UnicaPhoto - Edição 16
Revista do curso de Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap)
Revista do curso de Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap)
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www.unicap.br/unicaphoto
Revista do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da UNICAP #16 • MARÇO DE 2021
30
Trabalhos feitos por alunos ganham
prêmios regionais e nacionais
41
Entrevista com a professora
Marina Feldhues
116
Explorando o universo
das exposições virtuais
EXPEDIENTE
EDITORIAL
COORDENAÇÃO
Renata Victor
EDIÇÃO
Carolina Monteiro e Filipe Falcão
COMISSÃO EDITORIAL
André Antônio Barbosa, Carol Monteiro, Filipe Falcão e Renata Victor
PROGRAMAÇÃO VISUAL
Jota Bosco
DIAGRAMAÇÃO
Aline Leôncio e Jota Bosco
TEXTOS E FOTOS
Adelson Alves, André Antônio Barbosa, Arnaldo Sete, Betânia Corrêa de
Araújo, Danyllo Feliciano da Silva, Douglas Fagner, Filipe Falcão, Gustano
Bettini, João Guilherme Peixoto, Johnatta Vitor Silva Marinho, Julianna
Nascimento Torezani, Leonardo Araújo, Liliana Tavares, Paulo Souza, Renata
Victor, Rosália Cristina de França, Sidney Rocha
FOTO DA CAPA
Catarina Pennycook
FOTO DA CONTRACAPA
Sérgio Maranhão
Escaneie o código QR abaixo, através de
aplicativo no smartphone, e acesse todas
as edições da revista na internet
No último dia 12, meu sobrinho de nove anos me perguntou se
eu iria ficar triste se ele me falasse algo. E logo veio a bomba:
“Tia, sua profissão de fotógrafa não vale mais nada, pois todo
mundo fotografa”. Respirei fundo e comecei: “Meu amor,
quase todo mundo cozinha, mas poucos são chefs. Da mesma
forma, apertar um botão não torna a pessoa fotógrafa. Para se
tornar um bom profissional é preciso se dedicar com afinco ao
estudo da profissão escolhida, seja ela qual for”. A partir desse
episódio, montei uma estratégia para começar a apresentar a
ele os trabalhos de alguns fotógrafos que admiro, como Cartier
Bresson e o seu olhar diferenciado do cotidiano; Robert Capa,
com suas polêmicas fotografias de guerra; Philippe Halsman,
com sua técnica do “Jump”; Margaret Bourke-White com seu
pioneirismo em fotografar o território soviético e documentar
os campos de concentração nazistas; Maureen Bisilliat com
seu comovente ensaio “Pele Preta”, dentre outros. Também
iremos assistir juntos ao documentário “Nascidos em bordéis”,
que mostra a fotografia como instrumento de inclusão social, e
mesmo ler textos reflexivos sobre a imagem. Espero que possa
ajudar meu sobrinho a entender a importância do estudo, para
diferenciar um profissional daquele que realiza a atividade
superficialmente e sem qualquer compromisso e, até, a fazê-lo
ver que uma fotografia pode ter o poder de denunciar, informar,
comunicar e acrescentar novas possibilidades de expressão
artística.
Embora se constate que a fotografia se tornou o meio de
expressão da sociedade contemporânea, a nossa sociedade
ainda é despreparada para ler e compreender o poder da
linguagem visual, fazendo apenas leituras superficiais. No livro
“Pequena História da Fotografia”, de 1931, Walter Benjamin já
previa: “Já se disse que (o analfabeto do futuro não será quem
não sabe escrever, e sim quem não sabe fotografar). Mas um
fotógrafo que não sabe ler suas próprias imagens não é pior
que um analfabeto?”
crítica e a prática artística-cultural, com ênfase na
América-Latina.
A entrevista dessa edição é com a fotógrafa e professora
Marina Feldhues, que inaugurou o MBA com a disciplina
“Cultura visual: imagem e fotografia”.
Temos ainda uma matéria do professor Filipe Falcão sobre
os prêmios obtidos pelos alunos(as) e professores(as) na
mostra competitiva Expocom, do Intercom (Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação).
A professora Julianna Torezani lança luzes sobre o seu
projeto “Desafios fotográficos” e o professor Paulo Souza
nos mostra as possibilidades das exposições virtuais.
Como de costume, trazemos um ensaio de minha autoria,
intitulado “Entre ondas e nuvens”. Ainda podemos
conferir os ensaios dos alunos Arnaldo Sette, com “A
verdade a céu aberto”; Danyllo Feliciano, com “Basta
de violência”; Leonardo Araújo, com “Vazio”; Douglas
Fagner, com “A fé em tempos de pandemia” e Adelson
Alves, com “Uma história de resistência e persistência”.
No campo dos ensaios teóricos, o professor
André Antônio Barbosa apresenta “Mercadoria e
fantasmagoria: entre Walter Benjamin e The Bling Ring”;
e João Guilherme escreve: “Agenda 2030: uma proposta
de transdisciplinaridade em tempos de pandemia. Os
alunos Johnatta Marinho Rosália França também nos
presenteiam com belos artigos.
A grande novidade é a coluna do escritor e aluno do curso
de Fotografia Sidney Rocha, que chega para ampliar o
belo time de colunistas da Unicaphoto - Betânia Corrêa
de Araújo, Gustavo Bettini e Liliana Tavares.
A UnicaPhoto é uma publicação semestral do Curso Superior de Tecnologia
em Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco. (ISSN 2357 8793)
Para corroborar com a potência da fotografia, chegamos a
16ª edição da Unicaphoto, uma revista que tem como objetivo
incentivar a produção acadêmica e artística dos alunos do curso
de Fotografia da Unicap. A Unicaphoto, ao longo dos seus sete
anos e sete meses, testemunhou muitas das conquistas do
curso de Fotografia da Unicap. Anunciamos mais uma: no último
dia 01 de março, iniciamos o MBA “Cultura visual: fotografia
& arte latino-americana”, um curso inovador, com o objetivo
de capacitar os profissionais à criação de projetos artísticos e
culturais multidisciplinares, multimidiáticos e multilinguagens
com uso da Fotografia, incentivando a pesquisa, a reflexão
Sem mais delongas, convido os leitores para desfrutarem
de uma edição riquíssima em ensaios e textos de
professores, alunos, ex-alunos e colaboradores.
Espero que vocês (e meu sobrinho) gostem.
Renata Victor
Coordenadora do Curso
Superior de Tecnologia
em Fotografia da Unicap
2 3
SUMÁRIO
PAG. 03
Editorial
PAG. 10
Ensaio - Entre ondas e nuvens
PAG. 30
Expocom - Trabalhos desenvolvidos por alunos
ganham prêmios regionais e nacionais
PAG. 41
Entrevista - Marina Feldhues
PAG. 50
Matéria - “Agenda 2030”:
transdisciplinaridade
em tempos de pandemia
PAG. 62
Coluna - Minha Tia Mesmeriana
PAG. 74
Ensaio - Uma história de
resistência e persistência
PAG. 84
Ensaio - Comunidade do Pilar:
a verdade a céu aberto
PAG. 102
Ensaio - Chega de violência contra a mulher
PAG. 112
Coluna - Olha o passarinho!
PAG. 116
Exposição - Explorando o universo das
exposições virtuais
PAG. 06
Aconteceu
PAG. 22
Ensaio - Vazio
PAG. 34
Artigo - Mercadoria e fantasmagoria: entre
Walter Benjamin e The Bling Ring
PAG. 48
MBA
PAG. 57
Matéria - Desafios fotográficos
PAG. 66
Artigo - Memórias dos tempos de usina
PAG. 79
Ensaio - Itapuama banhada de petróleo
PAG. 89
Ensaio - A fé em tempos
de pandemia
PAG. 110
Audiodescrição
PAG. 113
Catálogo - A formação de um coisógrafo
PAG. 118
Coluna - “Também, com essa câmera?!”
ACONTECEU
AGOSTO
DEBATE SOBRE ACESSIBILIDADE COM A TURMA
DA ESPECIALIZAÇÃO
O segundo semestre começou
na especialização As Narrativas
Contemporâneas da Fotografia
e do Audiovisual com visita da
pesquisadora Liliana Tavares,
idealizadora do festival VerOuvindo,
voltado para a discussão da
produção audiovisual com
acessibilidade. No bate-papo
com a turma, Liliana falou sobre
acessibilidade e a importância
de ferramentas de inclusão na
fotografia e no audiovisual.
ALUNOS DA GRADUAÇÃO TIVERAM RESUMO
APROVADO PARA CONGRESSO INTERNACIONAL
Os estudantes Danyllo Feliciano
e Lidiane Mota, orientados pelo
professor João Guilherme Peixoto,
tiveram resumo de trabalho
aprovado para o XII Congresso
Internacional de Ciberperiodismo. O
evento, promovido pela Universidad
del Pais Basco, na Espanha,
aconteceu virtualmente nos dias
9 e 10 de novembro de 2020. O
título do trabalho selecionado foi
“Fotojornalismo e inovação: uma
análise dos especiais multimídia
produzidos entre os anos 2010 e
2015 pelos portais JC Online (PE) e
Diario de Pernambuco Online (PE)”.
A pesquisa foi desenvolvida durante
o Programa de Iniciação Científica da
Unicap (Pibic).
ABERTURA DO SEMESTRE 2020.2
O Dia Mundial da Fotografia é
celebrado em 19 de agosto. A
data coincidiu com a abertura
do semestre cuja programação
trouxe as jornalistas Mônica Maia e
Simonetta Persichetti palestrando
sobre o tema “Fotografia: crítica e
curadoria”, além do lançamento da
15ª edição da revista UnicaPhoto e o
anúncio do prêmio Alcir Lacerda.
O prêmio de 2020 não teve um
vencedor, mas serviu como
homenagem aos fotógrafos e
cinegrafistas que atuaram na linha
de frente da cobertura jornalística
da Covid-19. Para representar estes
profissionais foram escolhidos os exalunos
Filipe Ribeiro e Augusto César.
Filipe atua como fotógrafo do Jornal
do Commercio e Augusto como
cinegrafista da Rede Globo Nordeste.
A programação da abertura do
semestre seguiu nos dias 20 e 21
de agosto com bate-papo com os
professores do curso e participação
de representantes dos setores
administrativos da universidade,
além do fotógrafo Renato Rocha que
falou sobre “Luz e flash”.
COLAÇÃO DE GRAU DA TURMA 2020.1
A cerimônia de Colação de Grau dos
concluintes de 2020.1 aconteceu
no ambiente virtual. O curso de
Fotografia foi representado pela
formanda e ex-monitora Bruna
Reinaux.
SETEMBRO
SEMINÁRIO PARA DEBATER FOTOGRAFIA E
AUDIOVISUAL
A especialização do curso de Fotografia
realizou nos meses de setembro e
outubro o 1º seminário As Narrativas
Contemporâneas da Fotografia e
do Audiovisual. O primeiro dia do
evento teve como tema “Corpos
pós-coloniais e desterritorialização:
gestos e movimentos afetivos em Bom
Trabalho (Claire Denis, 1999)” e contou
com as participações de Mariana
Cunha e Jyan França. O segundo
encontro contou com as participações
de Álvaro Brito, cuja fala abordou
“Dois gestos de montagem: a criação
do filme-ensaio”, e Larissa Veloso que
analisou “Melancolia e paisagem nos
filmes de Chantal Akerman e Jonas
Mekas”.
OUTUBRO
A IMPORTÂNCIA DA ILUMINAÇÃO
Um dos destaques do mês de
outubro foi o fotógrafo Adelson
Alves convidado para a aula de
iluminação da professora Renata
Victor. O profissional conversou com
a turma sobre a criatividade que o
fez construir muitos acessórios para
trabalhar melhor a iluminação no seu
estúdio.
BATE-PAPO SOBRE PRODUÇÃO AUDIOVISUAL
A produtora, roteirista e diretora
Gabriela Alcântara foi convidada
pelo professor Filipe Falcão, da
disciplina Captura de Vídeo em
HDSLR e Edição, para uma conversa
com os alunos sobre a importância
da pré-produção na realização de
um produto audiovisual. Gabriela
exibiu para a turma o seu filme
ainda não lançado e deu muitas
dicas de como produzir um curtametragem.
OFICINA DE LI VASC
A arte educadora Li Vasc realizou
nos dias 08 e 09 de outubro uma
oficina ofertada pelo NEAS (Núcleo
de Ações de Extensão Social do
Curso de Fotografia) em conjunto
com a @ongdeficienteeficiente.
“A experiência da oficina foi
enriquecedora. Cada aluno trouxe as
suas questões e trabalhamos com os
conceitos das emoções como amor,
solidão e medo”, declarou Li sobre a
oficina.
PRÁTICA NO CAMPUS
O dia 17 de outubro foi marcado
pelo primeiro encontro presencial
do curso de Fotografia desde o
começo das aulas remotas em
março de 2020. A atividade prática
de captura de vídeo foi ministrada
pelo professor Filipe Falcão para
os alunos do 4° módulo. Todos os
protocolos oficiais de distanciamento
foram criteriosamente obedecidos.
Os estudantes trabalharam em
pequenos grupos, ambiente externo
e com um equipamento para cada
aluno. Um segundo encontro
presencial aconteceu no dia 24 de
outubro respeitando os mesmos
protocolos de segurança.
INTERCOM REGIÕES 2020
Historicamente os alunos e alunas
do curso de Fotografia participam
como finalistas no Expocom,
evento que faz parte da Intercom
- Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação.
Para a etapa regional do Expocom
2020, os estudantes finalistas foram
Ana Claudia Monteiro Dutra (Melhor
Filme de Ficção), Arylanna Kelly
Gomes Santos (Roteiro de Ficção),
Bruna de Melo Reinaux (Videoclipe),
Catarina Luíza de Macêdo
Pennycook (Fotografia Artística),
Débora Nascimento (Produção
Multimídia Avulsa), Maria do Carmo
Farias (Roteiro de Documentário)
e Sérgio Maranhão de Mendonça
(Direção de Fotografia). Os trabalhos
foram orientados pelos professores
Filipe Falcão, Paulo Souza e Renata
Victor.
Os vencedores foram Ana Claudia
Monteiro Dutra, Bruna de Melo
Reinaux, Catarina Luíza de Macêdo
Pennycook e Sérgio Maranhão de
Mendonça. Os quatro se tornaram
finalistas do Expocom nacional.
O ASSUNTO É ÁUDIO!
O professor e especialista em som
Ricardo Maia esteve presente
6 7
na aula da disciplina de Captura
de Vídeo em HDSLR e Edição, do
professor Filipe Falcão, para uma
conversa com os alunos sobre a
importância do áudio nas produções
audiovisuais. Ricardo falou sobre
o som no cinema e suas diferentes
possibilidades como trilha sonora,
foley e processos de captura.
NOVEMBRO
19 – FOTOVÍDEO 2020
Mesmo com a pandemia e as aulas
remotas, o curso de Fotografia
realizou o seu já tradicional
FotoVídeo. O evento contou com
oficinas, workshops, palestras
e mostras de vídeo. Toda a
programação foi remota. As oficinas
foram comandadas por Anderson
Freire (Fotografia de Gastronomia),
Débora Nascimento (Além das
Paredes: Introdução à Fotografia
de Arquitetura e Interiores), Diego
Araújo (Na Edição a Gente Corrige.
Será?), Pedro Ferreira (Fotografia de
Eventos), Roberta Moura (Fotografia
de Casamentos: Destination
Wedding, Do Contrato à Entrega) e
Rômulo G. E. (Perdendo o Medo do
Lightroom).
O FotoVídeo 2020 também recebeu
as palestras de Karina Moraes (A
Vida do Fotógrafo em Orlando:
Começo, Mercado de Trabalho
e Clientela) e Renato Menezes
(Curadoria, Conservação e Gestão
de Acervos Fotográficos). Por fim, o
evento realizou a sua já tradicional
Mostra de Vídeos.
DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA EM FOTOS E VÍDEOS
O curso de Fotografia realizou o
1º Concurso de Fotos e Vídeos do
Dia da Consciência Negra. Foram
enviadas 61 obras de diversas
partes do Brasil. A votação popular
aconteceu nas redes sociais do curso
e durou quatro dias com o total de
3947 curtidas. A foto vencedora
foi a obra intitulada “Colore-me
branco!”, do fotógrafo recifense
Lucas Rodrigues de Lima. Além do
júri popular, o concurso também
teve comissão julgadora formada
Soares Passos, com a obra intitulada
“Espalhando…”. O vencedor na
categoria de vídeo foi Douglas
Fagner, com a obra “A fé em tempos
de pandemia”.
DEZEMBRO
CURSO LEVA PRÊMIO DE DIREÇÃO DE
FOTOGRAFIA NA EXPOCOM
O aluno Sérgio Maranhão
de Mendonça foi o grande
vencedor no Expocom nacional.
Com o documentário “Teresa”,
desenvolvido na disciplina de
Captura de Vídeo em HDSLR
e Edição, o projeto venceu na
categoria Direção de Fotografia. O
projeto de Sérgio competiu com
trabalhos de todo o país. O vídeo
foi orientado pelo professor Filipe
Falcão.
EX-ALUNA DA ESPECIALIZAÇÃO VENCE PRÊMIOS
NO CINE PE 2020
O documentário “Eu.Tempo”,
produzido por Thaíse Moura,
ex-aluna da especialização As
Narrativas Contemporâneas da
Fotografia e do Audiovisual, venceu
o Festival Cine PE 2020 em três
categorias.
O documentário, que foi produzido
por Thaíse como trabalho de
conclusão da especialização,
levou os prêmios de Melhor Curta
Nacional na escolha do júri popular,
Melhor Curta Nacional na escolha
da Associação Brasileira de Críticos
de Cinema (Abraccine) e melhor
Edição de Som. “Eu.Tempo” recebeu,
ainda, uma menção honrosa pelas
histórias e vivências inspiradoras
dos personagens.
emanadas pela transmissão online.
Não faltou animação, música e
afeto.
EXPOSIÇÃO VIRTUAL DO CURSO DE FOTOGRAFIA
A primeira mostra virtual do curso de
Fotografia da UNICAP reuniu obras
dos alunos da graduação mostrando
o resultado de um trabalho coletivo e
interdisciplinar desenvolvido ao longo
do semestre.
JANEIRO
LANÇAMENTO DO MBA DE CULTURA VISUAL
O curso de Fotografia lançou o
MBA em Cultura Visual: Fotografia
& Arte Latino-Americana. Inédito
no Brasil e com aulas remotas, o
curso tem como objetivo capacitar
os profissionais à criação de
projetos artísticos e culturais
multidisciplinares, multimidiáticos
e multilinguagens com uso da
fotografia, incentivando a pesquisa,
a reflexão crítica e a prática artísticacultural,
com ênfase na América-
Latina.
FEVEREIRO
COLAÇÃO DE GRAU 2020.2
A noite de 02 de fevereiro marcou
mais uma emocionante cerimônia
de colação de grau, que contou
com a participação dos estudantes
e seus familiares. O orador que
representou a turma de Fotografia
foi Danyllo Feliciano e o aluno
laureado foi Matheus Mota Acioli.
LIVE SOBRE CULTURA VISUAL NA AMÉRICA
LATINA
O MBA em Cultura Visual: Fotografia
e Arte Latino-Americana realizou
no dia 08 de fevereiro uma live
para debater a cultura visual na
América Latina. O evento contou
com a participação dos professores
do curso André Antônio, Catarina
Andrade, Fernanda Grigolin, Maíra
Gamarra, Marina Feldhues e Rodrigo
Lessa.
CONCURSO DE CARNAVAL DE PERNAMBUCO
Mesmo com o cancelamento dos
festejos de carnaval em decorrência
da Covid-19, o curso de Fotografia
decidiu realizar o seu tradicional
concurso de Fotografia de Carnaval
de Pernambuco. O formato deste
ano foi diferente ao incluir nos
finalistas os vencedores das edições
anteriores para votação online. A
foto escolhida foi feita pela ex-aluna
Renee Sophi.
ABERTURA DO SEMESTRE 2021.1
Os dias 18, 19 e 20 de fevereiro
foram marcados pela abertura do
primeiro semestre de 2021. Ricardo
Gomes falou sobre “A fotografia
e o vídeo como instrumentos de
transformação socioambiental”,
a professora Cynthia Suassuna
debateu o tema “Os Oceanos e a
vida na Terra: reflexões, regulações
e ações”, Mariana Nepomuceno
promoveu o debate “Que história
a fotografia conta?” e o professor
Paulo Souza falou sobre a
experiência de organizar uma
exposição virtual.
RESTAURO DE IMAGEM
O mês de fevereiro terminou com
um importante bate-papo sobre
conservação e restauro de imagens
comandado por Luís Pavão e Renato
Menezes. A live foi transmitida
através do canal do YouTube do
curso de Fotografia.
MARÇO
INÍCIO DAS AULAS DO MBA
O dia 01 de março marcou a aula
inaugural da primeira turma do
MBA de Cultura Visual, Fotografia
& Arte Latino-Americana foi um
sucesso com a presença dos alunos
e professores. Desejamos a todas
e todos uma ano letivo cheio de
aprendizados e novas experiências.
por professores e profissionais da
imagem.
CONFRATERNIZAÇÃO 2020
O semestre não poderia terminar
O vencedor do júri técnico para
fotografia foi o baiano Walter Mauro
sem uma bela confraternização.
Para 2020.2, os abraços foram
substituídos pelas boas energias
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ENSAIO
Entre ondas e nuvens
Renata Victor
A nuvem é uma mistura de duas massas de ar. Uma quente e úmida na parte superior e outra
fria e seca na inferior. Dura uns minutos ou se mantém por horas. Sua coloração decorre
da presença de detritos no vapor condensado em seu interior. De acordo com a aparência,
ela pode ter três aspectos: as fibrosas, altas, brancas e finas são denominadas Cirrus; as
formadas em grandes camadas, Stratus; e as que se assemelham a uma couve-flor são
chamadas de Cumulus.
Já as ondas se formam a partir do sopro do vento na superfície do mar. O vento bate na água
e causa uma ondulação composta de pequenas ondas entre 1 e 2 centímetros, as chamadas
ondas capilares. Quanto mais veloz e durável for o vento, maior será a altura da onda.
Essas são as explicações científicas. Mas, para mim, as ondas, às vezes, parecem nuvens e estas
parecem ondas. Ambas apresentam uma linda dança, em suaves ou ferozes movimentos.
Basta apreciá-las para me desvencilhar de qualquer incômodo.
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ENSAIO
VAZIO
Leonardo Araújo
Há um ano, em março de 2020, foram registrados os primeiros casos de
pessoas contaminadas pelo novo Coronavírus no Brasil. Desde então, nosso
modo de vida sofreu uma reviravolta como há muito tempo não se via.
A pandemia do Covid-19 forçou o mundo ao isolamento social e todos
passamos a desempenhar nossas atividades de forma radicalmente diferente.
O trabalho e a educação remotos - algo que era, via de regra, repudiado
no Brasil - tornou-se uma realidade do dia para a noite e a única forma de
continuar trabalhando e estudando para muitas pessoas.
Embora as imagens deste ensaio tenham sido produzidas em 2019, durante a
semana FotoVideo da Unicap, elas retratam o vazio que ficou pelos corredores
e salas de aula da Universidade Católica de Pernambuco, assim como por
outras instituições de ensino e empresas ao redor do mundo. Ao que parece,
a situação ainda vai perdurar por um bom tempo.
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EXPOCOM
Trabalhos desenvolvidos
por alunos ganham prêmios
regionais e nacionais
Filipe Falcão
“Vencer uma premiação com um trabalho autoral
desenvolvido em uma disciplina do curso mostra como
somos capazes e bem preparados para o mercado”. A
afirmação vem da ex-aluna Bruna Reinaux. O produto
desenvolvido por ela foi um dos trabalhos vencedores
no Expocom Regiões, concurso realizado pelo Intercom
- Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação. Esta primeira etapa do Expocom acontece
com os estados da região Nordeste.
Bruna não foi a única vencedora no Expocom Regiões
do curso de Fotografia da UNICAP no ano passado. Ana
Claudia Monteiro Dutra venceu na categoria Melhor
Filme de Ficção, Catarina Pennycook levou o prêmio
por Fotografia Artística e Sérgio Maranhão conquistou
a vitória em Direção de Fotografia. Os vencedores do
Expocom Regiões se tornam automaticamente finalistas
para a edição nacional do prêmio que aconteceu em
dezembro.
Sérgio Maranhão foi o grande vencedor no Expocom
Nacional na categoria Direção de Fotografia com o
documentário “Teresa”. O curta também foi desenvolvido
durante a disciplina de Captura de Vídeo em HDSLR
e Edição e orientado pelo professor Filipe Falcão. O
projeto de Sérgio conta a história de Teresa de Moura
Pereira Xavier, mais conhecida como dona Teresa, uma
senhora do município de Flores, localizada no sertão
pernambucano.
O trabalho desenvolvido por Bruna venceu na categoria
Videoclipe e foi desenvolvido na etapa final da disciplina
de Captura de Vídeo em HDSLR e Edição. “Para esta
disciplina todos os alunos precisam desenvolver um
produto audiovisual que pode ser um curta de ficção,
um clipe ou documentário e durante o semestre
acompanhamos este processo de criação que vai desde
o surgimento da idéia até a montagem na pós-produção”,
explica o professor Filipe Falcão.
O videoclipe desenvolvido por Bruna se chama “Foi
isso que eu aprendi”. Para a realização Bruna precisou
desenvolver roteiro e storyboard para depois pensar em
cenários e até elenco. Bruna também gravou a música
e fez todas as filmagens na própria universidade para
depois se dedicar ao processo de edição.
Em um primeiro recorte, dona Teresa pode parecer uma
mulher como tantas outras do sertão pernambucano.
Lutadora e forte, acostumada com a lida do campo
em uma terra árida e sofrida. Ela teve oito filhos.
Dois morreram ainda novos, um terceiro faleceu em
um acidente de trânsito e uma das filhas se suicidou
após a morte do pai, que foi assassinado pelo próprio
irmão. Desta forma, torna-se perceptível que além das
dificuldades enfrentadas em uma terra seca e desprovida
de políticas públicas, dona Teresa também precisou lidar
com tragédias familiares.
O tema proposto e o assunto são contextualizados por
meio da narrativa. Aos 82 anos Teresa compartilha com a
câmera como foram alguns dos momentos mais difíceis
da sua vida e mostra como precisou sobreviver. Nas suas
falas, apesar das dores e do sofrimento consequente das
perdas precoces, permaneceu de pé cuidando da família
e dos negócios. A produção audiovisual é um convite
para que o espectador percorra a história dessa corajosa
mulher que diante das intempéries da vida, se recusou a
desistir.
30 31
“Como fotojornalista, o prêmio acrescenta muito, mesmo
com o produto sendo um vídeo documentário, uma área
na qual não atuo com frequência. E se tratando de uma
premiação na categoria de direção de fotografia me
alegro muito, pois o trabalho de um diretor de fotografia
é o que há de mais próximo do fotógrafo no cinema”,
comemora Sérgio sobre a vitória nacional. “Além disso,
espero que esse prêmio sirva como uma homenagem pra
Teresa. A história desse filme pertence a ela. Só o que eu
fiz foi escolher como contar”, completa Sérgio.
Além do Expocom Nacional, Sérgio também teve outro
trabalho selecionado para a 2ª Mostra de Fotojornalismo
Universitário realizada pela ECA/USP e FACOM/UFBA.
A foto “Óleo no Litoral de Pernambuco” foi o trabalho
selecionado e teve orientação da professora Renata
Victor.
CAPA - O trabalho da aluna Catarina Pennycook venceu
o Expocom Regiões na categoria Fotografia Artística.
A imagem que ilustra a capa desta edição da Revista
Unicaphoto foi produzida para a disciplina da professora
Renata Victor como parte do Desafio Carolina de Jesus
proposto pelo projeto Outras Leituras. O objetivo era
encorajar os estudantes a produzirem fotos baseadas
nos textos da poetisa e escritora brasileira Carolina de
Jesus. A comissão julgadora, formada pelo professor
Robson Teles, a professora Fabiana Furtado e o grupo
Outras Leituras, selecionou as fotos assinadas pelas
alunas Tiffany Anacleto e Catarina Pennycook.
ESPECIALIZAÇÃO - A ex-aluna da especialização
As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do
Audiovisual Thaíse Moura produziu o documentário
“Eu.Tempo” como trabalho para a conclusão do curso e
resolveu inscrever o mesmo no Festival Cine PE 2020.
O documentário levou os prêmios de Melhor Curta
Nacional na escolha do júri popular, Melhor Curta Nacional
na escolha da Associação Brasileira de Críticos de Cinema
(Abraccine) e melhor Edição de Som. “Eu.Tempo” recebeu,
ainda, uma menção honrosa pelas histórias e vivências
inspiradoras dos personagens.
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ARTIGO
Mercadoria e fantasmagoria:
entre Walter Benjamin e
The Bling Ring
André Antônio Barbosa
“
Yes I’m a shopaholic, I’m a
Gucci addict
Can’t take my Visas from me,
gotta support my habbit
I spend a couple stacks, a
little here and there
They say I’m overshopping,
darling, I don’t really care
I’m a sucker for that Prada,
I’m a sucker for couture
I want it all baby just give me
give me more”
Reema Major
Em seus escritos sobre a Paris “capital do
século XIX”, Walter Benjamin (2009) estava
desenvolvendo uma maneira nova de enxergar a
experiência estética na modernidade capitalista.
Sua investigação foi interrompida. Nesses escritos,
Benjamin não enxergava o reino sensível da mercadoria
como uma contraposição radical ao reino utópico da
arte moderna, como parece ser a posição mais ampla do
discurso modernista. Pelo contrário, ele investiga e tateia
uma espantosa aliança entre esses reinos.
Benjamin, sobretudo a partir do pensamento de Auguste
Blanqui, sugere que o sujeito, no capitalismo avançado,
está dominado por uma fantasmagoria que o faz reificar
sua relação com a história, transformando todos os
elementos longínquos do passado em coisas pertencentes
a uma espécie de presente eterno, demoníaco e tedioso.
É o eterno retorno do mesmo da repetição serial e
mecânica da mercadoria, do valor de troca que equivale
quantitativamente coisas das mais diversas qualidades,
do fetichismo que enfeitiça os objetos e impede que
a “verdade” das relações e dos valores de uso sejam
transparentes ou acessíveis. Assim Benjamin descreve
essa fantasmagoria da qual os modernos são escravos e
que não permite, como uma maldição, que eles retomem
uma relação mais autêntica com o mundo:
Blanqui revelou, no seu último escrito, os
traços terríveis dessa fantasmagoria. Nesse
texto, a humanidade figura como condenada.
Tudo o que ela poderá esperar de novo revelarse-á
como uma realidade desde sempre
presente; e este novo será tão pouco capaz
de lhe proporcionar uma solução libertadora,
quanto uma nova moda é capaz de renovar a
sociedade. A especulação cósmica de Blanqui
comporta o ensinamento segundo o qual a
humanidade será tomada por uma angústia
mítica enquanto a fantasmagoria aí ocupar
um lugar (BENJAMIN, 2009, p. 54)
Conhecemos de perto, até hoje, a lógica dessa
fantasmagoria – que a certa altura Benjamin denomina
de “progresso” (Idem, p. 66) – quando percebemos,
perplexos, que continuamos insistindo em acreditar nas
vagas potencialidades de acumulação e enriquecimento e
nas promessas abstratas de progresso e felicidade que o
fetiche e a experiência da compra de mercadorias trazem
consigo. Depois de o círculo se repetir incontáveis vezes,
sem que haja de fato qualquer avanço, constatamos que
a sucessão de coisas “diferentes” com as quais tínhamos
construído frágeis narrativas pessoais não passou, como
uma peça publicitária muito óbvia, de uma impessoal e
entediante sucessão do mesmo. A inversão “globalizada”
da frase de Marx e Engels que escutamos no filme
Cosmópolis (2012), de David Cronenberg – “Um fantasma
ronda o mundo: o fantasma do capitalismo” – ecoa
completamente o pensamento de Benjamin: o a lógica
capitalista é a fantasmagoria última.
