29.03.2019 Views

REVISTA UNICAPHOTO ED. 12

Revista do curso de fotografia da Unicap

Revista do curso de fotografia da Unicap

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Revista do Curso Superior de Tecnologia em Fotorafia da UNICAP - #<strong>12</strong>, Março 2019<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

1


Editorial<br />

na web<br />

Escaneie o código<br />

QR ao lado, através<br />

de aplicativo no<br />

smartphone, e acesse<br />

todas as edições da<br />

Expediente<br />

Coordenação: Renata Victor<br />

Edição: Carolina Monteiro<br />

Coordenação Editorial: Carolina Monteiro<br />

Programação Visual: Alícia Cohim<br />

Diagramação: Alícia Cohim<br />

Textos: Fatinha Rêgo Barros, Maria Duda Albuquerque, Patriny<br />

Aragão, Sérgio Bernardo, Vidal de Sousa, Ben Wiedel Kaufmann<br />

(tradução de Larissa Alves), Renata Victor, Catarina Andrade,<br />

Marina Feldhues, Braz Pereira Alves Neto, Juliana Galvão, Paulo<br />

Souza, Thiago Faria, Elizabeth de Caravalho e Braz Pereira Alves<br />

Neto.<br />

Foto da capa: Lidiane Mota<br />

Foto da contracapa: Catarina Pennycook<br />

Chegamos à <strong>12</strong>ª edição da revista<br />

Unicaphoto com provocações para você,<br />

leitor e fotógrafo. O que é ser fotógrafo nos<br />

dias de hoje? Que futuro está reservado a<br />

este profissional? Quais técnicas o fotógrafo<br />

deve dominar?<br />

Ser fotógrafo, atualmente, é bem mais fácil.<br />

Não só por não ser necessário esperar<br />

a revelação e a ampliação para saber da<br />

qualidade das imagens mas por todas as<br />

inovações tecnológicas dos equipamentos<br />

fotográficos, profissionais ou amadores,<br />

incluindo nesse campo os smartphones.<br />

As inovações não param! Em poucos dias,<br />

será lançado no mercado um produto com<br />

inteligência artificial para as máquinas<br />

fotográficas. É um acessório para câmeras<br />

DSLR e Mirrorless, acoplado via porta USB,<br />

que se comunica com smartphones para<br />

realizar uma série de funções inteligentes.<br />

O grande volume de dados gerados pelo<br />

artefato permite extrair e aplicar informações<br />

para a realização de tarefas com mais<br />

precisão e eficácia, ou simplesmente para<br />

que os “fotógrafos” sejam mais assertivos<br />

em tomadas de decisão nas mais diversas<br />

atividades.<br />

Nessa edição, temos uma entrevista com<br />

Priscilla Buhr, fotógrafa recifense que<br />

desenvolve um trabalho voltado para o<br />

universo das “narrativas visuais e motivadas<br />

pela compreensão e reconstrução do passado<br />

e por trajetos emocionais da mulher”. Pelo<br />

viés social, trazemos uma reportagem sobre<br />

o Cais José Estelita, que faz reflexão sobre<br />

a necessidade de preservamos o Direito<br />

à Cidade; e sobre a atuação do Núcleo de<br />

Ações de Extensão Social (Naes), que junto a<br />

ONGs, desenvolve atividades para promover<br />

a justiça social por meio do uso da fotografia.<br />

De fotografias, trazemos os olhares de<br />

Elizabeth de Carvalho, Renata Vaz e o meu<br />

sobre o Galo da Madrugada; o projeto<br />

Um Outro Olhar, de autores diversos, que<br />

objetiva dar visibilidade à luta pela inclusão<br />

de pessoas com deficiência em Pernambuco;<br />

o ensaio de Juliana Galvão sobre o contraste<br />

da luz e sombra e o de Thiago Faria Neves<br />

sobre o 25º Janeiro de Grandes Espetáculos.<br />

Já de textos, temos os artigos de Marina<br />

Feldhues sobre a fotografia como imagem;<br />

de Catarina Andrade e Márcia Larangeiras<br />

sobre o tempo e o lugar na imagem; de Braz<br />

Pereira sobre a utilização de fontes primárias<br />

para a escrita da história na atualidade,<br />

de Elizabeth de Carvalho sobre o filme<br />

Freaks. O mais novo professor do curso de<br />

Fotografia, Paulo Souza, fala sobre o impacto<br />

de substituir a equipe de fotógrafos de um<br />

veículo por jornalistas com smartphones; e<br />

eu comento o registro que o fotógrafo Marc<br />

Ferrez fez do Porto do Recife.<br />

Você está convidado a desfrutar dessa<br />

edição. Ela foi carinhosamente construída<br />

pelos alunos, professores e colaboradores do<br />

Curso Superior de Tecnologia de Fotografia<br />

da Unicap.<br />

A UnicaPhoto é uma publicação semestral do Curso Superior<br />

de Tecnologia em Fotografia da Universidade Católica de<br />

Pernambuco.<br />

(ISSN 2357 8793)<br />

F O T O Renata Victor<br />

Coordenadora do Curso<br />

Superior de Tecnologia em<br />

Fotografia da Unicap<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

3


S U M Á R I O<br />

Aconteceu<br />

06<br />

Concurso de<br />

Carnaval<br />

08<br />

Entrevista com<br />

Priscila Buhr<br />

10<br />

Memória do Cais<br />

18<br />

Nós fomos ao galo<br />

22<br />

Fotografia a serviço<br />

da cidadania e da<br />

ação social<br />

42<br />

Um Outro Olhar<br />

46<br />

O registro<br />

fotográfico de<br />

Marc Ferrez no<br />

Porto do Recife<br />

64<br />

Foto Síntese<br />

69<br />

A fotografia como<br />

imagem<br />

70<br />

O tempo e o lugar<br />

da imagem<br />

72<br />

Diálogos entre luz e<br />

sombra<br />

74<br />

VerOuvindo: um<br />

olhar mediado<br />

84<br />

Fotografia,<br />

intervenção<br />

e narrativa<br />

86<br />

Teatro em cena e<br />

em foto<br />

90<br />

Freaks<br />

98<br />

Fotojornalismo<br />

importa?<br />

99<br />

Desterro<br />

102<br />

O trabalhador<br />

na fotografia<br />

documental:<br />

pesquisa de<br />

imagens de<br />

Ludimilla<br />

Wanderlei<br />

104<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

5


agosto<br />

do Homem e Mulher da meia-noite ao Ganhando Asas<br />

Através da Comunicação e da Arte. 16/10 - Parceria do<br />

Núcleo de ações e extensão social com a Santa Casa<br />

28/08 - Última aula da 2ª turma da Especialização<br />

de Misericórdia e com Curso de Fotografia da Unicap.<br />

“As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do<br />

10/10 - Palestra Produção e Mercado Fotográfico<br />

Audiovisual” 24/08 - Os alunos do Curso Ganhando<br />

com Rafael Medeiros. 10/10 - Saída fotográfica<br />

Asas Através da Comunicação e da Arte participaram<br />

ao Caxangá Golf Country Club. 10/10 - Visita dos<br />

com uma Exposição fotográfica e de desenho da 2ª<br />

alunos do segundo módulo do curso de fotografia<br />

Semana da Pessoa com Deficiência da Unicap. 19/08<br />

ao Sistema Jornal do Commercio. 06/10 – Visita<br />

– Lançamento do projeto Um outro olhar, Prêmio<br />

dos alunos do curso de fotografia a Caixa Cultural<br />

Alcir Lacerda e exposição dos alunos da 3a turma<br />

de Recife. 04/10 - Bate – papo no segundo módulo<br />

do Ganhando Asas Através da Comunicação e da<br />

com Marcelo Lacerda. 03/10 - Prêmio Pernambucano<br />

Arte 11 Edição da Unicaphoto 15/08 - O fotógrafo<br />

de Fotografia 2018, Quel Valentim do 4º módulo do<br />

Paulo Sousa, ex-aluno do Curso de Fotografia e da<br />

Curso Superior de Tecnologia em Fotografia e o aluno<br />

Especialização “As Narrativas Contemporâneas da<br />

Sérgio Bernardo da Especialização “As Narrativas<br />

Fotografia e do Audiovisual” oferta palestra para os<br />

Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual”.<br />

alunos da graduação e especialização.<br />

setembro<br />

02/10 - Exposição fotográfica mostra os 15 anos do<br />

Doutores da Alegria nos hospitais atendidos pela<br />

ONG no Recife, com a curadoria da coordenadora<br />

do curso de Fotografia, Renata Victor. 01/10 – Batepapo<br />

com os alunos do segundo módulo na aula de<br />

24/09 - Aluno Thiago Britto é selecionado para o<br />

Salão Universitário de Arte Contemporânea do Sesc<br />

iluminação, com a maquiadora Joyss Gabriella.<br />

Pernambuco 20/09 - Parceria do curso de Fotografia e<br />

o Pernambuco Foto Clube no Projeto Fundação Terra.<br />

novembro<br />

20/09 - Bate-papo com o fotógrafo Breno Rocha.<br />

20/09 - Saída fotográfica analógica no Caxangá<br />

Golf Country Club. 20/09 - Exposição fotográfica<br />

30/11 - Oficina de Pinhole para os alunos da Escola<br />

“Cidades e Errantes” na 19ª Jornada do Laboratório<br />

de tempo integral Antônio Hercílio do Rego, em<br />

de Psicopatologia Fundamental e Psicanálise. 15/09<br />

Fundão/Recife 26/11 - Comemoração do FotoVídeo.<br />

- Alunos do quarto módulo recebem cineasta Júlio<br />

23/11 - Prêmio Pernambucano de Fotografia 2018.<br />

Cavani. <strong>12</strong>/09 - Bate-papo com Alyson Carvalho.<br />

Os alunos Sérgio Bernado da Especialização “As<br />

<strong>12</strong>/09 - 2º Master Class com Henrique Ribas. 10/09 -<br />

Narrativas Contemporânea da Fotografia e do<br />

Palestra com Ana Farache. 06/09 - Alunos do Curso<br />

Audiovisual” e Quel Valentim do Curso de Fotografia<br />

de Fotografia no Intercom Nacional. 04/09 - Palestra<br />

23/11 - Ex-aluno Daniel Fonseca ganha prêmio no<br />

sobre Curadoria X Crítica com a professora doutora<br />

2º Concurso de Fotografia do Ministério Público da<br />

Maria do Carmo Nino 03/09 - Bate-papo com Yêda<br />

Paraíba. 23/11 - Produção audiovisual de eventos para<br />

Bezerra<br />

outubro<br />

de Mello<br />

os alunos do quarto módulo com Gustavo Sampaio<br />

e Hugo Veríssimo. 23/11 - Fotojornalista Gil Vicente<br />

conversa com turma do 2º módulo 19/11 - FotoVídeo<br />

2018 – 1º, 2º e 3º dia 05/11 - Bate-papo com Marina<br />

31/10 - Pequeno Encontro da Fotografia 2018. 27/10 Feldhues sobre fotolivro e sustentabilidade para os<br />

alunos do segundo módulo. 01/11 - Bate-papo com<br />

o web designer Flávio Santos na turma do segundo<br />

módulo.<br />

- Bate-papo com Raphael Sagatio. 26/10 - Alunos do<br />

Curso de Fotografia foram convidados a participar<br />

junto ao Curso de Enfermagem da oficina de<br />

ultrassonografia natural na 16º Semana de Integração<br />

da Unicap 25/10 - Os monstros da Delux invadem<br />

o laboratório de Fotografia na aula de iluminação<br />

(semana do Halloween) 25/10 - Aluno Shilton Araújo<br />

está entre os finalistas dos prêmios Cristina Tavares<br />

e de Jornalismo Literário. 22/10 - Projeto VerOuvindo<br />

foi o único brasileiro premiado e será apresentado<br />

durante encontro no Uruguai. 20/10 - Aula prática de<br />

foley com o convidado e professor Ricardo Maia. 19/10<br />

- Palestra tratamento e manipulação de imagens com<br />

o editor de imagens Marcus Cabral 18/10 - Ganhadores<br />

do Concurso “O Nosso Villa – Um Musical Villa-<br />

Lobos”. Os alunos contemplados foram: José Mário<br />

dos Anjos (júri técnico) e Catarina Pennycook (júri<br />

popular), ambos do 2° módulo. 18/10 - Exposição do<br />

aluno Thiago Britto no Salão Universitário de Arte<br />

Contemporânea do Sesc Pernambuco. 16/10 - Visita<br />

Prêmio Alcir Lacerda - Agosto 2018<br />

FOTO Adelson Alves<br />

dezembro<br />

18/<strong>12</strong> - Encerramento da terceira turma – Ganhando<br />

Asas Através da Comunicação e da Arte. 16/11 - Exposição<br />

Um Outro Olhar. <strong>12</strong>/<strong>12</strong> - Banca de Avaliação dos<br />

Trabalhos de Conclusão da Especialização As Narrativas<br />

Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual <strong>12</strong>/<strong>12</strong> -<br />

