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Capítulo 4<br />
AO ENTRAR no escritório, Norman tremia. Acontecera muita coisa junta. Não podia trazer<br />
tudo engarrafado por mais tempo.<br />
Garrafa... Era o de que precisava: um trago. Tinha mentido à moça, naturalmente. Era<br />
verdade que a mãe não admitia alcool em casa — mas êle bebia. Guardava a garrafa no<br />
escritório. Havia ocasiões em que era preciso beber — embora seu estômago não suportasse o<br />
álcool, embora bastassem uns goles para ficar tonto. Havia ocasiões em que desejava<br />
embriagar-se...<br />
Lembrou-se de descer a veneziana e apagar a luz do letreiro. Pronto! Fechado para a noite.<br />
Descidas as venezianas, ninguém repararia na luz frouxa da lâmpada da escrivaninha.<br />
Ninguém o veria abrir a gaveta, puxar a garrafa, mãos trêmulas como as de uma criança<br />
agarrando a mamadeira. Ê hora de dar a mamadeira ao garôto...<br />
Empinou a garrafa. Bebeu. Fechando os olhos. O uísque queimava, e isso era bom. Para<br />
queimar a amargura. O uísque desceu garganta abaixo, foi explodir no estômago. Talvez mais<br />
um trago também queimasse aquela sensação de mêdo.<br />
Um êrro ter convidado a moça para cear na casa. Soubera-o no mesmo instante em que<br />
abrira a bôca, mas era tão bonita, parecia tão exausta e desamparada. Êle sabia o que era estar<br />
exausto e desamparado, sem ter a quem recorrer, ninguém que compreendesse. Só o que queria<br />
— só o que fêz — foi conversar com ela. Depois, a casa era sua, não era? Tanto quanto de sua<br />
mãe. Esta não tinha o direito de ditar leis, como fazia.<br />
Mesmo assim foi um êrro. A verdade é que nunca teria ousado, não fôsse estar furioso<br />
contra a mãe. Queria desafiá-la. E foi ruim.<br />
Mas fizera coisa ainda pior, além do convite à moça: fôra dizer à mãe que ia cear<br />
acompanhado. Marchara diretamente para dentro do quarto e anunciara, como se dissesse:<br />
Atreva-se a impedir!<br />
Não devia ter feito isso. A mãe já estava bastante alterada e teve um ataque de nervos. Foi<br />
num paroxismo de nervos que encarou a coisa e pôs-se a gritar:<br />
Se a trouxer aqui, mato-a! Mato-a! Mato essa cadela!<br />
Cadela. Não disse essa palavra, mas foi como se dissesse. Estava doente, muito doente.<br />
Talvez a moça tivesse razão. Talvez fôsse melhor interná-la. Estava de tal jeito que êle não a<br />
podia manobrar sozinho. Nem a si próprio. Que costumava ela dizer sôbre êsse assunto de<br />
“manobrar sòzinho”? Que era pecado. Que a gente ia para o inferno.<br />
O uísque, sim, queimava. Mais uma dose — a terceira... Como precisava! Precisava de<br />
uma porção de coisas. Também nisso a moça tinha razão. Aquilo não era vida. Não podia<br />
continuar assim indefinidamente.<br />
Sentar-se à mesa com a moça fôra uma provocação. Receara que a mãe fizesse uma cena.<br />
Depois que fechou à chave a porta do quarto dela, trancando-a lá dentro, ficou a imaginar se