O que, porém, a investigação de Benjamin traz de
verdadeiramente novo é a apresentação de uma forma
de subjetividade que, ao invés de tentar “escapar” dessa
fantasmagoria para (re)encontrar uma “verdade” perdida,
opta, pelo contrário, por se perder tão radicalmente
nos labirintos artificiais da própria fantasmagoria que
ensejaria uma transfiguração do peso e da força dos
seus grilhões demoníacos. Benjamin tateou esse tipo de
sensibilidade em certos objetos de investigação: por um
lado, artistas como Baudelaire, Proust, os surrealistas,
Kafka e por outro, figuras como o flanêur, o boêmio,
o dândi e instituições da época como as exposições
universais, as passagens de Paris, as vitrines, a moda e os
interiores burgueses.
Para Benjamin, na coisificação – ou artificialização – de
tudo, é possível ou se escravizar por completo (e com as
mudanças da sociedade de controle e do biopoder atuais,
o capitalismo tem mostrado uma capacidade de se
renovar incansavelmente para conservar essa escravidão)
ou aproveitar a chance para, já que o passado virou uma
mera mercadoria brilhante na vitrine, juntar de maneira
inaudita – mesmo que lúdica e frívola – o longínquo e o
atual.
Assim, ao contrário do que muitos discursos que se
querem radicais pregam, ao condenarem de maneira
violenta, apressada e unilateral a artificialidade, a
frivolidade e a fantasmagoria fetichista em prol de uma
espécie de retorno a um valor de uso mais “natural” das
coisas e dos objetos – um retorno à “verdade” que seria
preciso revelar por baixo do ópio enganador que vitima
as massas – a hipótese de Benjamin é que a chave para o
problema da fantasmagoria está na própria fantasmagoria
incorpórea do capitalismo. Giorgio Agamben, sem dúvida
um dos principais continuadores do legado benjaminiano
na atualidade, volta ao próprio Marx para apontar a
fraqueza do primeiro tipo de posicionamento:
Marx opõe o gozo do valor de uso à
acumulação do valor de troca, como algo
natural a algo aberrante, e se pode afirmar
que toda a sua crítica do capitalismo é feita em
nome da concretude do objeto de uso contra
a abstração do valor de troca. (...) O limite
da crítica de Marx reside no fato de que ele
não consegue superar a ideologia utilitarista,
segundo a qual o gozo do valor de uso é a
34 35
relação originária e natural do homem com
os objetos, escapando-lhe por conseguinte a
possibilidade de uma relação com as coisas
que vá além tanto do gozo do valor de uso,
quanto daquele da acumulação do valor de
troca (AGAMBEN, 2007, p. 83).
Para Benjamin, uma volta a esse tipo de relação
supostamente mais simples e transparente entre pessoas
e objetos não está em questão; e também não é esse tipo
de relação o que precisa ser “revelado” pela arte. Um
certo ranço romântico que ainda havia em Baudelaire,
um dos artistas que para Benjamin mais levou longe a
radicalização da fantasmagoria, talvez dificultasse que
ele próprio percebesse que o “novo” (ou seja, o diferente
que estaria ausente da repetição do mesmo) não vai ser
revelado através de uma “quebra” da ilusão espectral que
escraviza os modernos, mas exatamente a partir dessa
ilusão:
o novo que ele espreitou durante toda sua
vida não é feito de outra matéria que não
dessa fantasmagoria do “sempre-igual” (...)
O novo é uma qualidade independente do
valor de uso da mercadoria. Está na origem
dessa ilusão cuja infatigável provedora é
a moda. Que a última linha de resistência
da arte coincidisse com a linha de ataque
mais avançada da mercadoria, isso deve ter
escapado a Baudelaire (BENJAMIN, 2009, p.
62-63). 1
Encontrar um modo de imaginar, sonhar e se fascinar,
de se perder nos labirintos da imagem como o flanêur se
perde nas ruas da cidade ou um distraído sonha em frente
a uma vitrine. A resposta que Benjamin procurava, ele
esperava achá-la não em qualquer espécie de “despertar”
político, mas no continuar radicalmente sonhando.
Conforme observa Olgária Matos, esta posição ousada
ficou mais clara apenas no segundo Exposé “Paris, capital
do século XIX” (de 1939, sendo o primeiro de 1935) no
qual Benjamin apresenta o andamento e as expectativas
para sua pesquisa das Passagens:
1 Gostaríamos de acrescentar estes comentários de
Agamben: “contudo, observando melhor, não haviam passado
desapercebidas à sua [de Baudelaire] prodigiosa sensibilidade
a novidade e a importância do desafio que a mercadoria estava
propondo para a obra de arte” (2007, p. 73) e “O que é certo é
que ele [Baudelaire] odiava demais a “repugnante utilidade”, para
pensar que o mundo da mercadoria pudesse ser abolido através
de um simples retorno ao valor de uso. Para Baudelaire, assim
como para o dandy, a fruição utilitária já é uma relação alienada
com o objeto, parecida com a mercadorização. A lição que deixou
em legado à poesia moderna é que o único modo de superar a
mercadoria consistia em levar ao extremo suas contradições”
(Idem, p. 84).
É preciso indicar a mudança, operada por
Benjamin, na compreensão da fantasmagoria,
do Exposé de 1935 e 1939. Em 1935, Benjamin
distingue produtos culturais ideológicos do
inconsciente coletivo – as imagens de desejo
e seu potencial de desfetichização – das puras
mistificações, que são as fantasmagorias.
A desmistificação das fantasmagorias era
uma experiência do despertar. Já em 1939, o
poder de desmistificação é atribuído à própria
fantasmagoria (MATOS, 2009, p. 1130).
A repetição superficial do mesmo que é a lei no reino das
mercadorias pode vir, assim, a ser ela própria a repetição
do diferente. Não se passaria de um domínio do falso e do
artificial para o do verdadeiro e do natural. A repetição
fantasmagórica continua, as máscaras e envoltórios
mantêm o redemoinho trivial em um movimento vão –
mas ainda assim algo novo e diferente pode surgir desse
contexto mesmo, ou melhor, de sua radicalização. Uma
forma de vida positiva a partir da própria artificialidade
de tudo trazida pela marcha capitalista. Mas como esse
processo de radicalização ocorreria?
Os jovens protagonistas do longa-metragem The bling ring
(Sofia Coppola, 2013) são presos pela polícia no último ato
do filme depois de vários roubos e invasões a mansões
de celebridades em Los Angeles. Mas a questão do filme
não está em saber em que medida as ações desses jovens
seriam ou não “revolucionárias”. The bling ring é o anti-
The Edukators (Hans Weingartner, 2003). As mercadorias
de luxo roubadas por eles não possuem qualquer
possibilidade de recuperar um uso mais “natural” e
“autêntico”; muito pelo contrário. Aqueles jovens estavam
absolutamente mergulhados na superficialidade da
cultura de consumo e dos reality shows, na fantasmagoria
da moda e no fetiche da mercadoria. Apesar disso, no
lugar mais inesperado, acabou sendo originada uma
dobra, um “desvio”, um ruído – que os levou à prisão.
Com as mercadorias que roubavam eles faziam
praticamente o mesmo que seus donos “legítimos”, mas
de maneira mais radical. Eles tiravam infinitas fotografias
que eram publicadas nas redes sociais e festejavam – com
álcool, maconha e cocaína – nos espaços privilegiados
das boates mais caras. Sem ter realizado qualquer feito
“importante” ou “relevante”, eles experimentavam algo
como uma longínqua e fugaz aura de fama. E é exatamente
essa aura remota o que Sofia Coppola tentou capturar com
o longa-metragem. Ela é um locus de beleza, experiência
e felicidade extremamente inefável e inapreensível, como
uma miragem cujas características velozmente escapam
à memória. Quase como um cheiro. É um aceno fugaz e
sutil de potencialidades e possibilidades, o único a que
aqueles jovens podem ter acesso, o único lugar em que
eles ainda conseguem sonhar, eles para quem a própria
cultura americana na qual estão mergulhados até os
ossos não faz mais sentido. Nenhum deles vê significado
na escola e nos valores morais de um conservadorismo
frágil que suas famílias lhes tentam transmitir – todos são
profundamente entediados e vivem de maneira intensa a
repetição demoníaca do mesmo, sem qualquer esperança
de que esta esteja relacionada a qualquer ideia positiva
de progresso.
Ora, o que estamos chamando aqui de uma inefável
aura da fama é radicalmente diferente da mera fama
que é vendida repetidamente pela cultura de consumo
contemporânea. No entanto ambas as coisas são bastante
parecidas e possuem quase os mesmos elementos, com
a diferença de que a primeira é uma radicalização – e não
uma destruição – da segunda; a primeira é o que Benjamin
chamou de “novo”: mas esse novo surgiu na própria
repetição do mesmo. Em meio a toda aquela cultura do
brilho, Coppola enxergou e percebeu um brilho que era
diferente, especial e mais interessante, sem que ele deixe
de ser, por isso, igualmente superficial e fantasmático.
Para acessar esse brilho qualitativamente mais rico,
Coppola precisou lançar mão de estratégias como a de
transformar os eventos do filme (baseados em fatos reais)
em um sítio de memória: Mark (Israel Broussard), um dos
membros da “gangue” que agora se dissolveu, relembra e
narra os acontecidos com certa nostalgia.
A memória, através da imaginação e da desaceleração
(que no filme se traduz nos slow motions de alguns planos),
que é sensível às possibilidades não concretizadas que
permeiam uma atmosfera que chegou ao fim, consegue
dar uma dimensão nova aos fatos. Aquilo que de outra
forma seria apresentado de uma maneira “banal” ganha
ares fantasmáticos e quase inquietantes de miragem. O
que causa uma espécie de estranhamento e faz um apelo
sensível diferente ao espectador. Coppola, com efeito,
já havia realizado uma operação similar em As virgens
suicidas (The virgin suicides, 1999) para suscitar uma
potência mágica de nostalgia: ela não quer quebrar o
encanto e revelar a “verdade” para que possamos por fim
agir; é o oposto – quer mergulhar o mais longe possível
no fantasma remoto e na contemplação indecisa de suas
ambiguidades infinitas, capturar sua riqueza inefável
e cheia de possibilidades. Tal riqueza não se distingue
mas ao mesmo tempo é radicalmente diferente do
artifício vazio da mercadoria. Exatamente por isso ela é
experimentada como algo de inquietante e estranho.
36 37
Na radicalização da fantasmagoria fetichista e da
repetição do mesmo, aquilo que é muito conhecido –
o mesmo – volta como o diferente, como inquietante
(Unheimliche). Benjamin nomeou esse fenômeno de choc
do longínquo com o atual. Agamben apresenta-o como
uma condição básica do próprio objeto transformado
em mercadoria na modernidade, ou seja, que deixou
de ter o seu valor de uso “natural” e tradicional, suas
qualidades próprias, para ensejar um processo de
fetiche. Através do valor quantitativo de troca que iguala,
pela abstração do dinheiro, o objeto a todos os outros
objetos existentes pelos quais poderia ser trocado, ele
suscita em quem o contempla (numa vitrine ou numa
propaganda publicitária por exemplo) uma relação com
algo de muito remoto: uma aura de possibilidades que
a mera relação utilitária nunca teria o poder de invocar.
Assim a mercadoria teria um “caráter místico” (AGAMBEN,
2007, p. 67). Esse caráter longínquo e inquietante não
estaria por trás das superfícies achatadas e fantasmáticas
da mercadoria; seria, pelo contrário, feita de sua mesma
natureza. Agamben confirma esse fenômeno através da
noção freudiana de Unheimliche:
Ele [Freud] vê no inquietante (Unheimliche) o
familiar (Heimliche) removido. “Esse inquietante
não é, de fato, nada de novo, de estranho, mas
sim algo que desde sempre é familiar à psique,
e que só o processo de remoção tornou outro”.
A recusa de tomar consciência da degradação
dos factícia mercadorizados expressa-se
criptograficamente na aura ameaçadora
que envolve as coisas mais familiares, com
as quais não é mais possível sentir-se seguro
(AGAMBEN, 2007, p. 88-89).
Porém, essa potência de deslocar um objeto familiar
para muito longe, possibilitada pela própria alienação
dos usos tradicionais que a modernidade capitalista
configurou e pelo fetiche que inconscientemente adora
algo invisível através de um objeto específico, é limitada
pelo próprio capitalismo para que o sistema possa
garantir a sua integridade e preservação. O capitalismo
é um sistema econômico apenas possível dentro da
lógica da fantasmagoria, mas desde que a fantasmagoria
escravize seus “consumidores” e os obrigue a enxergar
a eterna repetição do mesmo como progresso e como
possibilidade de acumulação e riqueza quantitativas.
Que os escravize através da ilusão segundo a qual a
felicidade vai ser alcançada, um dia, com o obedecimento
a determinadas regras de um modo de vida e de um
biopoder que garantem a preservação do sistema
econômico. A noção de progresso envolve a lógica da
fantasmagoria com limitações e regras que lhe dão um
sentido sagrado, mítico e incontestável.
Mas é sempre possível escapar à escravidão permanecendo
na própria fantasmagoria – radicalizando-a. A alienação
distraída e o fascínio onírico pela mercadoria ganham
dimensões que são improdutivas e até prejudiciais
para o capital em figuras como o flanêur, o dândi, o
colecionador benjaminiano ou o fumador de haxixe.
São figuras liminares que tiveram lugar na cultura do
século XIX e cujo o caso Benjamin já identifica no início do
século XX: o capital sempre marginalizará ou incorporará,
através de transformações do sistema, essas figuras que,
apesar de seu mergulho radical no lúdico, não seguem as
regras do jogo. É o caso do niilismo hedonista dos jovens
invasores de The bling ring. A questão do filme não é uma
questão de “Robin Hood”. Ao ignorarem as convenções
que tornam as propriedades do capital privadas, os
protagonistas do filme subtraem as mercadorias “à
tirania do econômico e à ideologia do progresso”
(AGAMBEN, 2007, p. 75). Há um desvio ou um ruído que
ultrapassa as regras segundo as quais todas aquelas
mercadorias de grife deveriam pertencer apenas a um
tipo específico e mínimo de casta social (os membros do
bling ring vêm de famílias californianas abastadas, mas
nunca a ponto de possuírem a abundância das roupas
de estilistas e acessórios de alta costura que eles roubam
das celebridades hollywoodianas). Tal desvio coloca
em cheque o que Agamben considera como a rígida
repressão das normas de uso dos objetos:
aquela que se exerce sobre os objetos, fixando
as normas do seu uso. Este sistema de regras
é, em nossa cultura, embora aparentemente
não sancionado, tão rígido que, tal como
mostra o ready-made, a simples transferência
de um objeto de uma esfera a outra basta
para torná-lo irreconhecível e inquietante
(AGAMBEN, 2007, p. 95).
Mas o esplendor e a beleza da alta moda, longe de serem
recusados pelos protagonistas do filme, são por eles
levados a outro patamar: um patamar mais longínquo,
inefável, inapreensível, fraco, frio e remoto mas, na
eterna repetição demoníaca do mesmo, um patamar
diferente, estranho, inquietante, ambíguo, cheio de
possibilidades infinitas. Esse novo patamar é sutil e
fugaz, delicado e frágil como uma fragrância. Coppola
consegue capturá-lo e fixá-lo no deslizar das imagens do
seu filme. A escolha de Coppola por construir a atmosfera
musical do filme sobretudo com peças do hip-hop
americano contemporâneo como Kanye West, Azealia
Banks e Rye Rye é significativa. Nesses sons barulhentos
e pouco harmoniosos há toda uma história de como a
sensibilidade dos guetos sonha e se relaciona com os
bens de consumo mais sofisticados e caros dos Estados
Unidos. E, de fato, Coppola não deixa de incorporar em
suas imagens o que há de Unheimliche na decadência de
um certo mal gosto daqueles jovens, um mal gosto típico
de um suburbano usando as roupas elegantes de uma
estrela. Nesse olhar sobre o “cafona”, Coppola continua
fiel à sensibilidade camp de seus filmes anteriores.
