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UnicaPhoto - Ed.18

Revista do Curso de Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco

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a revista de fotografia da Unicap

Unicaphoto

#

18


Foto: Hélio Campos Mello


editorial

eles, elas, de

muitos nomes

O fotojornalismo tem muitos sobrenomes: Boechat,

Lima, Campos, Adams, Parks, Verger, Manzon, Weege,

de Souza, Lacerda, Mandel, Teixeira, Maia, Salgado,

Portela, Brito... todos e todas uma só família. Não cabem

em mil antologias. A 18ª edição de sua Unicaphoto traz

alguns desses. Homenagem a uma profissão que passa

por momentos críticos. Claro, tudo é crítico e delicado

na história recente deste país e, por isso, é mil vezes

importante falar sobre fotojornalismo no Brasil.

Se é que essa “arte” não esteja já morta e sepultada.

São questões abertas por Simonetta Persichetti em

uma das portas de entrada desta edição, evocando o

belíssimo trabalho de Hélio Campos Mello. E é aonde

caminha André Antônio, quando enfileira sobrenomes

do fotojornalismo clássico e cobra, sem nostalgias, além

de familiaridades, novidades e identificações. Enquanto

isso e aquilo, Julianna Torezani abre caminhos de leitura

e reconhecimento às questões tecno-sociais associadas

à imagem de imprensa, na resenha de Instantâneos da

fotografia contemporânea, de Afonso Jr.

Não acaba: João Guilherme Peixoto relaciona o

fotojornalismo a verbetes como inovação, produção,

distribuição, tudo isso aplicado aos efeitos do consumo.

Outra visão, integralíssima, você pode ler no ensaio

de José Artur Nóbrega de Pontes sobre tempos de

pandemia e acelerações, com novas visões como o

metaverso e a fotografia pré-industrializada, por onde

apresenta novo pictorialismo em cianotipias.

Metaverso, ou melhor, multinverso é o tema do ensaio

da artista visual Kyrti Ford representando nossa (falha

de) memória, em colagens. E quando não o piloto, mas

o fotógrafo sumiu, como soldado sem nome na guerra?

Ainda sobre autorias, você lerá o reestabelecimento

de alguns nomes da fotografia da vida urbana, do

fotojornalismo de Pernambuco, com Betânia Corrêa.

Tempo para um café. Para uma foto. Uma única foto. De

Evandro Teixeira. Para nos lembrar de tema urgente. A

democracia. Na coluna sobre audiodescrição de Liliana

Tavares.

E, ainda, duas paradas sobre o ponto da memória:

1. a história íntima, pessoal, no depoimento de Otavio de

Souza, fotojornalista, que vale mesmo ver/ler.

E, 2. dessa vez de forma mais ampla, indexada: a

contribuição do pesquisador Leonardo Wen com a

criação da Base de Dados de Livros de Fotografia, ação

pioneira no Brasil e vital para acesso à memória editorial

do país. Unicaphoto faz parte dessa “enciclopédia

visual”. A matéria é de Filipe Falcão.

Ah, ainda sobre memória & esquecimento: ou “o olhar

que não mais se demora e o desaparecimento das

imagens”, como escrevem Luciene Paz e Véronique

Sonard, convidadas desta edição. É sobre estética e

psicanálise, dentre outras manifestações e latências

que emergem, conscientes, inconscientes, diante das

fotografias imano-transcendendes, de longa exposição,

de Renata Victor, numa melancólica atmosfera para os

dias “normais”. Entre os novos dias normais há desde a

solidão de uma estação de metrô, no ensaio de Renato

Menezes, à solidão e clausura de Dhiego de Lima, cujo

ensaio tanto pode ser sobre o vento pela janela como o

pneuma, a vida. Ou a constatação, na pele, da arquiteta

Amanda Câmara, quando decidiu se mudar para a

praia e viu, ou não viu, a cidadezinha à beira-mar ser

soterrada pela especulação imobiliária. Para compensar

essas e outras invasões, pedimos o jornalista Marcelo

Pereira para nos mostrar seu olhar sobre “Amazônia”,

de Sebastião Salgado, em cartaz em São Paulo.

Imperdível, como se diz.

