do</strong> Poder Judiciário”.<br />

Pode-se dizer que apoiada também<br />

com forte presença empresarial, ten<strong>do</strong><br />

à frente o presidente da Federação<br />

das Indústrias <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo<br />

(Fiesp), o peemedebista Paulo Skaf. Ao<br />

mesmo tempo em que aponta a penúria<br />

<strong>do</strong> setor industrial, que de fato enfrenta<br />

grave crise, o líder patronal não<br />

economizou em sua campanha pela renúncia<br />

e, posteriormente, pelo impeachment.<br />

As estimativas vão à casa <strong>do</strong>s<br />

milhões de reais em anúncios – professores<br />

da rede particular em São Paulo<br />

calculam ao menos R$ 8 milhões –,<br />

sem contar sanduíches de filé-mignon a<br />

manifestantes antigoverno entrincheira<strong>do</strong>s<br />

diante da Fiesp, também na Avenida<br />

Paulista, e um pato gigante sobre o<br />

qual pesa acusação de plágio por parte<br />

de um artista holandês.<br />

Várias entidades patronais se manifestaram<br />

pela saída de Dilma <strong>do</strong> governo,<br />

como fator necessário para o país iniciar<br />

um processo de recuperação, passan<strong>do</strong><br />

por reformas na legislação trabalhista,<br />

sempre a título de “modernização”. O<br />

Departamento Intersindical de Assessoria<br />

Parlamentar (Diap) listou 55 ameaças<br />

a direitos tramitan<strong>do</strong> no Congresso.<br />

O diretor <strong>do</strong> instituto Antônio Augusto<br />

de Queiroz, o Toninho, diz que, independentemente<br />

da definição <strong>do</strong> processo de<br />

impeachment, quem pagará a conta será<br />

o trabalha<strong>do</strong>r.<br />

Ele também destaca a possibilidade de<br />

FÔLEGO NOVO<br />

Em São Paulo,<br />

manifestação contra<br />

o impeachment<br />

tomou a Praça da Sé e<br />

trouxe a lembrança da<br />

campanha pelas diretas<br />

RICARDO STUCKERT/ INSTITUTO LULA<br />

10 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


BRASIL<br />

FRENTE BRASIL POPULAR Ato <strong>Brasil</strong> pela Democracia, no Teatro Casa Grande (RJ), reuniu<br />

manifestantes contra o processo de impeachment e pela legalidade<br />

LULA MARQUES/AGÊNCIA PT<br />

FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL<br />

APOIO Letícia Sabatella disse diante de Dilma que era oposição, mas comparecia ao ato<br />

a favor da presidenta porque via em ação um plano para tomar o poder “na marra”<br />

LULA MARQUES/AGÊNCIA PT<br />

REPÚDIO Manifestações questionam<br />

postura <strong>do</strong>s meios de comunicação<br />

a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> programa <strong>do</strong> PMDB, que chama<br />

de “retrógra<strong>do</strong> e medieval”, em um cenário<br />

econômico desfavorável, com deterioração<br />

das finanças públicas e queda<br />

de receitas – fatores que seriam usa<strong>do</strong>s<br />

para justificar um “ajuste” mais profun<strong>do</strong>.<br />

“Com isso, a investida sobre direitos<br />

parece inexorável”, diz o analista político<br />

<strong>do</strong> Diap.<br />

Em um eventual novo governo, lembra,<br />

alguns itens <strong>do</strong> programa peemedebista,<br />

expresso no <strong>do</strong>cumento Ponte para<br />

o Futuro, poderão ser implementa<strong>do</strong>s,<br />

“tanto por pressão <strong>do</strong> poder econômico<br />

quanto por exigência de parti<strong>do</strong>s liberais<br />

que integrarão a coalizão de apoio ao novo<br />

governo, inclusive muito da base atual<br />

e quase to<strong>do</strong>s da atual oposição”. (Leia<br />

mais sobre o PMDB à página 14).<br />

Ação seletiva<br />

Editorialista <strong>do</strong> jornal Folha de S. Paulo,<br />

o veterano Janio de Freitas pescou uma<br />

frase <strong>do</strong> procura<strong>do</strong>r Carlos Fernan<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s Santos Lima, integrante da força-tarefa<br />

da Operação Lava Jato, para observar<br />

que a operação tem viés político: os governos<br />

que estão sen<strong>do</strong> investiga<strong>do</strong>s são<br />

os “<strong>do</strong> PT”, disse em palestra. “A Lava Jato<br />

é, agora declaradamente, uma operação<br />

judicial com objetivo político-partidário,<br />

cujos atos e êxitos contra a corrupção são<br />

partes acessórias <strong>do</strong> percurso contra três<br />

governos (parti<strong>do</strong> e personagens). Não<br />

são esses os mandatos conferi<strong>do</strong>s ao juiz<br />

e aos procura<strong>do</strong>res da Lava Jato, no entanto”,<br />

escreveu o jornalista em sua coluna<br />

<strong>do</strong>minical, em 3 de abril.<br />

O juiz federal Sérgio Moro chegou a<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 11


BRASIL<br />

LULA MARQUES/AGÊNCIA PT<br />

POR TODO O PAÍS<br />

As manifestações pela legalidade,<br />

pela defesa da Constituição e<br />

contra o impeachment se espalham.<br />

Reações da sociedade contra o que<br />

se considera golpe fazem supor que<br />

o jogo não está decidi<strong>do</strong><br />

ser critica<strong>do</strong> pelo ministro Marco Aurélio<br />

Mello, <strong>do</strong> STF, após o episódio de condução<br />

coercitiva <strong>do</strong> ex-presidente Luiz<br />

Inácio Lula da Silva para depoimento, no<br />

início de março. “Só se conduz coercitivamente,<br />

ou, como se dizia antigamente,<br />

debaixo de vara, o cidadão que resiste e<br />

não comparece para depor. E o Lula não<br />

foi intima<strong>do</strong>.” Para o magistra<strong>do</strong>, é preciso,<br />

sim, consertar o <strong>Brasil</strong>. “Mas não vamos<br />

atropelar”, pediu.<br />

Outro ministro <strong>do</strong> STF, Teori Zavascki,<br />

relator da Operação Lava Jato, fez ressalvas<br />

à atuação de Moro, ao referir-se à<br />

divulgação de alguns grampos telefônicos.<br />

“É importantíssimo que nós, neste<br />

momento de grave situação que o <strong>Brasil</strong><br />

passa, de comoção social, que investiguemos,<br />

que o Judiciário controle isso,<br />

que o Ministério Público se empenhe,<br />

que as autoridades policiais se empe-<br />

REDE DO MAL<br />

Página no<br />

Facebook <strong>do</strong><br />

Movimento<br />

Endireita <strong>Brasil</strong>:<br />

recompensa a<br />

quem hostilizar<br />

Ciro Gomes e<br />

Lula. Ameaças<br />

também foram<br />

feitas por outros<br />

extremistas<br />

à atriz Letícia<br />

Sabatella<br />

MARCELO CAMARGO/AGENCIA BRASIL<br />

JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL<br />

A FIESP E O PATO<br />

Paulo Skaf, líder<br />

patronal, não<br />

economizou em<br />

sua campanha<br />

pela renúncia e,<br />

posteriormente,<br />

pelo impeachment.<br />

As estimativas vão<br />

à casa <strong>do</strong>s milhões<br />

de reais em<br />

anúncios e um pato<br />

gigante sobre o<br />

qual pesa acusação<br />

de plágio<br />

12 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


BRASIL<br />

ACERVO UGT<br />

CONTA CARA<br />

O Diap listou 55 ameaças<br />

a direitos tramitan<strong>do</strong> no<br />

Congresso. O diretor <strong>do</strong><br />

instituto Antônio Augusto<br />

de Queiroz diz que,<br />

independentemente da<br />

definição <strong>do</strong> processo de<br />

impeachment, quem pagará<br />

a conta será o trabalha<strong>do</strong>r<br />

nhem para investigar e punir independentemente<br />

<strong>do</strong> cargo que a pessoa ocupa,<br />

da situação econômica e <strong>do</strong> parti<strong>do</strong><br />

que defende. Mas, para o Supremo Tribunal<br />

Federal, é importante que tu<strong>do</strong> isso<br />

seja feito com estrita observância da<br />

Constituição Federal.”<br />

No meio <strong>do</strong> redemoinho, surgiram<br />

propostas como um “semiparlamentarismo”<br />

ou mesmo eleições gerais. A respeito<br />

<strong>do</strong> parlamentarismo, pesa a avalia-<br />

Crise se supera com democracia<br />

FOTO GERARDO LAZZARI/RBA<br />

Há, de fato, uma crise econômica séria, que afeta<br />

principalmente os setores mais vulneráveis da população, como<br />

se vê pela alta <strong>do</strong> desemprego (que atinge 9,6 milhões, segun<strong>do</strong><br />

o IBGE) e pela queda da renda. E a corrupção é um problema<br />

sério, que deve ser – e está sen<strong>do</strong> – combati<strong>do</strong>. Mas o presidente<br />

<strong>do</strong> instituto Data Popular, Renato Meirelles, diz que não se pode<br />

associar a crise à corrupção. Por que isso acontece, então?<br />

“Primeiro porque metade <strong>do</strong>s brasileiros não era consumi<strong>do</strong>r,<br />

não era adulto na época da hiperinflação. Segun<strong>do</strong> porque, em<br />

uma geração, é a primeira vez que o brasileiro tem sensação de<br />

perda. Perder dói muito mais que deixar de ganhar”, afirmou em<br />

entrevista ao jornal Valor Econômico, publicada em 29 de março.<br />

Presidi<strong>do</strong> pelo publicitário Renato Meirelles, o Data Popular<br />

acompanha há 15 anos o comportamento das chamadas classes<br />

C, D e E, analisan<strong>do</strong> a inserção desses setores no merca<strong>do</strong><br />

consumi<strong>do</strong>r, fenômeno que chamou a atenção especialmente<br />

na última década, quan<strong>do</strong> muito se falou no surgimento de uma<br />

nova classe média no <strong>Brasil</strong>, um fenômeno que ainda irá requerer<br />

análises de fôlego.<br />

Neste momento, existe decepção com o governo, mas não<br />

com o projeto apresenta<strong>do</strong> à população, que fala em melhor<br />

distribuição de renda e mais oportunidades. A decepção vem<br />

exatamente <strong>do</strong> fato de o projeto não ter si<strong>do</strong> implementa<strong>do</strong>.<br />

Uma das pesquisas <strong>do</strong> instituto mostra que boa parte <strong>do</strong><br />

eleitora<strong>do</strong> se frustrou porque votou em um projeto ainda não<br />

posto em prática. Também não acreditam que a oposição<br />

resolveria a crise – os parti<strong>do</strong>s contra o governo agiriam,<br />

principalmente, por interesse próprio, e não pelo país –, embora<br />

se manifestem pelo impeachment.<br />

Meirelles diz que o discurso das passeatas antigoverno está<br />

longe de ser majoritário: nas pesquisas <strong>do</strong> instituto, as pessoas<br />

criticam a ineficiência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, “mas querem a existência <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>”, porque são elas que usam os serviços públicos. “Graças<br />

à presença <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> que o <strong>Brasil</strong> tem 9 milhões<br />

de universitários a mais nos últimos dez anos.<br />

Isso não se deu pela iniciativa privada, mas<br />

pelo Prouni e pelo Fies.” Nas pesquisas, os<br />

entrevista<strong>do</strong>s podem até se manifestar pelo<br />

impeachment por insatisfação, mas não acham<br />

que isso seria solução para a crise<br />

econômica.<br />

Meirelles: o discurso das<br />

passeatas antigoverno<br />

está longe de ser<br />

majoritário<br />

E o clima de intolerância no debate sobre corrupção – um<br />

debate fundamental para o país, lembra Meirelles – prejudica<br />

“a discussão real <strong>do</strong> que é um Esta<strong>do</strong> que promova igualdade<br />

de oportunidades, redução da desigualdade”. Para ele, não dá<br />

para pensar em um <strong>Brasil</strong> pós-crise sem gestão mais eficiente<br />

<strong>do</strong>s recursos públicos, mas também sem fortalecer as políticas<br />

públicas que levaram à redução da desigualdade, ao aumento <strong>do</strong><br />

consumo interno e criaram milhões de empregos.<br />

Difícil imaginar que os arautos da flexibilização possam<br />

reorganizar o país contemplan<strong>do</strong> uma pauta de crescimento<br />

econômico. O economista Guilherme Mello, professor da<br />

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), avalia que a<br />

insatisfação popular e a instabilidade aumentariam em um<br />

eventual governo Temer. “Seria questiona<strong>do</strong> <strong>do</strong> ponto de vista<br />

judicial, político, ético, moral, e ainda com uma reação forte<br />

esperada <strong>do</strong>s movimentos sociais, sindicatos, em meio a<br />

mobilizações.”<br />

É nesse ponto que centrais sindicais e organizações sociais<br />

têm insisti<strong>do</strong>. Parcela expressiva <strong>do</strong> movimento sindical vê um<br />

golpe nas tentativas de impeachment e apoia a continuidade<br />

<strong>do</strong> mandato de Dilma até o último dia, em 2018. Mas cobram<br />

mudanças na economia, com ações voltadas para a retomada <strong>do</strong><br />

crescimento, <strong>do</strong> emprego e da renda, estímulo aos investimentos<br />

e ao crédito, além de se manifestar contra a reforma da<br />

Previdência (leia reportagem na edição 115). Os sindicalistas<br />

alertam também para os interesses por trás <strong>do</strong> impeachment.<br />

“Os mesmos que querem fazer o golpe são os querem acabar<br />

com carteira assinada, férias, 13º, CLT, ampliar a terceirização”,<br />

costuma repetir o presidente da CUT, Vagner Freitas.<br />

Em 4 de abril, falan<strong>do</strong> em seu “berço” sindical e político, São<br />

Bernar<strong>do</strong> <strong>do</strong> Campo, no ABC paulista, o ex-presidente Luiz Inácio<br />

Lula da Silva disse saber que havia “muito peão dentro da fábrica<br />

nervoso com o nosso governo”. E afirmou que seria preciso<br />

conversar muito, com to<strong>do</strong>s os setores, dan<strong>do</strong> atenção especial<br />

aos movimentos sociais. “Temos de saber que é preciso dar uma<br />

certa consertada na política econômica.”<br />

Uma pesquisa divulgada pelo Dieese em 6 de abril mostra<br />

que a queda de atividade econômica, o desemprego e a inflação<br />

tiveram forte impacto nas negociações salariais em 2015, quan<strong>do</strong><br />

pouco mais da metade <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s (52%) teve reajuste acima<br />

da inflação, e mesmo assim não muito superior ao INPC – desde<br />

2006, as campanhas salariais tinham pelo menos 80%<br />

de ganho real. Mas a volta <strong>do</strong> crescimento precisa ser<br />

acompanhada de democracia e estabilidade política.<br />

Com reportagens de Helder Lima e Vitor Nuzzi<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 13


BRASIL<br />

ção, pelo Diap, de que o Congresso atual<br />

é hostil aos direitos trabalhistas e sociais<br />

– a bancada sindical diminuiu nesta legislatura.<br />

Sobre a tese de antecipação das<br />

eleições, a presidenta Dilma disse “Nem<br />

rechaço nem aceito”, durante evento em<br />

Brasília. “Eu acho que é uma proposta.<br />

Convença a Câmara e o Sena<strong>do</strong> a abrir<br />

mão de seus mandatos”, respondeu.<br />

O líder <strong>do</strong> PMDB na Câmara, Leonar<strong>do</strong><br />

Picciani (RJ), contesta a hipótese, que<br />

segun<strong>do</strong> ele não está prevista no ordenamento<br />

jurídico brasileiro. Eleição, diz,<br />

poderia ser feita em caso de cassação ou<br />

vacância, mas não por decisão politica.<br />

Até uma parte da oposição não se anima<br />

com ideia, talvez por ver diminuírem<br />

suas chances.<br />

O PMDB e o fator Renan<br />

PMDB “PULA” DO GOVERNO Diante da foto, o ministro <strong>do</strong> STF Luís Roberto Barroso exclamou: “Meu Deus! Essa é nossa alternativa de poder?”<br />

IGO ESTRELA/ PMDB NACIONAL<br />

Uni<strong>do</strong>s em uma mesma estratégia, o vice-presidente,<br />

Michel Temer, e o presidente da Câmara, Eduar<strong>do</strong> Cunha, são<br />

as principais peças <strong>do</strong> PMDB no xadrez político em que se<br />

transformou a tentativa das forças conserva<strong>do</strong>ras de apear <strong>do</strong><br />

poder o PT e a presidenta Dilma Rousseff. No entanto, caberá ao<br />

presidente <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong>, Renan Calheiros (PMDB-RR), o papel de fiel<br />

da balança em um eventual processo de impeachment, já que a<br />

Casa dará a palavra final sobre o afastamento ou não de Dilma,<br />

se esta proposta for aprovada na Câmara. Nas últimas semanas,<br />

o peemedebista, conheci<strong>do</strong> por sua maleabilidade, tem oscila<strong>do</strong><br />

entre as declarações de apoio ao governo e conversas com<br />

líderes da oposição.<br />

Fiel a si mesmo, o sena<strong>do</strong>r alagoano se aquece nos basti<strong>do</strong>res<br />

para um jogo de “ganha-ganha”. Se o governo conseguir furar a<br />

onda desestabiliza<strong>do</strong>ra e Dilma permanecer na Presidência, terá<br />

atua<strong>do</strong> como garanti<strong>do</strong>r da governabilidade e estará cacifa<strong>do</strong><br />

para tornar-se a maior liderança <strong>do</strong> PMDB nos próximos anos.<br />

Em caso de vitória da oposição, Renan está pronto para assumir<br />

o papel de pilar da construção de um “novo país” e se aliar a<br />

uma direita que, mesmo sem ter obti<strong>do</strong> a aprovação das urnas<br />

nas últimas quatro eleições presidenciais, pretende impor uma<br />

agenda que inclui, entre outras coisas, ampliação <strong>do</strong> ajuste<br />

fiscal, enfraquecimento <strong>do</strong>s programas de inclusão social,<br />

esfacelamento <strong>do</strong> marco regulatório <strong>do</strong> pré-sal e recuo em<br />

conquistas históricas <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res.<br />

O sena<strong>do</strong>r se manifestou de forma contrária à saída <strong>do</strong> parti<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> governo Dilma, decisão tomada pela executiva nacional em<br />

29 de março. “Se optar por sair, o PMDB terá que arcar com as<br />

consequências”, declarou. Uma dessas consequências poderá<br />

ser até mesmo um racha no parti<strong>do</strong>, uma vez que ministros<br />

peemedebistas como Kátia Abreu (Agricultura), Eduar<strong>do</strong> Braga<br />

(Minas e Energia), Marcelo Castro (Saúde) e Celso Pansera (Ciência<br />

e Tecnologia) afirmaram que não entregarão os seus cargos.<br />

Renan é autor <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento Agenda <strong>Brasil</strong>, conjunto de 43<br />

propostas lança<strong>do</strong> em agosto <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong> e que se seguiu<br />

à publicação <strong>do</strong> programa de governo Ponte Para o Futuro,<br />

divulga<strong>do</strong> por Temer, com forte teor neoliberal. O <strong>do</strong>cumento<br />

<strong>do</strong> vice, muito próximo daquele apresenta<strong>do</strong> pelo candidato<br />

derrota<strong>do</strong> Aécio Neves nas eleições de 2014, fala em redução<br />

de gastos públicos, aprofundamento <strong>do</strong> ajuste fiscal, corte nos<br />

repasses orçamentários para saúde e educação e flexibilização<br />

da legislação trabalhista, entre outros itens. Já o <strong>do</strong>cumento de<br />

Renan, previamente discuti<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> o sena<strong>do</strong>r, com a bancada<br />

<strong>do</strong> PMDB no Sena<strong>do</strong> e com o então ministro da Fazenda, Joaquim<br />

Levy, procura ser mais equilibra<strong>do</strong>, embora esteja distante das<br />

bandeiras programáticas <strong>do</strong> governo Dilma e <strong>do</strong> PT.<br />

Uma das propostas da Agenda <strong>Brasil</strong> que mais desagrada ao<br />

PT é acabar com o Mercosul, “a fim de possibilitar que o <strong>Brasil</strong><br />

possa firmar acor<strong>do</strong>s bilaterais ou multilaterais sem depender<br />

<strong>do</strong> apoio <strong>do</strong>s demais membros <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> comum”. Posição<br />

historicamente defendida por PDSB e DEM, significaria também o<br />

fim da Unasul e de outras iniciativas de integração sul-americana,<br />

uma mudança completa de direção na política comercial e<br />

diplomática que o país pratica nos últimos 14 anos.<br />

Outra bandeira da oposição traduzida na agenda fala em<br />

“regulamentar o ambiente institucional <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res<br />

terceiriza<strong>do</strong>s”. A medida seria a brecha para a a<strong>do</strong>ção de políticas<br />

repudiadas pelos trabalha<strong>do</strong>res e seus sindicatos, como a<br />

flexibilização de acor<strong>do</strong>s salariais e a aprovação da terceirização<br />

para atividades-fim, esta já aprovada na Câmara.<br />

Maurício Thuswohl<br />

14 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


LALO LEAL<br />

Notícias<br />

<strong>do</strong> <strong>Brasil</strong><br />

Para sabermos com clareza o que se passa por aqui,<br />

temos de recorrer à mídia internacional<br />

Ouem diria que um dia ainda voltaríamos<br />

a recorrer à mídia internacional<br />

para saber o que acontece no <strong>Brasil</strong>.<br />

Era assim, durante a última ditadura,<br />

especialmente depois da promulgação<br />

<strong>do</strong> AI-5, em 1968. Diante da censura <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> sobre<br />

os meios de comunicação só restavam aos brasileiros,<br />

para se informar, os veículos produzi<strong>do</strong>s no exterior:<br />

jornais, revistas e principalmente o rádio em ondas<br />

curtas. Faziam sucesso a BBC de Londres, a Voz da<br />

América e a Rádio Central de Moscou.<br />

Em meio à Guerra Fria, um seringueiro no Acre,<br />

chama<strong>do</strong> Chico Mendes, dizia que durante a ditadura<br />

ouvia a Voz da América saudar o golpe de Esta<strong>do</strong><br />

como uma vitória da democracia e a Central de Moscou<br />

denunciar prisões de políticos e sindicalistas.<br />

Foi a BBC que anunciou, antes de qualquer emissora<br />

brasileira, o derrame sofri<strong>do</strong> pelo dita<strong>do</strong>r Costa<br />

e Silva e sua substituição por uma Junta Militar em 31<br />

de agosto de 1969. Era <strong>do</strong>mingo, jogavam no Maracanã<br />

diante de 183 mil pessoas as seleções <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong> e<br />