Bate-papo com o publicitário Daniel da Hora, na turma<br />

do segundo<br />

janeiro<br />

módulo.<br />

28/01 - Colação de grau 2019. 20/01 - Exposição dos<br />

formandos 2019.1 “O Recife que eu vejo” 20/01 - Exposição<br />

dos formandos de Fotografia 2019.1.<br />

fevereiro<br />

25/02 - Exposição Fotográfica “Na Terra Para Servir” 18/02<br />

– Lançamento do IX Concurso de Fotografia de Carnaval<br />

do Curso de Fotografia da Unicap. 13, 14 e 15/02 - Abertura<br />

do ano letivo 2019. <strong>12</strong>/02 - Exposição Fotográfica Outras<br />

Leituras. 11/02 – Acolhimento dos novos alunos. 11/02 -<br />

Programação<br />

março<br />

de abertura do ano letivo de 2019<br />

09/03 – Os 60 anos da Barbie – E sua relação com a<br />

fotografia 07/03 - Bate-papo com o designer de moda<br />

Roberto Carlos na turma do primeiro módulo. 07/03 -<br />

Montagem de exposição e conversas com os alunos de<br />

jornalismo e fotografia com a fotógrafa Luciana Dantas/<br />

Abertura da Exposição Fotográfica “O Protagonismo<br />

Feminino na Perpetuação da Cultura das Casas de Farinha”<br />

Formatura da Turma de 2018 - Janeiro 2019<br />

Exposição da Fundação Terra - Fevereiro 2019<br />

2018.2<br />

ACONTECEU<br />

Ganhadores do Concurso “O Nosso Villa – Um<br />

Musical Villa-Lobos”. - Outubro 2018<br />

Masterclass - Setembro 2018<br />

FOTO Adelson Alves<br />

Fotovídeo - Novembro 2018<br />

Exposição Um Outro Olhar -<br />

Dezembro 2018<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

7


FOTO Catarina Pennycook<br />

Beleza premiada<br />

A capa e a contracapa desta edição da UnicaPhoto trazem as imagens<br />

de Lidiane Mota, aluna do primeiro módulo do curso de Fotografia<br />

da Unicap, e de Catarina Pennycook, do terceiro módulo, vencedoras<br />

do IX Concurso de Fotografias de Carnaval, realizado entre os alunos<br />

com o objetivo de valorizar tanto a produção dos estudantes quanto<br />

a mais tradicional festa popular do Estado. Este ano, 32 fotos disputaram<br />

as duas categorias. A imagem de Lidiane Mota foi a escolhida<br />

pelo júri técnico formado pelas fotógrafas profissionais Inês Campelo,<br />

Juliana Galvão e Yêda Bezerra de Mello. Já a imagem de Catarina<br />

Pennycook venceu o júri popular, com 82 curtidas na página do curso<br />

de Fotografia no Facebook.<br />

FOTO Lidiane Mota<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

9


ENT<strong>REVISTA</strong><br />

Liberdade e potência do<br />

fazer artístico de<br />

Priscilla Buhr<br />

TEXTO Fatinha Rêgo Barros, Maria Duda Albuquerque, Patriny Aragão,<br />

Sérgio Bernardo e Vidal de Sousa<br />

FOTOS Renata Victor<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

11


Priscilla Buhr trabalha com<br />

fotografia desde 2005, é<br />

recifense, mãe e feminista.<br />

Desenvolve um trabalho de<br />

fotografia voltado pro universo<br />

das “narrativas visuais e<br />

motivadas pela compreensão<br />

e reconstrução do passado e<br />

por trajetos emocionais da<br />

mulher”, segundo informa<br />

no site www.priscillabuhr.<br />

com.br. Esta entrevista<br />

fez parte de uma pesquisa<br />

desenvolvida para a disciplina<br />

Processos Criativos \e Gestão<br />

de Projetos em Fotografia e<br />

Audiovisual, da pós-graduação<br />

As Narrativas Contemporâneas<br />

da Fotografia e do Audiovisual,<br />

da Universidade Católica de<br />

Pernambuco, ministrada por<br />

Carol Monteiro, com o objetivo<br />

de investigar os processos do<br />

ser/tornar-se artista e como se<br />

dá a viabilização e visibilidade<br />

da produção artística<br />

contemporânea.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong> Pra você, o que é<br />

arte contemporânea?<br />

Arte contemporânea tem<br />

uma definição tão fluida.<br />

Tem muita discussão sobre<br />

o que é arte contemporânea,<br />

principalmente sobre o que<br />

é fotografia contemporânea.<br />

Acredito que seja mais do que<br />

um estilo, que seja uma forma<br />

de processo de criação, mais<br />

aberto, que envolve vários tipos<br />

de suportes, de plataformas,<br />

de matéria-prima. Não é<br />

uma fotografia que tem uma<br />

definição clara. Às vezes me<br />

perguntam: “S trabalho tá em<br />

que linha? Você é fotojornalista?<br />

É documentarista? É artista<br />

contemporânea?”. E fico, às<br />

vezes, sem saber responder<br />

justamente porque arte<br />

contemporânea caminha<br />

por tudo. A gente pode fazer<br />

um trabalho, de certa forma,<br />

documental e usar elementos<br />

de outros suportes de arte;<br />

usar pintura, usar colagem,<br />

não deixa o trabalho dentro<br />

da fotografia documental<br />

ou do fotojornalismo. A arte<br />

contemporânea é uma caixa<br />

aberta, acredito muito nisso,<br />

não cabe uma classificação<br />

fechada. E, talvez isso tenha<br />

me encantado bastante na<br />

arte contemporânea e na<br />

fotografia contemporânea<br />

especificamente: essa liberdade.<br />

Essa possibilidade de ser várias<br />

coisas, de caminhar por vários<br />

espaços, de experimentar.<br />

Essa possibilidade de<br />

experimentação é o que me<br />

encanta.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong> Qual foi o divisor<br />

de águas para você se reconhecer<br />

enquanto artista?<br />

Sempre tive um medo de me<br />

dizer artista. Sempre falei<br />

que era fotógrafa. Até quando<br />

deixei a fotografia mais formal,<br />

o fotojornalismo, continuei<br />

me chamando de fotógrafa.<br />

E já estava fazendo arte, já<br />

estava sendo artista. Mas me<br />

assumir artista foi uma coisa<br />

mais recente, foi agora, depois<br />

de ter sido mãe, em 2016. E,<br />

de certa forma, começaram<br />

algumas cobranças, enquanto<br />

estava grávida. As pessoas<br />

perguntavam se iria deixar<br />

de ser fotógrafa porque ia ser<br />

mãe e logo depois que m filho<br />

nasc as mesmas perguntas:<br />

“E aí, deixou a fotografia?”.<br />

E comecei a perceber que<br />

não era uma questão deixar<br />

porque não tinha como deixar<br />

de ser. E percebi que não era<br />

só fotografia como um ofício<br />

e sim uma arte, e isso foi uma<br />

libertação. Porque achava que<br />

poderia ser prepotente, poderia<br />

parecer que estava querendo<br />

subir num pedestal e dizer: “ sou<br />

artista”. Na verdade, foi uma<br />

libertação quando consegui<br />

parar e me perceber artista,<br />

foi uma libertação de muitas<br />

amarras, de muitas cobranças,<br />

de muita angústia de ter que<br />

estar nos lugares, de ter que<br />

participar de festivais, de ter<br />

que estar produzindo o tempo<br />

inteiro. Percebi que artista<br />

não é máquina, que artista<br />

tem o s tempo de processo,<br />

não só de produção, mas de<br />

maturação daquilo e, enfim,<br />

cada artista tem sua forma de<br />

lidar com esses processos. O<br />

que é completamente diferente<br />

de um fotógrafo de jornal ou<br />

de uma agência. O ritmo é<br />

outro, a forma é outra. E, na<br />

verdade, sempre fui assim,<br />

desde que saí da faculdade e<br />

comecei a fotografar. Quando<br />

me percebi fotógrafa de fato,<br />

já tinha esse outro ritmo, já<br />

tinha essa outra forma de olhar<br />

para o m trabalho autoral e me<br />

perceber artista foi me perceber<br />

livre desses prazos, dessas<br />

obrigações, dessa metodologia<br />

que se tem dentro da fotografia<br />

como ofício. Foi um momento<br />

que tive que parar e repensar<br />

tudo, e colocar numa balança,<br />

colocar tudo em perspectiva e<br />

comecei a perceber que, de fato,<br />

era uma artista e que não tinha<br />

essa prepotência, esse peso que<br />

achava que tinha em se dizer<br />

artista.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

13


<strong>UNICAPHOTO</strong> No início da<br />

sua carreira, quais estratégias<br />

você utilizou para viabilizar sua<br />

produção artística?<br />

Na verdade, ainda estou buscando<br />

essas estratégias. (risos) Ainda<br />

não posso dizer que vivo da minha<br />

arte. Vivo do m trabalho enquanto<br />

fotógrafa,<br />

fotojornalista,<br />

fotógrafa documental e de venda<br />

de algumas imagens, imagens<br />

de artista, no caso , Priscillaartista.<br />

É um trabalho totalmente<br />

independente, na raça mesmo.<br />

Minha primeira exposição um<br />

edital de exposição do MAMAM,<br />

no Pátio de São Pedro, e foi a<br />

primeira exposição e m trabalho<br />

com financiamento. Era uma verba<br />

muito pequena que, na verdade,<br />

foi basicamente pra montar a<br />

exposição e pagar a curadora;<br />

e não consegui essa verba para<br />

viabilizar minha pesquisa, para<br />

fazer todo o processo de produção<br />

ser financiado, foi mais uma<br />

questão de um financiamento<br />

para fazer as obras: colocar em<br />

moldura, imprimir, pensar em<br />

expografia. Foi um primeiro<br />

trabalho financiado. Depois disso,<br />

comecei a financiar meus projetos<br />

com m trabalho formal. Tentava<br />

deixar uma coisa que sobrasse,<br />

investia em estudo mesmo,<br />

comprava livros ou viagens para<br />

ir a festivais, fazer workshops e<br />

oficinas. Em 2013 teve um prêmio<br />

que, com esse dinheiro, consegui<br />

viabilizar um livro. Enfim, é de<br />

pouquinho em pouquinho, de<br />

venda de foto… Venda de foto não<br />

tem muita estratégia, não sou uma<br />

artista com muitas estratégias<br />

de financiamento. O que tento é<br />

edital. Os editais que aparecem,<br />

me inscrevo. Mas também não<br />

me inscrevo só por inscrever, às<br />

vezes penso: “poderia inscrever<br />

qualquer coisa só pra tentar um<br />

financiamento pra quando surgir<br />

um projeto”. Mas não consigo,<br />

não funciono dessa forma:<br />

tentar um financiamento pra<br />

uma coisa que ainda não existe.<br />

Tento quando já tenho uma<br />

ideia formada, tenho algo mais<br />

estruturado.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong> Dessas<br />

estratégias utilizadas, o que<br />

deu certo?<br />

Não é uma coisa, exatamente,<br />

que deu certo ainda. A gente<br />

tá num momento de crise<br />

financeira, então várias coisas<br />

que aconteciam de forma mais<br />

potente como, por exemplo,<br />

venda de foto em fine art são<br />

mais difíceis. Vendia bem mais<br />

fotos há uns 2/3 anos. Hoje, até<br />

consigo vender, mas o valor<br />

proporcionalmente ao tempo,<br />

a gente pode pensar que é um<br />

pouco mais barato, então não<br />

é uma estratégia que posso<br />

dizer que tá dando certo. São<br />

coisas que tem acontecido<br />

esporadicamente e funcionam.<br />

Essa estratégia de fotos em fine<br />

art é um caminho interessante<br />

principalmente quando você<br />

tá ligada a alguma galeria,<br />

quando tem alguém que possa<br />

correr atrás desses contatos.<br />

Apesar de você ficar, de certa<br />

forma, presa a uma galeria ou<br />

a uma instituição, mas poupa<br />

bastante tempo. Como agora<br />

sou mãe, tentar correr atrás, no<br />

caso específico de venda de foto,<br />

sozinha, é um trampo bastante<br />

complicado porque teria que<br />

viajar, ir pra festivais, fazer todo<br />

esse network porque não dá pra<br />

ficar só aqui (Pernambuco).<br />

Então acredito que a minha<br />

estratégia que deu certo é estar<br />

ligada a uma galeria que, no<br />

caso, é a Arte Plural. É uma<br />

estratégia que tá me colocando<br />

em um mercado de arte<br />

interessante, tá levando pra<br />

feiras, para mostras. Mas não é<br />

aquela coisa: “Maravilhoso, me<br />

banco com isso”. É uma coisa<br />

que ainda tá começando, é um<br />

processo que ainda não dá<br />

pra viabilizar tudo, mas já é<br />

alguma coisa.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong> Quais foram os<br />

momentos mais marcantes da<br />

sua carreira?<br />

O mais marcante da minha<br />

carreira foi quando ganhei o<br />

prêmio Brasil de Fotografia, na<br />

categoria revelação, em 2013,<br />

com o ensaio “Ausländer”. Foi<br />

um momento muito importante<br />

pra mim porque estava saindo<br />

do jornal, depois de quase sete<br />

anos de fotojornalismo. Então<br />

foi um momento que resolvi sair,<br />

pedi demissão porque precisava<br />

dar conta do meu trabalho<br />

enquanto artista. Então saí do<br />

jornal e comecei a trabalhar<br />

na produção desse trabalho,<br />

do “Ausländer”, me dediquei<br />

a produzir, a editar, a pensar<br />

em caminhos e estudar, enfim,<br />

ler, pesquisar possibilidades.<br />

Consegui fechar um ciclo e veio<br />

esse prêmio então, pra mim,<br />

foi muito importante ter esse<br />

reconhecimento. Comecei a<br />

dar oficina agora em 2018, foi<br />

um dos melhores momentos<br />

também, me descobrir em<br />

sala de aula foi uma coisa<br />

fantástica. Conseguir passar<br />

conhecimento, conseguir abrir<br />

novas perspectivas pros alunos,<br />

esse processo foi bastante<br />

importante.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong> Quais são as<br />

principais conquistas de sua<br />

trajetória?<br />

Em 2015, consegui fazer meu<br />

livro de artista desse trabalho<br />

“Ausländer” e expus num projeto<br />

bem bonito de Denise Gadelha:<br />

“Fotos contam fatos” na Galeria<br />

Vermelho, onde sempre tive<br />

sonho de expor, era a galeria<br />

sonho de consumo. Quando<br />

teve esse convite, já estava no<br />

processo de desenvolvimento<br />

desse livro mas era uma coisa<br />

muito verde, muito no início.<br />

E aí Denise me chamou pra<br />

essa exposição e tive que fazer<br />

o livro, tive que fazer uma ideia<br />

de dois anos se materializar, foi<br />

incrível. É um projeto que tenho<br />

muito carinho até hoje, é um<br />

livro de edição única, que é um<br />

objeto, mais do que livro é um<br />

objeto. Pra mim, são esses dois<br />

grandes momentos: quando<br />

ganhei o prêmio (Brasil de<br />

Fotografia) e quando consegui<br />

fazer o livro desse trabalho.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong> O que você não<br />

repetiria se fosse recomeçar sua<br />

carreira enquanto artista?<br />

Talvez demorar esse tempo<br />

todo pra me assumir artista.<br />

Não sei se também só consegui<br />

parar e me ver artista no<br />

momento certo, num momento<br />

de maturidade profissional, de<br />

trajetória e como mulher<br />

também. Talvez tivesse tentado<br />

me organizar mais cedo em<br />

termos de edital, talvez me<br />

juntar com alguns escritórios,<br />

algumas produtoras, para<br />

tentar buscar de forma, mais<br />

veemente, esses patrocínios.<br />

Talvez fosse um caminho mais<br />

organizado pra ter seguido.<br />

Mas também não sei se me<br />

arrependo de não ter feito isso.<br />

Acredito que ainda tenho um<br />

tempo pra me organizar nesse<br />

sentido e é uma coisa que vem<br />

com a própria maturidade de<br />

olhar o próprio trabalho, de ver<br />

até onde a gente pode chegar, de<br />

perceber o potencial da gente.<br />

Acho que é isso, a questão<br />

de acreditar no que faço, me<br />

reconhecer, saber o meu valor,<br />

de dizer: “ posso fazer isso e<br />

vamos lá!”. Talvez tenha tido<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