Você pode ler sobre assuntos utilíssimos à longevidade

(e memória) da foto, com Gustavo Bettini. Acompanhar

o que aconteceu no nosso campus. Destaque para os

vencedores e vencedoras dos prêmios Consciência

Negra e SOS Oceanos, de Fotografia.

Ao final desta edição soubemos da morte do

companheiro de profissão Orlando Brito, aos 72 amos.

Nosso adeus silencioso, e por isso mais expressivo, vai

para Orlando, na capa e contracapa desta edição.


COORDENAÇÃO-GERAL

Renata Victor

EDITOR

Sidney Rocha

CONSELHO EDITORIAL

André Antônio, Filipe Falcão, Renata Victor e Sidney Rocha

FOTO DA CAPA & CONTRACAPA

Orlando Brito

(Janaúba, MG, Brasil, 1950 - Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2022)

1765

Um tenente na parada militar de 7 de setembro de 1976, 1976

fotografia p&b sobre papel, 26,2 x 20,7 cm

Coleção MAM São Paulo, Prêmio Aquisição - I Trienal de Fotografia 1980, 1980

Foto: Romulo Fialdini

1764

O Congresso votou a anistia. Aí um detalhe da campanha por uma anistia maior,

na roupa de um membro do CBA-Rio, no Congresso, 1979

fotografia p&b sobre papel, 39,9 x 29,9 cm

Coleção MAM São Paulo, Prêmio Aquisição - I Trienal de Fotografia 1980, 1980

Foto: Romulo Fialdini

QUEM É QUEM NESTA EDIÇÃO

Amanda Câmara Lima, fotógrafa, arquiteta, aluna do MBA Cultura Visual da Unicap

André Antônio, doutor em Comunicação e Cultura, cineasta, professor da Unicap

Betânia Corrêa de Araújo, arquiteta e escritora

Dhiego de Lima Nogueira, fotógrafo, mestre em Arquitetura e Urbanismo

Filipe Falcão, doutor em Comunicação, pesquisador em audiovisual, professor da Unicap

Gustavo Bettini, fotógrafo

João Guilherme Peixoto, doutor em Comunicação Social, professor da Unicap

José Arthur Nóbrega de Pontes, mestre em Estudos Cinematográficos, editor e fotógrafo.

Julianna Nascimento Torezani, doutora em Comunicação

e professora do MBA Cultura Visual, da Unicap

Leonardo Wen, fotógrafo e pesquisador independente

Luciene Paz, psicanalista, doutoranda em Psicologia Clínica da Unicap

Kyrti Ford, designer e pesquisadora de fotografia e cinema. Mestre em Artes Visuais.

Liliana Tavares, psicóloga e idealizadora do festival VerOuvindo

Luiza Villaméa, jornalista e mestre em História

Marcelo Pereira, jornalista, especialista em Jornalismo Cultural, pesquisador e poeta

Matheus José Maria, fotógrafo

Pedro Augusto, aluno do 1 o período do curso de Fotografia da Unicap

Renata Victor, mestre em História e coordenadora do curso de Fotografia da Unicap

Renato Menezes, arquiteto, fotógrafo, doutorando em Ciência da Arte.

Romulo Fialdini, fotógrafo

Simonetta Persichetti, jornalista, crítica de fotografia e doutora em Psicologia

Véronique Donard, doutora em Psicopatologia Clínica, professora de Pós-Graduação

em Psicologia Clínica da Unicap

Escaneie o código QR abaixo, através de aplicativo no seu smartphone,

e acesse todas as edições da revista na internet.

Unicaphoto é uma publicação semestral do Curso Superior de Tecnologia

em Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco.e

Esta sua 18 a edição vem a público em 29 de março de 2022.