<strong>do</strong> Paraguai, pelas eliminatórias da Copa <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>.<br />

As emissoras brasileiras só foram dar a nota oficial<br />

<strong>do</strong> governo, informan<strong>do</strong> da troca de coman<strong>do</strong> da<br />

ditadura, quan<strong>do</strong> o jogo terminou (vitória <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong><br />

por 1 a 0), bem depois da BBC.<br />

A emissora britânica denunciava a prática sistemática<br />

de tortura e os assassinatos que vinham sen<strong>do</strong><br />

cometi<strong>do</strong>s a man<strong>do</strong> <strong>do</strong>s militares. Temas tabu, silencia<strong>do</strong>s<br />

pela censura interna, como a guerrilha <strong>do</strong><br />

Araguaia, eram notícia na BBC, assim como a passagem<br />

por Londres de personalidades que se opunham<br />

ao regime militar, como a arcebispo de Olinda<br />

e Recife, <strong>do</strong>m Hélder Câmara.<br />

Enquanto parte da mídia brasileira, ten<strong>do</strong> as Organizações<br />

Globo à frente, seguia louvan<strong>do</strong> o regime<br />

de força, a BBC informava ao <strong>Brasil</strong> que o dita<strong>do</strong>r<br />

de plantão Ernesto Geisel havia si<strong>do</strong> hostiliza<strong>do</strong> nas<br />

ruas de Londres, durante visita oficial ao Reino Uni<strong>do</strong>.<br />

Tu<strong>do</strong> isso ocorreu há quase 50 anos, num momento<br />

de forte repressão política, sem as mínimas<br />

garantias individuais. Hoje, mesmo num ambiente<br />

de maior liberdade, vivemos situação semelhante no<br />

campo da informação. Para sabermos com clareza o<br />

que se passa por aqui, temos de recorrer à mídia internacional.<br />

Não por imposição <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, mas pela<br />

censura imposta aos veículos de comunicação pelas<br />

famílias que os controlam.<br />

Outra vez é a BBC, não mais pelo rádio, mas agora<br />

pela internet, que dá um panorama equilibra<strong>do</strong><br />

da situação no <strong>Brasil</strong>. Enquanto a mídia brasileira se<br />

alinha como um batalhão militar a favor <strong>do</strong> golpe,<br />

sem mencionar essa palavra, a emissora britânica faz<br />

ampla reportagem mostran<strong>do</strong> a presidenta como vítima<br />

de um julgamento sumário, “movi<strong>do</strong> pelo interesse<br />

<strong>do</strong> presidente da Câmara, Eduar<strong>do</strong> Cunha,<br />

de esconder seus próprios malfeitos e de uma oposição<br />

que fecha os olhos para o devi<strong>do</strong> processo legal”.<br />

O jornal El País, da Espanha, que já teve posições<br />

menos conserva<strong>do</strong>ras, consegue ainda assim cobrir<br />

a situação brasileira de forma muito mais precisa<br />

<strong>do</strong> que a mídia nacional. Por aqui campeia o pensamento<br />

único muito bem exemplifica<strong>do</strong> pelo jornalista<br />

Gleen Greenwald, repórter <strong>do</strong> The Guardian, que<br />

não teve dúvidas: denunciou o golpe em andamento<br />

e traçou um paralelo imaginário com a realidade<br />

<strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s.<br />

Disse ele: “Considere o papel da Fox News na promoção<br />

<strong>do</strong>s protestos <strong>do</strong> Tea Party. Agora, imagine<br />

o que esses protestos seriam se não fosse apenas a<br />

Fox, mas também a ABC, NBC, CBS, a revista Time,<br />

o New York Times e o Huffington Post, to<strong>do</strong>s apoian<strong>do</strong><br />

o movimento <strong>do</strong> Tea Party”.<br />

Aquilo que é inimaginável na pátria <strong>do</strong> liberalismo<br />

é a dura realidade brasileira. Uma voz única, capitaneada<br />

pela TV Globo e pela GloboNews, insufla<br />

a população a ir às ruas defender o golpe de Esta<strong>do</strong>.<br />

A melhor síntese desse alinhamento foi a frase dita,<br />

ao vivo, por uma repórter em meio à manifestação<br />

golpista: “São muitas as famílias chegan<strong>do</strong>, todas<br />

unidas por um mesmo ideal”. Que ideal era esse, ela<br />

não teve coragem de dizer.<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 15


TRABALHO MAURO SANTAYANA<br />

A “multa-bomba”<br />

de R$ 7 bilhões<br />

Estamos cheios de gente com contas na Suíça solta e sem contas na<br />

Suíça atrás das grades – com a onipotente destruição <strong>do</strong> país,<br />

de milhares de empregos e bilhões em investimentos<br />

Finalmente, depois de meses de pressão desumana,<br />

gestapiana, sobre o empresário Marcelo Odebrecht, o<br />

juiz Sérgio Moro levou-o a julgamento, condenan<strong>do</strong>-o<br />

– basea<strong>do</strong> não em provas de sua participação direta,<br />

mas na suposição condicional de que um<br />

empresário que comanda uma holding com mais de 180<br />

mil funcionários e que opera em mais de 20 países tem a<br />

obrigação de saber de tu<strong>do</strong> que ocorre nas dezenas de empresas<br />

que a compõem – a 19 anos e quatro meses de prisão.<br />

Não satisfeito com a pena, e com a chantagem, que prossegue<br />

– já que o objetivo é quebrar o exemplo <strong>do</strong> réu –, um <strong>do</strong>s poucos<br />

que não se <strong>do</strong>braram à prepotência e ao arbítrio – com o aceno<br />

ao preso da possibilidade de “fazer delação premiada a qualquer<br />

momento”, o juiz Moro, na impossibilidade de provar propinas e<br />

desvios, ou a existência de superfaturamento da ordem <strong>do</strong>s bilhões<br />

de reais alardea<strong>do</strong>s aos quatro ventos desde o princípio dessa<br />

operação, pretende impor ao grupo Odebrecht uma estratosférica<br />

multa “civil” que pode chegar a R$ 7 bilhões – mais de 12 vezes o<br />

lucro da empresa em 2014 – que, pela sua magnitude, se cobrada<br />

for, deverá levá-lo à falência, ou à paralisação destrutiva, leia-se sucateamento,<br />

de dezenas de obras e de projetos, a maior parte deles<br />

essenciais, estratégicos, para o futuro <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong> nos próximos anos.<br />

Com a imposição dessa multa, absolutamente desproporcional,<br />

da ordem de 30 vezes as quantias que a sentença afirma terem<br />

si<strong>do</strong> pagas em propina pela Odebrecht, por meio de subsidiárias<br />

situadas no exterior, a corruptos da Petrobras que já estão, para<strong>do</strong>xalmente,<br />

soltos, o juiz Sérgio Moro – e seus colegas <strong>do</strong> Ministério<br />

Público de uma operação que deveria se chamar “Destrói<br />

a Jato” – prova que não lhe importam, em nefasto efeito cascata,<br />

nem as dezenas de milhares de empregos que ainda serão elimina<strong>do</strong>s<br />

pelo grupo Odebrecht, no <strong>Brasil</strong> e no exterior, nem a quebra<br />

de milhares de acionistas e fornece<strong>do</strong>res <strong>do</strong> grupo, nem a<br />

paralisação das obras com que a empresa se encontra envolvida<br />

neste momento, nem o futuro, por exemplo, de projetos de extrema<br />

importância para a defesa nacional, como os submarinos<br />

convencionais e o submarino nuclear brasileiro que estão sen<strong>do</strong><br />

fabrica<strong>do</strong>s pela Odebrecht em parceria com a DCNS francesa, ou<br />

o míssil ar-ar A-Darter, que está sen<strong>do</strong> construí<strong>do</strong> por sua controlada<br />

Mectron, em conjunto com a Denel sul-africana, além de<br />

MARINHA DO BRASIL SAAB GROUP<br />

16 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


MAURO SANTAYANA<br />

outros produtos como softwares seguros de comunicação estratégica,<br />

radares aéreos para os caças AMX e produtos espaciais.<br />

Consideran<strong>do</strong>-se que se trata de uma decisão meramente punitiva,<br />

ao fazer isso o juiz Moro age, no coman<strong>do</strong> da Operação<br />

Lava Jato, como agiria o líder de uma tropa de sabota<strong>do</strong>res estrangeiros<br />

que colocasse, diretamente, com essa sanção – e uma<br />

tremenda carga de irresponsabilidade estratégica e social – centenas<br />

de quilos de explosivos plásticos no casco desses submarinos,<br />

ou nos laboratórios onde ficam os protótipos desse míssil,<br />

sem o qual ficarão inermes os 36 aviões caça Gripen NG-BR<br />

que estão sen<strong>do</strong> desenvolvi<strong>do</strong>s pelo <strong>Brasil</strong> com a Saab sueca.<br />

Que não tenha ele a ilusão de que essa sua sanha destrutiva<br />

esteja agradan<strong>do</strong> às centenas de técnicos envolvi<strong>do</strong>s com esses<br />

projetos, ou aos almirantes da Marinha e brigadeiros da Aero-<br />

Consideran<strong>do</strong>-<br />

-se que se trata<br />

de uma decisão<br />

meramente<br />

punitiva, ao fazer<br />

isso o juiz Moro<br />

age, no coman<strong>do</strong><br />

da Operação<br />

Lava Jato, como<br />

agiria o líder de<br />

uma tropa de<br />

sabota<strong>do</strong>res<br />

estrangeiros<br />

que colocasse,<br />

diretamente, com<br />

essa sanção – e<br />

uma tremenda<br />

carga de<br />

irresponsabilidade<br />

estratégica e<br />

social – centenas<br />

de quilos de<br />

explosivos<br />

plásticos no<br />

casco desses<br />

submarinos, ou<br />

nos laboratórios<br />

onde ficam os<br />

protótipos desse<br />

míssil, sem o qual<br />

ficarão inermes<br />

os 36 aviões caça<br />

Gripen<br />

náutica que, depois de esperar décadas pela aprovação desses<br />

programas, estão ven<strong>do</strong>-os sofrer a ameaça de serem destruí<strong>do</strong>s<br />

técnica e financeiramente de um dia para o outro.<br />

Como um inútil, estúpi<strong>do</strong>, sacrifício, um absur<strong>do</strong> e estéril tributo<br />

da Nação – chantageada e manipulada por uma parte antinacional<br />

da mídia, que não tem o menor compromisso com<br />

o futuro <strong>do</strong> país – a ser realiza<strong>do</strong> no altar da vaidade de quem<br />

parece pretender colocar toda a República de joelhos, até que<br />

alguém assuma a responsabilidade de impor, com determinação,<br />

bom senso e respeito à Lei e à Constituição Federal, limites<br />

à sua atuação e à implacável, imparável, destruição, de alguns<br />

<strong>do</strong>s principais projetos e empresas nacionais.<br />

Enquanto isso, para ridículo <strong>do</strong> país e divertimento de nossos<br />

concorrentes externos, nos congressos, nos governos, na área de<br />

inteligência, nas forças armadas de outros países, milhares de tupiniquins<br />

vibram, nos bares, na conversinha fiada <strong>do</strong> escritório, nos<br />

comentários que agridem e insultam a inteligência nas redes sociais,<br />

com a destruição de um <strong>do</strong>s principais grupos empresariais<br />

<strong>do</strong> <strong>Brasil</strong>, deleitan<strong>do</strong>-se com a perda de negócios e empregos, e com<br />

a sabotagem e incompreensível inviabilização de algumas de nossas<br />

maiores obras de engenharia e de defesa, mergulha<strong>do</strong>s em uma<br />

orgia de desinformação, hipocrisia, manipulação e mediocridade.<br />

Mesmo que Marcelo Odebrecht venha a aceitar, eventualmente,<br />

fazer um acor<strong>do</strong> de delação premiada, nenhum jurista<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> reconheceria, moralmente, a sua legitimidade.<br />

Não se pode pressionar ninguém, a fazer acor<strong>do</strong>s com a Justiça,<br />

para fazer afirmações que dependerão da produção de provas<br />

futuras. Assim como não se pode confundir o combate à<br />

corrupção – se houver corruptos que sejam julga<strong>do</strong>s com amplo<br />

direito de defesa e encaminha<strong>do</strong>s exemplarmente à cadeia,<br />

estamos cheios de gente com contas na Suíça solta e sem contas<br />

na Suíça atrás das grades – com a onipotente destruição <strong>do</strong> país<br />

e de milhares de empregos e bilhões de reais em investimentos.<br />

A pergunta que não quer calar é a seguinte: se a situação fosse<br />

contrária, e um juiz norte-americano forma<strong>do</strong> no <strong>Brasil</strong> e<br />

“treina<strong>do</strong>” por autoridades brasileiras, a quem propôs, por mais<br />

de uma vez, sua “cooperação”, estivesse processan<strong>do</strong> um almirante<br />

envolvi<strong>do</strong> com o programa nuclear norte-americano, e<br />

influin<strong>do</strong> no destino de to<strong>do</strong> um programa de submarinos, da<br />

construção de um novo submarino atômico, e <strong>do</strong> desenvolvimento<br />

de um míssil ar-ar para a US Air Force, a ponto de a empresa<br />

norte-americana responsável por ele ter de ser provavelmente<br />

vendida a estrangeiros, ele teria chega<strong>do</strong>, à posição em<br />

que chegou, em nosso país, o juiz Sérgio Moro?<br />

Ou já não teria si<strong>do</strong> denuncia<strong>do</strong> por pelo menos parte da<br />

imprensa <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, e chama<strong>do</strong> à razão, em nome da<br />

segurança e <strong>do</strong>s interesses nacionais, por autoridades – especialmente<br />

as judiciais – <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s? O único consolo<br />

que resta, nesta nação tomada pela loucura – lembramos por<br />

meio destas palavras, que quem sabe venham a ser transportadas,<br />

em bits, para o amanhã – é que, sob o olhar <strong>do</strong> tempo, que<br />

para to<strong>do</strong>s passará, inexorável, a História, magistrada definitiva<br />

e atenciosa, criteriosa e implacável, vigia, registra e julga.<br />

E cobrará caro no futuro.<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 17


ENTREVISTA<br />

HUMOR<br />

em tempos<br />

de cólera<br />

Ele nunca foi tão urgente<br />

quanto agora, diz o ator,<br />

escritor e humorista<br />

Gregório Duvivier. Sua<br />

função principal talvez seja<br />

“cutucar as certezas”<br />

Por Helder Lima<br />

“O<br />

um tempo de certezas muito exacerbadas”,<br />

humor nunca foi tão urgente quanto agora.<br />

Para mim, sua função principal talvez<br />

seja cutucar as certezas. E nós estamos em<br />

afirma o ator, escritor e humorista Gregório<br />

Duvivier, definitivamente engaja<strong>do</strong> na defesa da democracia e<br />

preocupa<strong>do</strong> em firmar um diálogo com quem defende o impeachment<br />

da presidenta Dilma Rousseff. Acima de tu<strong>do</strong>, com<br />

quem pensa diferente, no que ele chama de outrofobia.<br />

“O me<strong>do</strong> é filho da ignorância e da desinformação. Eu acho<br />

que a arte e a informação impressa, o humor, o principal alvo é<br />

18 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


ENTREVISTA<br />

Nesta entrevista, concedida em São Paulo em 25 de março,<br />

o artista nasci<strong>do</strong> no Rio de Janeiro fala sobretu<strong>do</strong> de política,<br />

deste momento conturba<strong>do</strong> para a história, em que o país se vê<br />

dividi<strong>do</strong>. Critica a mídia por alimentar essa divisão e reflete também<br />

sobre o seu trabalho. Duvivier conta que gosta de transitar<br />

entre gêneros, como o humor e o drama, em seu trabalho atual,<br />

o monólogo Uma Noite na Lua, e reflete sobre os seus 30 anos,<br />

completa<strong>do</strong>s agora em abril. Já desistiu de salvar o Fluminense,<br />

mas espera que as dúvidas ajudem a esclarecer as certezas.<br />

Como fazer humor em tempos tão bicu<strong>do</strong>s?<br />

O humor nunca foi tão urgente quanto agora. Para mim, sua<br />

função principal talvez seja cutucar as certezas. E nós estamos<br />

em um tempo de certezas muito exacerbadas. A função <strong>do</strong> humor,<br />

assim como a <strong>do</strong> jornalismo e <strong>do</strong> ensino, é a função de fazer<br />

perguntas, mais <strong>do</strong> que dar respostas. E no momento em<br />

que só se vê respostas e soluções, e as pessoas desesperadas por<br />

meio de manchetes sensacionalistas ou políticos também muito<br />

veementes, com fórmulas tipo “para acabar com a corrupção é<br />

preciso varrer o PT <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong>”, a função <strong>do</strong> humor é perguntar:<br />

como assim? É isso mesmo o que vocês estão queren<strong>do</strong>, vocês<br />

acreditam nisso? É duvidar onde só se vê certezas.<br />

esse me<strong>do</strong>, que é um me<strong>do</strong> <strong>do</strong> outro. Outrofobia inclui o me<strong>do</strong><br />

da diferença, o me<strong>do</strong> da alteridade. Eu acho que a função da<br />

arte é promover esse encontro com a alteridade”, diz.<br />

Isso acontece na política, observa Duviver, que vê uma situação<br />

fomentada por meios de comunicação. Para ele, notícias<br />

e vazamentos seletivos da Operação Lava Jato têm construí<strong>do</strong><br />

convicções que alimentam o me<strong>do</strong> de perda de privilégios por<br />

parte das classes mais privilegiadas, que se sentem ameaçadas.<br />

Um me<strong>do</strong> que, no fun<strong>do</strong>, dá vazão ao ódio ao outro, ao semelhante,<br />

e dificulta ainda mais o diálogo, o respeito a quem pensa<br />

diferente.<br />

PAULO PEPE/RBA<br />

E essa narrativa <strong>do</strong>minante que vem temperada com<br />

intolerância? O que para você causa essa intolerância?<br />

Essa intolerância não é natural, nossa, brasileira, uma coisa<br />

espontânea. Acho que ela é fomentada pelos meios de comunicação.<br />

Quan<strong>do</strong> você vê uma capa em que a figura <strong>do</strong> Lula ou da<br />

Dilma é sempre diabólica, como as capas da Veja ou da IstoÉ,<br />

é sempre uma arte que tenta transformá-los em demônios, literalmente<br />

mesmo: orelhas pontudas, uma coisa sempre no escuro,<br />

luz debaixo para cima. São estratégias demonizantes não<br />

só com Lula e Dilma, mas com os militantes – essa própria criminalização<br />

da palavra militante, e O Globo disse assim, ‘a diferença<br />

de uma passeata para outra é que no dia 13 (de março)<br />

eram cidadãos, e no dia 18 eram militantes, ou milícias’, e usa<br />

militante de forma negativa, como se militante não fosse cidadão.<br />

Esse antagonismo, imagem de terror, enfim, eu acho problemático.<br />

Quan<strong>do</strong> tem uma passeata qualquer, se as pessoas<br />

não estão militan<strong>do</strong>, estão fazen<strong>do</strong> o quê? Essa demonização<br />

<strong>do</strong> militante, da esquerda de um mo<strong>do</strong> geral, é fomentada pela<br />

imprensa, não é uma coisa natural da nossa sociedade, sabe?!<br />

Você escreveu sobre as palavras e a apropriação de<br />

seus significa<strong>do</strong>s. Hoje é comum a autoridade ou a mídia<br />

se apropriar de uma palavra e dar a ela o conteú<strong>do</strong><br />

que quiser. É um sintoma <strong>do</strong>s nossos tempos. Chega a<br />

incomodar?<br />

Sim, incomoda, as palavras são muito mal empregadas. Talvez<br />

por ter feito graduação em Letras, minha formação é nesse<br />

campo e eu sou apaixona<strong>do</strong> pelas palavras. Incomoda muito<br />

quan<strong>do</strong> vejo as palavras roubadas, que estão rouban<strong>do</strong> no<br />

jogo das palavras. A direita, por exemplo, se apropria da palavra<br />

‘mudança’, mas essa é uma palavra de esquerda por defini-<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 19


ENTREVISTA<br />

ção. A direita por definição, o que a define, é que ela quer a manutenção,<br />

a concentração <strong>do</strong> lugar de poder, <strong>do</strong> status quo, <strong>do</strong><br />

establishment. E a esquerda não. Quan<strong>do</strong> a direita pede mudança,<br />

você vê que isso não é uma mudança, é uma troca. O que ela quer<br />

é trocar em vez de mudar, porque o problema to<strong>do</strong> é que está se<br />

mudan<strong>do</strong>, então, que fique claro isso, o uso das palavras corretas:<br />