15


muito medo e faz sentido, parando pra olhar,<br />

que demorei tanto, só em 2016 que comecei a<br />

falar: “ sou artista”. Talvez não tivesse dado tanto<br />

espaço paro o medo. Acredito que talvez esse seja<br />

o grande arrependimento, mas também estou<br />

tentando me livrar das culpas. Tô tentando fazer<br />

a coisa ser mais leve porque meu processo de<br />

criação já trabalha assuntos e questões muito<br />

pesadas, às vezes, na minha existência. Então<br />

todo esse processo ao redor, tenho tentado<br />

deixar mais leve, pra não ser algo sufocante já<br />

que preciso mergulhar em questões profundas.<br />

Dentro desse meu processo de produção, que<br />

a densidade seja só nisso, não seja também no<br />

entorno. Talvez essa questão de se organizar<br />

mais, mas não chega a ser um arrependimentoou<br />

uma ciosa que não faria de forma alguma, foi<br />

assim, tá sendo.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong> Que conselho(s) daria para um<br />

artista principiante que você vê potencial?<br />

Dois conselhos que dei muito para meus alunos<br />

foi: segurar a ansiedade e acreditar no que tá<br />

produzindo, no que tá ali potencialmente forte,<br />

gritando pra ser colocado pra fora. Acreditando<br />

e indo em frente. Acho que essa questão da<br />

ansiedade é uma coisa que percebi nos alunos que<br />

tive e percebo que é uma coisa gerada pelas redes<br />

sociais, por essa sede de “like”, por essa sede de<br />

aprovação, por essa questão midiática de redes<br />

sociais: “Temos que ter seguidores, temos que ter<br />

milhões de curtidas e comentários e muita gente<br />

tá se perdendo nisso, tá se perdendo em ficar só<br />

produzindo para rede social, só produzindo para<br />

instagram pra ter “like” e tá deixando de lado esse<br />

processo mais focado, de mergulho mesmo, que<br />

é um processo mais profundo, que pede calma,<br />

paciência, mais atenção, não é tão imediatista.<br />

Claro que cada artista tem um tempo de processo.<br />

Mas é preciso ter calma, deixar essa ansiedade de<br />

lado e ter carinho por aquilo que está produzindo,<br />

ter atenção, ouvir o que a fotografia tá pedindo,<br />

ouvir o que essa necessidade de produzir diz.<br />

Penso muito nessa importância de deixar um<br />

pouco de lado essa urgência virtual, de rede<br />

social, por “like”. E se dedicar melhor à produção<br />

e mergulhar de verdade no está produzindo.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong> Quanto tempo se passou entre<br />

você se considerar um artista e ser reconhecido<br />

como tal?<br />

Meu processo foi inverso, muita gente já me<br />

considerava artista, acho que desde a minha<br />

primeira exposição, em 2010, foi quando<br />

coloquei no mundo o meu primeiro trabalho e<br />

teve um feedback muito bom, um retorno muito<br />

positivo. Era engraçado que, de vez em quando,<br />

quando estava no jornal, rolava uma piadinha:<br />

“Chegou a artista! Chegou a artista!”. E levava<br />

como uma brincadeira porque nunca tive o perfil<br />

fotojornalista, nunca fui aquela fotojornalista<br />

de se entregar completamente. Acho incrível<br />

fotojornalismo mas nunca fui verdadeiramente,<br />

trabalhei com aquilo, dei o melhor, mas não era<br />

aquilo que estava pulsando totalmente. Para<br />

mim, o processo foi inverso, já me consideravam<br />

artista e não queria levar isso à sério, não por<br />

não querer, talvez por não acreditar que fosse<br />

possível, que meu trabalho fosse significativo o<br />

suficiente. Foram dois momentos, um quando<br />

me chamaram para um debate e o outro para uma<br />

exposição e sempre nesse tratamento: “Batepapo<br />

com a artista Priscilla Buhr”, “Exposição da<br />

artista Priscilla Buhr” e comecei a perceber que,<br />

de fato, isso existia, que isso estava acontecendo<br />

realmente.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong> Como seu último projeto foi<br />

viabilizado?<br />

Estou com dois projetos em curso, em<br />

desenvolvimento, na guerrilha. Tentei o<br />

Funcultura, não deu certo. Não vou deixar de fazer<br />

mesmo sem financiamento. Estou fazendo o que<br />

é possível. É um projeto que, com financiamento,<br />

seria mais rápido, já poderia ter acontecido, mas<br />

como não estou com financiamento, então tá em<br />

um processo mais longo. Tenho uma pesquisa<br />

para fazer, tenho entrevistas, tenho esse processo<br />

de alguns orientadores que estão me ajudando<br />

também. Toda vez que surge um prêmio ou uma<br />

venda de foto maior, alguma coisa nesse sentido,<br />

vou reservando para isso, mas de maneira geral,<br />

todos os meus trabalhos são feitos de forma<br />

independente. Agora quero fazer um livro de<br />

um outro projeto que estou fazendo também,<br />

mas não faço a menor ideia de<br />

como vou financiá-lo. Estou<br />

deixando ele ficar um pouco<br />

mais consistente para tentar<br />

alguns editais de fotolivro,<br />

ainda não sei exatamente como<br />

vou financiá-lo, mas vou, vai<br />

acontecer.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong> Onde você<br />

gostaria que sua arte fosse<br />

apreciada? Onde não?<br />

É difícil responder essa questão<br />

porque a arte é tão livre, tá aí<br />

aberta a muitas possibilidades.<br />

Meu último trabalho foi em<br />

livro, tenho pensado num outro<br />

trabalho em livro também,<br />

isso deixa aberto para muitas<br />

possibilidades de público, de<br />

pontos de vista. Não gosto de<br />

pensar de forma muito fechada.<br />

Gostaria muito que meu<br />

trabalho chegasse nas periferias<br />

e isso é uma coisa que tento, que<br />

tento viabilizar desde sempre,<br />

mas é uma coisa que gostaria<br />

que acontecesse de forma mais<br />

forte. Um desses trabalhos<br />

agora é sobre maternidade e<br />

queria muito que pudesse fazer<br />

rodas de conversas na periferia<br />

com mães, que esse trabalho<br />

saísse um pouco dessa bolha<br />

da gente. E onde não gostaria<br />

que ele chegasse? Não sei se<br />

não gostaria que ele chegasse<br />

em algum lugar. Acho que até<br />

quando você pensa num público<br />

que não tá de acordo com suas<br />

ideologias ou com seu ponto de<br />

vista ou com posicionamento<br />

político, acredito que seja<br />

também uma forma de<br />

influenciar positivamente.<br />

Arte também é forma de fazer<br />

política, então penso que até<br />

pra esse público que a gente<br />

poderia pensar que não é um<br />

público que gostaria de dialogar,<br />

meu trabalho chegando e<br />

tocando de alguma forma,<br />

acredito que seja positivo.<br />

Acharia muito esquisito ver<br />

meu trabalho nessas casas de<br />

gente riquíssima que compra<br />

arte só pra decoração, mas nada<br />

impede. Não vou proibir um<br />

multimilionário de comprar<br />

uma fotografia minha pra botar<br />

na sala junto com um, sei lá o<br />

que, um vaso. Acho estranho<br />

mas não é que não queira. Acho<br />

estranho esse tipo de consumo<br />

de arte que não é a obra, que é<br />

só o status, mas não negaria.<br />

Não sei, talvez negasse uma<br />

fotografia minha pra Bolsonaro,<br />

acho que é a coisa que não<br />

gostaria de jeito nenhum.<br />

Priscilla Buhr está no<br />

instagram @priscillabuhr<br />

Para conhecer mais seu<br />

trabalho, acesse o site:<br />

www.priscillabuhr.com.br<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

17


REPORTAGEM<br />

Memória<br />

do Cais<br />

TEXTO Ben Wiedel Kaufmann<br />

(tradução de Larissa Alves)<br />

No nosso primeiro dia juntos<br />

em Recife nós passamos pelo<br />

Cais José Estelita. Um espaço<br />

gigante e decadente ali no centro<br />

da cidade. Ali naquela ilha<br />

notamos aquele espaço habitado<br />

pelos armazéns, casas isoladas,<br />

tonéis de melaço, uma<br />

avenida meio deserta cruzando<br />

os rios e as sombras das Torres<br />

Gêmeas. Tinha uma sensação<br />

esmaecida da história do Recife<br />

– a cidade natal de Larissa e<br />

a partir daquele dia a nova casa<br />

de Ben. Por um tempo, mesmo<br />

passando regularmente por ali,<br />

as impressões mudavam pouco.<br />

Entre 2010 – 2011, nós dois<br />

começamos a conhecer melhor<br />

o Cais. Seguindo a intuição de<br />

Larissa que ali era uma parte<br />

do Recife que estava a beira de<br />

uma grande transformação e<br />

que valia a pena documentar -<br />

nós visitamos as famílias que<br />

moravam nas casas, visitamos<br />

os armazéns e a enorme área do<br />

terminal de trem.<br />

A sensação que dava era de<br />

tempo parado. Aquela indefinível<br />

suspensão do tempo flutuando<br />

sobre pessoas e lugares<br />

enquanto que a burocracia do<br />

capital se organiza para dar<br />

o próximo passo. As famílias<br />

morando ali, que eram trabalhadores<br />

e ex- trabalhadores da<br />

ferrovia, recebiam pelos jornais<br />

notícias sobre o futuro do lugar,<br />

dos seus empregos e das suas<br />

casas, das quais eles tinham<br />

cuidado e morado por décadas.<br />

Existia uma sensação iminente<br />

de perda: um orgulho da história<br />

do lugar, sua existência<br />

desde o século XIX como porto<br />

de exportação de produtos<br />

pernambucanos para o mundo.<br />

Um orgulho da engenharia, dos<br />

trilhos, e dos terminais. Uma<br />

impressão sobre a escala da malha<br />

ferroviária e suas operações,<br />

antes de JK encaminhar o Brasil<br />

em direção à autoestradas com<br />

má manutenção. Uma sensação<br />

familiar de que toda esta his-<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