(ISSN 2357 8793)


o fotojornalismo

está morto?

por Simonetta Persichetti

8

58

precisamos falar sobre

desaparecimentos

por Luciene Paz e Véronique Donard

& fotos de RenataVictor

procuram-se

por André Antônio

por onde

o vento caminha

por Dhiego de Lima Nogueira

multinverso

por Kyrti Ford

instantâneos

da fotografia

contemporânea

por Juliana Nascimento

Torezani

a história do mundo sem

uma única palavra

por Otavio de Souza

periódicos & fotógrafos

por Betânia Corrêa de Araújo

este comboio

não para em arroios

por Renato Menezes

18

22

30

36

40

45

46

uma enciclopédia virtual

para a fotografia brasileira

66 por Filipe Falcão

69

72

82

88

98

100

110

trezentos anos ou alguns

meses

por Gustavo Bettini

nós vamos invadir

sua praia

por Amanda Câmara Lima

fotojornalismo, inovação

& consumo

por João Guilherme Peixoto

no coração da floresta

por Marcelo Pereira

audiodescrição em

fotojornalismo

por Liliana Tavares

aconteceu

o pictorialismo

contemporâneo

por José Arthur

Nóbrega de Pontes


6


7Foto: Hélio Campos Mello


artigo/entrevista

O fotojornalism

por Simonetta Persichetti

8


o está morto?

Há tempos,

os apocalípticos

(me aproprio aqui

de um conceito

dos anos 1960

do Umberto Eco)

andam pelas

redes sociais

vociferando que

o fotojornalismo

morreu.

A Rainha do mar,

no Cais Estelita,

no Recife, 2010,

sob o olhar

de Hélio Campos Mello.

Antes, na página 3,

Tancredo Neves de maca

desce em Congonhas. 1985.

De onde saiu esta afirmação é

difícil dizer. Mas, ainda voltando ao

semiólogo italiano, as redes sociais

deram voz aos imbecis. Mas o pior,

não é quem fala, mas quem escuta.

Nos últimos anos vimos redações

demitirem em massa os repórteres

fotográficos, entregarem telefones

inteligentes para os repórteres

de texto que, se escrevem muito

bem, nem sempre conseguem se

comunicar por meio da imagem.

Em épocas onde as fake news

proliferam, onde no meio de

tantas imagens não conseguimos

distinguir o que é a reprodução

de um videogame de uma foto

verdadeira, onde por causa do

Covid nos fechamos e isolamos

em nossas casas os fotojornalistas

foram os profissionais que nas

ruas conseguiram nos transmitir a

sensação da pandemia. Se o vírus

é invisível suas consequências

não. O mesmo se dá nas grandes

tragédias, nas guerras. Como

afirma a professora de jornalismo

Susie Linfield, “as fotografias não

estão lá para dizerem olha o que

acontece, mas para nos alertarem

de que isso não pode acontecer”.

Neste momento em que este

texto está sendo escrito, estamos

assistindo a invasão da Rússia na

Ucrânia. E mais uma vez, são os

profissionais de imagem que vão

nos ajudar a entender esta história.

Para falarmos sobre a importância

da imagem feita por profissionais

do jornalismo entrevistamos o

fotógrafo e editor Hélio Campos

Mello, que iniciou sua carreira nos

anos 1970, foi fotógrafo, editor

de fotografia e diretor de redação

da revista IstoÉ. Também foi o

responsável por modernizar a

agência do jornal Estado de S.

Paulo, criou a revista Brasileiros.

Cobriu guerras, fotografou pessoas

importantes do nosso meio político

e cultural. Acompanhou tragédias,

a ditadura militar e o retorno

da democracia. Hoje se dedica

a registrar livremente o cenário

artístico e a seus ensaios pessoais,

sem nunca perdera plasticidade,

a composição e a narrativa do

fotojornalismo.

Se tem algo que a pandemia nos

ensinou foi a importância do

fotojornalismo. De alguém que

pudesse nos contar o que acontecia

na rua, enquanto estávamos

fechados em casa. Hoje assistimos

pela imprensa nas redes, nas

televisões, nos jornais a guerra no

Leste Europeu Por que as pessoas

continuam com o mantra de que o

fotojornalismo morreu?

O jornalismo não morreu.

Enquanto escrevo este texto vejo

material publicado nas redes por

Yan Boechat, repórter, radialista,

cinegrafista e um tremendo

fotojornalista que já está no

leste da Ucrânia. Lá no olho do

furacão. No Sesc Pompéia, em São

Paulo, uma grande exposição de

Sebastião Salgado, mais de 500

fotos com trilha sonora composta

especialmente por Jean Michel

Jarre, chama a nossa atenção para

9


o que se faz na Amazônia e o que o

governo lá não faz.

