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Revista Unicaphoto Ed.07

Revista do curso de Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap)

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“No dia da morte Miguel Arraes eu estava de<br />

folga do jornal. Era agosto de 2005, eu estagiava<br />

na Folha de Pernambuco havia uns oito meses e,<br />

entre outras coisas, era o plantonista dele nas últimas<br />

semanas, cobrindo o hospital onde ele estava<br />

internado. O telefone tocou e me avisaram: “Arraes<br />

faleceu, venha para a redação”. Quando cheguei lá,<br />

estavam escalando quem ia para o velório e quem<br />

não ia, quem ficaria dando suporte ao restante<br />

da equipe. Vi que eles separaram uma time peso<br />

pesado para a cobertura. Tinha Daniela, Clemilson,<br />

Bobby, Betini... e de estagiário apenas eu. Quando<br />

me disseram “Você também vai”, eu gelei. Hoje,<br />

penso que foi ótimo, mas na hora foi tenebroso.<br />

Na divisão das atribuições, teve gente que foi para<br />

o aeropoto, para o Palácio do Campo das Princesas,<br />

registrando quem visitava o caixão, enfim, e<br />

eu fiquei no entorno do Palácio sozinho. Essa era a<br />

minha missão. Me coloquei ali na frente da praça e<br />

o choque foi maior ainda quando cheguei porque<br />

os outros jornais só mandaram gente de renome<br />

também e muitos deles lá fora comigo. Pensei:<br />

“Vou ser comido pelos leões aqui, mas bem, se não<br />

tem o que fazer, o que eu vou fazer é nada”. Tudo<br />

foi acontecendo bem naturalmente e, para mim, foi<br />

muito marcante porque apesar de não ter militância<br />

ou formação política alguma, lembrava sempre<br />

dos meus pais falando de Miguel Arraes e da força<br />

dele diante do povo. Ele sempre foi uma figura<br />

muito comentada dentro de casa. Depois eu percebi<br />

a sorte que eu tive de ficar do lado de fora porque<br />

via as pessoas chegando e, principalmente, como<br />

estavam chegando, tanto os oficiais, políticos, artistas,<br />

quanto as pessoas reais chegando também.<br />

E essas eram as mais interessantes. De repente,<br />

chega um caminhão carregado de ex-eleitores de<br />

Arraes, todos de chapéu de palha, cantando jingles<br />

antigos de campanha. Fiquei ali no melhor lugar, no<br />

camarote, sem saber. Via pessoas chorando e toda<br />

aquela energia do momento. Depois de um tempo,<br />

gritaram: “Vai sair”, e percebi que estavam falando<br />

do caixão. Vi, então, que eu estava na melhor das<br />

posições. Subi numa estrutura de ao vivo de uma<br />

TV local e veio aquela história gigante na minha<br />

cabeça: Arraes havia saído do Palácio na época do<br />

Golpe para o exílio, pelo mangue, depois voltou<br />

ao Brasil logo que eu nasci. Foi eleito e entrou de<br />

novo no Palácio pela porta da frente, assim como<br />

saiu quando acabou o mandato. Então ele entrou<br />

e saiu diversas vezes daquele local. Mas aquela era<br />

a última vez que ele saía do Palácio e certamente<br />

era a mais emblemática: no caixão, pelos braços do<br />

povo. Consegui registrar isso de frente, toda essa<br />

manifestação, todos os eleitores ali, de chapéu de<br />

palha. Sei que não é a minha foto mais bonita, mas<br />

é a mais incrível e a história depois dela também<br />

me enche de orgulho. Cheguei muito cansado naquele<br />

dia em casa e umas horas depois, o telefone<br />

toca. Era alguém do jornal. Eu, estagiário, já pensei:<br />

“Deu alguma bronca, fiz algo de errado”. Mas era o<br />

pessoal da minha editoria me dando parabéns. Eu<br />

havia ganho a minha primeira capa: “Ivan, essa sua<br />

foto é sensacional, vai abrir o jornal de amanhã”. Só<br />

tive a real noção do que havia feito no dia seguinte,<br />

quando cheguei na redação e os meus colegas estavam<br />

lá, vibrando e me parabenizando. Ainda teria<br />

uma outra alegria imensa: meses depois, essa foto<br />

me renderia o primeiro prêmio da carreira, o Cristina<br />

Tavares de Fotografia na categoria estudante”.<br />

[9]

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