O fetiche que envolve os jovens da gangue, assim, é
quase patológico: eles entraram tanto na lógica do capital
que agora não conseguem mais se reajustar à “cultura
da saúde” que faz prosperar o biopoder contemporâneo.
São como sonâmbulos entrando nas enormes mansões
fantasmagóricas e vazias com suas piscinas e paredes de
vidro (um tipo de arquitetura cuja aura superficial mas
ao mesmo tempo inquietante fascina, desde os anos
60, representantes da pop art como David Hockney e Ed
Ruscha). As personagens do filme não querem acordar
do sonho, vão levá-lo o mais longe que conseguirem. De
certa forma, eles possuem a obstinação que Benjamin
enxergava nos colecionadores (uma designação que
está longe de caracterizar esses jovens, mas que não
obstante parece, aqui, mais apta do que “ladrões” ou
“consumidores” a transmitir a experiência que eles
empreendem, no filme, com a mercadoria):
38 39
Seu ofício [do colecionador] é a idealização
dos objetos. A ele cabe a tarefa de Sísifo de
retirar das coisas, já que as possui, seu caráter
de mercadoria. Mas não poderia lhes conferir
senão o valor que têm para o amador, em
vez do seu valor de uso. O colecionador se
compraz em suscitar um mundo não apenas
longínquo e extinto, mas, ao mesmo tempo
melhor, um mundo em que o homem, na
realidade, é tão pouco provido daquilo de que
necessita como no mundo real, mas em que
as coisas estão liberadas da servidão de serem
úteis (BENJAMIN, 2009, p. 59).
ENTREVISTA
MARINA FELDHUES
Rebecca (Katie Chang), talvez a fetichista mais incurável
de The bling ring, depois de invadir a mansão do seu
“ultimate fashion icon”, Lindsay Lohan, experimenta o
perfume da estrela na frente do espelho em um lânguido
slow motion. Poderia ser uma publicidade de perfume,
não fosse a trilha sonora lúgubre (a esta altura do filme, os
jovens invasores estão prestes a serem descobertos pela
polícia) e a mansão escura e deserta. Coppola transforma
o conhecido em inquietante, mas sem precisar construir
choques cinemáticos para isso. Ela prefere a sutileza
de uma fragrância. Naquele perfume que é uma mera
mercadoria, Rebecca entra em contato com algo de muito
longínquo e remoto; algo que Agamben (2007) chamou de
“a epifania do inapreensível” (p. 69) ou “a apropriação da
irrealidade” (p. 81). Coppola, com sua estética do artifício
e do frívolo, faz filmes sobre esse “algo”.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Estâncias: a palavra e o fantasma na cultura
ocidental. Belo Horizonte: UFMG, 2007.
BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: UFMG, 2009.
MATOS, Olgária. “Alfklarung na metrópole: Paris e a Via Láctea”. In:
BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte, UFMG, 2009.
Nessa conversa com Marina Feldhues, a fotógrafa,
professora, pesquisadora e ex-aluna do curso de Fotografia
da Unicap conta como se apaixonou pela fotografia e
pelos fotolivros, apresenta o grupo de estudos “Narrativas
anticoloniais” e fala sobre sua trajetória acadêmica, com
destaque para ampla contribuição para o curso MBA
“Cultura Visual: fotografia & arte latino-americana”, da
Unicap, que começou no dia 01 de março.
Como e quando a fotografia entrou na sua vida?
Aos sete anos de idade virei a fotógrafa oficial da família.
Minha missão era fazer fotos de minha mãe com minha
irmã recém nascida. Minha mãe tinha por hábito escrever
no verso das fotos e, em algumas delas, tinha escrito “foto
batida por Marina em 1989...”. Fotografei muito dos 7 aos
18 anos com câmera analógica. Tenho um vasto álbum de
minha infância e adolescência e também da infância de
minha irmã, que foi minha principal modelo.
Por Renata Victor
Foto: Joyce Nabiça /Arquivo pessoal
40
Qual a importância da Fotografia?
A fotografia é importante porque media muitas relações
em nossa vida. Ela pode ser um gatilho para a recordação,
mediando nossa relação com eventos passados. Pode
mediar nossa comunicação cotidiana nos ambientes
virtuais, milhares de memes, nudes, pratos de comida,
selfies sobem à rede todos os dias. Nos comunicamos
pela fala, pelos gestos corporais, pela escrita e também
por imagens, é aí que se destaca a fotografia e o vídeo.
Especialmente agora que acessível economicamente
a maior parte das pessoas no planeta. A fotografia
pode ainda mediar nossa relação com as instituições
sociais públicas e privadas, funcionando como imagem
identitária, por exemplo. E, talvez principalmente, ela
media o nosso pensamento.
Quais são os limites da Fotografia?
Para responder, vou retornar à pergunta anterior. Como
a fotografia media nosso pensamento? Produzindo ao
menos dois tipos de imagens. Primeiro temos as imagens
que servem para dominação social, controle de corpos,
controle do modo como vemos o mundo e como nos
relacionamos com o mundo e no mundo com os outros
seres viventes. A junção imagem-texto que se dá na
fotografia com o auxílio da legenda educa o nosso olhar
por meio da repetição. Entre no google images e escreva
a palavra “traficante”, que tipo de imagens surgem?
Existe imagem de algum traficante que seja homem,
branco de paletó e gravata na tela inicial do google? Há
algum padrão visual que se repete? Qual é? Na minha
tela de busca vejo em sua maioria homens de cor de
calção, chinelo, alguns sem camisa, ostentando armas e
com o corpo tatuado. Isto é a fotografia aliada ao texto
produzindo uma imagem estereotipada do que seja
um “traficante”. E, assim, nosso olhar é treinado para
enxergar as pessoas que se encaixam nesse estereótipo
como “potenciais traficantes” ou criminosos, em geral.
Isso é alfabetização visual, somos treinados todos os dias
e não o percebemos, porque nosso treinamento diz que
“é natural” que seja assim.
Por outro lado, é possível alfabetizar visualmente para fins
de emancipação social, Nego Bispo escreve lindamente
sobre o assunto e recomendo a todos a leitura de seus
textos. É possível fotografar com as pessoas, respeitando
o retratado como coautor na realização da fotografia.
Afinal, a fotografia acontece no encontro entre o fotógrafo
e o fotografado. Ela é o resultado desse encontro e se
uma pessoa aceitou ter sua imagem capturada pela
câmera é porque, por algum motivo, aquilo é importante
para ela. Uma foto carrega em si muitos desejos. Sempre
é possível usar a fotografia para valorizar o outro, para
humanizar o mundo e a nós mesmos, para colocá-la a
serviço da diversidade dos modos de existir no planeta.
Com isso, posso agora responder a questão, os limites
da fotografia estão nas escolhas políticas e éticas, nos
posicionamentos que assumimos no mundo, ao longo do
processo de produção e circulação das imagens.
Fale um pouco sobre as disciplinas que você irá
lecionar no MBA “Cultura Visual: fotografia & arte
latino-americana”
Vou lecionar a disciplina Cultura Visual: imagem e
fotografia. Essa disciplina parte das questões “o que
é cultura visual?” e “qual o papel das imagens e da
fotografia nas sociedades contemporâneas?” para dar
início às reflexões críticas coletivas que serão propostas,
abordando temas como: a construção de sentidos e
afetos por meio de imagens; o usos políticos e sociais das
imagens; o papel das tecnologias do ver; imagens técnicas;
imagens do sonho; imagem, imaginário e imaginação;
representações do outro e do mundo; regimes da
visualidade colonial; racionalismo, etnocentrismo,
antropologia; imagem e antropoceno; reflexões críticas
sobre o pensamento fotográfico; o pensamento por
imagens; e teorias da fotografia (fotográficas: efeitos
sociais e limitações teóricas).
E também vou lecionar a disciplina Memória, arquivo e
documento. Qual o papel do arquivo? E da Fotografia
como documento? Esta disciplina visa introduzir o aluno
aos estudos das relações entre memória, arquivo e
fotografia a partir da prática artística contemporânea.
Serão abordados questões como: memória e
temporalidades; temporalidades da imagem; leitura
dos tempos; a fotografia como mediação de memórias;
ressignificação imagens do passado; a visualidade
colonial; a descolonização de imagens coloniais.
Qual é a proposta do grupo de estudos “Narrativas
anticoloniais”?
É um grupo de estudos público e gratuito em que lemos
e discutimos autores que pensam todo-o-mundo se
posicionando criticamente contra todas as formas de
colonização ainda vigentes, seja a colonização de nossa
subjetividade, do nosso pensamento, do território, etc. O
outro lado da modernidade ocidental é a colonização que
organiza as relações humanas em escala planetária. Para
compreender as imagens e a fotografia, em particular, é
preciso mais do que nunca estudar sobre colonização e
sobre aqueles que lutam contra a colonização há mais
de 500 anos. Para que o futuro possa ser benéfico aos
seres viventes, é necessário reaprender a imaginar, a
sonhar e a tornar nossos sonhos realidade. Descolonizar
nossa mente é talvez o primeiro passo. Esse grupo de
estudo tem essa missão, ajudar a mim e aos outros nesse
processo de cura e de libertação de nossa mente.
Qual é a importância do fotolivro no mundo
contemporâneo?
Gostaria de falar não da importância dos fotolivros,
mas da importância dos fotozines (sejam eles físicos ou
virtuais). Fotolivro é um produto caro, de produção pouco
acessível, economicamente falando, para a maioria
dos fotógrafos e artistas visuais, voltado mais para o
mercado colecionador da classe média e média-alta que
se interessa por fotografia e não para o grande público.
O fotozine é economicamente mais viável e é igualmente
um excelente lugar para compor narrativas visuais. No
zine, você pode se expressar verbo-visualmente e fazer
seu trabalho circular nas redes físicas e virtuais a um
custo mais viável. Em termos gerais, o que diferencia um
produto do outro é a qualidade de impressão, o papel
usado, a editora de nome que, muitas vezes, assume da
edição das fotos à circulação.
Zine dá pra fazer em casa com uma impressora jato
de tinta, uma copiadora, etc. Além do que existem
plataformas de publicações on-line. É muito mais
interessante ter os discursos, as narrativas diversas, os
pontos-de-vista, as narrativas fotográficas circulando
aos montes em todos os espaços, em comunidades, em
redes sociais, em escolas, no museu, na livraria, galeria,
etc. do que o artista/fotógrafo ficar esperando anos até
conseguir ser contemplado em um edital e publicar seu
fotolivro, ou até conseguir se capitalizar e ter o dinheiro
sobrando para fazê-lo. Se você puder fazer um fotolivro,
faça. Mas se não, não perca tempo esperando, faça
um zine, se expresse, bote seu discurso no mundo da
forma que lhe for possível. Creio que os fotozines são
importantes porque possibilitam que mais e mais
42 43
Baby Doll - fotomontagem Sobre Corpxs
construídos como mostruosxs. Corpxs do Séc XVII
e Rosto do Séc. XXI - filtros do insta localizados por
“Beautiful Make”
discursos verbos-visuais diversos estejam em circulação,
atingindo públicos que ainda não são atingidos. É preciso
pôr as ideias na rua, liberar a imaginação, é disso que o
mundo precisa.
Escala Humana - foto filme sobre a
construção de corpos suspeitos.
Quais são os elementos principais na construção do
fotolivro?
Para fazer um fotozine você vai precisar (receita de bolo)
primeiro saber sobre o que você quer falar, como dizer
isso verbo-visualmente e que reações, em termo de
afeto-pensamento, você está propondo para seu leitor.
Um livro é um diálogo, é uma troca com o leitor. É para
ele que você está fazendo o livro. Do contrário, você pode
fazer um diário e guardar na gaveta da cômoda. Tem
algumas perguntas propostas por Jörg Colberg no livro
Understanding Photobooks que podem ajudar nesse
momento de definições iniciais, são elas: “o que o livro
deveria fazer? Que experiência o espectador deveria ter?
O que o livro dirá a seu espectador? Como o livro vai fazer
isso? O que as imagens estão falando para o espectador?
O que a forma como o livro agrupa diz ao espectador?”.
44 45
Responder a essas questões é chegar ao conceito do
livro. E sem ter isso em mente não dá para avançar.
A seleção das imagens, textos e grafismos que farão
parte do livro, bem como seu ordenamento nas páginas
e, evidentemente, o formato do livro e materiais que
serão usados, são guiados pelo conceito. Não seleciono
a foto mais bonita, seleciono aquela que contribui
para composição da narrativa verbo-visual. Por sinal,
chamo de composição porque a proximidade com a
música e a poesia é algo notório, a narrativa visual
fotográfica tem ritmo, rima, tem repetição de refrão,
tem tom. Evidentemente que ter um fotozine nas mãos
proporciona uma dimensão de experiência háptica que
um fotozine virtual não vai possibilitar.
No mais, existem muitas formas de compor narrativas
verbo-visuais. Uso sempre o termo verbo porque todo
livro tem título, ainda que o conteúdo seja apenas
de fotografias, e algumas fotografias podem mostrar
textos, portanto fotozines, fotolivros, são sempre verbovisuais.
Para adentrar a composição de narrativas visuais
recomendo o livro de Keith Smith”Structure of Visual
Books”, um clássico sobre o assunto. Infelizmente
não conheço tradução para o portugês. E recomendo
também minha dissertação de mestrado “Conhecer
fotolivros: (in)definições, histórias e processos de
produção”.
Minha dissertação e outros textos que escrevi podem
ser encontrados em https://ufpe.academia.edu/
MarinaFeldhues
Você tem algum conselho para estudantes de
fotografia que queiram mergulhar no universo dos
fotolivros?
Pratiquem sem medo. Não esperem ter dinheiro, façam
em casa bonecos, façam zines, publiquem na internet,
deem seus livros de presente, produzam, experimentem,
pratiquem. É preciso não só ler sobre o assunto, mas
botar a mão na massa, a matéria vai te ensinar muito, é
com a mão na massa que a coisa acontece.
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MATÉRIA
“Agenda 2030”:
transdisciplinaridade em
tempos de pandemia
João Guilherme Peixoto
0
contexto da pandemia reconfigurou nossas certezas e verdades sobre os processos de
ensino e aprendizagem. Novos protocolos de construção do conhecimento precisaram
ser “ativados”, novas problemáticas associadas à colaboração e ao engajamento estudantil
foram evidenciadas. Mas diante da incerteza de que caminhos devem/podem ser tomados,
fica a questão: de que maneira podemos construir uma participação discente crítica, humanizada e
efetiva em ambientes virtuais de aprendizado.
Um caminho interessante a ser seguido é a introdução de metodologias ativas de ensino e
aprendizagem. Horn e Staker (2015) apontam para defasagens nos modelos tradicionais de ensino
(também chamados “modelos industriais”), os quais influenciam diretamente nos resultados de
aprendizagem dos estudantes. Já para Mattar (2017, p. 19), um dos erros mais comuns quando
mencionamos o tema “Metodologias Ativas” é associá-lo ao desenvolvimento de tecnologias
disruptivas, meios de produção virtualizados e demais processos ligados à evolução das tecnologias
digitais de informação e comunicação (TDIC). Diferentemente dessa conceituação, o uso de
metodologias, as quais têm por objetivo central estimular o fazer compartilhado em sala de aula
(seja ela virtual ou não), remete não apenas ao desenvolvimento técnico, como também a processos
de ordem comportamental.
Entre as principais características das Metodologias
Ativas de Ensino/Aprendizagem destacamos a
participação efetiva e funcional do aprendiz, que passa
a ter mais controle e protagonismo em sala de aula.
Leitura, pesquisa, comparação, observação, imaginação,
obtenção e organização dos dados, elaboração e
confirmação de hipóteses, classificação, interpretação,
crítica, busca de suposições, construção de sínteses
e aplicação de fatos e princípios a novas situações,
planejamento de projetos e pesquisas, análise e tomadas
de decisões (DIESEL; BALDEZ; MARTINS, 2017, p. 274) são
protocolos operacionalizados com frequência durante a
utilização de metodologias como: Aprendizagem Baseada
em Problemas (BARBEL, 1996; ARAÚJO; GENOVEVA, 2009;
MUNHOZ, 2019), Blended Learning (BERGMANN ; SAMS,
2012; CROUCH; MAZUR, 2012; HORN; STAKER, 2015),
entre outras.