O primeiro brasileiro a receber

o icônico Prêmio Pulitzer é um

fotojornalista, o genial Boechat.

Orgulho.

O fotojornalismo não morreu.

Por aqui, a tragédia de Petrópolis

foi registrada em imagens que

foram publicadas nas primeiras

páginas dos jornais e na internet,

produzidas por fotojornalistas.

A Arfoc – a associação que reúne

os fotojornalistas e cinegrafistas

do Estado de S.Paulo anuncia

sua mostra anual com quase 800

fotos inscritas e cerca de 250

selecionadas para a exposição

virtual.

Quando comecei na profissão, no

começo da década de 1970, meu

mantra e de meus parceiros era

“nós somos os olhos do leitor” isto

porque chegávamos onde poucos

chegavam. Nós e nossa pesada

tralha, nossos equipamentos de

registrar, fotografar e transmitir

imagens, nossas fotografias. O

tempo passou a tecnologia acelerou

- e não para de acelerar, o que é

ótimo,- e hoje os quase 8 bilhões

de habitantes aqui do planeta,

tem quase 4 bilhões de celulares

com suas câmeras. Todo mundo

fotografa, poucos eventos ficam

sem registro porque sempre tem

uma câmera/um celular perto. E

isto também é muito bom.

Mesmo assim são os fotojornalistas

que continuam indo às guerras, se

expondo às pandemias, ao Covid,

ao Ebola, à Ucrânia, à Síria, ao

Iraque. A tralha diminuiu, não

muito, mas diminuiu. E como

é uma profissão, ela requer

a pesquisa e o investimento

intelectual e formal que

fotojornalistas têm que ler e

mergulhar na História o mais que

puderem. É isto que permite ler o

evento que ele vai cobrir. Ajuda a

se posicionar.

10


11


12


Na página anterior,

o ex-presidente

Jânio Quadros no Guarujá,

em março de 1978.

Aqui, o fotógrafo e editor

Hélio Campos Mello,

entrevistado nesta edição.

Foto: Luiza Villaméa

13


14


Nesta rápida entrevista

a Simonetta Persichetti,

para Unicaphoto,

o mestre Hélio Campos Mello

fala e sua trajetória,

influências e do momento

histórico atual

Como você vê a importância do

fotojornalismo como um narrador

hoje da notícia amanhã da

história?

É obvio que o fotojornalista tem

que ter a noção de como seu

trabalho se insere na História.

É óbvio que seu material tem

que ser bem identificado, para

futuro acesso. Neste futuro

acesso o seu trabalho vai auxiliar

e eventualmente modificar a

História. Ela tem importância

infinita e mesmo assim é relegada

a um segundo plano. Haja vista o

presidente que temos. Tudo o que

faz hoje já fazia quando estava

no baixo clero do Congresso.

A História nos relata era só

consultá-la com serenidade.

Quando falamos em

fotojornalismo em geral falamos

do fotógrafo, mas acho que

não podemos esquecer o papel

fundamental do editor que

consegue juntar texto e imagem.

Você esteve nas duas frentes.

Como você vê esta ligação textoimagem?

A ligação ideal entre texto e foto:

o editor é uma espécie de curador.

Ele não só encomenda, pauta, o

material a ser produzido, ele agrega

Dois luíses.

Jorge Luis Borges, o

escritor argentino e Luiz

Inácio Lula da Silva, o expresidente.

Nas páginas 10-11,

o ex-presidente Jânio

Quadros.

informações, orienta pesquisa e

auxilia na eficiência. Eu fui diretor

de redação da revista IstoÉ por

mais de uma década. Vinha da

Agência Estado que cuidava das

sucursais e da fotografia do Estadão

e do JT, onde, como diretor de

fotografia, participei da renovação

por lá e da transição do analógico

para o digital. Fui para IstoÉ como

redator-chefe para fazer a ponte, a

integração, entre texto e imagem,

entre a arte e a redação. Fui

convidado pelo Mino Carta, um dos

maiores jornalistas que passaram

por aqui e com quem aprendi

bastante. O Mino se desentendeu,

saiu, e veio Tao Gomes Pinto,

outro brilhante profissional que em

determinado momento adoeceu,

sofreu um avc. Eu assumi com

diretor de redação. Fui o primeiro

fotojornalista a sentar na cadeira

de uma semanal de informação,

então éramos a IstoÉ ,a Veja e a

Época. Meus pares fotógrafos se

orgulharam e eu também, logico.

