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Psicose - Robert Bloch

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Capítulo 9<br />

TARDE, do sábado. Norman fêz a barba. Fazia-a apenas uma vez por semana, sempre no<br />

sábado.<br />

Não gostava de fazer a barba por causa do espelho e suas linhas ondulantes. Todos os<br />

espelhos têm linhas ondulantes que atrapalham a vista.<br />

Talvez seus olhos é que estavam em mau estado. Sim, era isso, pois quando menino, bem<br />

que gostava de se olhar no espelho. Gostava de ficar em frente do espelho grande, nu em pêlo.<br />

Certa vez a mãe o surpreendeu e deu-lhe uma pancada na cabeça com a grande escôva de<br />

cabelo, de cabo de prata. Deu com fôrça e doeu muito. A mãe lhe dissera que aquilo era muito<br />

feio — olhar-se no espelho daquele jeito.<br />

Ainda se lembrava de como lhe doera e como a cabeça ficou latejando. Daí em diante<br />

sentia dor de cabeça cada vez que se olhava a um espelho. Finalmente a mãe o levou a um<br />

oculista e o oculista disse que êle precisava de óculos. Os óculos ajudaram, mas êle<br />

continuava a ter dificuldade em ver com clareza quando olhava em espelho. Deixou de olhar, e<br />

só o fazia quando era impossível evitá-lo. A mãe tinha razão. Era feio a gente estar a se olhar<br />

todo nu, sem nenhum agasalho; espreitar a própria banha, os braços curtos e desprovidos de<br />

pêlos, a barriga grande e, logo abaixo...<br />

Quando se olhava ao espelho, queria ser outra pessoa. Uma pessoa como seu tio Joe<br />

Considine — alto, esbelto, bonito...<br />

— Não é o homem mais bonito que você já viu? costumava a mãe perguntar-lhe.<br />

Sim, era verdade. Mas continuava a odiar o tio Joe Considine, apesar da sua beleza.<br />

Gostaria que a mãe não insistisse em o chamar de "tio Joe", pois êle não era nenhum parente:<br />

era apenas um amigo que costumava fazer visitas à sua mãe. Fê-la construir o motel depois<br />

que ela vendeu o sítio.<br />

Isso era de estranhar. A mãe sempre falava mal dos homens — de "seu-pai-que-fugiu-e-meabandonou"<br />

— mas o tio Joe Considine fazia dela o que queria. Que bom se êle fôsse assim, e<br />

também fôsse bonito como o tio Joe Considine!<br />

Oh, não! Impossível! Tio Joe estava morto.<br />

Piscou os olhos diante de sua imagem refletida no espelho. Engraçado: como se esquecera!<br />

Devia fazer quase vinte anos. Naturalmente, o tempo é relativo. Isso disse Einstein, e Einstein<br />

não fôra o primeiro a descobrir. Os antigos também sabiam, e o mesmo acontecia com alguns<br />

místicos modernos, tais como Aleister Crowley e Ouspensky. Tinha lido todos êles, tinha até<br />

alguns livros dêles. A mãe não aprovava: dizia que essas coisas eram contrárias à religião,<br />

mas êsse não era o verdadeiro motivo. Quando lia êsses livros, deixava de ser o filhinho<br />

dela... Ficava adulto, se transformava num homem que estudava os segredos do tempo<br />

o do espaço, da dimensão e do ser.

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