19


tória seria esmagada por apartamentos de luxo.<br />

Uma sensação da inevitabilidade da história.<br />

Um sentimento similar de orgulho da história<br />

existia também nos donos dos armazéns, com<br />

seus expansivos espaços de concreto guardando<br />

estranha variedade de produtos: de comida à<br />

flores de plástico. Uma escassa força de trabalho<br />

ocupando as sombras do tempo passado. Novamente,<br />

um espaço destinado a cair em ruínas.<br />

Em tudo isso havia um sentimento de desespero,<br />

um sentimento da inevitabilidade da destruição<br />

e o fluxo mono linear do capital. As fotografias<br />

que tiramos são registros e memórias das sensações<br />

daquele momento. Um purgatório antes<br />

da virada, ou mais precisamente antes do Ocupe<br />

Estelita. Antes do Ocupe, nós decidimos voltar<br />

a morar em Londres. Então, tivemos que deixar<br />

o projeto e Recife. Do outro lado do oceano,<br />

nós dois acompanhávamos os eventos do Ocupe<br />

acontecer. Era maravilhoso e tínhamos vontade<br />

de estar em Recife participando do movimento.<br />

Assistíamos o Cais se transformar de uma relíquia<br />

pouco utilizada no passado em um espaço<br />

de contestação para o futuro: um grito pelo Direto<br />

à Cidade ouvido pelo mundo. É frequente que<br />

empreiteiras, no Recife, no Brasil, em Londres<br />

e no mundo são livres para subjugar espaços e<br />

pessoas sem ter resistência. Com o Ocupe houve<br />

resistência. Um tempo, um lugar e um povo que<br />

gritou em demanda e continua a gritar este grito.<br />

Os espaços de indústrias em declínio oferecem<br />

uma fronteira para o capital e para a resistência<br />

a lógica do capital: um lugar onde vitórias podem<br />

ser conquistadas, e onde batalhas devem ser lutadas.<br />

É um desastre que espaços que outrora empregavam<br />

uma grande quantidade de pessoas sejam<br />

transformados em torres de luxo para a elite. É<br />

nosso dever imaginar um novo futuro para estes<br />

espaços. O movimento Ocupe Estelita teve sucesso<br />

em definir um novo presente e precisamos<br />

continuar a luta para um novo futuro.<br />

Nós não iremos transformar a cidade da noite<br />

para o dia, mas nós podemos com certeza ter<br />

certas vitórias. E, com o tempo, essas lutas e<br />

essas vitórias pelo Direito à Cidade farão uma<br />

grande diferença para aqueles que moram, criam<br />

e fazem a cidade.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

21


ENSAIO<br />

NÓS<br />

FOMOS<br />

AO<br />

GALO<br />

FOTOS Elizabeth de Carvalho, Renata Vaz e<br />

Renata Victor<br />

FOTO Elizabeth de Carvalho<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

23


ELIZABETH<br />

DE CARVALHO<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

25


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

27


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

29


RENATA<br />

VA Z<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

31


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

33


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

35


RENATA<br />

VICTOR<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

37


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

39


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

41


REPORTAGEM<br />

Com a proposta de ampliar a<br />

atuação junto à sociedade civil<br />

através de ações que aliem<br />

o conhecimento e a prática<br />

acadêmicos à prestação de<br />

serviços, o curso de Fotografia<br />

da Unicap criou em 2018 o<br />

Núcleo de Ações de Extensão<br />

Social (Naes). Suas ações<br />

envolvem os alunos da<br />

graduação em Fotografia e da<br />

Pós-graduação As Narrativas<br />

Contemporâneas da Fotografia<br />

e do Audiovisual, bem como<br />

professores e funcionários,<br />

em atividades realizadas<br />

em parceria com institutos,<br />

fundações e ONGs, com fins à<br />

promoção da justiça social por<br />

meio do uso da fotografia como<br />

instrumento de comunicação<br />

Em 2018, o Núcleo realizou<br />

ações não apenas na Região<br />

Metropolitana do Recife, mas<br />

até no Sertão de Pernambuco,<br />

dando visibilidade a projetos<br />

que se alinhem com os princípios<br />

humanitários da instituição.<br />

É o caso da Santa Casa de<br />

Misericórdia que atende a 54<br />

meninas do Educandário Santa<br />

Tereza, localizado na cidade de<br />

Olinda, fundado em 1845 como<br />

orfanato mas que hoje atende<br />

a crianças e adolescentes do<br />

sexo feminino em situação<br />

de vulnerabilidade social. A<br />

ação consistiu na produção de<br />

retratos das meninas atendidas<br />

pelo Educandário e entrega da<br />

fotografia em um porta-retrato,<br />

no Dia das Crianças. As fotos<br />

foram realizadas pelos alunos<br />

da graduação. A ação teve o<br />

objetivo duplo de tanto levar os<br />

alunos do curso de fotografia<br />

ao contato com a realidade das<br />

FOTO Caio Danyalgil<br />

Fotografia a<br />

serviço da<br />

cidadania e da<br />

ação social<br />

NÚCLEO DE AÇÕES DE EXTENSÃO SOCIAL (NAES)<br />

FOI CRIADO EM 2018 NO CURSO DE FOTOGRAFIA<br />

DA UNICAP E REALIZOU AÇÕES NO RECIFE, RMR E<br />

SERTÃO DO ESTADO.<br />

FOTO Edna Nunes<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

43


crianças em situação de vulnerabilidade e,<br />

ao mesmo tempo, fomentar nas crianças<br />

a relação com a fotografia enquanto<br />

memória da infância e registro tangível<br />

das suas existências.<br />

Outra ação realizada no âmbito do Naes foi<br />

a curadoria da coordenadora e professora<br />

do curso de Fotografia, Renata Victor, para<br />

a exposição Doutores da Alegria Recife | 15<br />

anos: A máscara do palhaço inserida no<br />

ambiente hospitalar. A mostra é composta<br />

por quinze imagens que circularam<br />

entre os meses de outubro e dezembro<br />

nos quatro hospitais onde os palhaços<br />

atuam (Hospital da Restauração, Hospital<br />

Oswaldo Cruz, Procape e Hospital Barão de<br />

Lucena) e também na Internet. As imagens<br />

são dos fotógrafos Rogério Alves, Lana<br />

Pinho, Márcia Mendes, Alcione Ferreira,<br />

Hélder Ferrer, Newman Homrich, Luciana<br />

Dantas e Thiago França. Os profissionais<br />

acompanharam o trabalho dos Doutores<br />

da Alegria ao longo desses 15 anos de<br />

atuação continuada.<br />

De malas prontas, o Naes partiu rumo a Arcoverde,<br />

no Sertão do Estado, para registrar o trabalho da<br />

Fundação Terra, fundada em 1984, para ajudar<br />

as pessoas que vivem no local denominado “Rua<br />

do Lixo” com atendimento nas áreas de Saúde,<br />

Educação e Alimentação, entre outros. A ação<br />

foi realizada também em parceria com o coletivo<br />

de fotografia F8 e consistiu em uma viagem<br />

fotográfica realizada por treze alunos dos cursos<br />

de graduação em Fotografia e 11 profissionais<br />

do coletivo, que estiveram durante dois dias em<br />

Arcoverde para fotografar as ações da Fundação.<br />

O resultado é uma exposição itinerante que vai<br />

percorrer shoppings do Recife (Riomar, Tacaruna<br />

e Plaza), além dos Correios, da sede da Unicap e<br />

no Ceará.<br />

De volta do Recife, o núcleo atuou junto como<br />

a ONG Deficiente Eficiente, fundada em 2015,<br />

para Inclusão Social da pessoa com deficiência,<br />

visando a melhoria da qualidade de vida dessas<br />

pessoas, tornando-as capazes de desenvolverem<br />

suas aptidões dentro de um contexto que as<br />

possibilitem a desempenharem funções dentro<br />

da sociedade. A parceria com o curso de fotografia<br />

da Unicap teve como objetivo dar visibilidade à<br />

luta pela inclusão das pessoas com deficiência em<br />

Pernambuco e, ao mesmo tempo, resgatar a sua<br />

autoestima através da fotografia, esta poderosa<br />

ferramenta para contar a história do mundo e<br />

alimentar os olhos e a alma com a beleza e verdade<br />

das imagens.<br />

Durante os meses de agosto a outubro, alunos do<br />

Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da<br />

Universidade Católica de Pernambuco (Unicap)<br />

realizaram o projeto Um Outro Olhar, no qual<br />

fotografaram integrantes da ONG Deficiente<br />

Eficiente em uma série de retratos que expõem sua<br />

beleza, resiliência e positividade diante da luta, e<br />

também funcionam como denúncias de algumas<br />

condições que dificultam a vida dessas pessoas.<br />

A proposta é montar uma exposição fotográfica<br />

e também um calendário impresso que ampliem<br />

e potencializem ações efetivas de inclusão. O<br />

resultado do trabalho junto à ONG Deficiente<br />

Eficiente, você confere nos ensaios nas próximas<br />

páginas.<br />

A QUEM<br />

VOCÊ<br />

CONFIA<br />

SUAS<br />

FOTOS?<br />

Rua da Moeda, 140 | 1 Andar<br />

Bairro do Recife | 3424-1310<br />

www.atelierdeimpressao.com.br<br />

FINEART<br />

IMPRESSÃO<br />

TRATAMENTO<br />

DIGITALIZAÇÃO<br />

RESTAURAÇÃO<br />

REPRODUÇÃO<br />

ADESIVAÇÃO<br />

CALIBRAÇÃO<br />

METACRILATO<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

45


ENSAIO<br />

Um Outro<br />

Olhar<br />

O projeto Um Outro Olhar quer dar visibilidade à luta<br />

pela inclusão das pessoas com deficiência em<br />

Pernambuco e, ao mesmo tempo, resgatar a sua<br />

autoestima através da fotografia.<br />

FOTO Thiago Britto<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

47


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

49


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

51


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

53


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

55


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

57


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

59


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

61


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

63


O registro<br />

fotográfico de<br />

Marc Ferrez no<br />

Porto do Recife<br />

TEXTO Renata Victor<br />

O primeiro registro fotográfico do mundo (ver<br />

foto01), de autoria do francês Joseph Nicéphore<br />

Niépce, é datado de 1826. Foram necessárias<br />

oito horas de exposição à luz para captura e o<br />

autor denominou o seu processo de captura da<br />

imagem de heliografia. Não podemos, contudo,<br />

dizer que ele seja o único pai da fotografia, pois<br />

houve vários outros que contribuíram para o<br />

aperfeiçoamento do mesmo feito, como Louis<br />

Jacques Mandé Daguerre, Antoine Hercule<br />

Romuald Florence, Hyppolite Bayard, William<br />

Talbot e Frederick Herschel, George Eastman,<br />

entre outros. A maior parte deles era desenhista,<br />

pelo que comungavam do desejo de descoberta<br />

de técnicas reprográficas que facilitassem o seu<br />

ofício.<br />

O processo químico fotográfico passou por três<br />

momentos importantes para a sua evolução: a<br />

utilização do colódio úmido, gelatina-bromuro<br />

e a criação da primeira câmara portátil (criada<br />

por George Eastman, fundador da Kodak, 1888).<br />

O governo francês só reconheceu a invenção da<br />

fotografia (guerreótipo), em 19 de agosto de 1839,<br />

quando deu a patente para pintor francês Louis<br />

Daguerre (1787-1851).<br />

No contexto brasileiro, a notícia da descoberta<br />

do chegou à corte brasileira em janeiro de 1840,<br />

anunciada pelo “Jornal do Commercio”. A<br />

fotografia foi introduzida por aqui em 1840. A<br />

França, orgulhosa da sua descoberta científica<br />

e artística, enviou a corveta L’Orientale, um<br />

navio-escola comandado pelo capitão Lucas,<br />

para apresentar ao mundo o daguerreótipo. O<br />

capelão francês Louis Compte foi o responsável<br />

por revelar “a máquina que aprisionava a luz e<br />

que fixava as pessoas e as coisas em miniaturas<br />

tão perfeitas como a natureza as havia criado, a<br />

daguerreotipia, ou por outra, a fotografia”, nos<br />

dizeres de Gilberto Ferrez, no seu livro Velhas<br />

Fotografias Pernambucanas, 1851-1890.<br />

A corveta chegou ao Brasil Império em 1840,<br />

quando D. Pedro II acabara de ser nomeado<br />

imperador, aos 14 anos. O capelão Compte, no<br />

Rio de Janeiro, foi recebido pelo imperador, no<br />

palácio de São Cristóvão, e fez demonstração do<br />

daguerreótipo para a família imperial.<br />

O entusiasmo pela experiência levou o<br />

imperador a adquirir uma máquina por 250 mil<br />

réis na loja do importador Felício Luzaghy.<br />

Na prática doméstica, D. Pedro II foi o primeiro<br />

brasileiro a usar o processo e, possivelmente, o<br />

primeiro imperador do mundo. No entanto, D.<br />

Pedro II não era apenas admirador e colecionador<br />

de fotos. O incentivo à técnica e seu gosto pela<br />

arte levaram ministros e conselheiros da Corte<br />

a criar estratégias econômicas, utilizando<br />

a fotografia como propaganda do país. No<br />

exterior, as demonstrações foram efetuadas<br />

nas exposições de Paris, Londres, Amsterdã<br />

e Antuérpia, que mostravam a evolução da<br />

indústria e da economia.<br />

Enquanto a imagem de nossas reservas minerais<br />

e vegetais se propunham a atrair a mão-de-obra<br />

e o capital europeus, a fotografia e seus métodos<br />

de impressão faziam sucesso, revelando a<br />

qualidade dos artistas brasileiros.<br />

Ao referenciar o Nordeste brasileiro, sobretudo,<br />

no Recife, não se sabe ao certo quando o<br />

daguerreótipo chegou, mas há indícios de que<br />

foi entre os anos de 1841 e 1842. O que se pode<br />

afirmar, com base no relatório apresentado ao<br />

Governo pela Comissão Diretora da Exposição<br />

de Pernambuco, de 1866, é que:<br />

“O aparecimento do daguerreótipo em<br />

Pernambuco sucedeu em poucos anos à sua<br />

maravilhosa descoberta no velho continente.<br />

Foi em 1841 ou em 1842 que as primeiras<br />

imagens daguerreotipanas foram produzidas<br />

na província quando então a arte se podia dizer<br />

na infância estava ainda cercada de sensíveis<br />

imperfeições. Diversos estabelecimentos desta<br />

arte se têm fundado em Pernambuco: desde o<br />

iniciador da indústria que foi um francês...”.<br />

O informante não revelou o nome do tal<br />

precursor, mas esta lacuna foi preenchida por<br />

Pereira da Costa, em Anais pernambucanos.<br />

Como afirma Costa, tratava-se do americano J.<br />

Evans, que, vindo do Rio de Janeiro, abriu estúdio<br />

fotográfico no Recife, no primeiro andar da rua<br />

Nova, 14, em fevereiro de 1843. Daí por diante,<br />

não pararam de chegar ao Recife fotógrafos<br />

itinerantes que colocavam anúncios nos jornais<br />

do seu trabalho com sistema fotográfico mais<br />

atualizado do momento. A fotografia tida como<br />

a mais antiga do Recife (ver foto 02), foi tirada do<br />

alto do farol, na entrada do porto, por Charles<br />

de Forest Fredrichs, 1851.<br />

Marc Ferrez - o fotógrafo<br />

da iconográfica brasileira.<br />

Dentre os fotógrafos que realizaram produções<br />

brasileiras, destaca-se Marc Ferrez. Ele nasceu<br />

no Rio de Janeiro, no dia 7 de dezembro de 1843, e<br />

desde cedo teve contato com o universo artístico,<br />

através de seu pai, Zeferino Ferrez, (membro da<br />

Missão Artística Francesa e importante gravador<br />

e empresário da época). Após o falecimento de<br />

seu pai, no dia 22 de julho de 1851, vítima de uma<br />

doença que sacrificou também alguns escravos<br />

e animais domésticos de sua propriedade, na<br />

fábrica de papel em Andaraí Pequeno, o jovem<br />

Ferrez foi enviado à França, onde recebeu os<br />

cuidados de um escultor amigo, Alpheé Dubois,<br />

e de sua mulher. A data de seu retorno ao Brasil,<br />

segundo seu neto Gilberto Ferrez (1997), continua<br />

incerta, presumindo-se que haja acontecido por<br />

volta dos dezesseis anos de idade, provavelmente<br />

no ano de 1859.<br />

Chegando ao Brasil, Ferrez trabalhou na Casa<br />

Leuzinger (referência em impressões e artes<br />

gráficas), onde conviveu com expressivos nomes<br />

da fotografia e recebeu as primeiras lições do<br />

ofício com o fotógrafo alemão Franz Keller. Em<br />

1867, Ferrez resolveu abrir sua própria empresa,<br />

Marc Ferrez & Cia, na Rua de São José, número<br />

96. Marc Ferrez prestou serviços à Marinha<br />

durante a Guerra do Paraguai, documentando,<br />

no Rio de Janeiro, a fabricação das embarcações<br />

que navegariam nos rios Prata, Paraguai e<br />

Paraná após 1868. No dia 10 de julho de 1870,<br />

em comemoração ao fim da disputa, o fotógrafo<br />

registrou os festejos públicos no Templo da<br />

Vitória, erguido no campo da Aclamação. No<br />

ano de 1872, recebeu o título de “Photografo da<br />

Marinha Imperial”. Ferrez, nesse momento, se<br />

tornava um dos mais conhecidos e respeitados<br />

fotógrafos da capital carioca, recebendo<br />

inúmeras encomendas para a documentação de<br />

edifícios públicos, exposições de arte e ciência e<br />

festejos públicos. Porém, no dia 18 de novembro<br />

de 1873, o prédio no qual possuía o seu ateliê<br />

sofreu um incêndio, a perda de centenas<br />

de chapas e negativos originais, segundo a<br />

historiadora Barros (2004), deixou o fotógrafo<br />

em uma delicada situação financeira. A notícia<br />

do incêndio, no dia seguinte ao ocorrido, foi<br />

divulgada em dois grandes órgãos da imprensa<br />

da época, o Jornal do Commercio e o Diário<br />

do Rio de Janeiro. Após o desastroso acidente,<br />

Ferrez pediu empréstimo ao seu amigo Julio<br />

Cláudio Chaigneau, “um dos mais conhecidos<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