Mas orgulho mesmo tenho da

equipe que comandei. Na fotografia

tínhamos a Magali Giglio, o Joao

Primo Carloni, o Ricardo Stuckert,

para citar alguns. Era um time de

bravos. Nos doze anos que dirigi

a redação, entre outros prêmios a

revista recebeu 10 Esso, então os

mais cobiçados. Depois da IstoÉ,

abri a revista mensal Brasileiros,

junto com Patrícia Rousseaux,

Nirlando Beirão e Ricardo

Kotscho. Ela que também foi um

sucesso, durante dez anos, também

premiada com o Esso e o Prêmio

Vladimir Herzog. Hoje, temos a

Arte!brasileiros que é tocada pela

Patrícia Rousseaux e onde eu tenho

o prazer de fotografar. Voltei a

fazer o que fazia no começo com o

mesmo prazer: a fotografia. Acho

que até com mais prazer.

Nesta minha volta às origens

hoje, as quais, diga-se nunca

abandonei, tenho feito um

trabalho para a Arte!brasileiros

e um trabalho como flâneur,

como fotógrafo de rua, olhando

e registrando o meu entorno, o

que me chama a atenção. E este

trabalho que faço hoje é fruto

da bagagem que naturalmente

adquiri na convivência com as

idiossincrasias que nos cercam,

exercitando a crítica social com

relação ao mundo, a obrigatória

crítica social, sem deixar de lado

a regência estética, o prazer que

me traz a fotografia no registro

de paisagens, das cores, dos

cinzas e dos pretos e brancos.

Quais fotógrafos (sei que é uma

escolha de Sofia) ajudaram

a desenvolver a linguagem

autônoma do fotojornalismo.

Quero dizer a imagem deixa

de ilustrar o texto e se torna

narradora por si própria?

Devo respeitos a muitos fotógrafos,

ao Robert Capa (1913-1954)

considerado o grande fotógrafo

de guerra do século XX, ao David

Bailey (1938-), imortalizado

no filme, “Blow Up”, depois

daquele beijo do cineasta italiano

Michelangelo Antonioni, em 1967,

mas fico com Erich Salomon

(1886-1944), considerado o pai

do fotojornalismo moderno, por

fugir da pose e procurar o flagrante

em uma Alemanha pré-nazista.

Advogado, criou a obrigatoriedade

do crédito ao lado da fotografia,

começou a fotografar com 41 anos

e usava uma câmera Ermanox 4x5

escondida no chapéu coco. Morreu

em Auschwitz.

Como você avalia o

fotojornalismo que vemos não

só na grande imprensa ou na

imprensa internacional e nas

redes?

A importância do jornalismo e do

fotojornalismo para a civilização

é impossível de ser calculada.

15



Foto: Hélio Campos Mello


procuram-se

debate

por André Antônio


Charles Sodokoff

e Arthur Webber usando

seus chapéus para

esconder seus rostos.

Nova York, 26 de janeiro

de 1942 © Weegee

Archive/International

Center of Photography

Ao bom modo dos

obituários e da secção

“Desaparecidos”

dos antigos jornais,

o cineasta André

Antônio elabora a

pergunta, numa

crítica nada velada

ao fotojornalismo

contemporâneo.

19



O ucraniano Arthur Fellig,

a.k.a. Weegee, (Zolochiv,

Ucrânia, 1899–1968 New

York) com sua câmera

Speed Graphic, por volta

de 1944.

Fotografia por Weegee

(Arthur Fellig)/

International Center of

Photography

O auge do fotojornalismo aconteceu

em meados do século XX e seu

modelo era a revista Life, que criou

uma estética: guerras, pobreza,

costumes eram espetacularizados

pelas lentes, em tom comovente,

algumas vezes kitsch.

Quanto maior impacto emocional,

menos reflexão.