Isso posto, observamos que, com o objetivo de trabalhar
processos de transdisciplinaridade no Curso Superior
de Tecnologia em Fotografia da Universidade Católica
de Pernambuco (Unicap), foi planejada para o semestre
2020.2 uma atividade em conjunto entre as disciplinas
“Linguagem Fotográfica I” e “Fotografia e Semiótica”,
ambas pertencentes ao segundo módulo do curso.
Atrelado aos processos relacionados à convergência de
saberes e procedimentos didáticos, optamos também
pela utilização de metodologias ativas de ensino/
aprendizagem com foco na estruturação, planejamento,
execução e monitoramento das tarefas desenvolvidas
durante o semestre.
Sobre a proposta, ressaltamos a escolha do tema central
“Agenda 2030” como ponto de partida. O grupo, formado
por 20 estudantes, inicialmente recebeu informações
sobre a importância do debate acerca dos 17 objetivos
de desenvolvimento sustentável (ODS) presentes no
documento (representam metas globais definidas
pela Organização das Nações Unidas), além de serem
estimulados a acessarem a plataforma “Agenda 2030”
(http://www.agenda2030.com.br/) com o objetivo de
colher informações iniciais sobre as temáticas abordadas.
Ademais, os professores responsáveis pelas disciplinas
especificaram o produto final da atividade: um ensaio
fotográfico composto por até 15 fotografias, além de
um texto o qual trabalhasse questões teóricas sobre
linguagem fotográfica e semiótica.
Após essa etapa, os participantes foram divididos
em duplas ou trios para darem início ao processo de
planejamento das propostas. Com o objetivo de oferecer
recursos didáticos os quais estimulassem a participação
ativa dos estudantes, optamos por utilizar ferramentas
e técnicas relacionadas à aprendizagem baseada em
problemas como também à aprendizagem baseada em
projetos. Definidos como “ancoras”, materiais didáticos
que buscam estimular a participação e o desenvolvimento
do pensamento crítico por parte dos discentes, foram
apresentados vídeos, ensaios fotográficos e textos sobre
os objetivos de desenvolvimento sustentável para as
equipes. Atrelado a isso, realizamos encontros síncronos
em plataforma digital de ensino/aprendizagem (Google
Meet) com foco no acompanhamento do processo
de construção dos ensaios fotográficos. Também foi
utilizada a plataforma Google Classroom para troca de
mensagens com os grupos de trabalho, além de funcionar
como “espaço” de acompanhamento de prazos e troca
de referências e experiências entres as equipes. Todo
esse processo foi realizado entre os meses de outubro e
novembro de 2020.
Por fim, como proposta de avaliação da atividade
transdisciplinar, propusemos a apresentação oral
dos grupos durante um dos momentos síncronos
das disciplinas. Cada equipe ficou responsável por
compartilhar as experiências vinculadas às etapas de
planejamento e execução do ensaio fotográfico. Os
grupos também deveriam realizar a apresentação do
ensaio fotográfico com o objetivo de estimular o debate e
a troca de experiências do processo como um todo. Entre
os objetivos de desenvolvimento sustentável trabalhados,
podemos citar: Água Potável e Saneamento (ODS 06),
Educação e Qualidade (ODS 04), Cidades e Comunidades
Sustentáveis (ODS 11), Vida na Água (ODS 14), Trabalhos
decente e crescimento econômico (ODS 08) e Ação contra
a mudança global do clima (ODS 13).
A partir dos resultados apresentados (Fotos 01, 02, 03,
04, 05 e 06), podemos constatar que o objetivo central
de aprendizagem definido (trabalhar processos de
transdisciplinaridade no Curso Superior de Tecnologia
em Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco)
foi alcançado. Destacamos que o uso de metodologias
ativas de ensino/aprendizagem ofereceu aporte teórico
e metodológico para o desenvolvimento de aspectos
relacionados à participação, ao desenvolvimento do
pensamento crítico e a problematização das etapas de
planejamento e execução de ensaios fotográficos. Atrelado
a isso, o uso de tecnologias digiais de comunicação e
informação (TDIC) contribui de forma significativa para
a elaboração dos resultados, como também para o
processo de acompanhamento dos grupos de trabalho.
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Juliana Amara e Noelly Beatriz
Sidney Rocha, Amanda Luz e Fernanda Travassos
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Priscilla Maria e Alícia de Souza
Ricardo Rafael, Alice Flávia, Jéssica Priscilla e Ítalo Ribeiro
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MATÉRIA
DESAFIOS FOTOGRÁFICOS
Julianna Nascimento Torezani
Alice Karoline
Rafael de Freitas Correia, Ian Lima, Romulo Francisco
Estudar a história da fotografia atualmente vai além de
buscar as referências que contam os fatos que ocorreram
na Europa e nos Estados Unidos do século XIX em diante.
É necessário pesquisar o que aconteceu nos demais
lugares do mundo. Quais temas foram fotografados e em
qual contexto? Quem são os fotógrafos e as fotógrafas
que documentam imageticamente seus países? Quais
equipamentos fotográficos são utilizados? Quais as
mudanças ocorreram nas produções fotográficas? Estas
perguntas surgiram em meio à pandemia, visto que os
estudos se intensificaram neste momento pela internet,
sobretudo porque muitos profissionais da fotografia
possuem perfis nas redes sociais e até fundações que
cuidam de acervos de fotógrafos antigos também criaram
tais perfis para mostrar a preservação das imagens.
Ao pesquisar sobre tais questionamentos surgiram
importantes nomes e fotos incríveis que mereciam ser
compartilhadas com pessoas que também se interessam
pelo estudo da fotografia. Desse modo, surgiu o Projeto
Desafios Fotográficos, utilizando a ferramenta “Teste”
no Stories do Instagram. A cada dia é colocada uma
imagem com a seguinte pergunta “De quem é esta foto?”
e três opções de fotógrafos ou fotógrafas para indicação
dos participantes. Em seguida é colocada a imagem do
fotógrafo ou da fotógrafa, a fotografia do desafio, o título
da imagem, local, data e informações sobre o autor ou
autora. Nas publicações são mencionados os perfis do
Instagram dos profissionais, assim as pessoas podem
diretamente conhecer os trabalhos de cada um.
Esse projeto foi iniciado em 23 de abril de 2020, neste
ano apresentou 164 fotógrafos na sua primeira edição.
Em 13 de janeiro de 2021 começou a segunda edição, que
já completou o número de 200 profissionais. Importante
mencionar que também integram fotógrafas e fotógrafos
europeus e norte americanos, entre nomes já conhecidos
e outros mais recentes, uma vez que estes compõem
a história da fotografia e são referências para muitos
profissionais da fotografia, além de ter profissionais que
atuaram em diversos momentos. Outro critério foi ter o
mesmo número de profissionais de cada grupo e que se
revezam nesta ordem: fotógrafa estrangeira, fotógrafo
estrangeiro, fotógrafa brasileira e fotógrafo brasileiro.
Entre as fotógrafas estrangeiras destacam-se: a retratista
indiana do século XIX, Julia Margaret Cameron; a fotógrafa
que retratou Aisha que teve o nariz e as orelhas mutiladas
para capa da Times, Jodi Bieber, da África do Sul; a artista
inglesa Gillian Wearing, com a série Cartazes que dizem o
que você quer que eles digam e não cartazes que dizem
o que outra pessoa quer que você diga; a alemã Candida
Höfer que fotografa o interior de instituições culturais e
educacionais; a turca Nilüfer Demir, que fez a imagem do
menino Alan Kurdi morto na praia da Turquia; a artista
francesa Sophie Calle, criadora da série Cuide de Você;
56 57
de moda da Vogue Itália, fez o Calendário Pirelli 2020
intitulado Procurando Julieta; Erwin Wurm da Áustria, que
criou a série Esculturas de um minuto; Philippe Halsman
da Letônia, que fez a icônica imagem Dalí Atomicus, em
1948, em que os elementos ficam suspensos no ar.
Também integram este grupo: o sul africano Kevin Carter,
que fez a icônica imagem Sudão, em 1993, que mostra a
criança e o abutre; o norte americano James Nachtwey,
premiado fotógrafo de guerra, que documentou o
genocídio em Ruanda, em 1994; o autorretratista
camaronês Samuel Fosso, que trata sobre identidade
e cultura; o mexicano Manuel Alvarez Bravo, que
documentou a cultura, a sociedade e arte mexicana; o
líbanês Benjamin Abrahão Botto, que trabalho com Padre
Cícero em Juazeiro do Norte e retratou os cangaceiros
liderados por Lampião; o cubano Alberto Korda, que fez
a famosa imagem de Che Guevara; Nick Ut do Vietnã, que
fez a inesquecível cena Crianças fugindo de um ataque
de napalm sul-vietnamita, em 1972, durante a Guerra
do Vietnã; o canadense Jeff Wall , que une dezenas de
imagens na pós-produção criando uma única cena; o
Nair Benedicto
a irlandesa Hannah Starkey, que fotografa modelos
para documentar a perspectiva feminina em diversos
lugares; Linda Al Khoury da Jordânia, que criou a série
Substituição e é curadora do Image Festival Amman,
na Jordânia; a holandesa Rineke Dijkstra, que registra
crianças e adolescentes para mostrar a vida em transição;
a iraniana Shirin Neshat, que criou a série Mulheres de
Alá que aborda a cultura iraniana; a italiana Tina Modotti,
que retratou a Parada dos Trabalhadores, no México, em
1926; a israelense Elinor Carucci, que fotografa momentos
íntimos da família desde os 15 anos; Irmina Walczak da
Polônia, junto com o seu marido Sávio Freire, registra o
cotidiano de sua família morando em diferentes lugares
do mundo; a suíça Hildegard Rosenthal, que atuou no
Brasil e foi fotojornalista da Agência Press Information.
Além destas também destacam-se: a autorretratista
norte americana que trabalhos iniciados na década
de 1970, Cindy Sherman; a chilena Lotty Rosenfeld
que fotografou as ruas com intervenções artísticas
durante a Ditadura Militar no Chile; a mexicana Patricia
Aridjis, que criou a série Las Horas Negras retratando
os presídios femininos da Cidade do México; a peruana
Cecilia Larrabure, que retratou o carnaval em Llachón,
no Lago Titicaca, no Peru; Nikki S. Lee da Coréia do Sul,
discute sobre raça e identidade ao participar e registrar
diversos grupos, utilizando inclusive roupas, maquiagem
Elysangela Freitas
e acessórios; Daniella Zalcman do Vietnã, que retratou
sobreviventes dos internatos canadenses, que causou
genocídio cultural e trauma intergeracional, é fundadora
da Women Photograph, organização sem fins lucrativos
que trabalha para apresentar fotógrafas mulheres e não
binárias, conta com mais de 1000 jornalistas visuais em
mais de 100 países.
Os destaques dos fotógrafos estrangeiros são: o mítico
fotógrafo de guerra Robert Capa da Hungria, que criou
a Agência Magnum e retratou o Dia D da Segunda
Guerra Mundial, na França em 6 de junho de 1944; o
francês Henri Cartier Bresson, atuou como fotojornalista
em vários países, co-fundador da Agência Magnum;
Edward Steichen de Luxemburgo, que retratou a atriz
Glória Swanson e foi curado da Exposição The Family of
Man; o romeno Brassai, que fotografou Paris à noite; o
alemão Thomas Hoepker, que fez a polêmica imagem do
atentado ao World Trade Center em Nova York, em 2001;
o inglês Cecil Beaton que retratou a famosa cantora Maria
Callas, em 1956, fotógrafo de moda e da realeza britânica;
o suéco Erik Johansson, que produz cenas surrealistas; o
russo Alexander Rodchenko, que fez a famosa imagem
Menina com Leica, em 1934, explorou os efeitos de
convergência nas imagens; Juca Martins de Portugal,
fotojornalista que fundou a Agência F4 e a Pulsar Imagens
no Brasil em 1957; o italiano Paolo Roversi, fotógrafo
colombiano Federico Ríos Escobar, que fez a série FARC,
os últimos dias na selva, em função do acordo de paz
entre o governo colombiano e as FARC.
No grupo das fotógrafas brasileiras se destacam: a
grande fotojornalista paulista Nair Benedicto, que fez
a imagem Mulheres do Sisal, na Bahia; a gaúcha Alice
Martins, que cobre crises humanitárias e conflitos
armados no Oriente Médio; a pernambucana Renata
Victor, grande fotógrafa, professora e curadora, criadora
do Curso Superior em Fotografia da UNICAP, bem
como a especialização As Narrativas Contemporâneas
da Fotografia e do Audiovisual; a paraense Elza Lima,
que documenta as manifestações culturais paraenses,
em especial o Círio de Nazaré; a paraibana Flora Negri,
fotografa a si e aos outros de forma inovadora e
criativa; a paranaense Isabella Lanave, que criou a série
Fátima, sobre o imaginário de sua mãe por conta do
transtorno bipolar; a baiana Helen Salomão, que criou
o Projeto Fotopoético Casa Corpo Pele Parede; a carioca
Ana Carolina Fernandes, fotojornalista independente
que registrou o Grafite na Zona Norte do Rio de
Janeiro elaborado pelo coletivo @contraconsciencia e
colaboração do @nogenta; a alagoana Maíra Gamarra,
que elaborou o ensaio Terra Incerta, que trata da relação
da fotógrafa com a Bolívia, terra de seu pai; a mineira
Marilene Ribeiro, criou a série Água Morta para mostrar
as pessoas afetadas pelas hidrelétricas; a potiguar Luisa
Medeiros, que cria seus trabalhos em defesa de direitos
humanos, contra o racismo, a gordofobia e a transfobia.
Shirin Neshat
A ideia é ter representantes de todos os estados, o
que vai ocorrer na continuação do projeto. Também
integram esta lista a Claudia Andujar que nasceu na Suíça
e a Maurren Bisiliat que nasceu na Inglaterra, ambas se
naturalizaram brasileiras.
Para os fotógrafos brasileiros, em destaque estão: o
grande fotojornalista baiano Evandro Teixeira, que
trabalhou no Jornal do Brasil por décadas, criou a obra
Canudos 100 Anos e 1968 Destinos 2008 – Passeata dos
Cem Mil; o mineiro Sebastião Salgado, de fotojornalista
a fotógrafo documental, autor de várias obras, como
Gênesis, que buscou fotografar os santuários do
planeta; o catarinense Araquém Alcântara, fotógrafo
de natureza, autor de vários livros, em destaque para
Terra Brasil; o potiguar João Oliveira, criador do Margem
Hub de Fotografia, em Natal, documenta história,
cultura, decolonialidade e direitos humanos; o paraense
Gabriel Chaim, fotógrafo e cinegrafista independente,
documenta áreas de conflito e crises humanitárias, como
a Guerra na Síria; o brasiliense Ricardo Stuckert, fez
imagens dos índios isolados do Humaitá, registra política
e os indígenas brasileiros; o paulista Cristiano Mascaro,
fotógrafo e arquiteto, documenta várias cidades do
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Robert Capa
Maíra Gamarra
Erik Johansson
Alcir Lacerda
Leonardo Merçon
Breno Rocha
mundo; o cearense Tiago Santana, documenta a romaria
a Juazeiro do Norte, no Ceará; o capixaba Leonardo
Merçon, fotógrafo de natureza e conservação, criou
imagens para o Projeto Amigos da Jubarte; o paranaense
João Urban, registra a vida dos imigrantes poloneses no
Sul do país; o piauiense José Medeiros, foi fotojornalista
da Revista O Cruzeiro, documentou o Candomblé; o
carioca João Roberto Ripper, fotojornalista e fotógrafo
documental, registrou e denunciou o trabalho escravo
infantil e conflitos indígenas; o maranhense Joelington
Rios, que criou a série O que sustenta o Rio?, membro
do Quilombo Jamary dos Pretos, em Turiaçu, em seus
trabalhos une fotografia, vídeo, colagem e som; o
pernambucano Alcir Lacerda, fez a imagem premiada
E o amanhã?, publicada pela revista Time, criou a ACÊ
Filmes, foi homenageado no carnaval de Recife, em
2013, e para o reconhecimento de grandes fotógrafos
e fotógrafas pernambucanos o Curso de Fotografia da
UNICAP criou o Prêmio Alcir Lacerda. Igualmente a ideia
é ter fotógrafos de todos os estados.