65


comerciantes de equipamentos e produtos<br />

fotográficos do Rio de Janeiro” (KOSSOY,<br />

2002). No mesmo ano, Ferrez viajou para a<br />

Europa, com o objetivo de comprar material<br />

especializado e recomeçar suas atividades<br />

profissionais. Em 1875, retornou ao Brasil, já<br />

abastecido com os melhores aparelhos ópticos<br />

da época e com a fama já consolidada, e recebeu<br />

o convite para integrar, como fotógrafo, a missão<br />

científica brasileira, Comissão Geológica do<br />

Império. Nessa função, percorre os Estados da<br />

Bahia, Alagoas, Pernambuco e parte da região<br />

amazônica.<br />

Marc Ferrez participou da Comissão Geológica<br />

do Império apenas nos anos 1875 e 1876, apesar de<br />

os trabalhos da missão terem chegado ao fim no<br />

início do ano de 1878. No entanto, seu trabalho<br />

gerou uma grande quantidade de fotografias que<br />

abordavam temas de natureza, cidades e figuras<br />

humanas. Suas imagens continham o rigor e a<br />

nitidez necessários para o registro científico,<br />

fotografias ricas na diversidade iconográfica.<br />

Em 1875, durante sua estada no Recife, registrou<br />

cenas dos arrecifes e da região portuária da<br />

cidade.<br />

O outro grande momento da carreira de Ferrez<br />

foi durante as construções das ferrovias no<br />

Brasil, particularmente nos anos de 1880 e 1890,<br />

o que possibilitou que articulasse um grande<br />

panorama da paisagem brasileira do período.<br />

Em <strong>12</strong> de janeiro, na cidade do Rio de Janeiro,<br />

falece o Marc Ferrez.<br />

Características técnicas do<br />

fotógrafo Marc Ferrez<br />

Marc Ferrez, fotógrafo paisagista, com<br />

aproximadamente 50 anos dedicados à<br />

fotografia e uma produção de 10 mil imagens<br />

do Brasil, procurava se manter atualizado com<br />

as novas técnicas fotográficas e equipamentos.<br />

Desenvolveu uma câmera para fotos<br />

panorâmicas. Sua obra iconográfica é a principal<br />

responsável pela divulgação da imagem do Brasil<br />

do século XIX no exterior. Marc Ferrez possuía<br />

características marcantes na sua produção<br />

fotográfica, horizontes longínquos, perspectivas<br />

altas ou em plongée, planos demarcados e luzes<br />

contrastantes. Pode-se afirmar que a busca do<br />

elemento pitoresco a particularizar a paisagem<br />

revelam certa filiação romântica na obra do<br />

artista, num possível diálogo com pintores<br />

acadêmicos da época, como Félix Taunay (1795 -<br />

1881) e Facchinetti (1824 - 1900). Suas fotos tinham<br />

atributos românticos da natureza, apresentam a<br />

possibilidade de “relação harmoniosa entre o<br />

homem e a natureza”, segundo a historiadora<br />

Maria Inez Turazzi.<br />

A Comissão Geológica do Império<br />

Até o século XIX, o Brasil era carente de comissões<br />

de estudos nacionais. Faltava conhecimento dos<br />

recursos geológicos, particularmente na região<br />

Norte do país. Expedições norte-americanas,<br />

como a Expedição Thayer, em 1865, e as<br />

Expedições Morgan, em 1870 e 1871, coletaram<br />

informações e amostras variadas, todavia, tais<br />

conhecimentos não permaneceram no Brasil. No<br />

entanto, no final de 1874, foi criada a Comissão<br />

Geológica do Império, com o propósito de<br />

investigar e construir um mapa geológico do<br />

Brasil. A organização foi do Museu Nacional e<br />

o comando da comissão foi do geólogo Charles<br />

Frederic Hartt (1840 – 1878), e contou com o<br />

fotógrafo Marc Ferrez.<br />

A Comissão Geológica do Império (1875-<br />

1877), sob a direção do Charles Frederic Hartt,<br />

conseguiu esclarecer em seus traços gerais a<br />

estrutura geológica brasileira, além de recolher<br />

cerca de 500 mil amostras de minerais. Durante<br />

dois anos Hartt percorreu diversas localidades<br />

brasileiras, principalmente as regiões Nordeste<br />

e Norte, coletando enorme acervo geológico,<br />

posteriormente incorporado ao Museu<br />

Nacional. O valor científico para o conhecimento<br />

da geologia da região Norte só passou a ser<br />

reconhecido após o ano de 1980. As amostras<br />

coletadas pela Comissão compõem atualmente<br />

grande parte do acervo de crinóides fósseis do<br />

Museu Nacional, com acentuada importância<br />

histórica e científica para o patrimônio<br />

paleontológico brasileiro.<br />

A fotografia nessa época foi apropriada<br />

pelo discurso científico como um método<br />

de produção de imagens, capaz de realizar<br />

a análise do ecossistema. A fotografia era<br />

entendida como uma reprodução fiel e precisa<br />

da realidade, que encontrava na imagem toda<br />

subjetividade, pertinente ao processo mecânico.<br />

Esse entendimento da fotografia permitiu<br />

sua assimilação em vários campos do saber,<br />

em especial, nos estudos antropológicos, pois<br />

o seu discurso realista gerava credibilidade<br />

à pesquisa científica. A composição dos<br />

elementos da imagem era pensada e montada<br />

com o objetivo de criar uma prova documental<br />

que comprovasse os princípios defendidos<br />

pelos pesquisadores. O objetivo central<br />

da Comissão Geológica do Império era de<br />

pesquisar o território e a população nativa, de<br />

forma que gerasse subsídios para formação de<br />

uma imagem da nação. Desta forma, atribuir<br />

a fotografia como parte da produção científica<br />

e cultural do século XIX, a partir da análise do<br />

documento fotográfico, refletir sobre algumas<br />

estratégias e escolhas dos cientistas e fotógrafos<br />

no momento da realização dos instantâneos.<br />

Assim, o presente trabalho tem como objetivo<br />

abordar a fotografia como prática científica e<br />

testemunho das teorias científicas, salientando,<br />

por meio da imagem, suas diversas concepções<br />

culturais sobre o homem e a natureza.<br />

Algumas das fotografias realizadas por Ferrez<br />

durante a Comissão Geológica do Império (1875 –<br />

1877), fizeram parte de Exposição Antropológica<br />

Brasileira, inaugurada em 29 de julho de 1882,<br />

no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, com<br />

duração de três meses e um público de mais de<br />

mil visitantes.<br />

Marc Ferrez – o fotógrafo<br />

da iconografia brasileira<br />

Em 1875, durante sua estada no Recife, registrou<br />

cenas dos arrecifes e da região portuária da<br />

cidade. Suas imagens foram fundamentais para<br />

o registro e estudos dos recursos geológicos e o<br />

acompanhamento das mudanças estruturais da<br />

cidade do Recife.<br />

Utilizamos uma fotografia aérea, de minha<br />

autoria, capturada no ano de 2010 para<br />

comparar com as fotos feita por Marc Ferrez<br />

em 1875. Embora os ângulos não sejam os<br />

mesmos, podemos observar que pouco restou<br />

da paisagem arquitetônica do Recife do século<br />

XIX. Ao fazer análises comparativas de imagens<br />

em épocas diferente, é necessário observar as<br />

diferentes e as possíveis semelhanças das fotos.<br />

Procurar relação com outros fatos históricos,<br />

fenômenos sociais, econômicos e políticos.<br />

Para Leonardo Benevolo, arquiteto italiano<br />

especialista em desenvolvimento das<br />

metrópoles:<br />

“A velocidade é tão grande a ponto de apagar<br />

o ambiente de uma geração anterior. Os jovens<br />

não conhecem a cidade onde os adultos viviam<br />

quando também eram novos”.<br />

FOTO Renata Victor<br />

Foto aérea do porto do Recife, 2010.<br />

REFERÊNCIAS:<br />

FABRIS, Annateresa. Fotografia: Usos e Funções no século XIX. 2 ed.<br />

São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2008.<br />

FERREZ, Gilberto. Velhas Fotografias Pernambucanas, 1851-1890. 1 ed.<br />

Rio de Janeiro: Campos Visual, 1988.<br />

KOSSOY, Boris. Dicionário Histórico Fotográfico Brasileiro, fotógrafos<br />

e ofício da fotografia no Brasil (1833-1910). São Paulo: Instituto Moreira<br />

Salles, 2002.<br />

LAGO, Bia Corrêa do; LAGO, Pedro Corrêa do. Os fotógrafos do<br />

Império: a fotografia brasileira no século XIX. Rio de Janeiro :<br />

Capivara, 2005.<br />

PEREGRINO, Julia; Vasquez, PedroKarp. Família Ferrez, novas<br />

revelações. 1 ed. Belo Horizonte: Museu de Arte e Ofícios, 2008.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

67


FOTO SÍNTESE<br />

Vista do alto do farol para o, à direita a<br />

torre Malakoff, o prédio da Associação<br />

Comercial ancoradouro com veleiros,<br />

1875. O crédito na foto foi feito com<br />

carimbo seco e a legenda em três<br />

idiomas.<br />

Vista dos arrecifes e do porto tirada<br />

do alto do farol da Barra, 1875. No<br />

primeiro plano o forte do Picão,<br />

construido em 1614, chamado plelos<br />

holandeses de Castelo do Mar.<br />

Demolido em 1910.<br />

Foto de Charles Frederick Harttcom a cidade do Recife ao fundo,<br />

durante levantamento da Comissão Geológica do Império, 1875.<br />

Recife, tirada da Torre Malakoff, 1875.<br />

FOTO SÍNTESE - NANDO CHIAPETTA<br />

Reflexos de uma arquitetura antiga do bairro refletida<br />

numa construção moderna, num alerta sobre a<br />

preservação.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

69


REPORTAGEM<br />

A fotografia<br />

como imagem<br />

TEXTO Marina Feldhues<br />

A imagem tem vida. É aquilo que vemos e que nos olha de volta. Ela é portadora do “pensamento<br />

de seu autor e principalmente da cultura” (1) . Didi-Huberman, por sua vez, aponta a imagem como<br />

lugar de “trocas e de conversões recíprocas entre espaços e tempos heterogéneos. Lugares feitos<br />

de atos que se repetem e, no entanto, que constantemente diferem. Ritmos, portanto” (2) . Etienne<br />

Samain (3) , por sua vez, diz que a imagem não é nem pensamento único, nem memória acabada.<br />

Ela é necessariamente incompleta.<br />

“Nela (na imagem) se cruzam autores, uma sociedade, um momento histórico, uma técnica, um<br />

objeto representado e tantos outros olhares dedicados a ela ao longo do tempo e, assim, outras<br />

sociedades..., coisas que não são necessariamente solidárias entre si na produção de um sentido<br />

comum.” (3)<br />

A imagem é o entrelaçamento de várias camadas de tempo, de lugares, de memórias, de culturas, de<br />

olhares, de sentidos e de afetos. Por isso, a imagem é múltipla, é um acontecimento, é um processo<br />

que não tem um sentido garantido, único e verdadeiro; é falsa, é fluxo, é movimento. É um lugar<br />

de encontros e disputas, de repetições e diferenças, é ritmo, como bem assinalou Didi-Huberman.<br />

“A imagem é uma respiração fundamental da nossa relação com o mundo e conosco, ou seja,<br />

também da nossa relação com o espaço e o tempo, com o corpo e a linguagem, com o pensamento<br />

e o inconsciente, com o luto e o desejo. Mas essa respiração não é fundamental senão quebrando<br />

o curso das nossas respirações normais: ela então será o élan que excede as possibilidades dos<br />

nossos pulmões ou, pelo contrário, abrandamento e o silêncio que se impõem sob o efeito de uma<br />

stimmung particular. É o ritmo no momento em que se apoderando de tudo, se estende para além<br />

de qualquer medida.” (4)<br />

A imagem, dessa forma, é aquilo que rompe, que arrebenta, que nos tira de um fluxo temporal<br />

comum de existência, e nos joga noutro tempo, ou nos insere num vazio, podemos pensar numa<br />

dimensão de pura presença, ou de puro presente. Segundo Deleuze, a imagem “não se define pelo<br />

sublime de seu conteúdo, mas pela sua forma, ou seja, pela sua ‘tensão interna’ ou pela força que<br />

mobiliza para produzir o vazio ou abrir buracos, descerrar o estreitamento das palavras” (6). A<br />

partir desse entendimento, Didi-Huberman vai dizer que a imagem é “processo” e não “objeto”, “é<br />

algo do espaço e do tempo que ‘se insere na linguagem’ como uma ‘fantástica energia potencial’<br />

que, em todos os sentidos do termo, detona o contexto em que intervém” (7) . Rancière nos ajuda a<br />

complementar o entendimento sobre essa potência de ruptura das imagens ao acrescentar que as<br />

imagens possuem a capacidade de mostrar e de significar, são “o atestado da presença e o testemunho<br />

da história” (8) . As imagens são “operações que vinculam e desvinculam o visível e sua significação,<br />

ou a palavra e seu efeito, que produzem e frustram expectativas” (9), são, portanto, relações entre o<br />

que se vê e o que se diz. Rancière vai dizer que existe a “relação simples”, mimética, de produção<br />

de semelhanças em relação a um objeto tido por original. E há as relações mais complexas, que<br />