“O que nós queremos não é a mudança, nós queremos o retrocesso<br />

diante das mudanças” – é importante usar as palavras corretas.<br />

Você vê essa disputa na perspectiva da luta de classes?<br />

O quanto isso é importante para você?<br />

Eu acho que importa bastante pensar que você vê claramente<br />

uma diferença gigantesca de renda, mesmo entre as manifestações<br />

<strong>do</strong>s dias 13 e 18. Isso é claro. No entanto, é perigoso<br />

a gente classificar to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> dia 13 como elitista, como<br />

uma pessoa que está revoltada com a distribuição de renda e está<br />

in<strong>do</strong> às ruas contra isso, o que também não é verdade. Acho<br />

que o que existe, que é um fato, é o PT fez sim, bem, eu acho,<br />

um pouco, aumentou um degrauzinho para as pessoas mais<br />

pobres <strong>do</strong> país, da miséria. Como pode um parti<strong>do</strong>, um candidato,<br />

se eleger contra a mídia inteira? Que foi o que aconteceu,<br />

não é? Porque em termos de distribuição é muito irrelevante a<br />

mídia de esquerda no país, ela é muito pequena comparada em<br />

termos de distribuição e de tiragem, não como expressão, mas<br />

em termos de distribuição.<br />

O que está gritante agora, talvez, mais até <strong>do</strong> que a luta de classes,<br />

o que está levan<strong>do</strong> as pessoas às ruas, que fique bem claro,<br />

não é a corrupção. Esse é o pretexto, a chamada, mas na verdade<br />

mesmo é o me<strong>do</strong> da perda de alguns privilégios. O dólar está<br />

mais alto realmente, e tem gente de amarelo nas passeatas falan<strong>do</strong><br />

da dificuldade de você ter uma empregada hoje em dia. Isso<br />

é um fato, é uma coisa que incomoda a elite. Está mais caro para<br />

ter uma empregada <strong>do</strong>méstica que <strong>do</strong>rme na sua casa. Isso está<br />

dificílimo, e tem gente que se incomoda com isso. Não são to<strong>do</strong>s,<br />

claro. Mas o que existe de mo<strong>do</strong> geral é uma insatisfação legítima<br />

com a situação atual, não só a corrupção, mas o país não crescen<strong>do</strong>.<br />

Mas essa insatisfação que é justificada e que é compartilhada<br />

pela esquerda – na verdade, a esquerda está insatisfeita há muito<br />

mais tempo – se canaliza em uma coisa que eu acho muito burra,<br />

que é a vontade de erradicação <strong>do</strong> PT. Essa é uma grande estupidez<br />

da direita: o que a erradicação <strong>do</strong> PT vai trazer para o país?<br />

A arte tem o espírito de transformar o mun<strong>do</strong>, mas neste<br />

momento é importante ter isso volta<strong>do</strong> para transformar<br />

o conserva<strong>do</strong>rismo político?<br />

A arte de um mo<strong>do</strong> geral produz empatia. Um bom filme é<br />

aquele que te comove, que te tira <strong>do</strong> seu lugar, que te move de<br />

onde você estava e leva para outro lugar. Não existe arma maior<br />

contra o ódio, por exemplo, porque a comoção, a empatia fazem<br />

com que você repense suas certezas, repense sua outrofobia. O<br />

principal inimigo da arte é essa outrofobia, que <strong>do</strong>mina o pensamento<br />

conserva<strong>do</strong>r. Esse me<strong>do</strong>, a palavra-chave da direita é<br />

me<strong>do</strong>. Me<strong>do</strong> no <strong>Brasil</strong> você consegue colocar com a revolução<br />

comunista, até hoje. Estamos em 2016, e a direita não convence<br />

O principal inimigo da arte é essa<br />

outrofobia, que <strong>do</strong>mina o pensamento<br />

conserva<strong>do</strong>r. Esse me<strong>do</strong>, a palavrachave<br />

da direita é me<strong>do</strong>. Essa função<br />

da arte acho que é a mais bonita, a<br />

luta contra o me<strong>do</strong><br />

as pessoas que está em curso um golpe comunista. Essa função<br />

da arte acho que é a mais bonita, que é a luta contra o me<strong>do</strong>. O<br />

me<strong>do</strong> é filho da ignorância e da desinformação. Eu acho que a<br />

arte e a informação impressa, o humor, têm como principal alvo<br />

esse me<strong>do</strong>, que é um me<strong>do</strong> <strong>do</strong> outro. Outrofobia inclui o me<strong>do</strong><br />

da diferença, o me<strong>do</strong> da alteridade. Eu acho que a função da<br />

arte é promover esse encontro com a alteridade.<br />

O paradigma politicamente correto te preocupa, como<br />

você vê isso?<br />

Sabe que as pessoas falam muito <strong>do</strong> politicamente correto<br />

mas não é uma coisa que me incomoda, porque eu vejo a necessidade<br />

de conscientização <strong>do</strong> humor, humorista, como algo<br />

muito positivo. Acho que o fato, por exemplo, das minorias hoje<br />

reclamarem quan<strong>do</strong> são ofendidas é um fato muito positivo<br />

também. Faz parte de um processo civilizatório <strong>do</strong> qual a gente<br />

hoje tem de se responsabilizar, sim, pelo jogo político <strong>do</strong> que a<br />

gente fala. Antigamente, não é que não existia o politicamente<br />

correto, é que as minorias não estavam empoderadas o bastante<br />

para manifestar a sua insatisfação. A expressão politicamente<br />

correto expõe uma certa rejeição, mas a correção na verdade<br />

não se adapta muito à política. Ser politicamente responsável<br />

eu acho muito necessário para o humor. Não me atrapalha, ao<br />

PAULO PEPE/RBA<br />

20 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


ENTREVISTA<br />

contrário, acho que isso me inspira a pensar que o<br />

que a gente escreve tem um alcance e pode ser positivo<br />

ou negativo. A responsabilidade política sobre<br />

aquilo que a gente diz é inerente ao nosso impacto.<br />

A gente hoje, por exemplo, tem impacto grande, eu<br />

não só escrevo na Folha ou no Porta (<strong>do</strong>s Fun<strong>do</strong>s),<br />

eu me incomo<strong>do</strong> muito com os humoristas que dizem:<br />

‘Ah, mas é só uma piada’. O cara é processa<strong>do</strong><br />

e diz, ‘Não, é só uma piada’, gente, mas não é só uma<br />

piada. Você vive disso. Jornalista dizen<strong>do</strong> é só uma<br />

matéria, ou o engenheiro, cai o prédio e ele diz, mas<br />

era só um prédio. Como assim? Ele vive disso, paga<br />

as contas. E a piada é a mesma coisa. É um negócio<br />

muito nobre para ser desmereci<strong>do</strong>.<br />

A peça que você está fazen<strong>do</strong> agora (Uma Noite<br />

na Lua) vai além <strong>do</strong> humor, é um monólogo<br />

em que você transita por diferentes gêneros.<br />

É uma proposta a seguir daqui por diante na<br />

sua carreira?<br />

Sim, gosto muito de misturar os gêneros, gosto de<br />

humor, mas talvez mais ainda de comoção, não só<br />

<strong>do</strong> drama, mas dessa tentativa de comover as pessoas,<br />

sabe, porque eu acho que o humor vai muito<br />

bem quan<strong>do</strong> ele está junto com algum drama, alguma<br />

tristeza, algo que se imprime na alma. Os humoristas<br />

que ficam, você vê, o humor volta e meia<br />

passa, a gente deixa de achar graça. Um programa<br />

humorístico de 20 anos atrás é difícil de fazer você<br />

rir. No entanto, você vê o Chaplin, por exemplo, e<br />

você ainda ri, porque aquilo está em algum lugar histórico,<br />

canônico, e por quê? Eu acho que é por causa<br />

<strong>do</strong> drama, não por causa <strong>do</strong> humor, porque o humor<br />

fica quan<strong>do</strong> tem uma pitada de drama. O que fica <strong>do</strong><br />

Chaplin é o drama, junto com a graça. A graça está ligada<br />

a essa tragédia humana, você está rin<strong>do</strong> da condição<br />

humana, tem um peso, fica. Quan<strong>do</strong> você está<br />

falan<strong>do</strong> da atualidade, da semana, <strong>do</strong> que passou,<br />

aquilo se esvai, eu acho que é uma grande diferença.<br />

No dia 11 de abril você completa 30 anos, o<br />

que significa esse momento?<br />

É difícil porque tem uma coisa muito louca da vida<br />

que é quan<strong>do</strong> você começa a ficar mais velho que<br />

as pessoas que você... Por exemplo, os joga<strong>do</strong>res de<br />

futebol. E to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> sonha em ser joga<strong>do</strong>r de futebol,<br />

pelo menos no <strong>Brasil</strong>, e até pouco tempo atrás<br />

eu sonhava, achava que podia largar tu<strong>do</strong> se me dedicasse<br />

muito, podia tentar salvar o Fluminense, aí hoje<br />

começa a ficar distante. Nem que eu largue tu<strong>do</strong>, e só<br />

faça isso, eu já estou bicha<strong>do</strong>. Isso é uma besteira, claro,<br />

mas é quan<strong>do</strong> você começa a ver que várias coisas<br />

você não foi e não fez, e eu tenho uma angústia muito<br />

grande por não viver a vida plenamente, de não estar<br />

nunca... Nunca morei em outro lugar que não o Rio<br />

de Janeiro, é uma vida pequena em vários senti<strong>do</strong>s,<br />

não viajei muito... Eu gosto muito de ler, então viajo<br />

de outras maneiras, mas as vezes meu problema é esse,<br />

ter uma vivência de mun<strong>do</strong> ainda um pouco curta.<br />

Como a poesia e a música afetam você?<br />

Eu tenho muita inveja <strong>do</strong>s músicos porque eles<br />

rompem as barreiras das palavras, da língua e até<br />

<strong>do</strong> intelecto. Você pode se comunicar com alguém<br />

que acha tu<strong>do</strong> completamente diferente de você, e<br />

ainda assim se emociona. Wagner (Richard Wagner)<br />

não era um compositor menos brilhante porque era<br />

nazista. Porque aquilo era <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e emociona<br />

um judeu a música que ele faz. E vice-versa também.<br />

Um nazista talvez chorasse ouvin<strong>do</strong> Gershwin<br />

(George Gershwin), é uma coisa que eu acho que é<br />

muito bonita da música. Ela transcende suas certezas,<br />

enquanto a literatura faz isso mais dificilmente<br />

porque trabalha com as palavras. E a palavra é carregada,<br />

alimenta as convicções. É muito mais difícil<br />

você romper essas barreiras. Tenho inveja da música.<br />

E da poesia também. Eu queria até voltar a escrever<br />

poesia, porque ela diz as coisas de uma maneira<br />

tão sutil e tão por debaixo <strong>do</strong> pano, e eu tento botar<br />

isso no que eu escrevo para não ficar só entre convicções,<br />

entre porradas. O humor vai bem com poesia,<br />

porque dá uma amaciada quan<strong>do</strong> você joga para<br />

o lúdico. Sempre que escrevo uma coluna eu releio<br />

pensan<strong>do</strong>: ‘Será que eu tenho como deixar ela menos<br />

direta, mais poética?’. Porque com isso se passa<br />

muito melhor a mensagem, por meio de imagens, <strong>do</strong><br />

que por meio de frases duras e peremptórias.<br />

Quais escritores o influenciaram?<br />

Da minha geração tem o (Mário) Prata, que faz isso<br />

muito bem, que eu acho genial, tem bons romancistas<br />

também, a Carol Bensimon, que eu a<strong>do</strong>ro, o Daniel<br />

Galera, um cara que escreve bem à beça. Alguns escritores<br />

têm deixa<strong>do</strong> assim a nossa literatura mais poética,<br />

não perdem nunca o leitor de vista, acho isso muito<br />

saudável. A Tatiana Salem Levy é outra que eu gosto,<br />

ela está em Portugal agora, e das outras gerações, claro,<br />

Verissimo (Luis Fernan<strong>do</strong> Verissimo). A gente tem<br />

a tradição da crônica no <strong>Brasil</strong>: Rubem Braga, Paulo<br />

Mendes Campos, porque a crônica por ser um gênero<br />

feito para o jornal tem a vantagem de nunca perder o<br />

leitor de vista. Você não pode nunca esquecê-lo. Nossos<br />

melhores escritores são os que escreviam em jornal,<br />

como Nelson Rodrigues. Nunca perderam o leitor<br />

de vista e cujo rabo preso sempre foi com o leitor.<br />

Essa é uma grande qualidade <strong>do</strong> escritor.<br />

Leia a íntegra no site da Rede <strong>Brasil</strong> Atual.<br />

Gosto<br />

de misturar<br />

os gêneros,<br />

de humor,<br />

mas talvez<br />

mais ainda<br />

de comoção,<br />

dessa<br />

tentativa de<br />

comover as<br />

pessoas.<br />

O humor<br />

vai muito<br />

bem quan<strong>do</strong><br />

está junto<br />

com algum<br />

drama,<br />

alguma<br />

tristeza,<br />

algo que<br />

se imprime<br />

na alma<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 21


TRABALHO<br />

Alto<br />

teor de<br />

perigo<br />

Acor<strong>do</strong> negocia<strong>do</strong><br />

com empresa<br />

em Osasco prevê<br />

indenização a<br />

trabalha<strong>do</strong>res<br />

intoxica<strong>do</strong>s por<br />

mercúrio e fim<br />

da produção de<br />

lâmpadas<br />

Por Vitor Nuzzi<br />

Um acor<strong>do</strong> judicial firma<strong>do</strong><br />

em março é visto como um<br />

passo importante na prevenção<br />

contra a intoxição<br />

por mercúrio, uma situação<br />

ainda recorrente no país. Esse acor<strong>do</strong> foi<br />

firma<strong>do</strong> entre o Ministério Público <strong>do</strong><br />

Trabalho (MPT) e a multinacional alemã<br />

Osram, preven<strong>do</strong> pagamento de indenizações<br />

a funcionários e ex-funcionários<br />

da unidade de Osasco, na região metropolitana<br />

de São Paulo, por exposição ao<br />

mercúrio metálico, e planos de saúde vitalícios<br />

a trabalha<strong>do</strong>res diagnostica<strong>do</strong>s<br />

com <strong>do</strong>enças. O número certo ainda depende<br />

de exames, mas a Associação <strong>do</strong>s<br />

Expostos e Intoxica<strong>do</strong>s por Mercúrio<br />

Metálico apresentou uma lista com 236<br />

nomes de possíveis habilita<strong>do</strong>s. Outros<br />

ainda podem se inscrever.<br />

Presidente da associação e ex-funcionário<br />

da Sylvania, em Santo Amaro, na zona<br />

sul de São Paulo, Valdivino <strong>do</strong>s Santos<br />

Rocha, 61 anos, vê um precedente importante<br />

e um indicativo de mudanças no país.<br />

“Essas grandes empresas vêm aqui, a<strong>do</strong>ecem<br />

o trabalha<strong>do</strong>r e vão embora. Acredito<br />

que seja uma grande vitória para os trabalha<strong>do</strong>res<br />

envolvi<strong>do</strong>s no processo”, afirma.<br />

Para Valdivino, isso também ajuda na<br />

conscientização <strong>do</strong> perigo que representa<br />

a exposição <strong>do</strong> produto. “O problema afeta<br />

o sistema nervoso central e a gente vai<br />

perden<strong>do</strong> a noção da coisas”, diz ele, lembran<strong>do</strong><br />

que às vezes esses problemas são<br />

confundi<strong>do</strong>s com lesões por esforço repetivivo<br />

ou <strong>do</strong>enças osteomusculares relacionadas<br />

ao trabalho (LER/Dort): “Dor<br />

nos braços, nas pernas... Não aguenta le-<br />

22 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


TRABALHO<br />

JANAKA DHARMASENA /STOCKVAULT<br />

vantar peso. Os trabalha<strong>do</strong>res caem, e isso<br />

se confunde com epilepsia. Tem colega<br />

que cai direto. Uma coisa muito constante<br />

é a depressão”, conta o trabalha<strong>do</strong>r, que<br />

durante os quase seis anos na Sylvania<br />

(de 1986 a 1992) foi mecânico na linha<br />

fluorescente e supervisor.<br />

Sintomas<br />

A médica Cecília Zavariz, ex-auditora<br />

fiscal <strong>do</strong> Trabalho, lembra que as ocorrências<br />

de intoxicação são variadas. Em<br />

pesquisa realizada nos anos 1990, houve<br />

uma lista extensa de sintomas relata<strong>do</strong>s<br />

pelos trabalha<strong>do</strong>res: “Dor de cabeça,<br />

<strong>do</strong>r no estômago, sangramento oral, salivação<br />

excessiva, má digestão, gosto de<br />

metal na boca, náuseas, gengivite, ulceração<br />

oral, problemas dentários, diarreia,<br />

cãibras, parestesia, tremores, sonolência,<br />

alteração de grafia, abalos e fraqueza<br />

muscular, nervosismo, irritabilidade,<br />

dificuldade de memória, ansiedade,<br />

tristeza, depressão, redução da atenção,<br />

agressividade, insegurança e me<strong>do</strong>”. (Leia<br />

entrevista na página 24)<br />

Ela acompanha a situação não apenas<br />

da Osram, mas de outras empresas, desde<br />

a década de 1980, quan<strong>do</strong>, como auditora,<br />

realizava inspeções em diversos<br />

setores. A médica defende a eliminação<br />

<strong>do</strong> uso de mercúrio em qualquer atividade,<br />

como apontou em tese de mestra<strong>do</strong><br />

na Faculdade de Saúde Pública da<br />

Universidade de São Paulo (USP), em<br />

1994. “Em 1990 iniciei o trabalho no ramo<br />

de fabricação de lâmpadas com mercúrio,<br />

não apenas na Osram, como em<br />

outras empresas deste ramo industrial e<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 23


TRABALHO<br />

prossegui o trabalho eliminan<strong>do</strong> o uso de<br />

mercúrio em várias atividades.”<br />

O procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Trabalho Murillo César<br />

Buck Muniz, <strong>do</strong> MPT em Osasco, lembra<br />

que a empresa vai custear exames e também<br />

serão feitos testes neuropsicológicos. “Isso<br />

é importante porque não vai onerar ainda<br />

mais o sistema público de saúde”, observa.<br />

A Osram deverá pagar R$ 20 milhões em<br />

indenizações, além de R$ 4 milhões em danos<br />

morais coletivos. “A ideia é destinar (os<br />

R$ 4 milhões) ao atendimento de saúde ocupacional<br />

<strong>do</strong> Hospital das Clínicas, inclusive<br />

para realizar pesquisas, e também ao Centro<br />

de Referência em Saúde <strong>do</strong> Trabalha<strong>do</strong>r<br />

de Osasco. É uma forma de compensação<br />

de danos”, afirma o representante <strong>do</strong><br />

Ministério Público.<br />

Produção<br />

Muniz destaca outro ponto <strong>do</strong> acerto:<br />

a empresa deverá cessar a produção de<br />

lâmpadas até abril. Caso esse item seja<br />

descumpri<strong>do</strong>, está prevista pena de multa<br />

diária de R$ 10 mil.<br />

O acor<strong>do</strong> pôs fim a uma ação civil pú-<br />

blica movida em 2012 pelo MPT, com base<br />

em conclusões das especialistas Cecília<br />

Zavariz e Marcília Medra<strong>do</strong>, <strong>do</strong> Hospital<br />

das Clínicas. Elas acompanharam centenas<br />

de casos de trabalha<strong>do</strong>res que a<strong>do</strong>eceram<br />

com o chama<strong>do</strong> mercurialismo<br />

crônico ocupacional.<br />

Em nota, a Osram <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong> confirmou<br />

ter assina<strong>do</strong>, em 15 de março, um Termo<br />

de Ajustamento de Conduta (TAC) “por<br />

conta da ação movida pelo Ministério<br />

Público <strong>do</strong> Trabalho de Osasco e a associação<br />

<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res que alegam<br />

terem si<strong>do</strong> contamina<strong>do</strong>s por mercúrio”.<br />

O nome da empresa, de 1906, se origina<br />

a partir de <strong>do</strong>is materiais usa<strong>do</strong>s para a<br />

produção de filamentos: ósmio e volfrâmio<br />

(atualmente, tungstênio).<br />

O número de trabalha<strong>do</strong>res habilita<strong>do</strong>s<br />

a receber a indenização só deverá ser conheci<strong>do</strong><br />

no final de agosto, diz o procura<strong>do</strong>r<br />

<strong>do</strong> Trabalho. Os exames começam em<br />

maio. Segun<strong>do</strong> ele, quem tem diagnóstico<br />

e se habilitar receberá o plano de saúde<br />

imediatamente. “Isso não afasta a possibilidade<br />

de o trabalha<strong>do</strong>r fazer um processo<br />

individual e não se habilitar por aqui”, lembra,<br />

destacan<strong>do</strong> a importância <strong>do</strong> acor<strong>do</strong>.<br />