Com muito orgulho, também faz parte desse projeto
imagens de alunos dos cursos de Fotografia, como Paulo
Souza, Sofia Queiroga, Sidnei Gomes, Rafael Martins,
Elysangela Freitas, Breno Rocha, Marina Feldhues, Carol
Figueiredo, Douglas Fagner e Renato Menezes, grandes
fotógrafos, com trabalhos incríveis, em breve outros
também vão participar.
As pesquisas foram feitas em livros, catálogos de
exposições, sites específicos sobre fotografia e,
especialmente, através da participação de eventos e
festivais que ocorreram em 2020, como o 10º Festival de
Fotografia de Tiradentes e o I Simpósio Latino Americano
de Fotografia do Rio de Janeiro. O contexto atual da
pandemia causada pela Covid-19 trouxe novos temas
e olhares aos profissionais da fotografia, também aqui
foram contemplados no projeto. Agradeço imensamente
a todos que colaboraram com imagens e que participam
diretamente no Instagram, no perfil @juliannatorezani
Julianna Nascimento Torezani é mãe de Lis. Doutora em
Comunicação pela UFPE. Mestre em Cultura e Turismo e
Bacharel em Comunicação Social pela UESC. Professora
de Fotografia e Iluminação do Curso de Comunicação
Social da UESC. Sócia da Intercom, da ABCIber e da
SOCINE.
E-mail: juliannatorezani@yahoo.com.br
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COLUNA
MINHA TIA MESMERIANA
Sidney Rocha
Eu conversava dia desses com um amigo. Ele tem trinta
anos de idade e não alcançou a televisão de tubo.
Eu comentava de como assistir TV numa casa pobre
era, sobretudo, lutar contra fantasmas. As imagens
chuviscavam, perambulavam “vivas” em ondas pelas
ruas de areia do bairro. Algumas vezes, entravam nas
casas. Quando saltavam vultos aos nossos olhos, enfim,
eram resultado de um grande esforço de decodificação,
fruto mágico da nossa fé&desejo associados à fagulha
arbitraríssima das válvulas. Desejo e fé. Duas tias minhas
se converteram ao Espiritismo ou talvez ao Mesmerismo
diante da TV, do fenô meno magneto-elétrico, ali na sala
naqueles anos 70.
E o que viam ou imaginavam ver? Espectros se
duplimultiplicando: vinte tarcísios-meira beijando
incontáveis miasmas de glórias-menezes, nos infinitos
pontos de flashes de luz e escuridão do tubo. Então, o
trabalho da gente da casa era decidir, optar, entre o
“real” e o espectral, e seguir por ali, perseguindo sua
escolha hertziana. Víamos a programação de jeito particular
e único, para além do que já sabemos de vivermos
em mundos distintos, por conta de cada psiquismo e de
cada caverna. Por isso, lá em casa a fenomenologia era
mais embaixo. Cada qual tinha seu próprio repertório
de não-imagens, sua experiência peculiar e sensorial.
Extrassensorial algumas vezes. Formas. Metaformas.
Metaformoses. Morfoses. Era o todo, depois cada parte
dos fantasmas, que resultava a experiência completa.
Portanto, não foram os alemães, mas nós, lá em casa, os
criadores da gestalt.
“Sou da geração que consumiu fantasmas”, eu disse
para meu amigo. “Platão sabia disso mais que os artistas
(da imagem) contemporâneos. Para ele, as primeiras
imagens são sombras. Depois, reflexos num espelho
d’água. Somente depois são os esses corpos opacos,
brilhantes, onde a luz, para não fracassar completamente
em sua travessia, se reflete neles.
Se Deus é luz é somente o homem é fotógrafo, que Deus
é este, o da imagem? É o deus da permanência, que luta
contra a (nossa) morte, que vende a ideia de uma alma
imortal, e nisso consiste o modo como nos relacionamos,
mas as imagens (máscaras mortuárias, sepulcros,
câmeras, grotas) porque algumas imagens (primais,
arquetípicas) antecedem inclusive as ideias.
“Entendo”, meu amigo respondeu.
Aproveitei que ele mentia e pulei uns séculos.
“Somente mais à frente passamos a entender a
imagem como objeto, em si. E depois a imagem no
sentido avassalador, invasivo, a imagem midiática, toda
relacionada ao desejo, ao consumo, em um tempoespaço
onde todo tipo de imagem co existe, disputa, e
que não quer somente nossa contemplação. Não busca
somente familiaridades ou reconhecimento. As imagens
requerem novas experiências psicológicas catalogáveis,
úteis para os mercados dos you-tubos e dos I’Tudos. Essa
estesia, hiperestesia, hístero-estesia, é a nova Aestesis
ou Estética, a experiência-total, da imagem-total, meio &
mensagem ao mesmo tempo.
“Medium”, diria minha tia Mesmeriana.
Mas ela não precisa entender que a imagem
contemporânea (mais antiga do que muitos pensam)
e a imagem-mídia são conceitos mais amplos, que não
cabem numa simplificação somente possível nessa
categoria da fé. A fé é uma simplificação, tia, como a
felicidade é também, o senso comum, eu pensava. Uma
imagem é também uma simplificação, um fantasma.
Uma evocação. Já não queremos a ideia da Sombra
(arquétipo ou fenômeno natural da luz projetada)? Platão
que se exploda. Nem queremos somente a Imago, a ideia
da máscara mortuária, portanto de novo a imagem de um
fantasma. Ou de um sonho. Minha tia não conheceu a
ortodoxa judaica Mélanie Klein nem o católico Lacan, nem
Henri Wallon, que não sei qual fé professava, nisso das
imagens mentais, oníricas, sobretudo das crianças.
Infantilmente, queremos a ideia do homem-imagemsemelhança,
que a filosofia e o mundo judaico-cristão
nos ensinou, imagens diante das quais nos prostremos,
imagens-vivas, de um novo monoteísmo, amém, querida
Tia Mesmeriana? A fé que vence a ideia da morte. A morte
é imagem e permanece imagem, como disse o morto
Barchelard. Eis uma imagem que precede sua própria
ideia.
Mas voltei a dar atenção ao amigo.
“Somos nós agora os aparelhos.”
“’Aparelhos’?” Ele perguntou. “A palavra ainda é do mundo
dos espíritos, não?”
“Eu sei.”
No fundo, toda imagem, uma fotografia, por exemplo,
é sobre a morte. A “alma do mundo”. Sobre um tempo
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morto. Toda imagem termina sendo um tipo de memento
moris. Toda foto carrega uma única legenda: “Lembre-se.”
O resto é retoricismo.
A forma como a sociedade lida com as imagens está
intimamente ligada à forma como lida com a ideiaimagem-símbolo
da morte. Mesmo que sejamos
sociedades humanas híbridas, em fusão, não deixamos
de ser sobretudo simbólicos.”
“Mas de quais sociedades você está pensando?”, ele me
perguntou.
“Da nossa. Da de todos os tempos.”
“Retórica. Isso não diz tudo.”
“Quando falo das sociedades me refiro à sociedade onde
todos vivem. Onde vivemos. Está bom assim para você?
“Mas aí está seu erro.”, ele me disse. E prosseguiu: “Note: a
maioria das sociedades está morta. Nossos antepassados
são mais sociedade que nós, os vivos, os visíveis. São
em maior número. Diante da TV miasmática de sua tia,
estaremos sempre nos reportando a chuviscos, chiados,
a imagens imperfeitas, por nunca mais se completarem,
pretéritas, de homens e mulheres das quais não sabemos
mais os nomes, mas nos afligimos pelo que acorreu a eles
e que, inexoravelmente, nos ocorrerá.”
Ele tinha razão. Não há outro assunto para a literatura
ou as artes: Amor+Morte. Amorte. A contra-imagem do
primeiro mistério a enfrentar. Essa presente Ausência,
essa ausente Presença. Disforme e horrível efígimagem.
Não importam as revoluções técnicas, as novas culturas
do olhar, as imagens sempre serão um incômodo visível
para uma angústia invisível, com a qual conviveremos até
o último disparo do botão, o último touch da tela.
“E como as sociedades lidam com essa ideia, você sabe?”
“Não”, respondeu.
“Eu lhe digo: por compensação.”
“Compensação?”
“Sim. Sob a eterna ameaça da morte, lidamos com as
imagens do modo imediato. Por símbolos. E símbolos
não têm necessariamente correspondência natural com
a coisa. Os símbolos são essa compensação. As imagens
servem para nos submeter.”
“Beba mais.”
“Quem transmite uma imagem submete um inocente”,
não é assim que disse aquele filósofo?”
“Qual?”
“Régis Débray.”
“Caracas. Você conhece esse fantasma?”
Eu não disse ao amigo nem sim nem não. Débray
influenciou toda uma geração à luta armada contra a
ditadura no Brasil. Quando cheguei ao Recife, um velho
professor me falava dele como alguém vivo, da família. E
esse professor perdera um irmão para o regime.
“Isso é outro papo”, desconversei. E bebi mais.
Estava indo longe demais nisso da história das
mentalidades, ou seja, de como as imagens influenciaram
mais e menos a sociedade. A “imagem” da família diante
da TV da casa-morta ainda se me iluminava como fosse
uma fotografia. Eu pensava mais para dentro agora,
em um mundo interior deflagrado por essa iconografia
pessoal, tardia, sentimental, em certa semiologia;
buscava recuperar, agora usando o intelecto, tentava
ler (“intelecto” vem de legere: ler, escolher) a imagem
por dentro da coisa, seu aspecto simbólico, o panorama
interno da forma que é ao mesmo tempo conteúdo,
reviravolta, paradigmas.
Meu pensamento era um carrossel. Santaela cita Bazin
apud Dubois: a fotografía terminou por criar uma
“reviravolta radical na psicologia da imagem”. Esse é
um dos três paradigmas da imagem. Paradigma é uma
palavra paradigmática, hoje. A palavra tem uns sessenta
anos que frequenta o texto acadêmico, é lugar-comum,
mas serve ainda para apontar para as ambiguidades, os
vários sentidos de algo, sobretudo na fotografia, esse
tipo de representação.
Uma representação sugere a pré-existência do
representado.
Errado.
Para Pierce, a de sua teoria os signos, por exemplo, essa
correspondência não é obrigatória. A representação
pode ser usada pra qualquer algo, qualquer coisa, visível
e invisível, ao mesmo tempo, fantasmagorias sequer
imaginadas, até.
O signo é o agente de alteração, o que nos faz
compreender, ampliar ou mudar nosso entendimento
sobre as coisas do mundo. Inclusive o mundo. Disso
trata o signo. Das coisas. Coisas que se confundam com
objeto que o signo consiga ser aplicado para lhe dar um
valor. Denotativo ou conotativo. De três categorias, pelo
menos. Primaridade...
“Pare. Você não vai me dar aula.”
Pensava alto. Eu só estava tentando dizer que o signo é
algo que, em algum panorama ou modo, representa algo
para alguém. Mas isso diria Pierce, para quem a semiótica
é somente uma parte de suas formas de interpretar o
mundo, sua lógica, ética e estética. Contudo, deixei o
amigo em paz, um pouco.
Como aqueles malucos do filme “O ponto de mutação”,
tergiversava, sozinho. Pensava como a teoria semiótica
serve para lidarmos tanto com uma abstração quanto
com uma cadeira. Um comportamento ou uma
mentalidade. Uma Fotografia ou uma fotografia.
Sobretudo a fotografia, esse ente híbrido: antes físicoquímica,
hoje menos que o ar, informação e nuvem. A
semiótica está intimamente ligada à imagem e seus
usos e, particularmente, à fotografia e ao ato e a prática
fotográfica.
Sua importância ou relevância na fotografia está na
construção de uma gramática própria, especulativa, no
desenvolvimento de uma lógica crítica, baseada nessa
gramática.
“Gramática? Especulativa?”
“Poxa”, respondi ao amigo. “Pensei que você dormia.
Explico: gramática especulativa é a soma de todos
os signos possíveis, interpretação, denotações,
significações...”
“Entendo. Um alfabeto próprio. Um “letramento”.
“Nada. Esqueça essas palavras da moda. É mais do que
isso e é mais simples ainda: uma ciência que é ao mesmo
tempo (sua própria) linguagem.”
“Uma tudologia.”
“Isso. A Teoria Geral do Tudo. É isso. Você entendeu. Na
mosca.”
“Por isso ela é importante em todas as áreas do
conhecimento e mais ainda na prática fotográfica: é a
partir dessa gramática que fotógrafos podem buscar
classificações, análises para variações da linguagem,
sinais, códigos, buscando novantigas objetivações &
interpretações.”
“Arbitrárias.”
“Ora, que seja. O ato fotográfico é também arbitrário.
O ato fotográfico é um ato ditatorial. De ruptura. O
enquadramento não é somente uma ‘moldura’, mas um
ato intencional, intelectual e profundo, escolhido para
representar parte do mundo, objetivo ou não. Não é à toa
que o obturador se assemelha a uma guilhotina. Várias.
Uma foto é um corte. Uma decepação.”
“Você parece irritado.”
“Não estou.”
“Mas parece. Beba menos.”
Não estava. Contudo, a ideia-imagem da morte voltava a
perambular pelo ambiente e saí para respirar um pouco,
ali onde os outros se fumavam.
Voltei. Quando me sentei, era a imagem do olho-signo
do filme de Bruñel que não deixava de ocupar todos os
meus pensamentos. A navalha, para além da navalha,
dinamicamamente.
A sensação era que o uber me levaria para casa, a
estranha antiga casa-morta, no passado, onde as velhas
tias dormiam na sala, diante da TV, profundamente.
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ARTIGO
MEMÓRIAS DOS
TEMPOS DE USINA
Rosália Cristina de França
Este artigo surge das lembranças que a autora tem da Usina Jaboatão na época
de sua infância. Uma relação intrigante e curiosa de uma criança que achava
aquela construção magnífica: a Usina falava com seus sons e cheiros, e isso
despertava a curiosidade. Se a autora tinha suas lembranças, imagine quem
trabalhou e viveu de perto aquele lugar? Acessar essas lembranças era não
deixar essa história desaparecer com o tempo e também mostrar aos antigos
funcionários a importância que cada um teve na trajetória da usina. Assim, a
proposta foi resgatar essa história com imagens dos antigos trabalhadores da
usina entrevistados e das ruínas que vem sobrevivendo ao tempo da Usina
Jaboatão.
A cana-de-açúcar trazida para Pernambuco por Duarte Coelho Pereira, em
1553, encontrou no estado clima e solo compatível para o plantio e cultivo,
proporcionando uma grande gama de variedades de cana. A chegada da
cana, além do seu manejo e cultivo, trouxe consigo mudanças no estilo de
vida das pessoas que ali já habitavam: mudanças na cultura, economia e
na natureza. Esse acontecimento contribuiu para que a coroa Portuguesa
destruísse gradativamente as matas que aqui encontraram, impondo, com
a plantação da cana, a monocultura como a única opção de plantio sem dar
chance, por exemplo, para as lavouras de subsistência (SILVA, 2010). O Brasil
por muito tempo foi o principal país a produzir açúcar, com sua economia
estável e detentora de muitos lucros, mas isso mudou com a concorrência
colocada pelos holandeses nas Antilhas, instalando uma crise no Brasil ainda
Colônia (SILVA, 2010).
Porta-retratos com imagens antigas de
autoria anônima da Usina Jaboatão.
A USINA JABOATÃO
As terras onde se localizava a Usina Jaboatão, na zona da
Mata Sul de Pernambuco, delimitada até às margens do
Rio Jaboatão, foram cedidas a Sesmaria, no século XVI, por
Duarte Coelho de Albuquerque, em 1566. Gaspar Alves
de Pugas foi o primeiro titular da Sesmaria, em 1575 sua
demarcação foi efetuada nos 1° Anais Pernambucanos
pág. 371, vol. 1° (USINA, [1996]). Gaspar Alves de Pugas
vendeu uma parte da Sesmaria a Fernão Soares, em 1573,
com a escritura lavrada em 15 de Setembro daquele ano,
tratava-se de uma área de 1.200 braças de norte a sul
por 60 braças de leste a oeste, vendida por duzentos mil
réis. Como forma de pagamento no documento de venda,
Gaspar Alves concede cana-de-açúcar para ser moída no
engenho que Fernão Soares (USINA, [1996]).