Rancière chama de arte, nas quais as imagens produzem dessemelhanças (10) . Por último, Rancière<br />

acrescenta uma terceira relação, a da arquissemelhança, “a semelhança que não fornece a réplica<br />

de uma realidade, mas o testemunho imediato de um outro lugar, de onde ela (a imagem) provém”<br />

(11) . Assim, para além do clichê, da imagem mimética, reduzida a cópia de algo, as “imagens da arte<br />

se redefiniriam na relação móvel da presença bruta com a história cifrada” (<strong>12</strong>) .<br />

“A fotografia não se tornou uma arte porque aciona um dispositivo opondo a marca do copo à sua<br />

cópia. Ela tornou-se arte explorando uma dupla poética da imagem, fazendo de suas imagens,<br />

simultânea ou separadamente, duas coisas: os testemunhos legíveis de uma história escrita<br />

nos rostos ou nos objetos e puros blocos de visibilidade, impermeáveis a toda narrativização, a<br />

qualquer travessia de sentido (...). A fotografia tornou-se uma arte pondo seus recursos técnicos a<br />

serviço dessa poética dupla, fazendo falar duas vezes os rostos dos anônimos: como testemunhas<br />

mudas de uma condição inscrita diretamente em seus traços, suas roupas, seu modo de vida;<br />

e como detentores de um segredo que nunca iremos saber, um segredo roubado pela imagem<br />

mesma que nos traz esses rostos.” (13)<br />

Dessa forma, quando falamos em uma imagem fotográfica única, ou individual, estamos mais<br />

apontando o seu formato de visualização do que sua essência, que é múltipla, heterogênea. A<br />

fotografia pode ser pensada apenas como o clichê mimético, um mero fragmento de visualidade,<br />

representação de um objeto fotografado; ou em sua potência artística, como portadora de tensões,<br />

de intensidades de ruptura (no sentido trazido por Deleuze e Didi-Huberman), ou ainda em sua<br />

potencialidade de oscilação entre a ruptura, promovida pela pura presença da imagem e o enigma,<br />

como testemunho de uma história (Rancière).<br />

A essa potência imagética de que as fotografias podem vir a ser detentoras, para além do mero clichê,<br />

somasse, a compreensão das fotografias em sua materialidade. Soulages diz que uma fotografia é<br />

caracterizada materialmente por quatro elementos: as cores, as formas identificadas na imagem,<br />

o material ou suporte, o formato. A fotografia “é a interação desses quatro elementos materiais e<br />

da possibilidade, mais ou menos grande de imaginar o(s) fenômeno(s) fotografado(s) ou alguma<br />

outra coisa que caracteriza uma foto determinada” (14). Assim, quando pensamos nas fotografias,<br />

pensamos não apenas na sua potencialidade imagética, figurativa, mas também em sua dimensão<br />

material. Cada fotografia se mostra então como um lugar de múltiplos encontros e possibilidades.<br />

1 ENTLER In SAMAIN, 20<strong>12</strong>, p. 133.<br />

2 DIDI-HUBERMAN, 2015a, p. 166.<br />

3 SAMAIN, 20<strong>12</strong>, p. 34.<br />

4 ENTLER in SAMAIN, 20<strong>12</strong>, p. 133.<br />

5 DIDI-HUBERMAN, 2015a, p. 166.<br />

6 DELEUZE, 1992.<br />

7 DIDI-HUBERMAN, 2015a, p. <strong>12</strong>8.<br />

8 RANCIÈRE, 20<strong>12</strong>, p. 36.<br />

9 RANCIÈRE, 20<strong>12</strong>, p. 13.<br />

10 Ibid, p. 15 – 16.<br />

11 Ibid, p. 17.<br />

<strong>12</strong> Ibid, p. 26.<br />

13 Ibid, p. 20 e 23 – 24.<br />

Bibliografia<br />

SAMAIN, Etienne (org.). Como pensam as imagens. Campinas, SP: Editora Unicamp, 20<strong>12</strong>.<br />

DIDI-HUBERMAN, Georges. Falenas: ensaios sobre a aparição, 2. Tradução de António Preto, Eduardo Brito, Mariana Pinto dos Santos, Rui<br />

Pires Cabral e Vanessa Brito. Lisboa: KKYM, 2015a.<br />

DELEUZE, Gilles. O que é um conceito? In: _______. O que é a filosofia? Tradução de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro:<br />

Ed. 34, 1992, p. 25 – 48.<br />

RANCIÈRE, Jacques. O destino das imagens. Tradução de Mônica Costa Netto. Rio de Janeiro: Contraponto, 20<strong>12</strong>.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

71


REPORTAGEM<br />

O tempo e<br />

o lugar<br />

da imagem<br />

TEXTO Catarina Andrade<br />

FOTOS Márcia Larangeiras<br />

Uma fotografia, antes de mais<br />

nada, é uma imagem. Uma<br />

imagem de tempo e de espaço, e<br />

que percorre tempos e espaços.<br />

Um fotógrafo é alguém que<br />

esteve naquele tempo – o do<br />

instante da elaboração da imagem – e naquele lugar – inscrito<br />

visualmente na imagem. Mas sempre me pergunto: Como nasce<br />

uma imagem fotográfica? Onde? Quando? Parece uma pergunta<br />

ingênua. Sim. E, de certo modo, é. Contudo, não se responde<br />

facilmente, muito menos, de forma precisa.<br />

Vi(s)agem entre duas cidades parece ser fruto dessa atividade de<br />

fazer nascer imagens. Não determinando um onde e um quando,<br />

mas possibilitando o onde e o quando a partir dos atravessamentos<br />

de olhares entre fotógrafo, imagem, espectador. Márcia percorreu<br />

esses lugares, captou suas imagens, inscreveu nas fotografias<br />

um tempo e um espaço. Entre os anos de 2014 e 2018, registrou<br />

Maputo e Recife, suas gentes, suas arquiteturas, suas formas<br />

de convívio, suas cores. Porém, as imagens parecem ter nascido<br />

depois. As fotografias que estão neste foto-livro nascem do desejo<br />

da fotógrafa de narrar. A partir de sua errância, seu arruar, nas<br />

cidades de Maputo e Recife (e em ambas fez moradia, ou seja,<br />

estabeleceu uma forma de olhar que, certamente, se distingue do<br />

arruar do turista), Márcia faz confluir tempos e espaços, faz nascer<br />

uma imagem que não está mais fixa visual e temporalmente. Não<br />

olhamos para essas fotografias e nos interrogamos sobre o tempo,<br />

pois elas serão o nosso agora, elas (re)nascerão no nosso olhar de<br />

espectador. Tampouco elas se fixam em Maputo ou em Recife,<br />

uma vez que são capazes de nos levar para outros espaços, reais ou imaginários, conhecidos ou<br />

desconhecidos. Maputo e Recife coincidem em diversos momentos da narrativa criada por Márcia<br />

nesta seleção de fotografias.<br />

A narradora (ou seria a fotógrafa?) nos convida a criar um caminho, um trajeto, nosso, a partir<br />

desses vestígios fotográficos com os quais nos regala. Essas imagens nos libertam o olhar ao passo<br />

que elas nos olham e nos fazem refletir: O que essas fotografias esperam de mim como espectador?<br />

Eu penso que uma fotografia não espera nada do espectador. Na verdade, acredito que nenhuma<br />

arte espera algo do espectador, nós é que pensamos sobre isso porque esperamos muito das coisas<br />

e porque sempre buscamos dar sentido às coisas do mundo por “esperar algo de”. Uma fotografia<br />

está ali, apenas possibilitando um encontro – ou encontros, já que quando as olhamos novamente,<br />

possivelmente elas já nos “dizem” outras coisas – e, de um encontro, nunca saímos da mesma forma<br />

que chegamos.<br />

Enfim, coube a mim apresentar essa narrativa dos fluxos em duas cidades proposta por Márcia, mas<br />

creio que tudo o que eu consegui expressar aqui tenha sido muito pouco em comparação aos tempos<br />

e lugares que essas fotografias me levaram e, com certeza, ainda me levarão sempre que retomálas.<br />

Sei que é difícil entrar num barco e se deixar levar pelo rio, mas você pode remar também e<br />

escolher por onde e como seguir os fluxos. Às margens, Márcia nos convida deixar nossos vestígios<br />

dessa aventura.<br />

Boa vi(s)agem!<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

73


ENSAIO<br />

Diálogos entre Luz e Sombra<br />

No “Mito da Caverna”, Platão explica que aqueles que fazem uso dos<br />

sentidos são iludidos em sua percepção - é como se estivessem numa<br />

caverna, imobilizados, e confundissem a projeção de objetos com os<br />

próprios objetos. Para ultrapassar o mundo das impressões e alcançar o<br />

conhecimento, seria necessário sair da caverna e ir ao encontro da luz do<br />

sol. Daí se estabelecem as dicotomias entre conhecimento e ignorância,<br />

alma e corpo, verdade e ilusão, conceitos e opiniões, enfim, entre luz e<br />

a sombra. Apesar de bela a alegoria, estamos bastante distantes dessa<br />

percepção rígida de mundo - vivemos o relativismo, a subjetividade. E<br />

é isso o que o ensaio propõe: um diálogo entre elementos tidos como<br />

opostos - luz e sombra retratados no seu limite e indissociavelmente<br />

interligados, em grande contraste.<br />

TEXTO E FOTOS Juliana Galvão<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

75


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

77


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

79


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

81


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

83


REPORTAGEM<br />

VerOuvindo: Um Olhar Mediado<br />

Foto: Renata Victor<br />

Audiodescrição, roteiro e narração: Liliana Tavares<br />

Consultoria: Felipe Monteiro<br />

Edição de áudio: Júlio Reis<br />

Nossa forma de olhar vem se<br />

transformando, aprendemos<br />

a cada dia a compreender<br />

imagens que não são produzidas<br />

naturalmente pela visão. No<br />

século XIX, conhecemos a<br />

fotografia e o cinema, meios<br />

analógicos de reprodução de<br />

imagem, em que a câmera nos<br />

apresentou perspectivas que os<br />

nossos olhos não seriam capazes<br />

de alcançar. Aprendemos a<br />

lidar com a reprodução, a<br />

multiplicação, a ampliação,<br />

e a redução das imagens, e a<br />

dar significado a esses modos<br />

de exibição, criadores de<br />

novas subjetividades. Com os<br />

diversos recursos do zoom, da<br />

aceleração e da desaceleração,<br />

as câmeras nos colocaram<br />

diante do “inconsciente ótico”<br />

(BENJAMIN, 1985). No final<br />

do século XX, e velozmente<br />

no século atual, as tecnologias<br />

emergentes de produção de<br />

imagem tornam-se o modelo<br />

dominante de visualização.<br />

Os programas usados no<br />

computador para desenhar ou<br />

para fazer música, por exemplo,<br />

os exames de ultrassom, os<br />

radares, os simuladores de<br />

voos, a holografia, as imagens<br />

de ressonância magnética<br />

e as inúmeras formas de<br />

visualização de imagem digital<br />

deslocaram a visão para um<br />

plano, de certo modo, dissociado<br />

do olho humano. (CRARY,<br />

20<strong>12</strong>). Essas rupturas na forma<br />

de receber uma imagem não<br />

captada pelo olho humano nos<br />

interessam na medida em que<br />

algo que nunca seria percebido<br />

pela visão ocular está sendo<br />

revelado, na maioria das vezes,<br />

por descrições, por leitura de<br />

legendas, por um profissional<br />

já capacitado, por um tutorial,<br />

por alguma forma de mediação<br />

semelhante ao nosso trabalho de<br />

audiodescritor, que medeia as<br />

imagens para quem o aparelho<br />

ótico não reage a estímulos, ou<br />

para aquelas pessoas cujo o olho<br />

capta apenas um borrão, cores<br />

embaçadas, vultos, contrastes<br />

de luz. Descrever uma<br />

fotografia abstrata, desforme,<br />

indefinida, amorfa, que não<br />

pode ser interpretada por meio<br />

de um código convencional,<br />

exige do audiodescritor<br />

imersão no universo da<br />

criação, não se espera obter<br />

uma descrição objetiva, pois<br />

certamente essa não é a<br />

essência da obra. A expectativa<br />

é a de que os significados e os<br />

significantes sejam intuídos.<br />

Na audiodescrição, estamos<br />

falando de transpor linguagens,<br />

de enxergar além do sentido<br />

da visão, estamos falando de<br />

VerOuvindo. Não podemos nos<br />

esquecer de que o contorno<br />

da imagem, a forma, a cor e<br />

a composição imagética são<br />

entregues para uma pessoa<br />

com deficiência visual por meio<br />

da audição, via audiodescrição,<br />

sendo, em geral, uma exceção<br />

a oferta da audiodescrição em<br />

braile. Assim, a narração, seja<br />

ela com voz sintetizada ou<br />

com voz humana, influencia<br />

na recepção da imagem,<br />

especialmente se ela vem<br />

acompanhada de som. Sim,<br />

porque as imagens nos remetem<br />

a sons. Também escutamos<br />

as imagens. Dependendo<br />

do som que as envolvem,<br />

essas imagens irão acionar o<br />

imaginário constitutivo de cada<br />

sujeito. Convido-os a escutar a<br />

audiodescrição abaixo em que a<br />

mesma imagem é apresentada<br />

com trilhas sonoras diferentes.<br />

Fechem os olhos.<br />

Liliana Tavares é doutora em Comunicação<br />

pelo PPGCOM/UFPE, audiodescritora,<br />

coordenadora do Festival VerOuvindo<br />

e gestora da Com Acessibilidade<br />

Comunicacional. comacessibilidade@gmail.<br />

com<br />

Referências<br />

“Foto da lateral de uma esfera achatada, porosa, na cor marrom dourado<br />

que parece flutuar em um fluido transparente. No centro, há uma faixa<br />

estreita nítida que revela uma superfície áspera com reentrâncias pretas.<br />

As partes superior e inferior estão desfocadas, a de cima tem um aspecto<br />

felpudo, a de baixo tem a aparência de um borrão turvo ressaltado pelo<br />

contorno da escuridão.”<br />

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia, arte e técnica: ensaios sobre a literatura e história da<br />

cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985. (Obras Escolhidas, v.1).<br />

