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O samba serpenteia com o Escravos a Mauá

Caroline Couto investiga como o bloco carnavalesco Escravos da Mauá tornou-se um fenômeno que chegou a atrair 20 mil pessoas em seus desfiles e mais de 2 mil nas rodas de samba às sextas-feiras no Largo de São Francisco da Prainha. A autora analisa a relação do bloco e de seus integrantes com a região Portuária do Rio de Janeiro, antes conhecida por sua degradação e história. Seguindo as pistas das pedras pisadas do cais, o Escravos foi crescendo ao invocar o passado da região, reinventando a tradição e reafirmando uma ideia de cidade que passa pelo encontro e afeto. Caroline segue a mesma trilha para, através da história do Escravos, buscando entender o próprio contexto urbano que lhes serve de pano de fundo e força motriz.

Caroline Couto investiga como o bloco carnavalesco Escravos da Mauá tornou-se um fenômeno que chegou a atrair 20 mil pessoas em seus desfiles e mais de 2 mil nas rodas de samba às sextas-feiras no Largo de São Francisco da Prainha. A autora analisa a relação do bloco e de seus integrantes com a região Portuária do Rio de Janeiro, antes conhecida por sua degradação e história. Seguindo as pistas das pedras pisadas do cais, o Escravos foi crescendo ao invocar o passado da região, reinventando a tradição e reafirmando uma ideia de cidade que passa pelo encontro e afeto. Caroline segue a mesma trilha para, através da história do Escravos, buscando entender o próprio contexto urbano que lhes serve de pano de fundo e força motriz.

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Era uma sexta-feira à noite, em 2008, e o Largo de São Francisco da<br />

Prainha fervia. O que havia <strong>com</strong>eçado na esquina, <strong>com</strong> um cavaco,<br />

um pandeiro, um surdo, um tamborim, um bongô e alguns gatos<br />

pingados, tinha se transformado em um evento muito maior que<br />

nossas pernas: as rodas de <strong>samba</strong> do <strong>Escravos</strong> da <strong>Mauá</strong>, nascidas três<br />

anos depois do primeiro desfile do bloco, em 1993. Na calçada, escura<br />

e um tanto esburacada, ficava o “palco”, que não era palco, e os<br />

“músicos”, que eram analistas de sistemas, administradores e funcionários<br />

públicos apaixonados pelo <strong>samba</strong>, orgulhosamente autobatizados<br />

<strong>com</strong>o “Fabuloso Grupo Eu Canto Samba” – “tocando pra<br />

ensaiar” e “pra gastar dinheiro”, já que até hoje, tirando a infraestrutura<br />

de som e luz, tudo ali rola por amor.<br />

O “<strong>samba</strong> das cabrochas”, interpretado a plenos pulmões e largos<br />

gestos pelas amigas mulheres é, até hoje, o apogeu da festa. Tocávamos<br />

exatamente abaixo de um belo mural que uma noite pegou fogo,<br />

pintado na empena do prédio: ele reunia Donga, Sinhô e João da<br />

Baiana. Recebíamos quase toda sexta (uma por mês), a luxuosa visita<br />

de Claudio Camunguelo, estivador que, <strong>com</strong> mãos calejadas pelo<br />

trabalho duro no porto, tocava na flauta, em interpretações inesquecíveis,<br />

choros e <strong>samba</strong>s. Moacyr Luz, aclamado <strong>com</strong>o nosso querido<br />

baluarte, ao lado do saudoso Camunguelo, também sempre esteve<br />

conosco, nos dando inclusive um <strong>samba</strong> lindo para o desfile do bloco,<br />

no ano 2000: “<strong>Escravos</strong> da <strong>Mauá</strong>, eu vim aqui me libertar!”.<br />

Foi exatamente no meio de uma dessas catarses coletivas que fui<br />

procurada por uma moça, “cabrocha” também, que me contou que<br />

estava fazendo um trabalho acadêmico sobre o <strong>Escravos</strong> da <strong>Mauá</strong>.<br />

Lembro até hoje da sensação que experimentei, entre orgulho,<br />

incredulidade e emoção. Alguns anos se passaram desde suas primeiras<br />

entrevistas. Nesse período, chegamos a interromper nossas rodas,<br />

depois que a visita espontânea de ídolos <strong>com</strong>o Luiz Carlos da Vila,<br />

Walter Alfaiate, Xangô da Mangueira, Baianinho, Tia Surica e Beth<br />

Carvalho, entre muitos outros, trouxe uma multidão e inviabilizou o<br />

formato original, em que as autorizações eram feitas no meu CPF,<br />

sem qualquer infraestrutura. Hoje, felizmente, saímos da moda. Mas<br />

nossas rodas seguem felizes e catárticas, reunindo essencialmente<br />

quem ama o <strong>samba</strong>, a região Portuária e o Rio de Janeiro.<br />

As cabrochas permanecem assíduas e seu <strong>samba</strong> continua um dos<br />

pontos altos da festa, ao lado da homenagem a João Candido, o<br />

Almirante Negro, Mestre-Sala dos Mares. Hoje temos uma articulação<br />

sincera e de mão dupla <strong>com</strong> a cultura da região, que envolve mais<br />

de 20 blocos de carnaval dos bairros da Saúde, Gamboa e Santo<br />

Cristo, morros da Conceição, do Pinto, Livramento e Providência.<br />

São agremiações novas ou renascidas cujos protagonistas estão<br />

sempre presentes em nossas rodas, junto <strong>com</strong> moradores <strong>com</strong>o dona<br />

Vera e seu Anydio, dona Juci e seu Abílio, seu Tide, pai do Ciley e do<br />

falecido Juarez, Eduardo, Marquim, Magnólia (que conta que criou<br />

seus filhos vendendo bebidas no <strong>Escravos</strong> da <strong>Mauá</strong>), Mauricio Hora,

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