Com o passar do tempo Fernão passou a ser dono da
maior parte da Sesmaria de Gaspar, junto com seu irmão
Diogo Soares, que construíram um engenho de açúcar
com o nome de Nossa Senhora da Assunção, que veio a
ser padroeira do engenho. O local da Usina era nas terras
adquiridas em Jaboatão, onde também foi construído o
engenho Suassuna, situado na ribeira do rio Jaboatão
(USINA, [1996]).
Sob a dominação da Progresso Colonial, a Usina Jaboatão
é fundada em 24 de setembro de 1895, segundo contrato
firmado em 04 de outubro de 1895, com uma produção
estimada de 150 sacos por dia e 04 caminhões pipas
de álcool (USINA, [1996]). De 01 de julho de 1905 a 31
de janeiro de 1908 a Companhia Progresso Colonial se
chamava Usina Santa Teresa. A Usina só passou a ser
denominada Usina Jaboatão, em 1914, com capacidade
diária de 200 toneladas e uma linha férrea com 40
quilômetros de extensão. (USINA, [1996]).
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Escadaria do sobrado
A Usina passou para os domínios de Antônio Martins mas, após sua morte , em 1943, a viúva e seus filhos, Guilherme,
Armando e Joaquim instituíram uma sociedade feita por cotas, com escritura publicada em 20 de Maio de 1943 sob
a denominação de Indústria Açucareira Antônio Martins de Albuquerque Ltda, composta por: Engenho Caxito, Pedra
Lavrada, Bom Dia, Guarany, Palmeiras, Contra Açude, Mato Grosso, Brejo, Floresta, Caraúna, Javunda, Canzanza,
Sacupeminha, São Joaquim, Penamduba, Santo Amaro, cujos os lotes também faziam parte do patrimônio (USINA,
[1996]).
O que restou do bueiro
Ruínas do sobrado
Frente do sobrado
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OS RELATOS SOBRE A USINA JABOATÃO
A Usina Jaboatão foi um lugar que já teve tudo e hoje
só tem as lembranças de um tempo de muita riqueza,
carroças, casa da Maria Farinha, do horizonte infinito da
própria cana-de-açúcar, das benzedeiras, das parteiras,
da cachaça mais pura que alguém já fez com as forças de
suas mãos.
As lembranças, acreditamos, tem o poder de fazer voltar
no tempo, de mostrar sua forma mais bruta, sobretudo,
vinda daqueles que, sem perceber, fizeram história da
Usina, a exemplo do auxiliar de fiscal, do analista, da
tesoureira e do soldador enfim, personagens anônimos
que passaram pela Usina Jaboatão.
Adalgiza Ribas, D. Dida, ex-funcionária da Usina Jaboatão.
José da Hora, Zé da Hora, ex-funcionário da Usina Jaboatão.
O auxiliar fiscal José da Hora relata que chegou às terras da Usina Jaboatão por volta dos 14 anos, quando iniciou
os trabalhos como lenhador para abastecer a Maria Farinha. Conta também que sua maior alegria foi quando, em
fevereiro de 1964, recebeu sua carteira de trabalho, “o número do meu cartão era 01, eu chorei de alegria”. Descreve
que sua maior saudade daqueles tempos é a locomotiva, pois anunciava o início e o fim da moagem da cana-de-açúcar.
Adalgiza Ribas, mais conhecida por Dona Dida, conseguiu seu primeiro emprego na usina em 1972 e trabalhou lá
até a usina fechar, em 1995. Sua família já trabalhava há anos para os donos da usina. Ela começou no escritório, no
departamento de pessoal e depois se tornou a tesoureira, orgulhosa dos tempos de serviço prestado à Usina. Conta
que sua maior lembrança era da calmaria do lugar, da sensação de paz e do sentimento de pertencimento.
Israel Antônio dos Santos, Seu Zé, ex-funcionário da Usina Jaboatão.
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Muito saudoso, Israel dos Santos conta que foi funcionário da usina nos anos de 1956 a 1989, quando teve um acidente
de trabalho e se aposentou. Assim como Zé da Hora tem muitas saudades da locomotiva, foi por um período maquinista
e diz que o trabalho era animado: “essa época nunca sai da minha mente”, afirma.
O senhor José Mariano, que trabalhou como fiscal de moagem e analista, de 1975 a 1995, traz lembranças sensoriais
do período que a usina moía e relembra do característico “cheiro do mel da cana de açúcar soprado pelo vento” e
do apito da locomotiva que avisava quando estava chegando com o câmbio de carro do engenho. Uma das maiores
saudades do Seu Mariano está relacionada às amizades, segundo ele, “o convívio era ótimo”.
e que nenhum dinheiro poderia
comprar. Todas essas pessoas,
mesmo sem perceber, foram autores
presentes da história da Usina
Jaboatão, ouvir seus depoimentos
foi voltar no tempo, sentir o cheiro
da cana queimada, o som da Maria
fumaça, as caldeiras e seus vapores,
e as buzinas dos caminhões. Sem
esquecer, jamais, dos que já se foram,
mas deixaram suas marcas.
REFERÊNCIAS
Cômodo do sobrado
MELO, Mário Lacerda de. O açúcar e o homem:
problemas sociais e econômicos do Nordeste
canavieiro. Recife: Instituto Joaquim Nabuco de
Pesquisas Sociais, 1975.
SILVA, Girlan Cândido da. A representação
socioeconômica da cana de açúcar para a
região da zona da mata de Pernambuco. In:
Revista eletrônica do curso de geografia –
campus Jataí/UFG. Jataí-GO, n.14, jan-jun/2010.
USINA Jaboatão. Pernambuco, [1996].
Fachada do sobrado
Porta-retratos com imagens antigas de autoria anônima da Usina Jaboatão.
De minha parte, em especial da minha
infância, e das luzes e espaços que
podia observar da janela de minha
casa, sentada, via admirável a Usina
em meio aos galhos das árvores do
quintal e também da frente. Uma
criança que passeava, visualmente,
em imaginações e curiosidades de
como seria aquela estrutura (usina)
por dentro. Este trabalho teve o
objetivo de, a partir das memórias de
criança, ter a honra de contar e trazer
à tona a memória de alguns que
dedicaram sua vida à Usina, e até
falar um pouco de fatos históricos
que essa autora desconhecia. Ouvir
cada relato foi encontrar uma pedra
preciosa na sua forma mais bruta
Salão principal do sobrado
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ENSAIO
Uma história de resistência
e persistência
Adelson Alves
Passando pela cidade de Garanhuns, na charmosa Av. Rui Barbosa, com
seus canteiros e constantes mudanças, lá no nº 558, existe um pedacinho
congelado do tempo. Entrar pelas suas portas é como voltar 110 anos, dos
quais, os últimos 60 têm sido administrados pelo Sr. Daniel, um homem de
bom coração e sorriso amplo, uma figura carismática da cidade, muito querido
e respeitado por todos.
Este lugar é um clássico na cidade, localizada no Agreste do Estado. Já rendeu
muitas reportagens no país e também no exterior. O local é muito visitado por
fotógrafos, filmmakers e jornalistas. A história da lojinha sempre é contada
como um caso de resistência ao tempo. Apesar de tudo ao seu redor ter
mudado ao longo dos anos, ela permanece do mesmo jeito.
O Sr. Daniel nos faz lembrar o Sr. Carl Fredericksen, da animação Up, dos
Estúdios Pixar, com todo seu amor e cuidado pelo estabelecimento. Todas as
vezes que alguém chegou querendo arrendar, alugar ou oferecer qualquer
tipo de negócio pelo imóvel, foi posto para correr pelo icônico senhor, que
relata sua célebre frase: “nem fui atrás de você e nem estou precisando de
dinheiro! Deixe minha lojinha em paz!”
E esta é a história de Sr. Daniel e de sua lojinha. Uma história de resistência e
persistência.
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ENSAIO
ITAPUAMA BANHADA DE
PETRÓLEO
Rosália Cristina de França
Johnatta Vitor Silva Marinho
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Este ensaio foi realizado com câmera DSLR Nikon d3100 e d3200, com lente 18-55, em 23 de outubro
de 2019, durante um dia de acompanhamento das ações dos voluntários na limpeza da praia de
Itapuama/PE em decorrência do derramamento de óleo cru que atingiu diversas praias do Nordeste
brasileiro, sendo este vazamento o maior da história do país. Passados quase dois anos do crime
ambiental, ainda são imensuráveis os danos que tamanha poluição causará a curto e longo prazo à
população das áreas atingidas e ao meio ambiente.
O petróleo é um combustível fóssil que possui diversas substâncias tóxicas, como o benzeno
e hidrocarbonetos que causam severos danos aos pulmões, pele, sistema nervoso, intoxicações,
infecções. Mesmo após a retirada do piche das praias, esses componentes químicos continuaram
circulando na corrente marítima, sem que sejam percebidos a olho nu.
O material derramado no Oceano Atlântico atingiu o litoral do Nordeste em final de agosto e causou
danos à saúde humana, à economia local e ao ecossistema. A chegada oficial do óleo na praia de
Itapuama foi constatada por volta das dezesseis horas do dia 21 de outubro de 2019. Neste mesmo
dia, moradores locais, nativos da praia, surfistas e frequentadores deram início às ações voluntárias
de limpeza que foram até o anoitecer daquele dia e continuaram no dia seguinte.
Os voluntários trabalharam por dias, sem equipamentos de proteção, sem ferramentas que
facilitassem a retirada do óleo, não estavam preocupados em saber se o material era tóxico para a
saúde, apenas queriam sua praia de volta, sua fonte de sustento e vida.
1 Discente do curso de Fotografia da UNICAP. Rosaliacfranca@gmail.com
2 Discente do curso de Fotografia da UNICAP. Johnmarinho13@gmail.com
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ENSAIO
Comunidade do Pilar:
a verdade a céu aberto
Arnaldo Sete
As imagens foram produzidas durante o módulo na disciplina Linguagem
Fotográfica I ministrada pelo professor João Guilherme na graduação em
Fotografia na Unicap. Nesta ocasião abordamos a linguagem do fotojornalismo.
Sendo assim, elaborei uma pauta com o objetivo de mostrar as dificuldades
enfrentadas pelos moradores da Comunidade do Pilar, localizada no bairro do
Recife, no que diz respeito à falta de saneamento básico e o fornecimento de
água tratada para os moradores da área.
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ENSAIO
A fé em tempos de pandemia
Douglas Fagner
Em 30 de setembro de 2020 participei de uma aula no
terreiro de Pai Vadindo, em Passarinho, Olinda. Fui
convidado para fotografar o evento e fiz um recorte sobre
a pandemia e sobre como ela mexeu com os costumes
do povo de terreiro. Esse problema, de ver a realização
de seus rituais serem impedidos, não é novidade para
os povos de terreiro, uma vez que sempre enfrentaram
restrições parecidas por conta da intolerância e do
racismo religioso. Hoje, de alguma forma, todo mundo
sabe a dor de não poder cumprir os seus rituais com
liberdade. Por conta da pandemia, foram criadas formas
diferentes de realizar as tradições e os costumes tiveram
que ser reformulados e adaptados aos protocolos de
cerimônias religiosas. Alguns instrumentos simbólicos
foram revistos para que pudessem ser cumpridos nos
rituais sem a presença do corpo. Tentei registrar com
imagens o silêncio, o recolhimento e a introspecção que
esse novo momento trouxe para os rituais.
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ENSAIO
Chega de violência
contra a mulher
Danyllo Feliciano
A violência contra a mulher é um problema antigo e
mundial, perpassando séculos e culturas distintas.
Todavia, só há pouquíssimo tempo, em contexto histórico,
organizações mundiais começaram a se organizar contra
esse tipo do violência. Levando em consideração sua
frequência, faz-se necessário constantemente falar sobre
a temática.
Com o surgimento da cultura patriarcal, a mulher tem
seu papel no âmbito social desfeito, se encaixando em
posição de submissão e devoção aos seus maridos.
À vista disso, a mulher teve sua liberdade limitada de
forma mais autoritária possível. Logo, é nesse contexto
de inferioridade que surge a violência contra a mulher
(MORAES; CARVALHO; DA SILVA CUNHA, 2021). Assim,
coube a elas lutarem pelo seu lugar na sociedade e pela
criação de leis que visassem defender sua atuação e
integridade física e mental.
No Brasil, a causa feminina conseguiu levar à vigência
a Lei Maria da Penha, n°11.340. Todavia, nem mesmo a
criminalização da violência contra mulher foi capaz de
sanar esse problema social, visto que a cada 4 minutos
uma mulher é agredida (MORAES; CARVALHO; DA SILVA
CUNHA, 2021). Essa violência doméstica, que muitas
vezes começa com agressões psicológicas, evoluindo para
agressões físicas, terminam em feminicídio, encerrando,
assim, o ciclo de violências.
Fatores como a falta de informação e de apoio às vítimas
de violência doméstica tornam-se obstáculos resistentes
para que o sistema de Justiça enquadrem mais casos de
violência doméstica. Não obstante, o fator medo se faz
o mais recorrente na não denúncia desses casos. Um
outro agravante que pode-se citar na atual situação do
país é o isolamento social causado pela pandemia do
Covid-19. Esse quadro social, levou mulheres a passarem
mais tempo em casa com seus maridos e agressores,
aumentando o número de ligações para o 180 (Central de
Atendimento à Mulher) em 36% (MORAES; CARVALHO; DA
SILVA CUNHA, 2021).
Diante da gravidade e recorrência da temática, foi tido
como necessário contribuir para a literatura local. Dessa
forma, o presente ensaio foi desenvolvido em conjunto
com a aluna de Psicologia da FACHO Débora Martins
para ser utilizado em seu artigo. No ensaio é retratado
a história de uma mulher vítima de violência doméstica.
Durante a sequência de fotos, é percebido que as
agressões começam através de pequenos machucados,
que vão aumentando até chegar ao triste fim, mais um
caso de feminicídio.
REFERÊNCIA
MORAES, Ana Beatriz Guedes; CARVALHO, Ana Carolina Silveira; DA
SILVA CUNHA, Carolina. As faces da violência contra a mulher. Jornal
Eletrônico Faculdade Vianna Júnior, v. 13, n. 1, p. 28-28, 2021.
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ÁUDIODESCRIÇÃO
o registro das cores amplia
a experiência estética
Liliana Tavares
no brilho... No dia a dia, essa instabilidade pode ser mais
claramente experimentada na hora do lusco-fusco, do
alvorecer, quando as silhuetas se acentuam, e, logo em
seguida, aos poucos, as cores vão ganhando definição,
a paisagem fica iluminada, e se mostra em cores. O
oposto acontece durante o crepúsculo. Essa volatilidade
da cor fica ainda mais evidente quando usamos os
diversos dispositivos digitais imagéticos para produzir ou
reproduzir cores. Por exemplo, o uso de um programa de
design que fixa e define uma paleta de cores, não garante
que determinada cor será vista igualmente em outras
telas, menos ainda na impressão do papel.
Na audiodescrição de fotografias, detalhes simples,
como o de mencionar o céu azul ou cinza já dá o
indicativo do tempo; falar a cor da pele de uma pessoa
fornece informação étnico-social. “Ver” por meio da
audiodescrição é uma experiência cognitiva-sensorial
que sempre questiona o entendimento de ver apenas em
função do sistema ótico.
Nestes dois exemplos de audiodescrição das fotografias
de Renata Victor, uma em preto e branco e outra colorida,
é possível observar o quanto de informação está contida
nas cores.