CRARY, Jonathan. Técnicas do observador: visão e modernidade no século XIX. Tradução Verrah Chamma; organização Tadeu Capistrano.<br />

Rio de Janeiro: Contraponto, 20<strong>12</strong>. https://glossariodamidia.wordpress.com/2011/06/30/inconsciente-otico/ Acessado em: 09/03/2019.<br />

Liliana Tavares por Manuela Salazar<br />

Felipe Monteiro por Alê Ferrier<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

85


REPORTAGEM<br />

“A imagem fotográfica fornece provas, indícios, funciona sempre como documento iconográfico<br />

acerca de uma dada realidade” (Boris Kossoy)<br />

Brasiliana Fotográfica. Ponte do Recife. Lamberg, Moritz -1880 - 1885.<br />

Fotografia,<br />

intervenção<br />

e narrativa<br />

considerações acerca da utilização de fontes primárias para a<br />

escrita da história na atualidade<br />

TEXTO Braz Pereira Alves Neto<br />

Fotografia e documentação<br />

A história, como disciplina autônoma teve seu galardão em fins do século XIX, época em que<br />

o Positivismo direcionava o historiador a privilegiar documento escrito, sobretudo o oficial. Assim,<br />

esse tipo de documento assumia o peso de prova histórica e, de certa forma, falava por si mesmo:<br />

A valorização do documento como garantia da objetividade, excluía a noção de intencionalidade<br />

contida na ação do historiador.<br />

A partir do segundo quartel do século XX, ampliou-se a noção de documento com o surgimento<br />

de outra concepção de história, proposta pela Escola dos Annales. Conforme os partidários dessa<br />

concepção a história se dava a partir das ações dos homens, e por consequência ao documento<br />

escrito foram incorporados elementos diversos, tais como objetos, signos, paisagens etc. A relação<br />

do historiador com o documento também se modifica: A intencionalidade já passa a ser alvo<br />

de preocupação por parte do historiador, num duplo sentido: a intenção do agente histórico<br />

presente no documento e a intenção do pesquisador ao se acercar desse documento Nessa prática,<br />

progressivamente, o ponto de partida da investigação passa do documento para o problema,<br />

esquemas são valorizados- como, por exemplo, a corrente marxista. Destaquemos que a partir dos<br />

anos 1960, muitos historiadores colocaram na técnica o critério de objetividade para a construção<br />

histórica.<br />

Na transição do século XX para o XXI, buscou-se pensar a história por vias distintas de esquemas<br />

e ortodoxias. O documento figura como “expressão da experiência humana”, a preocupação com<br />

o cotidiano toma corpo, e eis que o historiador se depara com a contingência de diversificar os<br />

materiais utilizados na investigação, incorporando novas linguagens - literatura, relatos, cinema,<br />

teatro, música, pintura, fotos, etc.” e com o desafio, de colocar essas linguagens como elementos<br />

constitutivos de realidades sociais.<br />

Destaquemos que com a “revolução documental” houve uma nova posição para a fotografia, ou<br />

melhor, para o agora documento fotográfico. Assim, um novo panorama se delineou no ambiente<br />

acadêmico no Brasil: verificamos, por exemplo, um aumento significativo do interesse pelas<br />

fontes fotográficas iniciada na década de 1990 – 73 trabalhos publicados. Número significativo se<br />

comparado aos <strong>12</strong> da década anterior e aos 4 dos anos setenta.<br />

Intervenção e contexto<br />

Conforme, o historiador Marcelo Rede dentre os que se ocupam com a produção historiográfica<br />

na atualidade, há larga aceitação, que o documento deve sua existência à intervenção do historiador.<br />

O autor supracitado traz à tona Meneses que propõe um procedimento metodológico<br />

elementar a qualquer documento, isto é, a qualquer suporte de informação, seja ele, material ou<br />

textual, oral ou iconográfico, denominado ‘desdocumentalização’, onde por intermédio de um ato<br />

intelectual, se imaginaria um objeto reinserido em seu contexto, para poder se explicar seu papel<br />

histórico e suas interações com os homens, ou seja, um tipo de inversão que permitiria ir de um<br />

documento descontextualizado (ou melhor, inserido em outros contextos: o museu, o arquivo, etc.)<br />

ao objeto em seu contexto (ou sucessão deles). Tal procedimento possibilitaria ao historiador criar<br />

estratégias para responder as suas indagações e dar início a uma narrativa apropriada. Rede ainda<br />

aponta a atualidade do método proposto por Meneses e reitera que a fonte documental pode trazer<br />

intrinsecamente características de ambiguidade cuja percepção depende de variantes subjetivas e<br />

culturais, assim, o objeto deve ser alvo de depurações para o avanço de um processo cognitivo.<br />

Independente das particularidades do método que seja utilizado, conforme é do métier<br />

do historiador, elaborar o exercício de se interrogar sobre a lógica interna do documento, sua<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

87


pertinência e seu interesse histórico, bem como trazer elementos externos contextuais para que<br />

seu código seja melhor decifrado e reapresentado.<br />

Retomando a fotografia, notemos que ela pode nos fornecer indícios, provas, ou seja,<br />

artefatos que podem funcionar como mecanismos de estudo histórico, desde que o historiador<br />

realize interpretações adequadas. Na ótica de Boris Kossoy, é fundamental que se faça uma Análise<br />

Iconográfica (Reconstituição do processo que originou o artefato fotográfico e Recuperação do<br />

inventário das informações codificadas na imagem fotográfica) e uma Interpretação Iconológica<br />

(“Face oculta” – ler nas entrelinhas; desmontar as condições de produção, averiguar a mentalidade<br />

da época e “as intenções”).<br />

Narrativa histórica contemporânea<br />

Diante da constatação que vivemos na pós-modernidade, onde um novo paradigma<br />

historiográfico calcado nas artes é instaurado, reflete-se que a escrita da história já não necessita<br />

da rigidez cientificista ou racionalista, ou seja, o historiador contemporâneo pode romper com a<br />

concepção de “verdade única” e dar uma dimensão artística ao seu trabalho.<br />

Para Vayne “A história é, em essência, conhecimento por meio de documentos. Desse modo,<br />

a narração histórica, situa-se para além de todos os documentos, já que nenhum deles pode ser o<br />

próprio evento.” Apesar de vislumbrarmos certo tradicionalismo contido nessa afirmação, podemos<br />

estabelecer um elo para a continuidade da importância da utilização dos documentos na narrativa:<br />

o Professor Durval Muniz Albuquerque Júnior reforça que já não há obrigatoriedade do privilégio<br />

de fontes, como outrora, mas isto não significa que se deve esquecer o compromisso com a produção<br />

metódica do saber, pois isso seria abrir mão da dimensão científica do ofício do historiador. Nessa<br />

dinâmica, os documentos, aparecem em diversos elementos da produção humana, tomando a<br />

História como a arte de inventar o passado, a partir dos materiais deixados por ele.<br />

Hoje, a história em diálogo interdisciplinar, pode dispor muitas linguagens e delimitar<br />

documentos diversos com a finalidade de utilizá-los como fontes primárias de uma narrativa. Sendo<br />

esta embasada em evidências, se distingue da ficção encontrada na literatura.<br />

Considerações finais<br />

Discorremos brevemente sobre o conceito evolutivo vinculado a observação e tratamento<br />

da documentação desde que a história emergiu como ciência modernidade até os dias atuais.<br />

Abordamos a mudança na atuação do historiador, que ao longo do tempo tornou-se um interventor<br />

seja para validar a existência dos documentos seja para a interpretá-los. Na culminância disso<br />

tentamos estabelecer um vínculo entre a fotografia e narrativa historiográfica contemporânea esta<br />

diferentemente de outras épocas, passa a ter um caráter artístico, mas que distingue se da ficção<br />

por ter um compromisso com a busca pela verdade - ancorada justamente nesses documentos, que<br />

funcionariam como indícios de um passado, não tido mais como “o real”, mas a” a representação<br />

possível do real” - levando-se em consideração as nuances do sujeito que escreve e ao contexto em<br />

que ele está inserido.<br />

Fotos<br />

Acervo do Museu<br />

da Cidade do Recife<br />

1 KOSSOY, 2000, p.33<br />

2 PEIXOTO; KHOURY; VIEIRA, 2007, p.13<br />

3 PEIXOTO; KHOURY; VIEIRA, 2007, p.15.<br />

4 KOSSOY, 20<strong>12</strong>, p. 3<br />

5 MENESES 1983 apud R<strong>ED</strong>E, 20<strong>12</strong><br />

6 KOSSOY, 1999, p. 58-60<br />

7 VEYNE, 1998, p. 18<br />

8 ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007, P. 64.<br />

*Braz Pereira Alves Neto é mestrando em História na Universidade Católica de Pernambuco.<br />

Também é criador do projeto “Fotografia a lenha” (Instagram @fotografialenha)<br />

Foto: Braz Pereira / Disponível em @fotografialenha<br />

O Historiador trabalha com pistas, detalhes. Como, por exemplo, a foto acima vemos uma inscrições placa de<br />

locomotiva com elementos da Rede Ferroviária do Nordeste. A partir desse documento, pode-se buscar na<br />

historiografia, nos jornais de época, bilhetes de viagem, cartões postais – dentre outros vastos elementos -<br />

reconstituir como funcionou o transporte ferroviários na cidade do Recife e adjacências.<br />

Referências:<br />

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. In: História: a arte de inventar o passado, p.53-66. Bauru,<br />

SP: Edusc, 2007.<br />

KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 1999<br />

KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 20<strong>12</strong>.<br />

PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha; KHOURY, Yara Maria Aun; VIEIRA, Maria do Pilar de Araujo. A pesquisa em história. São Paulo:<br />

Ática, 2007. 80p.<br />

R<strong>ED</strong>E, Marcelo. História e cultura material. .In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da história. Rio de<br />

Janeiro: Elsevier, 20<strong>12</strong>. p. 133-150.<br />

VAYNE, Paul Marie. Como se escreve a história; Foucault revoluciona a história. Trad. De Alda Baltar e Maria Auxiliadora Knneipp, 4 ed.<br />

Brasília: Editora da UNB, 1998. 285 p.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

89


ENSAIO<br />

TEATRO<br />

EM CENA E<br />

EM FOTO<br />

Meu primeiro ano na cobertura do Janeiro de Grandes Espetáculos foi<br />

o 25º do Festival organizado pela família Castro e que, desde a primeira<br />

edição, tentava levar público às produções locais em um mês de<br />

férias onde os artistas passavam por dificuldades. Confiante por estar<br />

fazendo parte de um projeto nobre, reuni o equipamento e aguardei<br />

seu início. Contudo, fui surpreendido por um protesto da classe que<br />

gritava contra a saída de uma encenação por exigência da Prefeitura,<br />

por razões políticas. Este grupo resolveu protestar retirando-se do<br />

festival e minha agenda de trabalho sofreu três valiosos desfalques.<br />

Temeroso que o número aumentasse comecei o trabalho aguardado e<br />

gratificante de fotografar minha paixão maior, o teatro. Ao término das<br />

apresentações, boa parte dos diretores e elencos liam cartas e textos.<br />

Esses entendiam que os protestos deveriam ser em cena e consegui<br />

registrar a maioria deles, mas o receio persistia então aproveitei a<br />

oportunidade e passei a registrar todas as apresentações que meu<br />

tempo permitia, no lugar das 8 produções acertadas, consegui registrar<br />

19 e divido algumas dessas imagens nesta edição da Unicaphoto.<br />

TEXTO E FOTOS Thiago Faria Neves<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