“Com certeza, o processo judicial demoraria<br />

muito mais. Normalmente, as soluções<br />

negociadas são as melhores.”<br />

Diretor <strong>do</strong> Sindicato <strong>do</strong>s Metalúrgicos<br />

de Osasco, Sertório Apareci<strong>do</strong> Ribeiro<br />

de Carvalho diz que a empresa passará a<br />

importar lâmpadas LED e fluorescentes,<br />

interrompen<strong>do</strong> a produção local. Ele cita<br />

caso semelhante envolven<strong>do</strong> a Philips,<br />

que também teve de indenizar funcionários<br />

intoxica<strong>do</strong>s. Com 30 anos de Osram,<br />

Sertório também foi exposto ao produto<br />

e tem um lau<strong>do</strong> que aponta perda de memória<br />

e de concentração.<br />

“A gente vive toman<strong>do</strong> remédio”, lembra<br />

Valdivino Rocha, aposenta<strong>do</strong> em decorrência<br />

de acidente de trabalho – código<br />

B92, invalidez acidentária. Ele mesmo<br />

tem uma <strong>do</strong>se diária de 14 comprimi<strong>do</strong>s.<br />

Em uma conferência nacional sobre saúde<br />

– durante a qual sofreu uma queda –,<br />

ele contestou quem defendia regulamentação<br />

<strong>do</strong> uso <strong>do</strong> mercúrio. “A gente tem<br />

de eliminar, não regulamentar”, afirma.<br />

Problema de saúde pública<br />

Para a médica Cecília Zavariz, ex-auditora<br />

fiscal <strong>do</strong> Trabalho, qualquer atividade que<br />

envolva mercúrio oferece risco, e seu uso<br />

representa “um problema grave de saúde<br />

pública”. Ela considera o acor<strong>do</strong> <strong>do</strong> MPT<br />

um “parâmetro interessante” para outras<br />

empresas, mas critica a legislação e avalia<br />

que falta vontade para resolver<br />

o problema.<br />

Os trabalha<strong>do</strong>res apresentam que<br />

tipo de problemas de saúde? Alguns<br />

chamaram mais a atenção?<br />

Os quadros da intoxicação são varia<strong>do</strong>s<br />

e dependem de diversos fatores. Na<br />

pesquisa que realizamos na década de<br />

1990, os sintomas mais frequentemente<br />

relata<strong>do</strong>s foram <strong>do</strong>r de cabeça, <strong>do</strong>r no<br />

estômago, sangramento oral, salivação<br />

excessiva, má digestão, gosto de metal na<br />

boca, náuseas, gengivite, ulceração oral,<br />

problemas dentários, diarreia, cãibras,<br />

parestesia, tremores, sonolência, alteração<br />

de grafia, abalos e fraqueza muscular,<br />

nervosismo, irritabilidade, dificuldade de<br />

memória, ansiedade, tristeza, depressão,<br />

redução da atenção, agressividade,<br />

insegurança e me<strong>do</strong>. No exame<br />

físico foram detectadas as seguintes<br />

alterações, cujos resulta<strong>do</strong>s foram<br />

estatisticamente significativos: hiperemia<br />

de orofaringe, depósitos metálicos<br />

gengivais e palatares, ulceração oral,<br />

linha azul na borda gengival, tremores,<br />

alteração de grafia, de sensibilidade<br />

térmica e hiperreflexia. Nos testes<br />

neuropsicológicos foram observa<strong>do</strong>s<br />

déficits na rapidez de movimentos,<br />

destreza manual, coordenação motora,<br />

atenção concentrada, eficiência cognitiva<br />

e velocidade perceptiva motora. Na<br />

ocasião, foram afasta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> trabalho<br />

vários casos que apresentavam<br />

intoxicação. Atualmente, como previsto<br />

no acor<strong>do</strong>, farei avaliação da saúde<br />

referente à exposição ao mercúrio de<br />

to<strong>do</strong>s os trabalha<strong>do</strong>res que solicitarem no<br />

prazo previsto, de mo<strong>do</strong> que terei da<strong>do</strong>s<br />

atualiza<strong>do</strong>s da situação.<br />

Há casos que tornaram os<br />

emprega<strong>do</strong>s definitivamente<br />

incapacita<strong>do</strong>s?<br />

Há casos de trabalha<strong>do</strong>res incapacita<strong>do</strong>s<br />

para o trabalho, em função <strong>do</strong> quadro<br />

apresenta<strong>do</strong>, de todas as indústrias <strong>do</strong> ramo.<br />

Cecília<br />

Zavariz:<br />

“Todas as<br />

empresas<br />

que usam<br />

mercúrio<br />

oferecem<br />

risco”<br />

LEONARD0 SÁ/AGÊNCIA PORÃ<br />

24 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


TRABALHO<br />

DANILO RAMOS/RBA<br />

FALTA<br />

COMPROMISSO<br />

Valdivino vê<br />

um precedente<br />

importante e<br />

um indicativo<br />

de mudanças<br />

no país: “Essas<br />

grandes<br />

empresas vêm<br />

aqui, a<strong>do</strong>ecem<br />

o trabalha<strong>do</strong>r<br />

e vão embora.<br />

Acredito que<br />

seja uma grande<br />

vitória para os<br />

trabalha<strong>do</strong>res<br />

envolvi<strong>do</strong>s no<br />

processo”<br />

A Osram representa um fato isola<strong>do</strong>,<br />

ou trata-se de uma realidade<br />

comum?<br />

Todas as empresas que usam mercúrio<br />

oferecem risco, porque este agente é<br />

altamente agressivo e por si só representa<br />

risco. As características específicas, como a<br />

toxicidade a fácil evaporação, a penetração<br />

no organismo através da inalação, a<br />

bioacumulação no organismo causan<strong>do</strong><br />

lesões irreversíveis, particularmente no<br />

sistema nervoso, tornam o uso deste metal<br />

um problema grave de saúde pública,<br />

dada a facilidade de se dispersar por to<strong>do</strong><br />

o planeta, contaminan<strong>do</strong> o ambiente e os<br />

seres vivos.<br />

A sra. acredita que o acor<strong>do</strong> feito no<br />

MPT pode ser um parâmetro para<br />

outros casos?<br />

Com esse acor<strong>do</strong> estamos eliminan<strong>do</strong> a<br />

fabricação de lâmpadas com mercúrio no<br />

país. O acor<strong>do</strong> com a Osram pode ser um<br />

parâmetro para as demais empresas que,<br />

na contramão da história, ainda insistem<br />

em usar o mercúrio, apesar de fartamente<br />

demonstra<strong>do</strong> o risco que esse agente<br />

tóxico representa para o homem e a to<strong>do</strong><br />

o planeta. O Conselho de Administração<br />

<strong>do</strong> Programa das Nações Unidas para o<br />

Meio Ambiente (Pnuma), após solicitar<br />

um informe sobre o mercúrio e seus<br />

compostos em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, identificou<br />

a contaminação por mercúrio como<br />

um grave problema ambiental e de<br />

saúde pública e estabeleceu como<br />

meta a redução até a eliminação <strong>do</strong> uso<br />

humano <strong>do</strong> mercúrio, que culminou,<br />

em 2013, com o consenso de muitos<br />

países, de um <strong>do</strong>cumento denomina<strong>do</strong><br />

“Convenção de Minamata”, <strong>do</strong> qual o<br />

<strong>Brasil</strong> foi signatário. O <strong>Brasil</strong> ainda não<br />

a<strong>do</strong>tou medidas concretas para eliminar<br />

o uso de mercúrio, como em empresas<br />

de cloro-álcalis, onde ainda há empresas<br />

que mantêm a tecnologia obsoleta com<br />

mercúrio, bem como na importação e<br />

uso de produtos com mercúrio, como<br />

termômetros, esfigmomanômetros de<br />

coluna de mercúrio, na área o<strong>do</strong>ntológica,<br />

com o uso de amálgamas dentários com<br />

mercúrio e em vacinas que contêm um<br />

conservante à base de mercúrio. Em todas<br />

essas situações há tecnologia substitutiva,<br />

sem os riscos que o mercúrio representa<br />

para a saúde humana e o meio ambiente.<br />

Além <strong>do</strong> ambiente de trabalho,<br />

em que outras áreas o mercúrio é<br />

utiliza<strong>do</strong>? Quais os riscos?<br />

Principalmente na garimpagem de ouro,<br />

que além de oferecer risco à saúde de<br />

quem manipula o produto ou está nas<br />

proximidades, é descarta<strong>do</strong> no meio<br />

ambiente contaminan<strong>do</strong> o solo, a água, o<br />

ar, a fauna e a flora.<br />

A legislação brasileira, na área de<br />

saúde e segurança, é adequada?<br />

A legislação é tão deficitária que podemos<br />

considerar praticamente nula.<br />

O Ministério <strong>do</strong> Meio Ambiente<br />

chegou a declarar que o país tem<br />

da<strong>do</strong>s incompletos sobre usos e<br />

emissões <strong>do</strong> mercúrio. O que é<br />

preciso ser feito, consideran<strong>do</strong><br />

também a Convenção de Minamata?<br />

Primeiramente, é preciso querer resolver<br />

o problema. Segun<strong>do</strong>, querer conhecer o<br />

tamanho <strong>do</strong> problema. Terceiro, buscar as<br />

soluções. Quarto, planejar e implementar<br />

as medidas adequadas para sanar o<br />

problema. E fundamental: é preciso ouvir<br />

quem conhece o assunto.<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 25


AMÉRICA LATINA<br />

Construir demora,<br />

Situação argentina<br />

ilustra como sólidas<br />

conquistas sociais,<br />

que levam anos para<br />

serem alcançadas,<br />

desmancham no ar<br />

quan<strong>do</strong> o poder que<br />

controla o capital<br />

detém a caneta<br />

da Presidência da<br />

República<br />

Por Erika Morhy, de Buenos Aires<br />

Foram dias turbulentos na Argentina<br />

desde a assunção <strong>do</strong><br />

empresário Maurício Macri à<br />

Presidência: o dólar passou a<br />

ser nivela<strong>do</strong>, e nivela<strong>do</strong> pelo<br />

merca<strong>do</strong>, o que o fez saltar <strong>do</strong>s oficiais<br />

nove pesos para 16; a moeda nacional<br />

perdeu pelo menos 40% <strong>do</strong> seu valor;<br />

pelo menos 100 mil trabalha<strong>do</strong>res já<br />

passaram para a lista de desemprega<strong>do</strong>s;<br />

a chamada Lei de Meios começa a ser esquartejada;<br />

e um protocolo de segurança<br />

dita rumos repressivos a manifestações<br />

públicas. O balanço de governo que fazem<br />

hoje algumas lideranças populares<br />

é bem diferente daquele sacolejo festivo<br />

de Macri na sacada da Casa Rosada, em<br />

10 de dezembro.<br />

Foram contra estas medidas que votaram<br />

quase 50% <strong>do</strong>s argentinos, em 2015.<br />

Sim, eram previsíveis. “Nos primeiros<br />

dias, havia uma discussão sobre a velocidade<br />

com que aplicariam sua política,<br />

se gradualmente ou de maneira impactante.<br />

Estamos governa<strong>do</strong>s por uma força<br />

de direita clássica, profundamente liberal<br />

em termos econômicos, e profundamente<br />

autoritária em termos políticos. Não<br />

26 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


AMÉRICA LATINA<br />

destruir não<br />

nos surpreende o que se vê”, argumenta<br />

Martín Sabbatella, ex-titular da Autoridade<br />

Federal de Serviços de Comunicação<br />

Audiovisual (Afsca) e candidato a vice-governa<strong>do</strong>r<br />

de Buenos Aires nas mais<br />

recentes eleições.<br />

Sabbatella, aliás, sentiu na carne o autoritarismo<br />

político <strong>do</strong> governo macrista,<br />

que dissolveu a entidade criada pela Lei<br />

de Serviços de Comunicação Audiovisual<br />

(Lei nº 26.522, de 2009) e subordinou<br />

suas atividades a um novo organismo,<br />

a Entidade Nacional de Comunicações<br />

(Enacom). Tu<strong>do</strong> isto por meio de um<br />

<strong>do</strong>s quase 30 Decretos de Necessidade e<br />

Urgência (DNUs) emiti<strong>do</strong>s em um perío<strong>do</strong><br />

de menos de <strong>do</strong>is meses, sem passar<br />

pelo crivo <strong>do</strong> Legislativo. Esta foi apenas<br />

uma faceta <strong>do</strong>s decretos que vão de encontro<br />

aos esforços de quem aju<strong>do</strong>u, durante<br />

anos, a construir o que seria a Lei<br />

de Meios.<br />

AS RUAS PROTESTAM<br />

Macri governa na base<br />

da canetada: foram<br />

quase 30 Decretos de<br />

Necessidade e Urgência<br />

emiti<strong>do</strong>s em um perío<strong>do</strong><br />

de menos de <strong>do</strong>is meses,<br />

sem passar pelo crivo <strong>do</strong><br />

Legislativo<br />

ELTAN ABRAMOVICH/AFP/GETTY IMAGES (23-12-2015)<br />

Concentração midiática<br />

Presidenta <strong>do</strong> Fórum Argentino de Rádios<br />

Comunitárias e integrante da Coalizão<br />

por uma Comunicação Democrática,<br />

Mariela Pobliese descreve alguns <strong>do</strong>s<br />

impactos <strong>do</strong> esfacelamento da normativa.<br />

“Uma das coisas que o decreto permite<br />

é a compra e venda de licenças, coisa<br />

que até (o ex-presidente-general Jorge Rafael)<br />

Videla proibiu. É voltar a transformar<br />

em negócio as telecomunicações, e o<br />

que é pior: em um negócio para os grandes<br />

capitais. Estamos falan<strong>do</strong> de algo que<br />

é substancial para a democracia, para a<br />

soberania política e econômica argentina”,<br />

indigna-se.<br />

Ela e mais de 300 representantes de<br />

organizações vinculadas à comunicação<br />

participaram <strong>do</strong> primeiro congresso<br />

nacional da coalizão, na capital <strong>do</strong><br />

país, em 3 de março. Ali era possível<br />

ter a dimensão de como foi ampla e objetiva<br />

a conquista da Lei de Meios no<br />

governo de Cristina Kirchner, que assegurou<br />

a vontade coletiva sistematizada<br />

em 21 pontos elabora<strong>do</strong>s a partir de<br />

2004. A convocação para atualizar as diretrizes<br />

aponta claramente o alvo: “Denunciamos<br />

a atitude <strong>do</strong> Poder Executivo<br />

que, por meio <strong>do</strong>s decretos 13/2015<br />

e 267/2015, viola a divisão de poderes<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 27


AMÉRICA LATINA<br />

LULA MARQUES/AGÊNCIA PT<br />

TRATOR Antes que o macrismo completasse 100 dias no poder, a Central de Trabalha<strong>do</strong>res da Argentina computou 38 mil demissões<br />

em âmbito estatal e outras 31 mil no setor priva<strong>do</strong>, principalmente na área da construção civil, indústria automobilística e alimentícia<br />

que estabelece a Constituição, ao mesmo<br />

tempo em que pretende apartar o<br />

Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> respeito aos pactos de direitos<br />

humanos e desconhece os fundamentos<br />

da liberdade de expressão como<br />

direito fundamental”.<br />

Segun<strong>do</strong> Mariela, o enfrentamento aos<br />

<strong>do</strong>is decretos de urgência se darão em diferentes<br />

níveis – e o trabalho já começou,<br />

tanto por meio <strong>do</strong>s sindicatos como por<br />

articulação política com deputa<strong>do</strong>s e sena<strong>do</strong>res<br />

para que os derrubem. A Comissão<br />

Interamericana de Direitos Humanos<br />

já havia incluí<strong>do</strong> na agenda um debate<br />

sobre a Lei de Meios argentina, no dia<br />

8 de abril.<br />

Para Sabbatella, os meios de comunicação<br />

sob o modelo da concentração cumprem<br />

papel essencial na blindagem das<br />

medidas impopulares <strong>do</strong> Executivo e têm<br />

outro alia<strong>do</strong>. “Usam também o ´parti<strong>do</strong><br />

judicial´, uma parte <strong>do</strong> Judiciário como<br />

parti<strong>do</strong>, a serviço da estratégia da direita,<br />

para atender a eles, atacar as forças políticas<br />

e suas lideranças. Soma<strong>do</strong> ao ´parti<strong>do</strong><br />

midiático´, pretendem desestabilizar,<br />

desgastar e mentir. O que escapa <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is<br />

parti<strong>do</strong>s controla-se com a repressão, como<br />

se viu em Buenos Aires, La Plata e<br />

Santiago Del Estero, com perseguições<br />

permanentes: a estigmatização de trabalha<strong>do</strong>res<br />

em estatais e de militantes politicos,<br />

associa<strong>do</strong>-os a uma gordura que<br />

precisa ser extirpada.”<br />

Princípios impopulares<br />

Trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s setores público e<br />

priva<strong>do</strong> ocupam quase o mesmo patamar<br />

percentual de desemprega<strong>do</strong>s na Argentina,<br />

e torna no mínimo duvi<strong>do</strong>so o discurso<br />

de Macri de que a “cada dia, estaremos<br />

um pouco melhor a partir de 10<br />

de dezembro”. Ou ainda quan<strong>do</strong> o agora<br />

presidente garantiu que faria o país surfar<br />

numa “pobreza zero”.<br />

O vice-presidente da Central de Trabalha<strong>do</strong>res<br />

da Argentina (CTA-Autônoma),<br />

Ricar<strong>do</strong> Peidro, lamenta. “Tal qual prevíamos,<br />

temos uma situação que não é alenta<strong>do</strong>ra.<br />

Pelo contrário. Existe um marco<br />

de demissões associa<strong>do</strong> à deterioração <strong>do</strong><br />

salário, ocorri<strong>do</strong> tanto pela desvalorização<br />

da moeda como pela inflação.”<br />

Antes que o macrismo completasse 100<br />

dias no poder, a central computou 38 mil<br />

demissões em âmbito estatal e 31 mil no<br />

setor priva<strong>do</strong>. Ele especifica que “estão<br />

concentra<strong>do</strong>s na esfera nacional e municipal,<br />

pelo setor público, e principalmente<br />

na área da construção civil, indústria<br />

automobilística e alimentícia, pelo setor<br />

priva<strong>do</strong>”. Estes números crescem regularmente,<br />

já ten<strong>do</strong> alcança<strong>do</strong> 100 mil poucos<br />

dias depois destas declarações.<br />

As informações sistematizadas pelo<br />

Observatório de Direitos Sociais da CTA-<br />

-A até 4 de março levam em conta tanto<br />

da<strong>do</strong>s informa<strong>do</strong>s pelo Instituto Nacional<br />

de Estatística e Censo da Argentina<br />

(Indec) como registros ofereci<strong>do</strong>s por organizações<br />

de classe. Os da<strong>do</strong>s são considera<strong>do</strong>s<br />

subnotifica<strong>do</strong>s, conforme explicita<br />

o próprio organismo.<br />

“Quan<strong>do</strong> o Esta<strong>do</strong> produz demissões,<br />

demonstra qual é o caminho para a atividade<br />

privada: que não vai haver problemas<br />

quan<strong>do</strong> demitirem, porque é<br />

uma questão economicista, econômica,<br />

28 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


AMÉRICA LATINA<br />

de maximizar os lucros por meio das demissões”,<br />

diz o sindicalista.<br />

Histórico militante sindical – aju<strong>do</strong>u a<br />

montar a CTA – e ativista de movimentos<br />

contra a pobreza, Víctor De Gennaro tem<br />

uma observação precisa a respeito desse<br />

cenário: “A tendência é assustar, utilizar<br />

as demissões para baixar os salários. Como<br />

nos disse o ministro de Economia,<br />

(Alfonso) Prat-Gay, ‘os dirigentes sindicais<br />

deverão escolher (durante as negociações<br />

com a patronal) entre ter trabalho<br />

e ter melhor salário’.<br />

O cenário é parte de um conjunto impopular<br />

de ações que favorecem as grandes<br />

corporações, conforme explica De<br />

Gennaro. “O governo produz, sem anestesia,<br />

uma transferência imensa de riqueza<br />

para grupos econômicos. A primeira<br />

medida de Macri é oferecer 128 milhões<br />

de pesos ou 2,5% <strong>do</strong> Produto Interno<br />

Bruto (PIB) ao setor agrícola exporta<strong>do</strong>r.<br />

Por sua vez, oferece aos aposenta<strong>do</strong>s e às<br />

crianças <strong>do</strong> programa de assistência básica<br />

um aumento emergencial de 400 pesos<br />

a cada um, num total de 3,2 milhões, ou<br />

0,1% <strong>do</strong> PIB”, compara.<br />

Público e priva<strong>do</strong><br />

“Rodrigo era nosso facilita<strong>do</strong>r. Ele<br />

acompanhava o <strong>do</strong>mínio das crianças sobre<br />

os netbooks como ferramenta pedagógica.<br />

Mas este ano nós não vamos poder<br />

contar com ele.” Sem muitos detalhes,<br />

a diretora da escola pública Bernardino<br />

Rivadavia esclarece pais e mães de<br />

alunos que receberam <strong>do</strong> governo fe-<br />

ARROCHO<br />

De Gennaro:<br />

“A tendência<br />

é assustar,<br />

utilizar as<br />

demissões<br />

para baixar<br />

os salários”<br />

ACERVO UNIDAD POPULAR<br />

DESCONSTRUINDO A LEI DE MEIOS<br />

Mariela: Macri liberou a compra e venda<br />

de licenças de telecomunicações, coisa<br />

que nem a ditadura permitiu<br />

deral o pequeno computa<strong>do</strong>r, como parte<br />

<strong>do</strong> programa Conectar Igualdade, nos<br />

anos anteriores. Há cinco anos, era por<br />

meio dele que se entregava um computa<strong>do</strong>r<br />

por aluno e professor das instituições<br />

públicas de ensino. A plataforma pedagógica<br />

foi desenvolvida pela equipe governamental,<br />

e é utilizada a partir <strong>do</strong> assessoramento<br />

técnico-pedagógico à comunidade<br />

escolar feita pelos facilita<strong>do</strong>res.<br />

A lacuna é reflexo da demissão <strong>do</strong>s<br />

mais de mil funcionários que atuavam<br />

na inclusão digital dentro <strong>do</strong>s colégios<br />

de to<strong>do</strong> o país há cinco anos. Professor<br />

de Matemática e mestre em Políticas<br />

Educativas, Gustavo Romero é um deles.<br />

Coordenava exatamente as atividades<br />

de outros colegas que visitavam as<br />

escolas para acompanhar professores<br />

e alunos no processo de aprendizagem<br />

na capital federal. “Por sorte,<br />

tenho outras fontes de renda – <strong>do</strong>u<br />

aulas e escrevo livros. Mas a maior<br />

parte da minha equipe tinha esse trabalho<br />

como único salário, e estão sem<br />

receber desde janeiro. É desespera<strong>do</strong>r”,<br />

ACERVO REDPAC<br />

diz Romero, de 34 anos, que trabalhou no<br />

Conectar por <strong>do</strong>is anos.<br />

Romero e os demais demiti<strong>do</strong>s estavam<br />

contrata<strong>do</strong>s em condição vulnerável,<br />

admite. Ou como destaca De Gennaro:<br />

precária. “Não houve nenhuma greve<br />

geral durante os primeiros nove anos de<br />

governo de Cristina Kirchner, mas foram<br />

cinco nos últimos três anos. Para se chegar<br />

a esse nível de consenso, é porque havia<br />

muita insatisfação”, pondera. A título<br />

de comparação, entre as várias manifestações<br />

contra medidas <strong>do</strong> governo Macri,<br />

já houve uma greve nacional de trabalha<strong>do</strong>res<br />

em estatais (em 24 de fevereiro)<br />

e outra promovida por um conjunto de<br />

centrais sindicais (29 de março).<br />

Há que se levar em conta a grande<br />

quantidade de demiti<strong>do</strong>s no setor priva<strong>do</strong><br />

no arranque da gestão macrista. E<br />

ainda uma repressão policial violenta aos<br />

protestos. A marca Cresta Roja, de frangos<br />

produzi<strong>do</strong>s pelo Grupo Rasic, localizada<br />

na Grande Buenos Aires, anunciou<br />

sua falência em dezembro e passou a ser<br />

administrada pelo consórcio Ovoprot<br />

Internacional. Antes disso, o piquete <strong>do</strong>s<br />

funcionários, que chegam a 5 mil, terminou<br />

em 22 de janeiro com a arremetida de<br />

balas de borracha desferidas pela polícia.<br />

O Grupo 23 de comunicação também<br />

não reservou boas notícias aos funcionários<br />

de seus veículos no encerramento<br />

<strong>do</strong> ano. Diretor de Redação <strong>do</strong> jornal<br />

Tiempo Argentino, Gustavo Cirelli<br />

diz que o diário que aju<strong>do</strong>u a fundar<br />

em 16 de maio de 2010 teve suas atividades<br />

suspensas por determinação de<br />

seus <strong>do</strong>nos em 5 de fevereiro. “O principal<br />

responsável não é o governo federal,<br />

mas os empresários que o levaram<br />

a essa situação. O que o governo federal<br />

está fazen<strong>do</strong> com o jornal é mais ou<br />

menos exemplificar o que acontece com<br />

um periódico de características <strong>do</strong> campo<br />

popular, que é o que representamos.<br />

Por isso, não há nenhum sinal de que o<br />

Esta<strong>do</strong> vai estar <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res”,<br />

define o jornalista.<br />

O que passou com o Conectar Igualdade<br />

também acontece de forma muito<br />

semelhante com o Tiempo. Os 170 trabalha<strong>do</strong>res<br />

que ficaram desemprega<strong>do</strong>s<br />

acumulam dívidas desde dezembro, além<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 29