Foto em preto e branco na horizontal do rosto de um
caboclo de lança de meia-idade. Ele tem feições que
evidenciam sua ancestralidade afro-indígena. Tem o
nariz largo e bigode fino, rente ao lábio. Olha para a
esquerda e ao longe. Tem um cravo branco no canto
esquerdo da boca, preso pelos dentes, de onde sai
um trancelim fino. Usa um lenço estampado ao redor
da cabeça, amarrado no queixo; e, por cima, o chapéu,
de aba larga, densamente coberto por fitas finas e
leves. Sobre os ombros, vê-se parte da gola bordada de
lantejoulas.
Ainda existe o mito de que as pessoas com deficiência visual não conseguem “ver” as cores.
Grosso modo, as pessoas com deficiência visual podem ser divididas em três grupos: 1 -
pessoas que nasceram sem a visão, as cegas congênitas; 2- pessoas que perderam a visão,
as cegas adventícias; e, 3- pessoas que têm baixa visão, sendo este grupo muito diverso
em graus de acurácia da percepção visual. Assim, a experiência com as cores vai depender, não
apenas da condição física, biológica, mas também de vivência psicossociocultural de cada indivíduo.
Sabe-se que, tradicionalmente, a cor predominante do
chapéu de um caboclo de lança é a cor do “guia”. Nesse
caso, o chapéu é amarelo dourado, a cor de Oxum.
As cores carregam aspectos subjetivos, muitas vezes
significados arquetípicos que podem e devem fazer parte
do universo da pessoa com deficiência visual por meio da
audiodescrição.
Portanto, mesmo quando um cego me diz que “as cores não têm nenhum significado” para ele, que
“dizer ou não dizer uma cor dá no mesmo”, e que ele só quer saber das cores das roupas na hora da
compra, para poder marcá-las e saber como escolher as peças na hora de vestir, eu percebo aí, nesse
ato da escolha da cor da roupa, já uma forma de significação da cor. Nesse momento, ele se contradiz
e revela a necessidade de participar do significado cultural do uso da cor adequada da roupa para
cada ocasião (horário, local, propósito), e busca replicar a referência estética para uso de uma de cor
de roupa (moda, estilo, representação de personalidade, status).
Ao contrário do exemplo acima, a maioria das pessoas com deficiência visual valoriza e se interessa
pelas cores. Elas entendem que as cores podem estimular a construção de significados, de sensações
e de estados emocionais que ganham corpo na relação com diversos estímulos imagéticos. Flavia
Mayer (2018) propõe uma perspectiva de auto-organização criativa do processo de conceitualização
das cores, tendo em vista as especificidades do público com deficiência visual. Essa auto-organização
é a forma como cada um faz sua cadeia de associação e imaginação.
Além de todo o aspecto cultural e simbólico que envolve as cores, trabalhar com elas, e também com a
ausência delas, é lidar com algo que é mutável e que varia de acordo com a incidência de luz. Algo que
possui nuances e que podem se revelar em diferentes intensidades, na opacidade, na transparência,
REFERÊNCIAS
MAYER, Flávia Affonso. A importância das coisas que não existem.
Construção e referenciação de conceitos de cor por pessoas com
cegueira congênita. BH: Editora PUC -Minas, 2018.
DOMINGUES, Celma dos Anjos. A Educação Especial na Perspectiva
da Inclusão Escolar: os alunos com deficiência visual: baixa visão e
cegueira / Celma dos Anjos Domingues ... [et.al.]. - Brasília: Ministério
da Educação, Secretaria de Educação Especial; [Fortaleza] : Universidade
Federal do Ceará, 2010.
Audiodescrição:
Roteiro e narração: Liliana Tavares
Consultoria: Michelle Alheiros
Edição de som: Júlio Reis
Foto: Renata Victor
Colorido
P&B
Foto colorida na horizontal do rosto de um caboclo de
lança de meia-idade. Ele tem feições que evidenciam
sua ancestralidade afro-indígena. Tem nariz largo, pele
queimada do sol, e bigode fino, rente ao lábio. Olha
para a esquerda e ao longe. Tem um cravo branco no
canto esquerdo da boca, preso pelos dentes, de onde sai
um trancelim prateado fino. Usa um lenço estampado
azul, vermelho, amarelo e roxo, ao redor da cabeça,
amarrado no queixo; e, por cima, o chapéu, de aba
larga, densamente coberto por fitas douradas, finas
e leves. Sobre os ombros, vê-se parte da gola bodada
de lantejoulas coloridas, cada linha de uma cor: branca,
vermelha e azul. O dourado brilhante do chapéu reflete
sobre rosto suado. O canto inferior direito, com fitas e
parte da gola, está desfocado.
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COLUNA
CATÁLOGO
A formação de um
coisógrafo
Sidney Rocha
Olha o
passarinho!
Betânia Corrêa de Araújo
Nas festas de família do século XX, além de louças e talheres, toalhas e doces, uma nova
ferramenta entrou em cena. A câmera fotográfica.
Muitas leicas foram adquiridas por fotógrafos amadores para registrar batizados, festas religiosas e almoços
de família. São fotografias que permanecem no nosso convívio em paredes e porta retratos e nos conectam
com o passado por meio de imagens que esbanjam poesia.
O sabor do tempo, revelado na oxidação dos papéis fotográficos muitas vezes abandonados em brechós e feiras de
antiguidades, emociona pelo afeto ou por mera curiosidade.
São imagens de um tempo em que a fotografia tinha o valor da modernidade.
Ser moderno era revelar-se.
1“Num meio-dia de fim de primavera”, o poeta Alberto Caeiro teve
“um sonho como uma fotografia.” Sonhou com figuras sagradas e
coisas banais – onde geralmente a verdadeira poesia mora. Talvez
pudesse se dizer: um sonho “de formação”, “bildungsroman”, como
a expressão aparece no métier literário. O termo deve ser a base para este
texto. Espero.
Deixemos o poeta ali, no seu meio-dia que nada tem a ver com o Demônio
do Meio-dia de Solomon. Mas, de alguma forma, com seu (e meu) daimon.
Vejamos onde chego.
Uma leitura das mais marcantes da minha garotice, depois do Quixote de
Cervantes, foi um desses “bildungsromans”: Anos de aprendizado de Wilhelm
Meister, de Goethe. A cada edição que compro, vou lá e marco a mesma oração
ou reza: “Instruir-me a mim mesmo, tal como sou, tem sido obscuramente meu
desejo, desde a infância. Ainda conservo essa disposição.”
A essa altura do romance, Wilhelm, o protagonista, está vivendo seu inferno
na Terra. Naquela época, tínhamos isso em comum. Verões os mais duros,
outonos injustos, grandes invernos foram bem marcados e eram mais fins
que primaveras, na vida. Ah, não culpo o Sol nem os planetas. A vida para mim
sempre foi sobre minhas escolhas e de ninguém ou nada mais. Ali estava à
prova minha formação, a ferro&fogo. Esse fogo&ferro se chama literatura. Ela
me levou por essas estações, sonhando o sonho de outro poeta, Rimbaud, de
sentar a Beleza em meus joelhos. Sem tantas forças para injuriá-la.
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2De novo, a leitura piorou tudo. Em 2009, mais ou menos, li a tradução
de Fenomenologia do Espírito, de Hegel. Havia lido dois anos antes
um livrinho de nada, As paixões da alma, de Descartes, e desde lá
andava com meu bisturi estético, estésico, tentando encontrar
a raizinha do espírito, onde ela se inseria ou se extraía do corpo. E os dois
livros juntos me ofereceram um caminho ou formação empolgantes, porque
paradoxais. Minha tentativa cartesiana de dissecação, de encontrar os reinos
ou as partes – e, nisso, a Verdade –, se contrapunha à ideia de Hegel, de que
só há a verdade no todo.
Então guardei essa dúvida extática na sacola, à espera daquela longa
temporada no inferno, ou no céu, sei lá, onde houver boa conversa, que nesse
mundo não mais. E, enquanto não vinha o chamado, me matriculei no curso
de fotografia de Unicap.
Como escritor, precisava aceitar outras formações. Uma delas era a de
fotógrafo. Era preciso aprender a “olhar para as coisas”, como dizia o poeta
Caeiro, se referindo ao seu sonho-fotografia. Saber de “todas as coisas que há
nas flores”. Ver “como as pedras são engraçadas/ Quando a gente as tem na
mão/ E olha devagar para elas.”
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Então discutimos o tema, eu e Renata. E o tema não seria o objeto.
Mas a parte. Esqueça a ideia da gestalt, esses psicologismos não
servem aqui. É sobre determinada “aura”, Daimon. Do espírito
dessas coisas que há em tudo e que tenta sobreviver em busca de
uma singularidade ou autenticidade esquecidas. Um mundo todo feito de
linguagem. “Coisa”, aqui, são vapores ou plasmas, como no meu Aminioticus
mundi, que só existe enquanto se derrete no interior do vidro. Um espírito
vítreo em convulsão e falência. E o que não?
O velho romancista aprendia com o aprendiz de fotógrafo. Eu estava
disposto a criar o fluxo de consciência, agora na fotografia. Era sobre isso.
Sobre espiríticoisas irreprodutíveis. Nalguma hora copiados, contudo esses
coisespirítos não existem mais. Nunca existiram. Sua efemeridade é sua
eternidade. Fluxos mediados pela fotografia e sua capacidade de marcar o
passado-morto, de algo e romper aurasespíritos.
Nisso resta falar de uma intenção política, o direito à existência, de um
universo híbrido, deslocado, transviado, de personagenscoisasespíritos sem
lugar nesse mundo, como as criaturas literárias e reais pelas quais mais me
apaixono.
Estava na hora de encontrar nessas experiências uma individualidade, um lugar
no mundo. Sem isso, artista ou escritor, ninguém avança com honestidade.
3
Quando a contemporânea Iluminati Renata Victor me deu a tarefa de
criar um catálogo, todas as ideias sobre as unidades e as partições,
as frações, o mundo cartesohegeliano, se confrontaram em mim. Eu
pensava nas Coisas, não somente como no poema pueril de Pessoa,
mas no Espírito das Coisas. De um mundo que pudesse partir da minha
própria experimentação, em busca de uma experiência estética pessoal e
intransferível, de um tempo proustiano, perdido. De todos os modos era um
exercício de Iluminação, no que a palavra tem a ver com Formação, assim,
com caixas altas e baixas.
Bom, não quero teorizar sobre isso. O Demônio bem diz ao Fausto, no Fausto,
ainda de Goethe: “toda teoria é cinzenta; e verde a dourada árvore da vida.” A
citação, hoje, me dá mais vontade de correr para a máquina de fotografar do
que a de escrever.
Sobre esses espíritos das Coisas devo responder como falam por aí ter
respondido Flaubert sobre sua Bovary: “Emma Bovary c’est moi”.
Portanto, Ovaginus? Sou eu. Aminioticus mundi? Sou eu. Calixananas & códix?
Também sou eu. Ou não há nenhum desses espíritos que há nas coisas que eu
não desejasse ser, enquanto os equilibrava em minhas mãos e os fotografava.
Esse catálogo tentaria expressar uma experiência maior, interior, de
aprendizagem, de auto-sedução e sedição do garoto de 55 anos que chegava
ao curso de fotografia.
Acesse:
https://issuu.com/unicaphoto/docs/catalogo_tecnico_final
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EXPOSIÇÃO
Explorando o universo das
exposições virtuais
Paulo Souza
Ao longo dos últimos anos muitas bibliotecas
e museus reuniram suas coleções especiais
como livros raros, manuscritos, fotografias,
panfletos, recortes de jornais, partituras
musicais, entre outros, e os digitalizaram criando
coleções de arquivos online que podem ser exibidos por
meio de exposições virtuais. Esta nova modalidade de
visitar museus e galerias democratiza e promove acesso
para coleções e acervos que, para muitas pessoas, nunca
poderiam ser vistos de outra forma.
A era das exposições digitais surge como consequência
de uma nova geração de ferramentas gratuitas, incluindo
opções de software livre e de código aberto, que tornam
possível não apenas catalogar e gerenciar coleções
digitais, mas também criar narrativas e layouts imersivos
para exibições online.
No final de 2020, diante da necessidade de distanciamento
social imposta pela pandemia do coronavírus, o curso
de Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco
realizou a sua primeira mostra virtual, a Exposição
Interdisciplinar de 2020.2. O serviço de criação da
exposição foi o Artsteps (www.artsteps.com), que fornece
uma plataforma para criar, projetar e compartilhar suas
próprias exposições virtuais de forma gratuita, dispondo
inclusive de compatibilidade com dispositivos móveis e
óculos de realidade virtual.
A exposição reúne obras dos alunos da graduação
e sintetiza um trabalho coletivo e interdisciplinar
desenvolvido durante 2020.2. “Temos como meta
a interação, pois é uma maneira de suplementar e
possibilitar a formulação de um saber crítico-reflexivo.
Saber esse que deve ser valorizado cada vez no processo
de ensino-aprendizado”, explica a coordenadora do
curso, Renata Victor. Em 2020.2, durante o segundo
módulo, os alunos vivenciam as disciplinas As artes e as
novas tecnologias, Iluminação, Linguagem fotográfica I,
Fotografia e semiótica e Edição e tratamento de imagens
I. Já no quarto módulo as disciplinas foram Legislação
sobre o uso da imagem, Gestão comercial da imagem,
Captura de vídeo em HDSLR e edição, Montagem de
portfólio e curadoria e Edição e tratamento de imagens
III.
A plataforma utilizada permite construir espaços
expositivos do zero ou partir de alguns modelos
preestabelecidos. Além disso, é possível importar objetos
tridimensionais para enriquecer o espaço, tais como
mobiliário, figuras humanas e itens decorativos. E, apesar
da mídia principal ser a fotografia, são aceitos também
textos, pequenos vídeos e arquivos de som. A ferramenta
viabiliza ainda a criação de visitas virtuais, onde, quem
acessa pode criar marcos no espaço expositivo para
coletar mais informações que podem incluir texto ou
áudio aumentando a experiência do visitante.
Para aqueles que têm curiosidade de conhecer mais
sobre o mundo das exposições virtuais, uma boa dica
é explorar as iniciativas reunidas através da plataforma
Google Artes e Cultura (artsandculture.google.com) que
tem catalogado e reunido, em um só projeto, grande
parte dos principais museus e exposições ao redor do
mundo. Trata-se de uma ótima porta de entrada para
familiarização com o formato virtualizado dos espaços de
exposição.
Para visitar nossa exposição fotografe o QR Code abaixo
ou acesso o endereço: http://bit.do/fotounicap
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COLUNA
“Também, com essa câmera?!”
Gustavo Bettini
Quem nunca ouviu aquele belo elogio à
sua câmera? “Nossa, que foto incrível! Sua
câmera deve ser profissional!” Sim, todos nós
já passamos por isso. As pessoas tendem a
atribuir, dimensionar a qualidade do trabalho de um
fotógrafo ao tipo de câmera, número de pixels que a
máquina é capaz de gerar e até mesmo ao número de
seguidores que tem nas redes sociais pode entrar nesse
bolo...
Com tudo isso, sim, se consegue um padrão de excelência
como resultado, tal como na música. A importância dessa
engrenagem toda funcionar simultaneamente é tanta
que empresas como a Canson e Hahnemuhle passaram
a certificar os estabelecimentos que seguem todos os
protocolos para a garantia dos dois pilares que definem
o resultado como impressão fine art: longevidade e
altíssima qualidade.
Com impressores fine art, isso também costuma
acontecer. Num mercado em ascensão, impressores
apegados apenas aos equipamentos reforçam a ideia de
que a boa impressão está relacionada apenas à marca
da impressora, dos monitores e ao uso do icônico par de
luvas brancas de algodão.
Vamos pensar da seguinte forma: Quando ouvimos uma
música espetacular, quem é o responsável por ela? Os
instrumentos bem afinados, os músicos que estudaram
anos e ensaiaram inúmeras vezes ou a partitura bem
elaborada? A música é o resultado! Quando falamos de
impressão fine art, precisamos entender que ela não é
feita apenas por boas impressoras, papéis de Belas Artes
e pigmentos minerais... Mas, de tudo isso associado
a espaços com temperatura e umidade controladas,
ambientes neutros e printers com vasta experiência,
técnicas, muito estudos sobre o assunto.
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REVISTA DO CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM FOTOGRAFIA DA UNICAP