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EMIR SADER<br />
A onda conserva<strong>do</strong>ra<br />
de Trump e de Moro<br />
Ela não tolera mais o convívio democrático e tem como característica<br />
o ódio e a agressividade. A democracia era boa quan<strong>do</strong> a direita<br />
ganhava. Quan<strong>do</strong> passou a perder, começou a apelar<br />
Não há dúvida de que há uma nova<br />
onda conserva<strong>do</strong>ra no mun<strong>do</strong>. A<br />
profunda e prolongada crise econômica<br />
europeia, produto <strong>do</strong> fracasso<br />
das políticas neoliberais de austeridade,<br />
não tem ti<strong>do</strong> como regra respostas por parte<br />
da esquerda – <strong>do</strong>s seus parti<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>s sindicatos –,<br />
mas tem fortaleci<strong>do</strong> a extrema-direita. Um fenômeno<br />
que afeta a França há décadas e que agora chega<br />
com força também à Alemanha, depois de percorrer<br />
já grande parte <strong>do</strong>s países da Europa.<br />
O tema da imigração resume o egoísmo dessa nova<br />
direita, encastelada nos muros da sociedade que construiu<br />
na base <strong>do</strong> colonialismo e <strong>do</strong> imperialismo, protegen<strong>do</strong>-se<br />
<strong>do</strong>s “novos bárbaros” que chegam da miséria<br />
que ela produziu na África e das guerras que ela<br />
produz no Oriente Médio. A mentalidade de cidadela<br />
da civilização sitiada pelos bárbaros produz uma nova<br />
extrema-direita, que encontra amplos setores, especialmente<br />
de classe média, dispostos a apoiá-la nas<br />
suas políticas xenófobas, discriminatórias, racistas.<br />
O sucesso da campanha de Donald Trump nos Esta<strong>do</strong>s<br />
Uni<strong>do</strong>s corresponde a um fenômeno similar.<br />
Não é à toa que Trump tem nos mexicanos, nos imigrantes<br />
em geral, nos muçulmanos, a pedra de toque<br />
de sua ideologia, que convoca os sentimentos mais<br />
conserva<strong>do</strong>res da classe média <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> “EUA<br />
profun<strong>do</strong>”. Construção de muros, expulsões, proibição<br />
de ingresso – tu<strong>do</strong> vai na mesma direção <strong>do</strong><br />
egoísmo que atribui a culpa da crise, provocada pela<br />
economia que eles mesmos semearam ali e no mun<strong>do</strong>,<br />
às suas vítimas. Pode não triunfar, mas demonstra<br />
que há um cal<strong>do</strong> de cultivo enorme no próprio<br />
centro <strong>do</strong> sistema para uma nova direita ainda mais<br />
extremista. Corresponde ao que Richard Nixon denominou,<br />
ainda nos anos 1960, de a “maioria silenciosa”,<br />
os norte-americanos <strong>do</strong> país profun<strong>do</strong>, conserva<strong>do</strong>res<br />
na sua alma.<br />
Por aqui, a direita não tolera mais o convívio na<br />
democracia. Nem no <strong>Brasil</strong>, nem na Argentina, nem<br />
no Equa<strong>do</strong>r, nem na Venezuela, nem na Bolívia. Pelos<br />
meios de comunicação disseminam ódio, mediante<br />
campanhas de desqualificação pessoal <strong>do</strong>s seus dirigentes,<br />
na impossibilidade de discutir alternativas e<br />
comparar governos. A direita atual tem como característica<br />
nova o ódio, a agressividade, a discriminação<br />
aberta, as manifestações de rua em que exibem lemas<br />
de ofensas abertas aos dirigentes políticos da esquerda.<br />
São amplos setores da classe média desespera<strong>do</strong>s<br />
porque passaram a perder eleições. A democracia era<br />
boa quan<strong>do</strong> a direita ganhava. Quan<strong>do</strong> passou a perder,<br />
começou a apelar para a violência, verbal e física.<br />
Hoje estão dispostas a lançar-se a um novo golpe,<br />
que pode assumir a forma <strong>do</strong> impeachment ou de<br />
alguma forma de parlamentarismo que, na prática,<br />
tire o poder da Dilma. Pergunta<strong>do</strong>s sobre o que querem,<br />
qual a via de solução para os problemas <strong>do</strong> país,<br />
só sabem responder: um país sem o PT. Não podem<br />
especificar as políticas que colocariam em prática<br />
caso controlassem de novo o governo, por uma via<br />
ou por outra, porque são as velhas e derrotadas fórmulas<br />
<strong>do</strong> neoliberalismo.<br />
Do ponto de vista <strong>do</strong> marketing, decisivo nas campanhas<br />
eleitorais, trata-se de buscar candidatos que<br />
se digam nem de direita nem de esquerda, que denunciem<br />
os políticos como corruptos, que se digam<br />
cansa<strong>do</strong>s da polarização entre PT e tucanos, que falem<br />
generalidades. Marina ou Moro se candidatam a<br />
esse papel, mas têm dificuldades. Ela já se queimou,<br />
especialmente com os jovens, aos quais frustrou depois<br />
de se apresentar como renovação.<br />
Moro, da mesma forma que Joaquim Barbosa, surfa<br />
na onda das campanhas da mídia de priorização <strong>do</strong><br />
tema da corrupção como o central no país. Não tem<br />
mais nada a dizer. JB não se arriscou ao teste das urnas.<br />
Moro dificilmente vai tentar. Salvo se conseguir proscrever<br />
da política o Lula, pode se candidatar a “salva<strong>do</strong>r<br />
da pátria”, ainda assim completamente blinda<strong>do</strong><br />
pela mídia e pela repressão da esquerda e <strong>do</strong>s movimentos<br />
populares. Muito difícil também para ele.<br />
REVISTA DO BRASIL ABRIL 2016 31