AMÉRICA LATINA<br />

de parte <strong>do</strong> 13º salário. E mesmo com a<br />

blindagem de informação feita pelos<br />

grandes meios de comunicação, os protestos<br />

e batalhas judiciais com apoio sindical<br />

estão de pé. “O conflito foi se aprofundan<strong>do</strong><br />

com a mesma intensidade em<br />

que se tornava desespera<strong>do</strong>ra a situação”,<br />

relata Cirelli, para quem ainda existe alguma<br />

margem de negociação com o Ministério<br />

<strong>do</strong> Trabalho.<br />

Aos 46 anos, com um par de experiências<br />

no ramo, Cirelli acha estranha a venda<br />

<strong>do</strong> Grupo 23 para um empresário tão<br />

PARCERIA MÍDIA/JUDICIÁRIO<br />

Sabbatella: os meios de comunicação<br />

sob o modelo da concentração cumprem<br />

papel essencial na blindagem das medidas<br />

impopulares <strong>do</strong> Executivo e têm outro<br />

alia<strong>do</strong>. “Usam também o ´parti<strong>do</strong> judicial´”<br />

desconheci<strong>do</strong> e que ainda não apareceu<br />

para dizer a que veio. Ele lamenta a situação<br />

vivida pela maioria <strong>do</strong>s colegas, alguns<br />

já sem condições, por exemplo, de<br />

pagar o aluguel. “O que me <strong>do</strong>mina to<strong>do</strong>s<br />

os dias é a angústia e a raiva. Por ver<br />

a mim nesta situação, mas, sobretu<strong>do</strong>, a<br />

SANTIAGO VIVACQUA/NUEVO ENCUENTRO<br />

meus companheiros, não poden<strong>do</strong> viver<br />

dignamente como fruto <strong>do</strong> seu trabalho,<br />

como deve ser”, desabafa o portenho.<br />

Ele conta que o jornal produziu reportagens<br />

significativas para a agenda pública<br />

nacional, entre as quais uma investigação<br />

sobre os laços entre o então candidato<br />

Maurício Macri, e seu primeiro nome para<br />

deputa<strong>do</strong> federal, Fernan<strong>do</strong> Niembro.<br />

Laços tão vis entre os setores público e<br />

priva<strong>do</strong> que fizeram Niembro abdicar<br />

de sua candidatura. Houve ainda reportagem<br />

de fôlego sobre os negócios com<br />

papel-jornal, que envolvia grandes corporações<br />

midiáticas e suas relações com<br />

governos militares.<br />

Cirelli diz que to<strong>do</strong>s os trabalha<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />

jornal têm uma história de militância, seja<br />

em organizações de direitos humanos, seja<br />

em movimentos sindicais ou político-partidários.<br />

Ele mesmo reserva muitas críticas<br />

ao governo kirchnerista, mas faz questão<br />

de ressaltar: “O que houve foi um governo<br />

de enfrentamento com o poder real na Argentina.<br />

E o poder real não é o poder político,<br />

são os grupos concentra<strong>do</strong>s, transnacionais,<br />

os grandes exporta<strong>do</strong>res”.<br />

O peronismo em sua faceta kirchnerista<br />

continua esperançoso, de acor<strong>do</strong> com<br />

Martín Sabbatella. “Como qualquer força<br />

política que perdeu as eleições, voltamos<br />

a nos organizar, a nos reunir com quem<br />

foi empodera<strong>do</strong> por Cristina, a receber<br />

os que querem se organizar. Vamos disputar<br />

as próximas eleições”, conclui, enquanto<br />

segue em uma sequência de encontros<br />

pelo país.<br />

Uma nova força à direita<br />

Víctor De Gennaro e Martín Sabbatella a<strong>do</strong>tam análise<br />

semelhante ao se referirem ao cenário político-partidário na<br />

Argentina contemporânea e que tem Maurício Macri como seu<br />

mais novo representante.<br />

O fim <strong>do</strong> bipartidarismo que se deu em várias nações latinoamericanas<br />

em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s anos após 2001 se deu de mo<strong>do</strong><br />

diferente na Argentina, relaciona De Gennaro. “Enquanto o<br />

bipartidarismo foi supera<strong>do</strong> por forças de centro-esquerda em<br />

países como <strong>Brasil</strong>, Uruguai, Venezuela e Bolívia, PJ (Parti<strong>do</strong><br />

Justicialista) e UCR (União Cívica Radical) foram supera<strong>do</strong>s muitos<br />

anos depois e por uma força política de direita, que é a Proposta<br />

Republicana (PRO)”.<br />

Sabbatella recorda que “a direita já esteve presente na<br />

Argentina e marcou o rumo <strong>do</strong> país em determina<strong>do</strong>s momentos<br />

históricos, assim como na região sul-americana como um to<strong>do</strong>”.<br />

A diferença, diz ele, “é que a direita atual é atendida por seus<br />

próprios <strong>do</strong>nos, que formaram um parti<strong>do</strong>”.<br />

Em décadas anteriores, como a de 1970, quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> terrorismo<br />

de Esta<strong>do</strong>, e a de 1990, a direita assumia a condução <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

por meio de um “parti<strong>do</strong> militar” ou por meio da “colonização de<br />

parti<strong>do</strong>s populares”, a exemplo de Carlos Menem, originalmente<br />

<strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Justicialista ou Peronista, e Fernan<strong>do</strong> De la Rúa,<br />

advin<strong>do</strong> da UCR. A conformação dessa força à direita é uma<br />

novidade política importante, alerta Sabbatella. No entanto, ele<br />

acrescenta que se deve levar em conta que detém “o mesmo<br />

pensamento, a mesma lógica, a mesma voracidade, os mesmos<br />

interesses econômicos”.<br />

A coalizão de parti<strong>do</strong>s que levou Macri à prefeitura de Buenos<br />

Aires em 2007, com mandato até 2015, é a mesma que passou a<br />

se chamar PRO e o levou à Casa Rosada.<br />

30 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


EMIR SADER<br />

A onda conserva<strong>do</strong>ra<br />

de Trump e de Moro<br />

Ela não tolera mais o convívio democrático e tem como característica<br />

o ódio e a agressividade. A democracia era boa quan<strong>do</strong> a direita<br />

ganhava. Quan<strong>do</strong> passou a perder, começou a apelar<br />

Não há dúvida de que há uma nova<br />

onda conserva<strong>do</strong>ra no mun<strong>do</strong>. A<br />

profunda e prolongada crise econômica<br />

europeia, produto <strong>do</strong> fracasso<br />

das políticas neoliberais de austeridade,<br />

não tem ti<strong>do</strong> como regra respostas por parte<br />

da esquerda – <strong>do</strong>s seus parti<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>s sindicatos –,<br />

mas tem fortaleci<strong>do</strong> a extrema-direita. Um fenômeno<br />

que afeta a França há décadas e que agora chega<br />

com força também à Alemanha, depois de percorrer<br />

já grande parte <strong>do</strong>s países da Europa.<br />

O tema da imigração resume o egoísmo dessa nova<br />

direita, encastelada nos muros da sociedade que construiu<br />

na base <strong>do</strong> colonialismo e <strong>do</strong> imperialismo, protegen<strong>do</strong>-se<br />

<strong>do</strong>s “novos bárbaros” que chegam da miséria<br />

que ela produziu na África e das guerras que ela<br />

produz no Oriente Médio. A mentalidade de cidadela<br />

da civilização sitiada pelos bárbaros produz uma nova<br />

extrema-direita, que encontra amplos setores, especialmente<br />

de classe média, dispostos a apoiá-la nas<br />

suas políticas xenófobas, discriminatórias, racistas.<br />

O sucesso da campanha de Donald Trump nos Esta<strong>do</strong>s<br />

Uni<strong>do</strong>s corresponde a um fenômeno similar.<br />

Não é à toa que Trump tem nos mexicanos, nos imigrantes<br />

em geral, nos muçulmanos, a pedra de toque<br />

de sua ideologia, que convoca os sentimentos mais<br />

conserva<strong>do</strong>res da classe média <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> “EUA<br />

profun<strong>do</strong>”. Construção de muros, expulsões, proibição<br />

de ingresso – tu<strong>do</strong> vai na mesma direção <strong>do</strong><br />

egoísmo que atribui a culpa da crise, provocada pela<br />

economia que eles mesmos semearam ali e no mun<strong>do</strong>,<br />

às suas vítimas. Pode não triunfar, mas demonstra<br />

que há um cal<strong>do</strong> de cultivo enorme no próprio<br />

centro <strong>do</strong> sistema para uma nova direita ainda mais<br />

extremista. Corresponde ao que Richard Nixon denominou,<br />

ainda nos anos 1960, de a “maioria silenciosa”,<br />

os norte-americanos <strong>do</strong> país profun<strong>do</strong>, conserva<strong>do</strong>res<br />

na sua alma.<br />

Por aqui, a direita não tolera mais o convívio na<br />

democracia. Nem no <strong>Brasil</strong>, nem na Argentina, nem<br />

no Equa<strong>do</strong>r, nem na Venezuela, nem na Bolívia. Pelos<br />

meios de comunicação disseminam ódio, mediante<br />

campanhas de desqualificação pessoal <strong>do</strong>s seus dirigentes,<br />

na impossibilidade de discutir alternativas e<br />

comparar governos. A direita atual tem como característica<br />

nova o ódio, a agressividade, a discriminação<br />

aberta, as manifestações de rua em que exibem lemas<br />

de ofensas abertas aos dirigentes políticos da esquerda.<br />

São amplos setores da classe média desespera<strong>do</strong>s<br />

porque passaram a perder eleições. A democracia era<br />

boa quan<strong>do</strong> a direita ganhava. Quan<strong>do</strong> passou a perder,<br />

começou a apelar para a violência, verbal e física.<br />

Hoje estão dispostas a lançar-se a um novo golpe,<br />

que pode assumir a forma <strong>do</strong> impeachment ou de<br />

alguma forma de parlamentarismo que, na prática,<br />

tire o poder da Dilma. Pergunta<strong>do</strong>s sobre o que querem,<br />

qual a via de solução para os problemas <strong>do</strong> país,<br />

só sabem responder: um país sem o PT. Não podem<br />

especificar as políticas que colocariam em prática<br />

caso controlassem de novo o governo, por uma via<br />

ou por outra, porque são as velhas e derrotadas fórmulas<br />

<strong>do</strong> neoliberalismo.<br />

Do ponto de vista <strong>do</strong> marketing, decisivo nas campanhas<br />

eleitorais, trata-se de buscar candidatos que<br />

se digam nem de direita nem de esquerda, que denunciem<br />

os políticos como corruptos, que se digam<br />

cansa<strong>do</strong>s da polarização entre PT e tucanos, que falem<br />

generalidades. Marina ou Moro se candidatam a<br />

esse papel, mas têm dificuldades. Ela já se queimou,<br />

especialmente com os jovens, aos quais frustrou depois<br />

de se apresentar como renovação.<br />

Moro, da mesma forma que Joaquim Barbosa, surfa<br />

na onda das campanhas da mídia de priorização <strong>do</strong><br />

tema da corrupção como o central no país. Não tem<br />

mais nada a dizer. JB não se arriscou ao teste das urnas.<br />

Moro dificilmente vai tentar. Salvo se conseguir proscrever<br />

da política o Lula, pode se candidatar a “salva<strong>do</strong>r<br />

da pátria”, ainda assim completamente blinda<strong>do</strong><br />

pela mídia e pela repressão da esquerda e <strong>do</strong>s movimentos<br />

populares. Muito difícil também para ele.<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 31


AMBIENTE<br />

Com temperatura 1,35 grau Celsius acima da média<br />

<strong>do</strong>s últimos 136 anos, fevereiro foi o mês mais<br />

quente da história. Ou, pelo menos, desde 1880,<br />

quan<strong>do</strong> começaram a ser feitas as medições globais<br />

de temperatura. Tórri<strong>do</strong> no Hemisfério Sul,<br />

fevereiro desbancou aquele que até então era o mês mais quente:<br />

justamente o anterior, janeiro. Para os climatologistas <strong>do</strong><br />

Instituto Goddard de Estu<strong>do</strong>s Espaciais da Nasa, autores da<br />

medição e da análise científica que a acompanha, tu<strong>do</strong> indica<br />

que 2016 será o ano mais quente da história, superan<strong>do</strong>... 2015.<br />

Segun<strong>do</strong> a agência espacial <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, novos recordes<br />

de temperatura são espera<strong>do</strong>s para julho e agosto, no verão<br />

<strong>do</strong> Hemisfério Norte.<br />

Impulsionadas nos últimos <strong>do</strong>is anos por forte aquecimento<br />

das águas na superfície <strong>do</strong> Oceano Pacífico – fenômeno conheci<strong>do</strong><br />

como “El Niño” –, as quebras sucessivas de recordes<br />

e o aumento considerável em relação à média histórica são indica<strong>do</strong>res<br />

de que o planeta se aquece de forma acelerada. Mais<br />

<strong>do</strong> que isso, as altas temperaturas, segun<strong>do</strong> os especialistas da<br />

Nasa, trazem embutidas uma má notícia: a permanecer esse<br />

ritmo, será impossível manter o aquecimento da Terra no limite<br />

de 1,5 grau Celsius, meta defendida como ideal pela maioria<br />

das nações durante a 21ª Conferência das Partes da Convenção<br />

sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-21), realizada em<br />

dezembro em Paris.<br />

“Corremos sério risco de não cumprir o acor<strong>do</strong> celebra<strong>do</strong> na<br />

COP-21”, constata o secretário-executivo <strong>do</strong> Observatório <strong>do</strong> Clima,<br />

Carlos Rittl, em referência ao <strong>do</strong>cumento final aprova<strong>do</strong> pela<br />

maioria <strong>do</strong>s 195 países presentes ao encontro de cúpula na capital<br />

francesa. Considera<strong>do</strong> a base para um “pós-Kyoto”, o acor<strong>do</strong><br />

destravou a negociação climática internacional, paralisada havia<br />

quase uma década, e será ratifica<strong>do</strong> agora em abril, em cerimônia<br />

a se realizar na sede da Organização das Nações Unidas (ONU),<br />

em Nova York. Sua aplicação prática terá início em 2020.<br />

O <strong>do</strong>cumento final da COP-21 estabelece o objetivo de não<br />

permitir que o aumento da temperatura média <strong>do</strong> planeta ul-<br />

32 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


AMBIENTE<br />

PIXABAY<br />

No modelo<br />

econômico<br />

o planeta<br />

FERVE<br />

Apesar da euforia com a<br />

adesão da maioria <strong>do</strong>s países<br />

à COP-21, acor<strong>do</strong> <strong>do</strong> clima já<br />

nasce ameaça<strong>do</strong> por depender<br />

excessivamente <strong>do</strong> bom<br />

comportamento de Esta<strong>do</strong>s<br />

Uni<strong>do</strong>s e China<br />

Por Maurício Thuswohl<br />

trapasse os 2 graus Celsius até 2050. As nações signatárias também<br />

se comprometem a tentar limitar este aumento a 1,5 grau,<br />

meta considerada “quase impossível” na análise divulgada pela<br />

Nasa. Para conseguir honrar as ousadas metas estabelecidas em<br />

Paris, os países têm de tornar realidade alguns planos nacionais<br />

de ação contra as mudanças climáticas que, em muitos casos,<br />

ainda nem saíram <strong>do</strong> papel. Às vésperas de sua ratificação, o<br />

Acor<strong>do</strong> de Paris permanece frágil, sobretu<strong>do</strong> pela posição de<br />

incerteza interna vivida por alguns <strong>do</strong>s principais atores das<br />

negociações climáticas globais.<br />

Obama e os republicanos<br />

Nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, país que jamais ratificou o antigo Protocolo<br />

de Kyoto, mas que, na gestão de Barack Obama, ensaiou um<br />

retorno em força às discussões climáticas no âmbito da ONU, a<br />

Suprema Corte suspendeu – por cinco votos a quatro – o Plano<br />

de Energia Limpa que havia si<strong>do</strong> anuncia<strong>do</strong> pelo governo<br />

em agosto <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. Por estabelecer metas concretas para a<br />

redução da emissão de gases de efeito estufa pelo setor elétrico,<br />

o plano chegou a ser apresenta<strong>do</strong> em Paris como a principal<br />

ação norte-americana no combate ao aquecimento global. Mas<br />

não resistiu à oposição interna liderada pelos esta<strong>do</strong>s produtores<br />

de petróleo e carvão governa<strong>do</strong>s pelo Parti<strong>do</strong> Republicano,<br />

como Texas e Virgínia.<br />

A decisão <strong>do</strong>s juízes revelou o quão difícil será para Obama<br />

vencer a oposição republicana, que também é maioria no<br />

parlamento, e pôr em prática as pretendidas ações de enfrentamento<br />

às mudanças climáticas. O caso ainda será analisa<strong>do</strong><br />

por uma corte de apelações, em sessão marcada para junho, e<br />

a estratégia <strong>do</strong> governo para tentar reverter a decisão será citar<br />

deliberações anteriores da Suprema Corte que reconhecem<br />

o impacto <strong>do</strong>s gases de efeito estufa sobre a saúde pública <strong>do</strong><br />

país. “O aquecimento global já afeta o meio ambiente e o bem-<br />

-estar <strong>do</strong>s americanos, e é hoje um <strong>do</strong>s principais desafios para<br />

os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s”, disse o procura<strong>do</strong>r-geral, Donald Verrilli,<br />

à agência de notícias Reuters.<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 33


AMBIENTE<br />

Apresenta<strong>do</strong> em Paris, o Plano de Energia Limpa elabora<strong>do</strong><br />

pela Agência de Proteção Ambiental <strong>do</strong> governo norte-americano<br />

traz o compromisso de reduzir as emissões <strong>do</strong> país em<br />

32% até 2030, toman<strong>do</strong> como base os índices registra<strong>do</strong>s em<br />

2005. Sua apresentação serviu como grande estímulo para que<br />

se chegasse a um acor<strong>do</strong> na COP-21, já que o setor energético<br />

fortemente basea<strong>do</strong> nas termelétricas a carvão é responsável<br />

por um terço das emissões no país. Se a suspensão <strong>do</strong> plano<br />

for confirmada, isso representará um sério revés para as pretensões<br />

de a<strong>do</strong>ção de um “pós-Kyoto” pelos países signatários<br />

<strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> de Paris.<br />

Um eventual recuo da maior potência econômica <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />

deverá comprometer também o financiamento <strong>do</strong> Fun<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

Clima, mecanismo cria<strong>do</strong> na COP-16 (em Cancún, no México,<br />

em 2010) com o objetivo de garantir recursos para que os países<br />

mais pobres possam realizar ações de mitigação e enfrentamento<br />

das mudanças climáticas. Apesar da ideia inicial de <strong>do</strong>tar o<br />

fun<strong>do</strong> com US$ 100 bilhões por ano desde 2011, este ainda se<br />

encontra estagna<strong>do</strong> e descapitaliza<strong>do</strong>.<br />

Na COP-21, o secretário de Esta<strong>do</strong>, John Kerry, anunciou<br />

compromisso de <strong>do</strong>brar os aportes de recursos ao Fun<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

