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Revista do Brasil #116

revista de política, economia, cultura e ambiente

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EMIR SADER<br />

A onda conserva<strong>do</strong>ra<br />

de Trump e de Moro<br />

Ela não tolera mais o convívio democrático e tem como característica<br />

o ódio e a agressividade. A democracia era boa quan<strong>do</strong> a direita<br />

ganhava. Quan<strong>do</strong> passou a perder, começou a apelar<br />

Não há dúvida de que há uma nova<br />

onda conserva<strong>do</strong>ra no mun<strong>do</strong>. A<br />

profunda e prolongada crise econômica<br />

europeia, produto <strong>do</strong> fracasso<br />

das políticas neoliberais de austeridade,<br />

não tem ti<strong>do</strong> como regra respostas por parte<br />

da esquerda – <strong>do</strong>s seus parti<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>s sindicatos –,<br />

mas tem fortaleci<strong>do</strong> a extrema-direita. Um fenômeno<br />

que afeta a França há décadas e que agora chega<br />

com força também à Alemanha, depois de percorrer<br />

já grande parte <strong>do</strong>s países da Europa.<br />

O tema da imigração resume o egoísmo dessa nova<br />

direita, encastelada nos muros da sociedade que construiu<br />

na base <strong>do</strong> colonialismo e <strong>do</strong> imperialismo, protegen<strong>do</strong>-se<br />

<strong>do</strong>s “novos bárbaros” que chegam da miséria<br />

que ela produziu na África e das guerras que ela<br />

produz no Oriente Médio. A mentalidade de cidadela<br />

da civilização sitiada pelos bárbaros produz uma nova<br />

extrema-direita, que encontra amplos setores, especialmente<br />

de classe média, dispostos a apoiá-la nas<br />

suas políticas xenófobas, discriminatórias, racistas.<br />

O sucesso da campanha de Donald Trump nos Esta<strong>do</strong>s<br />

Uni<strong>do</strong>s corresponde a um fenômeno similar.<br />

Não é à toa que Trump tem nos mexicanos, nos imigrantes<br />

em geral, nos muçulmanos, a pedra de toque<br />

de sua ideologia, que convoca os sentimentos mais<br />

conserva<strong>do</strong>res da classe média <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> “EUA<br />

profun<strong>do</strong>”. Construção de muros, expulsões, proibição<br />

de ingresso – tu<strong>do</strong> vai na mesma direção <strong>do</strong><br />

egoísmo que atribui a culpa da crise, provocada pela<br />

economia que eles mesmos semearam ali e no mun<strong>do</strong>,<br />

às suas vítimas. Pode não triunfar, mas demonstra<br />

que há um cal<strong>do</strong> de cultivo enorme no próprio<br />

centro <strong>do</strong> sistema para uma nova direita ainda mais<br />

extremista. Corresponde ao que Richard Nixon denominou,<br />

ainda nos anos 1960, de a “maioria silenciosa”,<br />

os norte-americanos <strong>do</strong> país profun<strong>do</strong>, conserva<strong>do</strong>res<br />

na sua alma.<br />

Por aqui, a direita não tolera mais o convívio na<br />

democracia. Nem no <strong>Brasil</strong>, nem na Argentina, nem<br />

no Equa<strong>do</strong>r, nem na Venezuela, nem na Bolívia. Pelos<br />

meios de comunicação disseminam ódio, mediante<br />

campanhas de desqualificação pessoal <strong>do</strong>s seus dirigentes,<br />

na impossibilidade de discutir alternativas e<br />

comparar governos. A direita atual tem como característica<br />

nova o ódio, a agressividade, a discriminação<br />

aberta, as manifestações de rua em que exibem lemas<br />

de ofensas abertas aos dirigentes políticos da esquerda.<br />

São amplos setores da classe média desespera<strong>do</strong>s<br />

porque passaram a perder eleições. A democracia era<br />

boa quan<strong>do</strong> a direita ganhava. Quan<strong>do</strong> passou a perder,<br />

começou a apelar para a violência, verbal e física.<br />

Hoje estão dispostas a lançar-se a um novo golpe,<br />

que pode assumir a forma <strong>do</strong> impeachment ou de<br />

alguma forma de parlamentarismo que, na prática,<br />

tire o poder da Dilma. Pergunta<strong>do</strong>s sobre o que querem,<br />

qual a via de solução para os problemas <strong>do</strong> país,<br />

só sabem responder: um país sem o PT. Não podem<br />

especificar as políticas que colocariam em prática<br />

caso controlassem de novo o governo, por uma via<br />

ou por outra, porque são as velhas e derrotadas fórmulas<br />

<strong>do</strong> neoliberalismo.<br />

Do ponto de vista <strong>do</strong> marketing, decisivo nas campanhas<br />

eleitorais, trata-se de buscar candidatos que<br />

se digam nem de direita nem de esquerda, que denunciem<br />

os políticos como corruptos, que se digam<br />

cansa<strong>do</strong>s da polarização entre PT e tucanos, que falem<br />

generalidades. Marina ou Moro se candidatam a<br />

esse papel, mas têm dificuldades. Ela já se queimou,<br />

especialmente com os jovens, aos quais frustrou depois<br />

de se apresentar como renovação.<br />

Moro, da mesma forma que Joaquim Barbosa, surfa<br />

na onda das campanhas da mídia de priorização <strong>do</strong><br />

tema da corrupção como o central no país. Não tem<br />

mais nada a dizer. JB não se arriscou ao teste das urnas.<br />

Moro dificilmente vai tentar. Salvo se conseguir proscrever<br />

da política o Lula, pode se candidatar a “salva<strong>do</strong>r<br />

da pátria”, ainda assim completamente blinda<strong>do</strong><br />

pela mídia e pela repressão da esquerda e <strong>do</strong>s movimentos<br />

populares. Muito difícil também para ele.<br />

REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 31

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