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Revista do Brasil #116

revista de política, economia, cultura e ambiente

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LITERATURA<br />

ALBERTO CÉSAR ARAÚJO/FOLHAPRESS<br />

SAUDADES<br />

DE CASA<br />

Quan<strong>do</strong><br />

voltou ao<br />

<strong>Brasil</strong>, depois<br />

<strong>do</strong> exílio<br />

na Europa,<br />

Thiago<br />

argumentou<br />

que não<br />

queria<br />

aprender só<br />

com livros<br />

e jornais,<br />

mas “com<br />

as águas, os<br />

verdes, as<br />

estrelas, o<br />

chão onde<br />

nasci”<br />

mesmo ele, escritor já conheci<strong>do</strong>, vivia<br />

<strong>do</strong>s ganhos como servi<strong>do</strong>r público.<br />

Thiago ouviu, deixou alguns poemas e<br />

foi embora. Dois dias depois, retornou e<br />

escutou o veredito. “Você não tem remédio,<br />

nasceu com a tara”, disse Drummond ,<br />

recomendan<strong>do</strong> que ele levasse os textos<br />

para serem publica<strong>do</strong>s no Correio da Manhã.<br />

Começava a surgir o poeta Thiago<br />

de Mello, 90 anos completa<strong>do</strong>s em 30 de<br />

março. Dele, Manuel Bandeira escreveu<br />

se tratar de “um <strong>do</strong>s grandes da sua geração<br />

e de qualquer geração”.<br />

Lirismo<br />

Em texto para uma antologia publicada<br />

em 2009, o professor Marcos Frederico<br />

Aleixo observa que, no início, Thiago<br />

de Mello mostra preocupações existenciais,<br />

e em sua primeira obra “expressa o<br />

que fizera em vida, quan<strong>do</strong> aban<strong>do</strong>nou<br />

no quinto ano um curso de Medicina<br />

(sempre promissor em termos financeiros)<br />

para se dedicar ao lirismo”. No livro<br />

A Lenda da Rosa, de 1956, diz o professor,<br />

“já se prenuncia a transição para a<br />

vereda definitiva que trilharia, de preocupações<br />

sociais”. E Faz Escuro Mas Eu<br />

Canto, de 1965, que “marcaria sua adesão<br />

definitiva à poesia social”. Ele observa<br />

que não se trata, nessa situação específica,<br />

de fazer prosa em versos. “Mas de<br />

manter-se no fio da navalha da<br />

linguagem literária: fazer poesia<br />

política, sem deixar de fazer, antes de<br />

tu<strong>do</strong>, Poesia.”<br />

A sua obra mais conhecida, Os Estatutos<br />

<strong>do</strong> Homem, foi escrita pouco tempo depois<br />

<strong>do</strong> golpe de 1964. Em resposta, ele<br />

recebeu uma carta de rompimento de<br />

Bandeira. Outro amigo, o poeta chileno<br />

Pablo Neruda, chegou a recomendar<br />

que ele a devolvesse ao amigo – à época,<br />

Thiago de Mello era adi<strong>do</strong> cultural no<br />

Chile. Segun<strong>do</strong> ele revelou em 2013 ao<br />

jornal Folha de S. Paulo, já em 1965, de<br />

volta ao <strong>Brasil</strong>, visitou Manuel Bandeira,<br />

que recitou o Poema perto <strong>do</strong> Fim, de<br />

Thiago, e, em um abraço, sussurrou para<br />

“esquecer” aquela carta.<br />

O poema foi uma reação <strong>do</strong> poeta às<br />

primeiras notícias <strong>do</strong> arbítrio vindas <strong>do</strong><br />

<strong>Brasil</strong>. Thiago tambem renunciou ao posto<br />

de adi<strong>do</strong>. Os Estatutos ganharam vida<br />

própria ao longo <strong>do</strong>s anos. Em março último,<br />

a obra foi relida na Biblioteca Mário<br />

de Andrade, em São Paulo, durante<br />

uma homenagem ao poeta. Com direito<br />

a um encontro com estudantes, que lembraram<br />

das ocupações de escolas no final<br />

<strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong>, contra um projeto de reestruturação<br />

escolar <strong>do</strong> governo paulista.<br />

Na história<br />

A presidenta da União <strong>Brasil</strong>eira<br />

<strong>do</strong>s Estudantes Secundaristas (Ubes),<br />

sertação de mestra<strong>do</strong> na Universidade<br />

Federal <strong>do</strong> Amazonas (Ufam), em 2012,<br />

o próprio Thiago conta que Drummond,<br />

ao saber de sua origem, “quis saber da<br />

minha infância, da floresta, as águas, os<br />

rios, de meus pais”. Quan<strong>do</strong> o jovem contou<br />

que pretendia largar o curso para se<br />

dedicar à literatura, ouviu: “Não faça isso,<br />

pelo amor de Deus, pois ninguém vive<br />

de literatura no <strong>Brasil</strong>. Faça seus versos,<br />

mas não largue a Medicina”. E contou que<br />

O NASCIMENTO<br />

DE UM POETA<br />

Por recomendação<br />

de Carlos Drummond<br />

de Andrade, Thiago<br />

de Mello levou seus<br />

textos para serem<br />

publica<strong>do</strong>s no<br />

Correio da Manhã<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 37

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