Clima. Aí, também, um recuo teria efeitos catastróficos. “É importante<br />

que os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s continuem no barco, ao la<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s outros países. Ao oferecer mais dinheiro e mostrar mais<br />

flexibilidade em sua posição, o país deu o tom e definiu os termos<br />

<strong>do</strong> acor<strong>do</strong> firma<strong>do</strong> em Paris”, diz a ambientalista brasileira<br />

Iara Pietricovsky, que é dirigente <strong>do</strong> Instituto de Estu<strong>do</strong>s Socioeconômicos<br />

(Inesc) e esteve presente na conferência realizada<br />

na França.<br />

Dragão sustentável<br />

País que nos últimos 15 anos viveu acelera<strong>do</strong> crescimento<br />

econômico basea<strong>do</strong> na queima de combustíveis fósseis e tomou<br />

<strong>do</strong>s norte-americanos a liderança <strong>do</strong> ranking <strong>do</strong>s que mais emi-<br />

34 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


AMBIENTE<br />

Às vésperas<br />

de sua<br />

ratificação,<br />

o Acor<strong>do</strong><br />

de Paris<br />

permanece<br />

frágil,<br />

sobretu<strong>do</strong><br />

pela posição<br />

de incerteza<br />

interna vivida<br />

por alguns<br />

<strong>do</strong>s principais<br />

atores das<br />

negociações<br />

climáticas<br />

globais<br />

tem gases de efeito estufa, a China se comprometeu na COP-21<br />

a reduzir em 65% suas emissões até 2030, ten<strong>do</strong> como base o<br />

ano de 2005. Em Paris, o governo chinês apontou também para<br />

o ano de 2030 como prazo limite para atingir o pico de suas<br />

emissões, mas o grande desafio <strong>do</strong> país agora é antecipar o<br />

cumprimento dessa meta, já que seu crescimento econômico,<br />

sempre em torno <strong>do</strong>s 10% no perío<strong>do</strong> entre 2000 e 2013, desacelerou<br />

nos últimos <strong>do</strong>is anos.<br />

Para evitar repetir nos próximos anos os 10,5 bilhões de toneladas<br />

de CO2 lança<strong>do</strong>s na atmosfera em 2014, o capítulo sobre<br />

energia <strong>do</strong> Plano Quinquenal divulga<strong>do</strong> em março pelo governo<br />

chinês aposta no desenvolvimento de fontes de energia limpa,<br />

como a eólica e a solar. Segun<strong>do</strong> um estu<strong>do</strong> elabora<strong>do</strong> pela<br />

Lon<strong>do</strong>n School of Economics, entre 2010 e 2014 as alternativas<br />

energéticas não fósseis cresceram 73% na China, e a expectativa<br />

<strong>do</strong> governo é que esse crescimento seja ainda maior nos<br />

próximos cinco anos.<br />

PIXABAY<br />

Do êxito <strong>do</strong> plano chinês dependerá também o sucesso <strong>do</strong><br />

Acor<strong>do</strong> de Paris. “Se traduzir em políticas concretas o que está<br />

previsto no plano, a China deixará o papel de vilã <strong>do</strong> clima que<br />

cumpre desde o ano 2000 e poderá tornar-se até mesmo líder <strong>do</strong><br />

combate às mudanças climáticas”, diz o dirigente da seção asiática<br />

<strong>do</strong> Greenpeace, Li Shuo, segun<strong>do</strong> o Observatório <strong>do</strong> Clima.<br />

Para tornar real aquilo que qualifica como uma “revolução<br />

energética”, o Plano Quinquenal <strong>do</strong> governo chinês apresenta as<br />

metas de limitar o consumo de energia <strong>do</strong> país em 5 bilhões de<br />

toneladas de carvão e de reduzir o uso de energia fóssil em 15%<br />

até 2020. Em seus estu<strong>do</strong>s, o governo trabalha com a previsão de<br />

uma taxa de crescimento de 6,5% a 7% ao ano nos próximos cinco<br />

anos. “A China vai honrar os compromissos climáticos que<br />

assumiu em Paris e vai participar ativamente da gestão global<br />

<strong>do</strong> clima”, declarou o primeiro-ministro, Li Keqiang.<br />

Dilma veta<br />

No <strong>Brasil</strong>, a divulgação pelo governo <strong>do</strong> Plano Plurianual<br />

(PPA) para o perío<strong>do</strong> 2016-2019 foi alvo de críticas por<br />

parte de organizações ambientalistas, que acusam o país de<br />

desrespeitar os compromissos assumi<strong>do</strong>s durante a COP-21.<br />

O principal problema, dizem as ONGs, foi o veto integral, feito<br />

pela presidenta Dilma Rousseff, ao item <strong>do</strong> PPA que fala em<br />

“promover o uso de sistemas e tecnologias visan<strong>do</strong> à inserção<br />

de geração de energias renováveis na matriz elétrica brasileira”.<br />

O veto presidencial incluiu todas as metas e ações previstas<br />

para esse setor.<br />

Em Paris, o governo brasileiro se comprometeu em, até 2030,<br />

elevar a 45% a participação das fontes renováveis em sua matriz<br />

energética, incluin<strong>do</strong> aí a opção hidrelétrica. Os vetos ao<br />

PPA, no entanto, não pouparam a meta de aumentar em 13.100<br />

megawatts a capacidade instalada de energia gerada a partir de<br />

fontes limpas. Também foram veta<strong>do</strong>s itens que mencionam o<br />

incentivo ao uso de fontes renováveis por meio da geração distribuída,<br />

no uso de fontes solares fotovoltaicas e na implementação<br />

de projetos volta<strong>do</strong>s ao desenvolvimento de fontes renováveis.<br />

Segun<strong>do</strong> a organização Instituto Socioambiental (ISA),<br />

esses vetos não são condizentes com os compromissos assumi<strong>do</strong>s<br />

pelo <strong>Brasil</strong> no Acor<strong>do</strong> de Paris.<br />

Para a maioria <strong>do</strong>s ambientalistas, apesar <strong>do</strong>s discursos e da<br />

boa vontade demonstrada pelos governantes durante a COP-<br />

21, o combate ao aquecimento global só seria realmente efetivo<br />

se conseguisse transformar o modelo de desenvolvimento<br />

capitalista atual. “Enquanto pensamos se o aumento da temperatura<br />

vai ficar em um grau e meio ou <strong>do</strong>is graus, os mesmos<br />

governantes querem fechar a Rodada de Doha da Organização<br />

Mundial de Comércio (OMC), entre outros acor<strong>do</strong>s comerciais<br />

tenebrosos que se arquitetam no mun<strong>do</strong> e que manterão nosso<br />

planeta aquecen<strong>do</strong>-se aceleradamente. Ao que parece, ninguém<br />

da parte <strong>do</strong>s governos e muito menos das grandes corporações<br />

quer romper com esse modelo hegemônico. Então, discutir se<br />

teremos um aumento de somente um grau e meio ou menor que<br />

<strong>do</strong>is graus parece ridículo para qualquer ser humano comum”,<br />

diz a antropóloga Iara Pietricovsky, <strong>do</strong> Inesc.<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 35


LITERATURA<br />

Thiago de Mello<br />

completa 90 anos<br />

cantan<strong>do</strong> sua<br />

esperança no homem<br />

e a preocupação com<br />

a humanidade<br />

Por Vitor Nuzzi<br />

Saiu da<br />

floresta,<br />

foi até o<br />

mun<strong>do</strong><br />

e voltou<br />

Amadeu Thiago de Mello tinha apenas 16 anos<br />

quan<strong>do</strong> deixou o Amazonas e embarcou em um<br />

navio para o Rio de Janeiro. Na então capital federal<br />

– era 1942 –, cursava Medicina e tinha a<br />

dúvida comum aos jovens sobre o rumo a tomar<br />

na vida. Um amigo de outro amigo conseguiu o telefone <strong>do</strong><br />

poeta Carlos Drummond de Andrade, funcionário <strong>do</strong> Serviço<br />

<strong>do</strong> Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (futuro Iphan,<br />

instituto), no Ministério da Educação. E deu-se o encontro entre<br />

<strong>do</strong>is poetas, presente e futuro.<br />

Em depoimento para Pollyana Furta<strong>do</strong> Lima, para uma dis-<br />

36 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


LITERATURA<br />

ALBERTO CÉSAR ARAÚJO/FOLHAPRESS<br />

SAUDADES<br />

DE CASA<br />

Quan<strong>do</strong><br />

voltou ao<br />

<strong>Brasil</strong>, depois<br />

<strong>do</strong> exílio<br />

na Europa,<br />

Thiago<br />

argumentou<br />

que não<br />

queria<br />

aprender só<br />

com livros<br />

e jornais,<br />

mas “com<br />

as águas, os<br />

verdes, as<br />

estrelas, o<br />

chão onde<br />

nasci”<br />

mesmo ele, escritor já conheci<strong>do</strong>, vivia<br />

<strong>do</strong>s ganhos como servi<strong>do</strong>r público.<br />

Thiago ouviu, deixou alguns poemas e<br />

foi embora. Dois dias depois, retornou e<br />

escutou o veredito. “Você não tem remédio,<br />

nasceu com a tara”, disse Drummond ,<br />

recomendan<strong>do</strong> que ele levasse os textos<br />

para serem publica<strong>do</strong>s no Correio da Manhã.<br />

Começava a surgir o poeta Thiago<br />

de Mello, 90 anos completa<strong>do</strong>s em 30 de<br />

março. Dele, Manuel Bandeira escreveu<br />

se tratar de “um <strong>do</strong>s grandes da sua geração<br />

e de qualquer geração”.<br />

Lirismo<br />

Em texto para uma antologia publicada<br />

em 2009, o professor Marcos Frederico<br />

Aleixo observa que, no início, Thiago<br />

de Mello mostra preocupações existenciais,<br />

e em sua primeira obra “expressa o<br />

que fizera em vida, quan<strong>do</strong> aban<strong>do</strong>nou<br />

no quinto ano um curso de Medicina<br />

(sempre promissor em termos financeiros)<br />

para se dedicar ao lirismo”. No livro<br />

A Lenda da Rosa, de 1956, diz o professor,<br />

“já se prenuncia a transição para a<br />

vereda definitiva que trilharia, de preocupações<br />

sociais”. E Faz Escuro Mas Eu<br />

Canto, de 1965, que “marcaria sua adesão<br />

definitiva à poesia social”. Ele observa<br />

que não se trata, nessa situação específica,<br />

de fazer prosa em versos. “Mas de<br />

manter-se no fio da navalha da<br />

linguagem literária: fazer poesia<br />

política, sem deixar de fazer, antes de<br />

tu<strong>do</strong>, Poesia.”<br />

A sua obra mais conhecida, Os Estatutos<br />

<strong>do</strong> Homem, foi escrita pouco tempo depois<br />

<strong>do</strong> golpe de 1964. Em resposta, ele<br />

recebeu uma carta de rompimento de<br />

Bandeira. Outro amigo, o poeta chileno<br />

Pablo Neruda, chegou a recomendar<br />

que ele a devolvesse ao amigo – à época,<br />

Thiago de Mello era adi<strong>do</strong> cultural no<br />

Chile. Segun<strong>do</strong> ele revelou em 2013 ao<br />

jornal Folha de S. Paulo, já em 1965, de<br />

volta ao <strong>Brasil</strong>, visitou Manuel Bandeira,<br />

que recitou o Poema perto <strong>do</strong> Fim, de<br />

Thiago, e, em um abraço, sussurrou para<br />

“esquecer” aquela carta.<br />

O poema foi uma reação <strong>do</strong> poeta às<br />

primeiras notícias <strong>do</strong> arbítrio vindas <strong>do</strong><br />

<strong>Brasil</strong>. Thiago tambem renunciou ao posto<br />

de adi<strong>do</strong>. Os Estatutos ganharam vida<br />

própria ao longo <strong>do</strong>s anos. Em março último,<br />

a obra foi relida na Biblioteca Mário<br />

de Andrade, em São Paulo, durante<br />

uma homenagem ao poeta. Com direito<br />

a um encontro com estudantes, que lembraram<br />

das ocupações de escolas no final<br />

<strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>, contra um projeto de reestruturação<br />

escolar <strong>do</strong> governo paulista.<br />

Na história<br />

A presidenta da União <strong>Brasil</strong>eira<br />

<strong>do</strong>s Estudantes Secundaristas (Ubes),<br />

sertação de mestra<strong>do</strong> na Universidade<br />

Federal <strong>do</strong> Amazonas (Ufam), em 2012,<br />

o próprio Thiago conta que Drummond,<br />

ao saber de sua origem, “quis saber da<br />

minha infância, da floresta, as águas, os<br />

rios, de meus pais”. Quan<strong>do</strong> o jovem contou<br />

que pretendia largar o curso para se<br />

dedicar à literatura, ouviu: “Não faça isso,<br />

pelo amor de Deus, pois ninguém vive<br />

de literatura no <strong>Brasil</strong>. Faça seus versos,<br />

mas não largue a Medicina”. E contou que<br />

O NASCIMENTO<br />

DE UM POETA<br />

Por recomendação<br />

de Carlos Drummond<br />

de Andrade, Thiago<br />

de Mello levou seus<br />

textos para serem<br />

publica<strong>do</strong>s no<br />

Correio da Manhã<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 37


LITERATURA<br />

FOTOS EVERTON AMARO/FUNDAÇÃO MAURÍCIO GRABOIS<br />

Camila Lanes, estava lá. Ficou feliz com<br />

o encontro entre a jovem de 19 anos e o<br />

poeta de 90, “muito consciente e simpático”.<br />

Ela conta que já conhecia um pouco<br />

da obra de Thiago na escola e por amigos<br />

que gostam de poesia. No primeiro ano<br />

<strong>do</strong> ensino médio, fez um trabalho com<br />

base no poema Faz Escuro Mas eu Canto.<br />

“Thiago de Mello conviveu com uma<br />

parte muito grande da história <strong>do</strong> país”,<br />

diz Camila. Para ela, o atual momento<br />

politico, conturba<strong>do</strong>, ajuda a refletir sobre<br />

o papel de cada pessoa como cidadão.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, acrescenta, Thiago é<br />

referência, “por sua militância, na poesia<br />

e na vida”.<br />

Em sua dissertação, Pollyana Furta<strong>do</strong><br />

Lima destaca o fato de Thiago de Mello<br />

não ter permaneci<strong>do</strong> em seu esta<strong>do</strong> de<br />

origem. “Sem esse deslocamento geográfico<br />

e as estratégias a<strong>do</strong>tadas pelo escritor,<br />

seria pouco provável a repercussão<br />

de sua obra. Da mesma forma, a atividade<br />

diplomática no Chile e na Bolívia, as<br />

perseguições políticas no perío<strong>do</strong> militar,<br />

o refúgio nos países da América Latina<br />

segui<strong>do</strong> de exílio na Europa, foram<br />

acontecimentos de sua vida que tiveram<br />

efeito sobre a sua visão de mun<strong>do</strong>, a sua<br />

criação literária e, sobretu<strong>do</strong>, a circulação<br />

de sua obra em países considera<strong>do</strong>s centros<br />

literários mundiais, como a França<br />

e a Alemanha.”<br />

E se porventura a dermos<br />

ao mun<strong>do</strong>, tal como a flor<br />

que se oferta – humilde luz –,<br />

teremos então cumpri<strong>do</strong><br />

a missão que é dada ao poeta.<br />

E como são onda e mar,<br />

seremos homem e palavra.<br />

(Silêncio e Palavra, 1951)<br />

Em 1951, aos 25 anos, Thiago lançou<br />

o seu primeiro livro, Silêncio e Palavra.<br />

O mais recente, e segun<strong>do</strong> ele o último,<br />

é de 2015: Ajuste de Contas. Entre um e<br />

outro, duas dezenas de obras. Desde a poética<br />

engajada de Faz Escuro Mas Eu Canto<br />

(1965) e Poesia Comprometida com a<br />

Minha e a Tua Vida (1975), há publicações<br />

sobre o escritor argentino Jorge Luis<br />

Borges e até sobre uma paixão de infância,<br />

Arte e Ciência de Empinar Papagaio.<br />

Faz Escuro Mas eu Canto é também o<br />

nome de um show, dirigi<strong>do</strong> por Flávio<br />

Rangel, em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s anos 1970, com<br />

Thiago declaman<strong>do</strong> e Sérgio Ricar<strong>do</strong><br />

cantan<strong>do</strong>. Estreou no Teatro Opinião,<br />

no Rio de Janeiro, e correu o país. Eles<br />

conseguiram liberar o espetáculo, mas a<br />

censura vetou parte <strong>do</strong>s textos.<br />

“Foi um momento heróico da nossa vida”,<br />

lembra Sérgio Ricar<strong>do</strong>, que inicialmente<br />

procurou, além de Thiago, o também<br />

poeta Ferreira Gullar, que acabou<br />

não entran<strong>do</strong> no projeto. “Foi um convívio<br />

maravilhoso, sem nenhum atrito,<br />

um trabalho meio épico. Cada lugar que<br />

a gente passava, deixava uma marca.” Segun<strong>do</strong><br />

ele, mesmo obras censuradas acabavam<br />

entran<strong>do</strong> no roteiro. “Em alguns<br />

lugares a gente driblava, fazia mesmo o<br />

que estava proibi<strong>do</strong>. Era uma contravenção<br />

total”, diz, rin<strong>do</strong>.<br />

Para o cantor, compositor, cineasta e<br />

artista plástico, aquele foi, talvez, o show<br />

mais importante de sua vida. “Não era<br />

entretenimento, era guerrilha mesmo.<br />

Uma guerrilha cultural. Éramos <strong>do</strong>is pagãos<br />

pelo <strong>Brasil</strong>”, afirma, consideran<strong>do</strong><br />

Thiago um grande artista de palco. “Ele<br />

declaman<strong>do</strong> os poemas é uma coisa arrepiante”,<br />

diz Sérgio Ricar<strong>do</strong>.<br />

38 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


LITERATURA<br />

Texto e engajamento<br />

Filho e neto de escritores, e vice-presidente<br />

da União <strong>Brasil</strong>eira de Escritores<br />

(UBE), Ricar<strong>do</strong> Ramos Filho destaca<br />

tanto a qualidade <strong>do</strong> texto como o engajamento<br />

de Thiago, que conheceu pessoalmente<br />

durante a Feira Literária Internacional<br />

de Paraty (Flip), em 2013,<br />

quan<strong>do</strong> Graciliano Ramos foi homenagea<strong>do</strong>.<br />

“Acho bacana um escritor, poeta,<br />

que tenha engajamento político, desde<br />

que esse engajamento se faça via obra,<br />

pelo texto.”<br />

Ricar<strong>do</strong> vê paralelos entre as obras de<br />

Graciliano e Thiago, embora acredite<br />

que o escritor alagoano fosse mais conti<strong>do</strong><br />

em termos de comportamento. “Se<br />

você lê um livro como São Bernar<strong>do</strong> e<br />

pega uma figura como Paulo Honório<br />

(protagonista da obra), está toda a crítica<br />

<strong>do</strong> fazendeiro, de como ele trata o<br />

emprega<strong>do</strong>”, observa.<br />

Ambos enfrentaram problemas com a<br />

ditadura – Graciliano com a <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