91


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

93


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

95


<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

97


REPORTAGEM<br />

Cena do filme Freaks (1932)<br />

REPORTAGEM<br />

FREAKS<br />

1932<br />

TEXTO Elizabeth<br />

de Carvalho<br />

Nos anos de 1930, em um circo<br />

que, dentre suas atrações possui<br />

um elenco de “freak show”,<br />

um anão se apaixona por uma<br />

trapezista vigarista.<br />

O filme se propõe a provar<br />

que, embora a sociedade tenha<br />

repulsa pelas pessoas que<br />

nasceram com deformidade,<br />

os ditos “anormais/monstros/<br />

freaks” são, na verdade, seres<br />

humanos como qualquer outro.<br />

Ocorre que, a negativa da<br />

sociedade em aceita-los, aí<br />

incluído os demais artistas<br />

circenses, faz com que os<br />

“monstros” criem um rigoroso<br />

código de ética para protegêlos,<br />

assim resumido: uma<br />

ofensa para um, é uma ofensa<br />

para todos; a alegria para um, é<br />

a alegria para todos.<br />

À época de seu lançamento,<br />

o filme sobre a “historia dos<br />

anormais e indesejados” foi um<br />

fracasso de audiência, sendo<br />

de tal modo rejeitado que foi<br />

retirado precocemente de<br />

cartaz.<br />

Posteriormente, passou a<br />

ser cultuado, servindo de<br />

inspiração para a fotógrafa<br />

DIANE ARBUS (1923/1971), que<br />

dedicou parte de seu trabalho<br />

ao registro das pessoas ditas<br />

“bizarras”, tais como anões<br />

e travestis. Recentemente,<br />

“Freaks” serviu de inspiração<br />

para a quarta temporada do<br />

seriado “AMERICAN HORROR<br />

STORY: FREAK SHOW”, no<br />

qual há personagens e cenas<br />

quase idênticos ao filme.<br />

Ato I: Cicerone de um “freak<br />

show”, ao apresentar uma de<br />

suas “criaturas” ao público,<br />

enfatiza que uma ofensa a um<br />

“monstro” é uma ofensa a todos,<br />

porém, antes de mostrar a<br />

“atração” é feito um flash back da<br />

história de um circo, mostrando<br />

a rotina dos personagens: o<br />

elegante anão Hans e sua doce<br />

namora Frieda também anã; as<br />

gêmeas siamesas Violet e Daisy<br />

Hilton; Joseph e Josephine que é<br />

metade homem e metade<br />

mulher; as crianças com<br />

microcefalia protegidas por<br />

Madame Tetralli; a mulher<br />

sem braços (Armless Girl); o<br />

homem sem pernas (Half Boy);<br />

o “homem esqueleto”; a mulher<br />

barbada; a garota pássaro Koo<br />

Koo; o homem sem brações e<br />

pernas (The Living Torso) 2 .<br />

O circo também possui as<br />

atrações “normais”: Cleopatra,<br />

a trapezista que voa como um<br />

pássaro; Hercules, o homem<br />

mais forte do mundo; os<br />

palhaços Phroso e Rosco; a bela<br />

Venus. Ponto de virada I: Frieda<br />

alerta Hans que Cleópatra está<br />

fingindo uma paixão por ele,<br />

tão somente pelo interesse em<br />

seu dinheiro. Hans retruca<br />

dizendo que não recebe ordens<br />

de nenhuma mulher.<br />

Ato II: Cleopatra e Hercules<br />

planejam um golpe para<br />

extorquir Hans: após casarse<br />

com Hans, Cleopatra o<br />

envenenaria lentamente. Com<br />

a morte de Hans, a trapezista<br />

se tornaria herdeira da fortuna<br />

do anão. Ponto de virada II:<br />

The wedding fest. Felizes por<br />

Hans, as demais “criaturas”<br />

festejam o casamento e<br />

acolhem Cleopatra cantando<br />

“nos te aceitamos, uma de nós”.<br />

Cleo reage chamando-os “sujos,<br />

asquerosos e monstros”.<br />

Ato III: Os monstros se vingam<br />

de quem os ofendem: Hercules<br />

e morto e Cleo é transformada<br />

em uma mulher com corpo de<br />

pássaro. O filme termina como<br />

começou: é mostrada ao público<br />

a criatura que Cleópatra se<br />

tornou.<br />

1 https://archive.org/details/Freaks-1932-<br />

Subtitulos-en-espanol#<br />

2 https://cinemaclassico.com/curiosidades/oestranho-e-controverso-elenco-de-freaksmonstros/<br />

Em 2013, o Times Herald-Record, em<br />

Middletown, Nova Iorque, demitiu<br />

toda a sua equipe de fotógrafos, e<br />

forneceu a seus jornalistas celulares<br />

com bons recursos de captura de<br />

imagem, delegando a eles o ofício de<br />

capturar as fotografias de suas pautas.<br />

Esta decisão, ainda em vigor,<br />

também adotada por outros veículos<br />

de comunicação, como o Chicago<br />

Sun-Times, despertou polêmicas<br />

discussões sobre o papel da fotografia<br />

na mídia e sobre o espaço do fotógrafo<br />

na construção discursiva das notícias.<br />

Anos mais tarde, um estudo analisou<br />

as fotografias da publicação e percebeu<br />

alterações em seus resultados.<br />

O estudo1 , publicado na revista<br />

Journalism Mass Communication<br />

Quarterly em março de 2018, analisou<br />

488 imagens realizadas por fotógrafos<br />

profissionais e 409 fotografias<br />

capturadas por não profissionais,<br />

todas publicadas no jornal. A pesquisa<br />

categorizou as imagens, separandoas<br />

em quatro categorias: informativas,<br />

apelo visual, apelo emocional e<br />

intimidade.<br />

O artigo também apontou que apenas<br />

1 em cada 10 imagens não profissionais<br />

carregavam um apelo emocional,<br />

enquanto os profissionais conseguiam<br />

imprimir o efeito em mais de 25% das<br />

fotografias. Quando observadas as<br />

composições com relevante de apelo<br />

visual, os profissionais novamente<br />

se destacam, com 23,6% das<br />

imagens, contra apenas 7,6% dos não<br />

profissionais. O último, mas também<br />

marcante índice, aponta para a criação<br />

de alguma conexão de intimidade<br />

com o destinatário, algo que apenas<br />

1,8% dos profissionais conseguiu<br />

alcançar, mas que não foi observado<br />

em nenhuma das 409 imagens<br />

produzidas pelos não profissionais.<br />

Fotojornalismo<br />

importa?<br />

TEXTO Paulo Souza<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

99


Foto: Tomasz Mikolajczyk/Pixaby<br />

As diferenças foram além. As fotos<br />

profissionais eram mais propensas a<br />

mostrar ação e retratar conflito, duas<br />

qualidades conhecidas por despertar<br />

a atenção do público, que as fotos<br />

não profissionais. Além disso, os<br />

pesquisadores observaram que o Times<br />

Herald-Record geralmente utilizou, em<br />

suas capas e espaços de destaque, fotos<br />

realizadas por profissionais.<br />

É certo que muitas questões são de difícil<br />

mensuração, em virtude da natural<br />

subjetividade associada a um juízo de<br />

valor associado às imagens fotográficas.<br />

Apesar disso, fica claro que as imagens<br />

realizadas por olhares não treinados<br />

tendem a sem mais simples e objetivas,<br />

servindo mais como um suporte ao texto<br />

que como uma linguagem de expressão<br />

própria. A fatal de apelo estético e<br />

emocional é claramente percebida por<br />

olhares críticos, mas provavelmente<br />

também atinge os demais leitores,<br />

ainda que o seu processo de recepção<br />

não trate esse fenômeno de forma tão<br />

analítica. Se essa perda estética será<br />

considerada como relevante, diante da<br />

redução de custos com profissionais e<br />

equipamentos, é algo a ser observado no<br />

futuro.<br />

O estudo apresenta dados que não surpreendem<br />

pesquisadores e profissionais da imagem, mas é<br />

fundamental que tais dados ganhem visibilidade<br />

e que novos estudos sejam realizados para trazer<br />

de volta ao senso comum a ideia de que uma<br />

abordagem profissional é capaz de qualificar<br />

o conteúdo imagético da imprensa. A ideia<br />

de adotar dispositivos móveis, por outro lado,<br />

parece ser uma mudança positiva, considerando<br />

que um dispositivo fotograficamente capaz e<br />

que acompanha o fotógrafo o tempo inteiro, é<br />

um forte aliado na produção de imagens. Unir<br />

os celulares, com sua portabilidade e aptidão<br />

para rápida transmissão de imagens, ao senso de<br />

composição, geometria, harmonia de cores, de<br />

um fotógrafo, dotado de um olhar treinado para<br />

comunicar através de ações e emoções, parece ser<br />

um caminho viável para produção de conteúdo<br />

comunicacional de qualidade e relevância.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

101


ENSAIO<br />

TEXTO e FOTOS Vidal de Souza<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

103


DICA ESPECIAL<br />

O trabalhador<br />

na fotografia<br />

documental:<br />

pesquisa de<br />

imagens de<br />

Ludimilla<br />

Wanderlei<br />

TEXTO Julianna Nascimento Torezani<br />

Mãe de Lis. Doutora em Comunicação pela UFPE. Mestre em Cultura e Turismo e Bacharel<br />

em Comunicação Social pela UESC. E-mail: juliannatorezani@yahoo.com.br<br />

Através da fotografia documental um tema é exposto em profundidade, feito com tempo e tratamento<br />

diferente do fotojornalismo, pois permite apresentar imageticamente um lugar ou uma época<br />

e mostrar o real sem determinadas interferências. A pesquisadora Ludimilla Carvalho Wanderlei<br />

define a fotografia como um elemento que emociona, mobiliza e faz refletir acerca da realidade,<br />

indica que o “documental não supõe apenas a existência de um referente, mas significa que existe um<br />

modo de relação com esse referente assumido como verdadeiro. Paralelamente, o fotógrafo possui a<br />

capacidade de operar tal relação, de relatar o mundo e suas dinâmicas” (WANDERLEI, 2018, p. 55).<br />

Importante pontuar que a fotografia documental tem um marco histórico através do projeto Farm<br />

Security Administration do governo dos Estados Unidos para gerar informações sobre a população<br />

de áreas agrícolas por conta da crise de 1929. Neste órgão integraram fotógrafos como Dotothea<br />

Lange, Walker Evans e Russel Lee para elaborar uma iconografia que demonstrasse exatamente o<br />

que estava acontecendo. Entre as milhares de imagens destaca-se a famosa Mãe Migrante de Lange,<br />

feita em 1936.<br />

Na obra O trabalhador na fotografia documental, lançada pela Editora Appris, em 2018, Ludimilla<br />

Wanderlei indica que a fotografia documental serve para provocar a reflexão crítica do público sobre<br />

a imagem, além de possuir uma pretensão estética e conceitual, pois há um modo de produção<br />

específico de cada época, mas também especialmente ligado ao objetivo do projeto e do que se deseja<br />

mostrar. Tais imagens criadas para este fim servem posteriormente como arquivo documental para<br />

realização de diversos estudos, cabendo aos investigadores decifrar as intencionalidades impregnadas<br />

na construção fotográfica. Ao observar a produção de quatro fotógrafos a pesquisadora indica um<br />

estilo documental a partir de uma estética enxuta quanto ao enquadramento total, centralização do<br />

motivo, redução de sombras e imagens em série, assim “a imagem se torna o artefato que permite<br />

acesso a realidades outras” (WANDERLEI, 2018, p. 54).<br />

Após o capítulo inicial que traz uma fundamental reflexão sobre a fotografia documental, a autora<br />

analisa a representação dos trabalhadores nas imagens, especificamente os fins sociais, artísticos<br />

e políticos das produções de August Sander, Sebastião Salgado, Gilles Sabrié e Giulio Piscitelli.<br />

Ao mapear as séries fotográficas de tais fotógrafos Wanderlei aponta os paradigmas que cada<br />

um está ligado, sobretudo em função das questões estéticas e das intencionalidades políticas das<br />

representações.<br />

No capítulo Sander: para uma fotografia exata trata sobre a obra fotográfica do alemão August<br />

Sander (1876-1964) que elaborou retratos da sociedade alemã no início do século XX, mas com uma<br />

estética oitocentista, visto que fez imagens padronizadas quanto ao enquadramento, iluminação,<br />

composição centralizada e frontal. Neste trabalho observa-se retratos posados, como os retratos<br />

burgueses do século XIX, mas mostra a fotografia do trabalhador como uma forma de vigilância<br />

sobre o corpo. Para a autora, “ele não parece buscar emoção nos rostos de seus personagens, que<br />

geralmente olham diretamente a câmera com uma expressão quase congelada, dura – mais uma<br />

referência do retrato francamente posado (e dirigido)” (WANDERLEI, 2018, p. 86).<br />

Na sequência, o capítulo Sebastião Salgado e o documentarismo social analisa um conjunto de<br />

imagens do fotógrafo brasileiro que tem projetos longos de inspiração marxista. Este estudo é<br />

especialmente sobre a obra Trabalhadores: uma arqueologia da era industrial, de 1993, que mostra<br />

as formas de trabalho de um ciclo industrial em declínio. Para Wanderlei, “a dramaticidade não<br />

está só nos temas (fome, genocídio, pobreza), mas também na forma, no tratamento extremamente<br />

calculado, planejado de suas imagens que buscam convencer quem as olha da gravidade das situações<br />

retratadas” (WANDERLEI, 2018, p. 109).<br />

O último capítulo, Sabrié e Piscitelli: imagens do proletariado entre a imprensa e o documental,<br />

apresenta o trabalho do francês Gilles Sabrié que fotografa as transformações do mundo do trabalho<br />

na China, especialmente através do ensaio Life in I-Phone City, que mostram os funcionários da<br />

empresa de produtos de tecnologia Foxconn quando não estão trabalhando. Nesta parte também<br />

é apresentado a fotografia do italiano Giulio Piscitelli sobre as dificuldades que enfrentam os<br />

imigrantes que vão para Europa através do projeto From there to here. Estes trabalhos se colocam na<br />

perspectiva estética de produção e divulgação da fotografia do século XXI, visto que integram sites,<br />

mostram os espaços geográficos que foram retratados, apresentam textos junto com as imagens e<br />

tentam entender o trabalho na perspectiva do tempo. “As representações de Sabrié e Piscitelli são<br />

produzidas tendo como cenário uma reorganização do próprio sistema econômico que transformou<br />

também os modos de ser dos trabalhadores” (WANDERLEI, 2018, p. 155).<br />

O livro nos faz refletir sobre uma série de questões, passa pela produção fotográfica em cada época<br />

e suas intencionalidades estéticas e políticas, ao mesmo tempo que promove analisar a criação<br />

imagética sobre o trabalhador do século XIX em diante. Para a autora o “papel do fotógrafo como<br />

alguém que carrega um discurso político” (WANDERLEI, 2018, p. 27). Desta forma, cada imagem<br />

carrega as marcas de um tempo, lugar, situação e legado social e isso fica muito bem evidenciado<br />

nesta obra escrita de forma objetiva e com profundidade de dados que nos conecta a cada conjunto<br />

de imagens apresentado. Em tempo, Ludimilla Wanderlei é graduada em Rádio e TV, mestra em<br />

Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco, no qual este livro é o resultado de sua<br />

dissertação. Atualmente é doutoranda, também em Comunicação, onde continua a desenvolver<br />

pesquisa em fotografia.<br />

WANDERLEI, Ludimilla Carvalho. O trabalhador na fotografia documental. Curitiba: Appris, 2018.<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

105

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!