LITERATURA Thiago de Mello completa 90 anos cantan<strong>do</strong> sua esperança no homem e a preocupação com a humanidade Por Vitor Nuzzi Saiu da floresta, foi até o mun<strong>do</strong> e voltou Amadeu Thiago de Mello tinha apenas 16 anos quan<strong>do</strong> deixou o Amazonas e embarcou em um navio para o Rio de Janeiro. Na então capital federal – era 1942 –, cursava Medicina e tinha a dúvida comum aos jovens sobre o rumo a tomar na vida. Um amigo de outro amigo conseguiu o telefone <strong>do</strong> poeta Carlos Drummond de Andrade, funcionário <strong>do</strong> Serviço <strong>do</strong> Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (futuro Iphan, instituto), no Ministério da Educação. E deu-se o encontro entre <strong>do</strong>is poetas, presente e futuro. Em depoimento para Pollyana Furta<strong>do</strong> Lima, para uma dis- 36 ABRIL 2016 REVISTA DO BRASIL
LITERATURA ALBERTO CÉSAR ARAÚJO/FOLHAPRESS SAUDADES DE CASA Quan<strong>do</strong> voltou ao <strong>Brasil</strong>, depois <strong>do</strong> exílio na Europa, Thiago argumentou que não queria aprender só com livros e jornais, mas “com as águas, os verdes, as estrelas, o chão onde nasci” mesmo ele, escritor já conheci<strong>do</strong>, vivia <strong>do</strong>s ganhos como servi<strong>do</strong>r público. Thiago ouviu, deixou alguns poemas e foi embora. Dois dias depois, retornou e escutou o veredito. “Você não tem remédio, nasceu com a tara”, disse Drummond , recomendan<strong>do</strong> que ele levasse os textos para serem publica<strong>do</strong>s no Correio da Manhã. Começava a surgir o poeta Thiago de Mello, 90 anos completa<strong>do</strong>s em 30 de março. Dele, Manuel Bandeira escreveu se tratar de “um <strong>do</strong>s grandes da sua geração e de qualquer geração”. Lirismo Em texto para uma antologia publicada em 2009, o professor Marcos Frederico Aleixo observa que, no início, Thiago de Mello mostra preocupações existenciais, e em sua primeira obra “expressa o que fizera em vida, quan<strong>do</strong> aban<strong>do</strong>nou no quinto ano um curso de Medicina (sempre promissor em termos financeiros) para se dedicar ao lirismo”. No livro A Lenda da Rosa, de 1956, diz o professor, “já se prenuncia a transição para a vereda definitiva que trilharia, de preocupações sociais”. E Faz Escuro Mas Eu Canto, de 1965, que “marcaria sua adesão definitiva à poesia social”. Ele observa que não se trata, nessa situação específica, de fazer prosa em versos. “Mas de manter-se no fio da navalha da linguagem literária: fazer poesia política, sem deixar de fazer, antes de tu<strong>do</strong>, Poesia.” A sua obra mais conhecida, Os Estatutos <strong>do</strong> Homem, foi escrita pouco tempo depois <strong>do</strong> golpe de 1964. Em resposta, ele recebeu uma carta de rompimento de Bandeira. Outro amigo, o poeta chileno Pablo Neruda, chegou a recomendar que ele a devolvesse ao amigo – à época, Thiago de Mello era adi<strong>do</strong> cultural no Chile. Segun<strong>do</strong> ele revelou em 2013 ao jornal Folha de S. Paulo, já em 1965, de volta ao <strong>Brasil</strong>, visitou Manuel Bandeira, que recitou o Poema perto <strong>do</strong> Fim, de Thiago, e, em um abraço, sussurrou para “esquecer” aquela carta. O poema foi uma reação <strong>do</strong> poeta às primeiras notícias <strong>do</strong> arbítrio vindas <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong>. Thiago tambem renunciou ao posto de adi<strong>do</strong>. Os Estatutos ganharam vida própria ao longo <strong>do</strong>s anos. Em março último, a obra foi relida na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, durante uma homenagem ao poeta. Com direito a um encontro com estudantes, que lembraram das ocupações de escolas no final <strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>, contra um projeto de reestruturação escolar <strong>do</strong> governo paulista. Na história A presidenta da União <strong>Brasil</strong>eira <strong>do</strong>s Estudantes Secundaristas (Ubes), sertação de mestra<strong>do</strong> na Universidade Federal <strong>do</strong> Amazonas (Ufam), em 2012, o próprio Thiago conta que Drummond, ao saber de sua origem, “quis saber da minha infância, da floresta, as águas, os rios, de meus pais”. Quan<strong>do</strong> o jovem contou que pretendia largar o curso para se dedicar à literatura, ouviu: “Não faça isso, pelo amor de Deus, pois ninguém vive de literatura no <strong>Brasil</strong>. Faça seus versos, mas não largue a Medicina”. E contou que O NASCIMENTO DE UM POETA Por recomendação de Carlos Drummond de Andrade, Thiago de Mello levou seus textos para serem publica<strong>do</strong>s no Correio da Manhã REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 37