Novo e Thiago com a instalada a partir<br />

de 1964. Eles chegaram a se conhecer, trabalhan<strong>do</strong><br />

no Correio da Manhã. Nasci<strong>do</strong><br />

em 1892, Graciliano chamava Thiago, de<br />

UNINDO<br />

GERAÇÕES<br />

Imagens da<br />

celebração<br />

<strong>do</strong>s 90 anos<br />

<strong>do</strong> poeta,<br />

organizada<br />

em março<br />

pela Fundação<br />

Maurício<br />

Grabois. Na<br />

primeira,<br />

cantan<strong>do</strong> com<br />

um de seus<br />

filhos, Thiago<br />

Thiago. Na<br />

segunda, a<br />

homenagem<br />

<strong>do</strong>s estudantes<br />

1926, de “menino”. “Na hora <strong>do</strong> almoço,<br />

ele dizia: vamos, menino, tomar um conhaque<br />

lá embaixo”, conta Ricar<strong>do</strong>, que<br />

é da terceira geração de sua família a conhecer<br />

o poeta amazonense. Aos 62 anos,<br />

agora ele é que é chama<strong>do</strong> de “menino”.<br />

Madrugada camponesa.<br />

Faz escuro (já nem tanto),<br />

vale a pena trabalhar.<br />

Faz escuro mas eu canto<br />

porque a manhã vai chegar.<br />

(Madrugada Camponesa, 1965)<br />

Thiago de Mello saiu <strong>do</strong> Chile após<br />

o golpe que derrubou Salva<strong>do</strong>r Allende,<br />

em 1973. Passou uma temporada na<br />

Europa e voltou ao <strong>Brasil</strong> antes da anistia,<br />

em 1978. E surpreendeu ao decidir que<br />

iria morar não em um grande centro, mas<br />

na floresta, de onde não saiu mais.<br />

Ele conta, em entrevista ao Movimento<br />

Humanos Direitos (MHuD), em 2009,<br />

que antecipou a volta porque achou que<br />

estava fican<strong>do</strong> <strong>do</strong>i<strong>do</strong>. “Atravessava a ponte<br />

sobre o rio Reno, entre Maiz e Wiesbaden<br />

(cidade onde Dostoiévski escreveu<br />

O Joga<strong>do</strong>r) e sentia cheiro de pirarucu.<br />

Cheiro de pimenta-murupi. Sentia falta<br />

da fala, <strong>do</strong> canto, <strong>do</strong> jeito de viver de minha<br />

gente.”<br />

Amigos discordaram da decisão, mas<br />

Thiago argumentou que não queria<br />

aprender só com livros e jornais, mas<br />

“com as águas, os verdes, as estrelas, o<br />

chão onde nasci”. Assim mora o poeta,<br />

na sua Barreirinha natal, a 300 quilômetros<br />

de Manaus e à beira <strong>do</strong> Rio<br />

Andirá.<br />

Sei porque canto: se raspas o fun<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> poço antigo de sua esperança,<br />

acharás restos de água que apodrece.<br />

É preciso fazer alguma coisa,<br />

livrá-lo dessa sedução voraz<br />

da engrenagem organizada e fria<br />

que nos devora a to<strong>do</strong>s a ternura,<br />

a alegria de dar e receber<br />

o gosto de ser gente e de viver.<br />

(É preciso fazer alguma coisa, 1974)<br />

Foi lá que, como conta, aprendeu a<br />

nadar antes de andar. Aos 9 anos, o avô<br />

Gaudêncio escreveu a ele uma carta, para<br />

que o menino estudasse “com vontade”,<br />

para se tornar um homem de bem.<br />

“Estudar, estu<strong>do</strong> até hoje, cada dia mais.<br />

Ser um homem de bem é que não é fácil,<br />

dá um trabalho dana<strong>do</strong>, neste mun<strong>do</strong> de<br />

maldade e ilusão, como o Caymmi canta”,<br />

disse Thiago ao MHuD, citan<strong>do</strong> Saudade<br />

da Bahia, de Dorival Caymmi.<br />

Também naquela entrevista, Thiago falava<br />

da importância da ética no cotidiano.<br />

“De uns para os outros. Na vida de cada<br />

pessoa. No viver e sobretu<strong>do</strong> no conviver.<br />

E, de maneira corajosa, na ação <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s<br />

homens públicos, os que têm nas<br />

mãos e na cabeça o destino.”<br />

Da eternidade venho. Dela faço<br />

parte, desde o começo da vida<br />

<strong>do</strong>s que me fizeram ser<br />

até chegar ao que sou.<br />

Transporto com a minha vida<br />

a eternidade no tempo.<br />

Menino deslumbra<strong>do</strong> com as águas,<br />

os ventos, as palmeiras, as estrelas,<br />

prolonguei sem saber a eternidade<br />

que neste instante navega<br />

no meu sangue fatiga<strong>do</strong>.<br />

(Eternidade, 1993)<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 39


VIAGEM<br />

Visita ao<br />

mun<strong>do</strong> maia<br />

Viagem pela região que se estende pelo<br />

sul <strong>do</strong> México e outros países mostra a<br />

complexidade da organização social e a<br />

originalidade da cultura<br />

Por Flavio Aguiar<br />

O<br />

“mun<strong>do</strong> maia” se estende pelo sul <strong>do</strong> México,<br />

Guatemala, Honduras, El Salva<strong>do</strong>r e Belize. No<br />

México, cobriu as três províncias daquela península<br />

(Campeche, Yucatán e Quintana Roo), mais<br />

as de Tabasco e Chiapas. Mas quem quiser visitá-<br />

-lo deve começar, curiosamente, fora dele: pelo Museu Nacional<br />

de Antropologia, na Cidade <strong>do</strong> México, a capital <strong>do</strong> país.<br />

Neste excelente museu, o visitante se depara com a extraordinária<br />

complexidade e diversidade <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> indígena mexicano,<br />

pré e pós-conquista espanhola. E também pode constatar<br />

a originalidade da cultura maia, uma das mais diversificadas<br />

dentre um conjunto de culturas e sociedade extremamente<br />

complexas. Ao mesmo tempo, dá para perceber certos traços<br />

comuns à maioria destas sociedades e culturas. Eram extremamente<br />

estratificadas, verticalizadas, na maioria das vezes militaristas<br />

e autoritárias.<br />

Estes traços ajudam a entender, primeiro, o desenvolvimento<br />

da arquitetura nestas sociedades, que servia para demarcar<br />

as distâncias e as funções sociais de mo<strong>do</strong> ao mesmo tempo<br />

grandioso e rígi<strong>do</strong>, com destaques para os templos religiosos,<br />

40 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


VIAGEM<br />

PÉROLA<br />

Ruínas de<br />

Labná, umas<br />

das mais belas<br />

cidades maias e<br />

uma das menos<br />

visitadas por<br />

multidões de<br />

turistas<br />

RICHARD A COOKE III/GETTY IMAGES<br />

e ao cabo, acabaram todas <strong>do</strong>minadas. Mas uma das que mais<br />

demorou a cair foi a civilização <strong>do</strong>s maias, embora, quan<strong>do</strong> da<br />

conquista <strong>do</strong> México, eles já estivessem longe de seu apogeu.<br />

Yucatán<br />

Depois da capital mexicana, fomos à Península de Yucatán,<br />

junto ao Caribe. A península é dividida em três esta<strong>do</strong>s: Yucatán,<br />

Campeche e Quintana Roo (nome de um <strong>do</strong>s próceres da<br />

independência mexicana). Limita ainda com a Guatemala, ao<br />

sul, e com Belize, a leste.<br />

Quintana Roo, que fica mais a leste, tem uma hora de diferença<br />

– a mais – <strong>do</strong> que a capital mexicana. Está no mesmo horário<br />

que o esta<strong>do</strong> brasileiro <strong>do</strong> Acre e o extremo oeste <strong>do</strong> Amazonas.<br />

A península é o espaço central <strong>do</strong> “mun<strong>do</strong> maia”. Até não faz<br />

muito, os maias eram descritos em livros de história como os<br />

protagonistas de um mun<strong>do</strong> nebuloso e desconheci<strong>do</strong> – e “desapareci<strong>do</strong>”.<br />

Esta imagem se deve ao fato de que, fundadas a partir<br />

de 1000 a.C., as cidades maias atingiram seu apogeu no chama<strong>do</strong><br />

“perío<strong>do</strong> clássico”, entre 250 e 900 d.C., entran<strong>do</strong> em declínio<br />

posteriormente – mas sem desaparecer completamente.<br />

As causas desse declínio são obscuras. Tradicionalmente se<br />

atribui o declínio parcial da civilização a fatores climáticos. Com<br />

sua agricultura intensiva, os maias contribuíram para o desflorestamento<br />

parcial de suas terras, com diminuição consequente<br />

das chuvas. As terras da península, sobretu<strong>do</strong>, são arenosas,<br />

o clima subtropical é muito quente, e apesar da existência de<br />

água <strong>do</strong>ce em abundância no subsolo – que aparecem em bolsões<br />

chama<strong>do</strong>s de “cenotes”, maravilhosos para banhos – os perío<strong>do</strong>s<br />

de seca podem ser extensos e prolonga<strong>do</strong>s.<br />

Mas estu<strong>do</strong>s mais recentes apontam também causas sociais.<br />

Como em outras civilizações <strong>do</strong> atual México, o mun<strong>do</strong> maia<br />

também era extremamente hierarquiza<strong>do</strong> e profuso em sacrifícios<br />

humanos e outras religiosidades extremadas.<br />

Por exemplo, os maias tinham um curioso jogo de bola, ainda<br />

hoje pratica<strong>do</strong> em manifestações folclóricas. A bola era muito<br />

dura, e só podia ser impulsionada com os quadris, ou com as<br />

SOFISTICAÇÃO<br />

Esculturas em<br />

Temoaya<br />

prédios administrativos e residências da aristocracia e <strong>do</strong>s reis.<br />

Em segun<strong>do</strong> lugar, ajudam a entender por que estes mun<strong>do</strong>s,<br />

sem exceção, desmoronaram muito rapidamente diante<br />

<strong>do</strong> relativamente pequeno número (pelo menos de início) de<br />

conquista<strong>do</strong>res europeus. Estes, além de dispor de um armamento<br />

muito superior e mais agressivo <strong>do</strong> que os indígenas,<br />

souberam valer-se das rivalidades e disputas entre os vários<br />

povos autóctones.<br />

Invariavelmente, tribos menos poderosas aliaram-se a eles<br />

para se livrar da sua <strong>do</strong>minação pelas mais poderosas. Ao fim<br />

FOTOS PIXABAY<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 41


VIAGEM<br />

GRANDIOSA<br />

Teotihuacán<br />

viveu revoltas<br />

sociais,<br />

agravadas<br />

pelas secas<br />

prolongadas<br />

juntas <strong>do</strong> corpo, os cotovelos e os joelhos. Duas equipes disputavam<br />

o jogo, cujos pontos eram marca<strong>do</strong>s fazen<strong>do</strong> a bola passar<br />

pela “linha de fun<strong>do</strong>” de um <strong>do</strong>s times, ou por rodas de pedras<br />

perfuradas no centro e colocadas no alto de colunas ou presa às<br />

paredes <strong>do</strong>s “estádios”. No final <strong>do</strong> jogo, o capitão <strong>do</strong> time vence<strong>do</strong>r<br />

era decapita<strong>do</strong> – o que era considera<strong>do</strong> “uma honra”…<br />

Esta hierarquização levou – como em outras regiões <strong>do</strong> atual<br />

México, entre as quais a de Teotihuacán é um exemplo – a<br />

revoltas sociais que se agravaram com as secas prolongadas.<br />

A conquista<br />

Mas os maias ainda existiam como uma sociedade autônoma<br />

quan<strong>do</strong> os Conquista<strong>do</strong>res da Espanha chegaram, e, como os<br />

outros povos, tiveram de ser submeti<strong>do</strong>s a ferro, fogo e… religião.<br />

A Conquista foi dura e prolongada, porque os maias se<br />

protegiam nas selvas ainda densas da região e se ocultavam nos<br />

cenotes, onde a água e a pesca eram abundantes.<br />

Existem centenas de ruínas na península, dan<strong>do</strong> conta da<br />

complexidade arquitetônica <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> maia, de sua sofisticação<br />

e de sua riqueza cultural. Eram astrônomos de primeira<br />

grandeza e dispunham da única escrita alfabética <strong>do</strong> continente<br />

americano. Além disso, conheciam o conceito de “zero” desde<br />

muito antes <strong>do</strong>s matemáticos árabes, que foram, inclusive, os<br />

responsáveis por sua introdução na Europa, depois de o herdarem<br />

<strong>do</strong>s hindus e <strong>do</strong>s babilônios.<br />

PRAIA<br />

Tulum fica na<br />

costa <strong>do</strong> mar<br />

azul caribenho,<br />

em Yucatán<br />

As ruínas maias são, em geral, grandiosas, dan<strong>do</strong> conta da<br />

complexidade de sua organização social, de sua estratificação<br />

bastante rígida em matéria de classes sociais e de sua articulação<br />

com o espaço religioso, bem como de sua militarização, como<br />

a <strong>do</strong>s astecas. Têm um encanto especial, por estarem cobertas<br />

ou na vizinhança de florestas algo pujantes ainda.<br />

Visitamos algumas delas: Kabah, com seus a<strong>do</strong>rnos de máscaras<br />

nas paredes; Uxmal, talvez a mais extensa e grandiosa;<br />

Izamal, em cujo centro histórico hoje se confrontam as antigas<br />

FOTOS PIXABAY<br />

42 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


VIAGEM<br />

casas coloniais e uma igreja colossal construída em cima de<br />

um antigo templo com as ruínas das pirâmides que restaram;<br />

também Tulum, cidade tardia no mun<strong>do</strong> maia. Foi fundada no<br />

século 6º da era cristã, era um porto de mar – um <strong>do</strong>s únicos<br />

<strong>do</strong>s maias –, tinha fins comerciais e era também usada como<br />

balneário pelos habitantes de Kabah. Sua área é muito grande.<br />

As construções são mais simples e parecem menos acabadas <strong>do</strong><br />

que as de outras cidades, embora haja vestígios de pinturas e<br />

decorações que devem ter si<strong>do</strong> extremamente ricas.<br />

Outra cidade visitada foi a de Chichen Itzá, igualmente grandiosa<br />

e com o detalhe de sua serpente, no flanco de uma das<br />

pirâmides, que só se deixa ver em determinadas horas <strong>do</strong> dia<br />

durante o tempo <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is equinócios anuais, o de primavera<br />

e o de outono. Conseguimos vê-la, apesar <strong>do</strong> tempo parcialmente<br />

nubla<strong>do</strong>.<br />

Mas – confesso – nenhuma cidade nos encantou tanto quanto<br />

as ruínas de Labná. São lindas, e têm um detalhe importante:<br />

são muito menos visitadas <strong>do</strong> que as outras, onde as multidões<br />

se acotovelam e se empurram nas filas para comprar entradas.<br />

Labná está entregue à floresta, à solidão de um único vigia na entrada,<br />

e às iguanas que povoam suas pedras. Não perca, se puder.<br />

Em Izamal, constatamos também o porquê da fama de “desaparecimento”<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> maia – que, aliás, está mais vivo <strong>do</strong><br />

que nunca, com sua língua ainda praticada por parte da população.<br />

Ali se estabeleceu o padre – depois bispo – Diego de<br />

Landa (1524-1579). Landa tornou-se um tenaz persegui<strong>do</strong>r da<br />

religião maia, depois que descobriu que os índios a praticavam<br />

secretamente mesmo depois de “converti<strong>do</strong>s”. Aplicou indiscriminadamente<br />

diversas formas de tortura.<br />

A mais cruel era a <strong>do</strong> “içamento”, que consistia em pendurar<br />

a vítima com cordas amarradas a seus braços e pesos presos aos<br />

pés, coisa que provocava o desconjuntamento <strong>do</strong>s membros e<br />

que foi, aliás, bastante pratica<strong>do</strong> pelos nazistas no campo de<br />

Dachau, perto de Munique. Além disto, destruiu um número<br />

estima<strong>do</strong> entre 27 e 200 códices escritos com história maia.<br />

Manda<strong>do</strong> de volta para a Espanha devi<strong>do</strong> a seus desman<strong>do</strong>s<br />

considera<strong>do</strong>s excessivos, parece ter-se arrependi<strong>do</strong> <strong>do</strong> que fez<br />

e dedicou-se a escrever uma história da cultura e da língua <strong>do</strong>s<br />

maias, num livro recupera<strong>do</strong> no século 19 e que hoje é considera<strong>do</strong><br />

uma peça fundamental, apesar de suas distorções, para<br />

o entendimento da língua <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> maia.<br />

Em Izamal há um curioso monumento em sua honra, que<br />

diz ter ele si<strong>do</strong> tanto um preserva<strong>do</strong>r da cultural local, quanto<br />

um seu “fanático destrui<strong>do</strong>r”. É o único caso que vi de um<br />

monumento ao mesmo tempo laudatório e contrário ao homenagea<strong>do</strong>…<br />

Os atrativos da capital mexicana<br />

É possível seguir diretamente <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong> ao aeroporto de<br />

Cancún, na Península <strong>do</strong> Yucatán, com escala em Lima, Bogotá<br />

ou Caracas, pelo menos. Mas recomendamos fazer uma esticada<br />

à Cidade <strong>do</strong> México.<br />

Além <strong>do</strong> Museu Nacional de Antropologia, a capital oferece ao<br />

visitante um sem número de atrativos:<br />

O Zócalo, como é chamada a praça central, cujo nome oficial<br />

é Praça da Constituição. Em seu entorno se situam a Catedral,<br />

as ruínas <strong>do</strong> Templo Maior asteca, reminiscência da antiga<br />

Tenochitlán, capital daquela civilização, com seu museu também<br />

extraordinário e o Palácio Nacional, sede <strong>do</strong> governo, que pode<br />

ser visita<strong>do</strong> e exibe murais de Diego Rivera.<br />

Não muito longe dali, está o Palácio de Belas Artes, com o<br />

mural que Diego Rivera projetara inicialmente para o Rockefeller<br />

Center em Nova York. Acusa<strong>do</strong> de fazer propaganda comunista, o<br />

mural foi destruí<strong>do</strong>. Mas Rivera o fizera fotografar antes, e o refez<br />

no Palácio de Belas Artes.<br />

As casas de Frida Kahlo e de Leon Trotski, muito perto uma da<br />

outra. Exibem belos acervos da artista e <strong>do</strong> líder revolucionário,<br />

além de preciosas coleções de fotografias. Não muito longe fica o<br />

museu dedica<strong>do</strong> a Diego Rivera.<br />

Vale a pena, pelo menos, fazer uma excursão a Teotihuacán,<br />

imponente conjunto de ruínas a 50 quilômetros da capital. De<br />

preferencia, vá de manhã, e na volta dê uma passada na antiga<br />

Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, que está rachada ao meio,<br />

com cada um <strong>do</strong>s la<strong>do</strong>s adernan<strong>do</strong> em direção diferente.<br />

Relatos assusta<strong>do</strong>res sobre criminalidade, assaltos etc.<br />

chegarão aos ouvi<strong>do</strong>s <strong>do</strong> visitante. Mantenha cuida<strong>do</strong>, mas não<br />

fique paranoico. Mantenha sua bolsa à frente <strong>do</strong> corpo, não<br />

pegue táxis avulsos nas ruas, saia só com o dinheiro ou cartões<br />

indispensáveis, não faça exibição desnecessária de câmeras,<br />

AQUILES CARATTINO/FLICKR/CC<br />

Zócalo, praça<br />

central da<br />

cidade <strong>do</strong><br />

México<br />

ande com uma cópia xerox <strong>do</strong> passaporte e algum outro<br />

<strong>do</strong>cumento de identidade (lojas podem pedir isto, caso se use um<br />

cartão). Pergunte sempre se há entradas “para maiores” (i<strong>do</strong>sos,<br />

mais de 60 anos) nos museus, se for o seu caso.<br />

Atenção, sim, com a poluição, que é bastante forte, pois a<br />

cidade fica em um vale. E se for fazer comida em casa, lembre-se<br />

que a Cidade <strong>do</strong> México está a 2.400 metros de altitude: a água<br />

ferve a 92, em vez de 100 graus, e tu<strong>do</strong> leva um pouco mais de<br />

tempo para cozinhar...<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 43


CIDADANIA<br />

ILUSTRAÇÃO JÚNIOR CARAMEZ<br />

Além de<br />

divertir,<br />

literatura<br />

infantil e<br />

infanto-juvenil<br />

pode ajudar<br />

a promover a<br />

diversidade e<br />

o respeito<br />

Por Xandra Stefanel<br />

LER<br />

44 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL<br />

para entender<br />

e conviver


CIDADANIA<br />

Era uma vez... uma princesa<br />

que nasceu príncipe.<br />

Em outro reino,<br />

uma princesa se<br />

apaixona pela costureira<br />

que faria seu vesti<strong>do</strong><br />

de casamento. A Princesa e<br />

a Costureira e Joana Princesa,<br />

da escritora e psicóloga<br />

Janaína Leslão, trazem a<br />

mesma magia que permeia<br />

os contos de fada. A diferença<br />

é que suas histórias abarcam<br />

uma diversidade muito maior<br />

de personagens: uma princesa<br />

transgênero que tem uma irmã<br />

com deficiência física, outra princesa<br />

negra que cai de amores por uma costureira<br />

ruiva. Em comum, os <strong>do</strong>is livros trazem<br />

as aventuras de pessoas que se amam, querem<br />

viver o amor de forma plena e livre, com o bom<br />

e velho final “E viveram felizes para sempre”.<br />

Não são muitos os livros infantis e infanto-juvenis<br />

que representam a diversidade social em<br />

suas narrativas, nem que busquem, além de entreter,<br />

ensinar as mais diversas questões ligadas<br />

à cidadania: o respeito ao próximo, o combate ao<br />

preconceito, o consumo consciente. Mesmo que<br />

ainda seja uma pequena parcela <strong>do</strong> que se encontra<br />

nas prateleiras das livrarias, há um número<br />

crescente de obras que abordam essas temáticas.<br />

Um exemplo são os livros <strong>do</strong> selo Boitatá, da<br />

Editora Boitempo, cria<strong>do</strong> no final de 2015 com o objetivo de<br />

apresentar temas de interesse social e de cidadania para crianças.<br />

Até agora, o selo lançou quatro obras: A Democracia Pode<br />

Ser Assim, A Ditadura É Assim, As Mulheres e os Homens e<br />

O que São Classes Sociais? Para os próximos meses, devem ser<br />

lança<strong>do</strong>s livros que abordarão a prática <strong>do</strong> bullying, o respeito<br />

às diferenças e à diversidade e sobre deficiência física.<br />

Para a editora da Boitatá, Thaisa Burani, é importante que não<br />

apenas a literatura, mas todas atividades infantis contribuam para<br />

formar um imaginário tolerante e cidadão. “Se<br />

o indivíduo não possui nem acredita em valores<br />

cidadãos (respeito ao próximo, tolerância, cidadania,<br />

justiça social, direitos humanos), de muito<br />

pouco adianta o discurso ou a ideologia, por mais<br />

bem intenciona<strong>do</strong>s que sejam. E a experiência da<br />

infância, o ato de ser criança, é onde mais podemos<br />

explorar e enriquecer nosso imaginário. Livros, filmes<br />

e brincadeiras, além de nos entreter, exercitam<br />

justamente isso: a forma como vemos, compreendemos<br />

e participamos no mun<strong>do</strong>. É por isso que<br />

uma heroína mulher é importante, é por isso que<br />

protagonistas negros são importantes, é por isso<br />

que falar de diversidade amorosa e<br />

de arranjos familiares diversos é<br />

importante, porque tu<strong>do</strong> isso se<br />

soma e também forma o imaginário.<br />

Se uma criança cresce<br />

entenden<strong>do</strong> que tu<strong>do</strong> isso é<br />

‘normal’, que to<strong>do</strong>s são iguais<br />

e merecem respeito, ela naturalmente<br />

será mais tolerante<br />

e cidadã”, opina.<br />

Identificação<br />

Em 2007, a psicóloga Janaína<br />

Leslão trabalhava questões<br />

ligadas à sexualidade, gênero e<br />

prevenção de <strong>do</strong>enças sexualmente<br />

transmissíveis (DST) e aids com um<br />

grupo de a<strong>do</strong>lescentes. Uma das atividades<br />

que eles deveriam realizar no final <strong>do</strong> ano<br />

era montar esquetes baseadas em histórias conhecidas,<br />

com uma roupagem atual e que abordasse<br />

as questões discutidas. “O referencial de final feliz<br />

que eles tinham ainda era o <strong>do</strong>s contos de fadas.<br />

Quan<strong>do</strong> conversávamos sobre questões de sexualidade<br />

e gênero de pessoas trans ou <strong>do</strong> amor entre<br />

<strong>do</strong>is homens ou duas mulheres, não tinham nenhum<br />

referencial na literatura, muito menos nos<br />

contos de fadas. Só pelo noticiário de jornal, que<br />

mostra uma lâmpada na cara, uma travesti esfaqueada.<br />

Isso me despertou a vontade de escrever.<br />

Fui pesquisar e não tinha nada nesse gênero de literatura,<br />

com essas temáticas trabalhadas em uma<br />

linguagem mais leve e acessível”, lembra.<br />

Foi assim que nasceu seu primeiro livro, A Princesa e a<br />

Costureira, escrito em 2009 e publica<strong>do</strong> em 2015 pela Metanoia<br />

Editora. “Ele vendeu bem, superou nossas expectativas,<br />

tanto que estamos in<strong>do</strong> para uma segunda edição e vamos lançar<br />

em e-book também. Muitas pessoas, especialmente jovens<br />

adultos, me procuram e dizem: ‘Nossa, que maravilha! Queria<br />

tanto ter li<strong>do</strong> isso quan<strong>do</strong> eu era a<strong>do</strong>lescente. Acho que não<br />

teria passa<strong>do</strong> por tanto conflito’. Ou então: ‘Eu me senti representada,<br />

nunca tinha visto uma princesa negra e<br />

ainda por cima lésbica, como eu’. As pessoas me<br />

dizem que os contos de fadas com os quais to<strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> sonhava, nunca puderam representá-las.<br />

Então, a ideia principal era incluir pessoas que não<br />

estavam nas narrativas originais”, afirma a autora,<br />

que em maio deve lançar seu segun<strong>do</strong> livro, Joana<br />

Princesa.<br />

Para a pedagoga Daniela Auad, professora de<br />

Sociologia da Educação na Universidade Federal<br />

de Juiz de Fora, livros como os de Janaína fazem<br />

com que as crianças vindas de lares homoparentais<br />

se sintam representadas. “Os livros infantis, infan-<br />

ILUSTRAÇÃO FREEKJE VELD<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 45


CIDADANIA<br />

to-juvenis e outras produções na televisão e no teatro mostram<br />

para crianças casais compostos por alguém <strong>do</strong> sexo feminino e<br />

alguém <strong>do</strong> sexo masculino: um homem e uma mulher, um menino<br />

e uma menina, um cachorrinho e uma cachorrinha… Mas<br />

não se tem usualmente casais compostos por pessoas <strong>do</strong> mesmo<br />

sexo. Esta falta de representação pode fazer com que as crianças<br />

que estão em um lar homoparental e, eventualmente crianças e<br />

a<strong>do</strong>lescentes que se percebam ten<strong>do</strong> desejo por pessoas <strong>do</strong> mesmo<br />

sexo, não se sintam representadas”, diz Daniela, responsável<br />

pelo prefácio da segunda edição de A Princesa e a Costureira.<br />

Olívia Tem Dois Papais (Cia. das Letrinhas), da escritora<br />

Márcia Leite, conta a história de uma menininha muito esperta<br />

que tem uma família um pouco diferente e totalmente encanta<strong>do</strong>ra:<br />

seu pai Raul ama brincar de filhinho e mamãe e quan<strong>do</strong><br />

ela se diz desfalecen<strong>do</strong> (ela a<strong>do</strong>ra esta palavra!) de fome, seu pai<br />

Luís vai para a cozinha e prepara deliciosas refeições. A autora<br />

afirma que a constituição desta narrativa não se deu por meio<br />

<strong>do</strong> tema (a família homoafetiva), mas sim de uma escolha que<br />

potencializa o campo de atuação da personagem principal. “A<br />

família homoparental é um tipo de família<br />

e ponto final. Se aceitamos que as famílias<br />

podem ter diferentes composições, o natural<br />

é explorar também nas narrativas as relações<br />

afetivas (ou a ausência delas) que as<br />

estruturam ou desestruturam, que estabilizam<br />

ou desestabilizam essa organização<br />

familiar. No caso da família da Olívia, o que tentei evidenciar<br />

foram situações de rotina, cuida<strong>do</strong> e amorosidade recíproca entre<br />

pais e filha, independentemente de sua composição.”<br />

Neste caso, os questionamentos da personagem principal estão<br />

mais liga<strong>do</strong>s às questões de gênero. “Procurei fazer com que<br />

Olívia fizesse perguntas e tivesse dúvidas pertinentes à idade e<br />

ao meio social em que vive sobre questões de gênero e não sobre<br />

questões de orientação sexual. Olívia deixa claro que se surpreende<br />

por um homem saber cozinhar, pentear a filha e cuidar<br />

tão bem dela. Esse é um questionamento de gênero e não<br />

de orientação sexual. Olívia não questiona porque os pais se<br />

amam, ou estão juntos, ou porque não tem uma mãe. Perguntas<br />

ILUSTRAÇÃO JOAN NEGRESCOLOR<br />

ILUSTRAÇÃO TALINE SCHUBACH<br />

46 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


CIDADANIA<br />

que também acontecem entre famílias<br />

heteroparentais, mas que quase<br />

sempre reforçam a noção de gênero<br />

<strong>do</strong>minante (menina faz isso, menino<br />

faz aquilo)”, afirma Márcia, também<br />

autora de Do Jeito que a Gente É (Editora<br />

Ática), em que um <strong>do</strong>s protagonistas<br />

é um menino gay.<br />

Consumo consciente<br />

Além de gênero e sexualidade,<br />

também há livros infantis e infanto-<br />

-juvenis que abordam questões ligadas<br />

ao consumo e promovem, por<br />

exemplo, reflexões sobre a finitude<br />

<strong>do</strong>s recursos naturais, como é o caso<br />

de Eu Produzo Menos Lixo (Cortez<br />

Editora). Nele, a bióloga Cristina<br />

Santos faz um alerta ecológico para<br />

as crianças e contextualiza as mudanças<br />

que os hábitos de consumo<br />

modernos trouxeram para a sociedade.<br />

“Essas questões são contemporâneas e fazem<br />

parte de um grande problema mundial.<br />

Tentar apresentar esses assuntos numa<br />

linguagem que pudesse ser facilmente<br />

compreendida pelo público infanto-juvenil<br />

e que estimulasse o leitor a refletir sobre<br />

a sua maneira de consumir foram as grandes motivações para a<br />

preparação desse livro. Além disso, as ilustrações muito criativas<br />

de Freekje Veld foram fundamentais para apresentar o assunto<br />

de maneira mais descontraída, deixar o livro atraente, além de<br />

auxiliar na tarefa da compreensão de um tema considera<strong>do</strong> tão<br />

importante nos dias atuais”, diz a autora.<br />

Com Bicicleta Amarela, previsto para ser lança<strong>do</strong> em abril,<br />

o designer recifense Igor Colares trata de forma lúdica sobre a<br />

importância da bicicleta para a mobilidade urbana. Em 2012, o<br />

autor lançou Bezerro Escritor, sobre o consumo <strong>do</strong> leite a partir<br />

<strong>do</strong> ponto de vista de Bombom, um bezerro desmama<strong>do</strong> que<br />

apresenta como o processo de industrialização atinge de forma<br />

cruel as vacas e seus filhotes.<br />

O que motivou Igor a escrever as duas histórias é fazer com<br />

que as crianças veganas (que não consomem alimentos deriva<strong>do</strong>s<br />

de animais) e que os filhos de ciclistas<br />

e cicloativistas se sentissem representa<strong>do</strong>s<br />

na literatura. “Minha ideia não era<br />

convencer as pessoas a passarem a andar<br />

de bicicleta ou deixar de tomar leite. O que<br />

eu queria com os <strong>do</strong>is livros é que a galera<br />

que anda de bicicleta e a galera que<br />

não toma leite se identificassem. Para eles,<br />

é muito raro encontrar conteú<strong>do</strong> em quase<br />

qualquer lugar, e na literatura infantil não<br />

é diferente. É como se as pessoas que estão<br />

engajadas nesses movimentos fossem<br />

meio alienígenas para o senso comum.<br />

A minha ideia era criar conteú<strong>do</strong> com<br />

o qual eles se identificassem”, enfatiza.<br />

A professora universitária Bárbara<br />

Eduarda Nóbrega Bastos, de 36 anos,<br />

leu a história de Bombom para o filho.<br />

“Sou vegana e queria um livro que me<br />

ajudasse a passar pro meu filho a realidade<br />

<strong>do</strong>s animais explora<strong>do</strong>s para produção<br />

de alimentos numa linguagem adequada<br />

para a idade dele. Existem poucas<br />

publicações com essa temática, então o<br />

livro de Igor foi muito bem-vin<strong>do</strong>. Considero<br />

muito importante para a formação<br />

cidadã que as crianças conheçam os<br />

problemas da sociedade e entendam seu<br />

papel no combate a essas questões. Acredito<br />

que os temas devem ser apresenta<strong>do</strong>s<br />

de acor<strong>do</strong> com a idade, pois o objetivo<br />

não é deixar a criança assustada ou<br />

triste, então, deve-se levar em conta o que ela está preparada para<br />

aprender”, opina a mãe de Mateus Bastos Barretos, de 6 anos.<br />

ILUSTRAÇÃO BETO FRANÇA<br />

Entreter, ensinar, conscientizar<br />

Estes são alguns exemplos de como a literatura também pode<br />

contribuir com a construção de um mun<strong>do</strong> melhor, mais<br />

tolerante, com menos ódio e mais respeito às pessoas e suas<br />

diferentes formas de viver. Thaisa Burani, <strong>do</strong> Boitatá, acredita<br />

que há muito a ser feito para a publicação de mais livros volta<strong>do</strong>s<br />

para os pequenos cidadãos. “O merca<strong>do</strong> se verga muito<br />

facilmente a qualquer coisa que dê retorno financeiro alto e<br />

imediato – basta ver as gôn<strong>do</strong>las das livrarias abarrotadas de<br />

bobagens com personagens de grandes franquias da animação”,<br />

diz. “Mas não podemos negar toda a riqueza da história da literatura<br />

infanto-juvenil brasileira. Há mais de três décadas já<br />

tínhamos, por exemplo, uma Ana Maria Macha<strong>do</strong> enaltecen<strong>do</strong><br />

a beleza das meninas negras, ou mesmo um Pedro Bandeira e<br />

seu tão incisivo e politiza<strong>do</strong> É Proibi<strong>do</strong> Miar, sem contar a vasta<br />

obra de Tatiana Belinky, com todas as experimentações de<br />

linguagem e o caldeirão cultural que ela oferecia.”<br />

“Ler um livro sobre uma menina que tem <strong>do</strong>is pais ou duas<br />

mães, ou um pai apenas, ou nenhum <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is, apenas amplia a<br />

condição de percepção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, de si e<br />

<strong>do</strong> outro. Acredito que a literatura que fala/toca<br />

em temas considera<strong>do</strong>s difíceis (não<br />

apenas sobre a homoafetividade) provoca<br />

espaços de conversa e de reflexão que acabam<br />

atuan<strong>do</strong> como um acolchoa<strong>do</strong> simbólico<br />

para a compreensão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e de si<br />

mesmo junto aos pequenos e grandes leitores.<br />

Na minha opinião, isso ajuda os leitores<br />

a serem melhores pessoas e melhores cidadãos”,<br />

resume a escritora Márcia Leite.<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 47


curtaessadica<br />

pelas<br />

Por Xandra Stefanel<br />

Preços, horários e duração de temporadas são informa<strong>do</strong>s pelos responsáveis<br />

obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar<br />

Cultura nas ruas<br />

Em 2015, 58 iniciativas coletivas e individuais se espalharam pela<br />

cidade de São Paulo com o intuito de fortalecer o direito à cidade,<br />

à inclusão digital, à cidadania e à ocupação <strong>do</strong> espaço público pela<br />

cultura. O programa Redes e Ruas, realiza<strong>do</strong> por meio de uma<br />

parceria entre as secretarias municipais de Cultura, de Serviços e de<br />

Direitos Humanos, promoveu atividades e intervenções nas áreas de<br />

audiovisual, fotografia, música, fotografia, artes cênicas, jornalismo e<br />

agroecologia, entre outras.<br />

Um <strong>do</strong>s destaques é o espaço virtual cria<strong>do</strong> pelo coletivo Visto<br />

Permanente, que reúne mini<strong>do</strong>cumentários que reivindicam o<br />

pertencimento <strong>do</strong> imigrante à cidade de São Paulo. Os vídeos têm<br />

o objetivo de dar visibilidade ao patrimônio urbano das culturas<br />

imigrantes, com toda sua riqueza e resistência. Os filmes podem<br />

ser assisti<strong>do</strong>s no link bit.ly/coletivovistopermanente. Outro projeto<br />

disponível on-line são as exposições virtuais <strong>do</strong> Museu da Dança:<br />

http://museudadanca.com.br/exposicoes-virtuais.<br />

Em mea<strong>do</strong>s de março, foi lança<strong>do</strong> o livro Redes e Ruas, organiza<strong>do</strong><br />

e produzi<strong>do</strong> por Sampa.org e pelo Coletivo Digital, com relatos das<br />

atividades, depoimentos <strong>do</strong>s grupos participantes e as transformações<br />

proporcionadas pelo programa. A obra está sen<strong>do</strong> distribuída<br />

gratuitamente pela Secretaria de Cultura de São Paulo.<br />

48 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL<br />

WWW.VISTOPERMANENTE.COM<br />

Como viver<br />

no capitalismo<br />

sem dinheiro<br />

No projeto/instalação Como Viver no<br />

Capitalismo Sem Dinheiro, em cartaz até<br />

12 de junho no Museu de Arte <strong>do</strong> Rio<br />

(MAR), o artista mexicano José Miguel<br />

Casanova convida os visitantes a refletir se<br />

é possível conceber a vida além <strong>do</strong> império<br />

da economia financeira. Ele questiona que<br />

outras formas de produção, de consumo<br />

e de troca podemos considerar possíveis<br />

e desejáveis. Inspira<strong>do</strong> nestas reflexões,<br />

o artista criou o Banco <strong>do</strong>s Irreais,<br />

ferramenta de desenvolvimento de trocas<br />

sociais, práticas de economia solidária e<br />

de cooperação comercial voltadas ao bem<br />

comum. Com visitação de terça a <strong>do</strong>mingo,<br />

das 10h às 17h, a instalação propõe uma<br />

troca de saberes e experiências que abram<br />

alternativas para a vida à margem <strong>do</strong><br />

capital. Na Praça Mauá, 5, centro <strong>do</strong> Rio de<br />

Janeiro. Mais informações: (21) 3031-2741.<br />

R$ 10, R$ 5 (meia) e grátis às terças-feiras.


Drummond e a infância<br />

Vou Crescer Assim Mesmo – Poemas Sobre a Infância (Cia. das<br />

Letrinhas, 64 págs.) presenteia crianças e adultos com poesias<br />

sobre o perío<strong>do</strong> mais mágico da vida das pessoas. Impossível<br />

não se identificar com este livro volta<strong>do</strong> tanto para crianças que<br />

ainda não tiveram contato com a obra <strong>do</strong> grande poeta Carlos<br />

Drummond de Andrade, quanto para aqueles que querem revisitar<br />

a infância por meio de um olhar especial. Um <strong>do</strong>s poemas que<br />

compõem a obra ilustrada por Ale Kalko é Lembrete: “Se procurar<br />

bem, você acaba encontran<strong>do</strong>/ não a explicação (duvi<strong>do</strong>sa) da<br />

vida,/ mas a poesia (inexplicável) da vida”. R$ 30.<br />

ILUSTRAÇÃO ALE KALKO<br />

ROSANA PAULINO. AS FILHAS DE EVA 2<br />

Vulnerabilidades femininas<br />

Silêncio(s) <strong>do</strong> Feminino, em<br />

cartaz até 1° de maio na<br />

Caixa Cultural São Paulo, traz<br />

fotografias, vídeos e desenhos<br />

de cinco artistas brasileiras<br />

sobre temas que envolvem<br />

gênero, identidade e abusos a<br />

que mulheres são submetidas<br />

há séculos. Com cura<strong>do</strong>ria da<br />

artista plástica Sandra Tucci,<br />

a exposição reúne obras<br />

de Cris Bierrenbach, Lia<br />

Chaia, Beth Moyses, Rosana<br />

Paulino e Marcela Tiboni.<br />

Cada uma delas expressa,<br />

com linguagens diferentes,<br />

as vulnerabilidades <strong>do</strong><br />

universo feminino. De terça<br />

a <strong>do</strong>mingo, das 9h às 19h, na<br />

Praça da Sé, 111, centro de<br />

São Paulo, (11) 3321-4400.<br />

Grátis.<br />

Orquídea em<br />

rama<br />

Dezesseis anos<br />

depois de seu<br />

primeiro álbum<br />

solo, Rosa<br />

Fervida em<br />

Mel, Miriam<br />

Maria lança<br />

o brasileiríssimo Rama. Entre<br />

as 11 faixas <strong>do</strong> disco produzi<strong>do</strong><br />

pela baterista Simone Sou, há<br />

composições de Chico César,<br />

Arnal<strong>do</strong> Antunes, Itamar<br />

Assumpção, Paulo Leminski, Zeca<br />

Baleiro, Mauricio Pereira e Kleber<br />

Albuquerque. Uma das cantoras<br />

da banda Orquídeas <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong>, que<br />

acompanhava Itamar Assumpção,<br />

Miriam une sonoridades<br />

tradicionais com muita poesia. O<br />

álbum tem participação especial<br />

de Chico César, André Abujamra e<br />

Danilo Moraes, entre outros. R$ 26.<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 49


ATITUDE<br />

Orgulho de Dalva<br />

JAILTON GARCIA/RBA<br />

Depois de um dia cheio de trabalho, a empregada<br />

<strong>do</strong>méstica Dalvina Borges Ramos, mais conhecida<br />

como <strong>do</strong>na Dalva, chega em casa, senta na sala e<br />

fica observan<strong>do</strong> seu jardim através da parede de vidro.<br />

Aos 74 anos, ela esbanja sorrisos a cada elogio<br />

que ouve sobre sua casa nova, para a qual mu<strong>do</strong>u há quase um<br />

ano, em maio de 2015. Ela mora há mais de 30 anos no mesmo<br />

terreno, na Vila Matilde, zona leste de São Paulo, e nunca imaginou<br />

que as economias que guar<strong>do</strong>u durante toda a vida seriam<br />

suficientes para pagar uma casa tão bonita e ainda por cima vence<strong>do</strong>ra<br />

<strong>do</strong> prêmio internacional de arquitetura ArchDaily Building,<br />

que elege os 14 melhores projetos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

“Eu nem acredito nisso que está acontecen<strong>do</strong>, sabe? Morar<br />

nessa casa é uma felicidade muito grande, é muito gratificante,<br />

muito bom. A casa antiga foi demolida, era velha, com rachadura.<br />

Um dia eu cheguei <strong>do</strong> trabalho, fui tomar banho e escutei<br />

um estouro. Quan<strong>do</strong> eu abri a porta <strong>do</strong> quarto, foi aquele cenário:<br />

o teto tinha desaba<strong>do</strong> em cima da minha cama! Não tinha<br />

mais condições. A gente começou <strong>do</strong> zero”, relembra.<br />

Segun<strong>do</strong> o escritório responsável pelo projeto de baixo custo,<br />

o maior desafio foi a fase inicial da obra. “Foram quatro meses<br />

demolin<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong>samente a casa antiga, ao mesmo tempo<br />

em que se executavam as fundações e arrimos que escoravam<br />

as casas vizinhas, apoiadas em seus muros de divisa”. Com estrutura<br />

e blocos aparentes, a nova morada de <strong>do</strong>na Dalva tem<br />

chama<strong>do</strong> a atenção: “Eu nunca tinha visto uma casa assim. Os<br />

vizinhos também acham diferente”, afirma a empregada <strong>do</strong>méstica<br />

nascida no distrito de Itaquaraí, na cidade de Bruma<strong>do</strong>, interior<br />

da Bahia.<br />

O prêmio deixou Dalva orgulhosa, mas felicidade mesmo é poder<br />

cuidar de seu novo jardim. “Foi o que eu mais gostei. Na casa<br />

antiga, não tinha nenhuma terrinha. Agora eu tenho as minhas<br />

plantas, um grama<strong>do</strong>, uma árvore de pitanga. Quan<strong>do</strong> eu chego <strong>do</strong><br />

trabalho, fico sentada na sala ven<strong>do</strong> as plantas. A casa é toda iluminada,<br />

é toda de vidro. Eu não preciso nem abrir pra ver as plantas.<br />

A chuva cain<strong>do</strong> deixa tu<strong>do</strong> ainda mais bonito...”<br />

Por Xandra Stefanel<br />

50 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL


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conforme matéria publicada em 01/04/2016, de<br />

leitores de portais, acessou a Rede <strong>Brasil</strong> Atual,<br />

ao la<strong>do</strong> de Tico Santa Cruz, Socialista Morena,<br />

Leonar<strong>do</strong> Sakamoto, Duvivier, Boulos e O Tijolaço.<br />

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