Uma das primeiras pulsões da

prática fotográfica foi a vontade

de registrar lugares, eventos,

pessoas distantes, exóticas. O

fotojornalismo só deu continuidade

à pulsão.

Sobre a fotorreportagem, Barthes

dizia: as pessoas pensam enxergar

“o real” mas, na verdade, criam

mitologias.

Nessa criação, se destacam alguns

fotojornalistas. Eddie Adams

e suas fotos do Vietnam. Quais

imagens dele foram encenadas e

quais teriam sido “reais”? Gordon

Parks: seu apelo melodramático

fotografando as favelas do Rio

é imitado ad nauseam pela TV

brasileira.

No Brasil, nos Diários Associados,

à moda de Life, há Pierre

Verger e Jean Manzon. Estilos

diferentes, fotografavam povos

indígenas e religiões afrocentradas,

de forma “documental”, mas

espetacularizavam a identidade

mais íntima dos brasileiros.

Para entender a fotografia é preciso

enxergar não apenas a foto, mas

o sistema de distribuição, dizia

Vilém Flusser. O sistema “arte”

busca a beleza nas imagens. O

sistema “jornalismo”, a “verdade”.

Se essas imagens são “mitologias”

é importante olhar para o

fotojornalismo para além kitsch,

da Life. É o caso do americano

Weege cobrindo as guerras entre

máfias na NY entre 1930 e 40:

“de mau gosto”, “sensacionalista”,

“sangrenta”, se dizia de suas

fotos. Vistas agora, as fotos de

Weege revelam um olhar singular,

mordaz, irônico, ousado sobre a

violência da vida urbana. Uma obra

fotojornalística que sempre tentou

corroer a postura mitológica.

E, hoje, onde estariam os

Weegees?

Nem todas as suas fotos

eram de crime e morte.

Algumas eram, aliás,

bastante delicadas – como

“Boy Meets Girl – From

Mars” (1955), uma das

fotos mais românticas,

poéticas e surreais

de seu tempo, como

se vê na página inteira.

Depois da ópera,

no Sammy’s Night Club,

Bowery, Nova York, 1943-45

© Weegee Archive/

International Center

of Photography

21


ensaio

por onde

o vento

caminha

por Dhiego de Lima Nogueira




uma

conversa

com o vento

“O vento é como se fosse parte do

tudo. Três minutos sem respirar

e, puff! já não estamos mais

aqui. Sua presença é tão sútil e

cravejante que entra sem pedir

licença...

- Olá, vento. Hoje está um calor

infernal, você gostaria de fazer o

favor de tocar minha pele?

- Me põe pra dormir...

- Acaricia meus cabelos quando

eu estiver cansado...

- Hoje você está mais frio que

de costume, aconteceu algo lá de

onde você vem?

- Cadê você que não apareceu

hoje? Não te senti em momento

algum, meu corpo ficou parecendo

que estava morto de tanto calor.

- Ah... Entendi. Tenho que

abrir as portas e janelas pra

quando você vier? Obrigado pela

sugestão.

- A noite é perigoso, não

podemos deixar a porta aberta

pra você entrar, mas pode entrar

por aquele aparelho ali oh! Ele

vai te deixar um pouco mais frio.

Fica até gostosinho quando você

toca em mim.

- Queria te ver... Como você é?

Você sempre entra na minha

casa, no meu corpo, em todos

os momentos da minha vida, e

mesmo assim nunca te vejo.

- Já sei! Vou te capturar quando

você estiver dançando pra mim.

Depois te liberto. Prometo.

- Não... Não vai doer. Só a sua

imagem que vai ficar presente,

aí vou poder saber como você é

quando te abraçar todos os dias.”

25


O tempo de quarentena fez com que nos

aproximássemos de nossos lares de uma

forma nunca antes ocorrida. Os detalhes

são mais perceptíveis ao que se vê, e mais

ainda ao que não se vê. De dentro de

casa as janelas e portas nos ligam com o

exterior, e muito do que entra ou sai não

é palpável ou visível aos olhos, tais como

os raios de sol da manhã, a poeira, o som,

o vento. E foi justamente este último o

escolhido como protagonista para compor

esse experimento de fotografia artística.

O vento é transporto em formas diversas

quando concretizado a partir de um tecido

jogado ao ar e capturado pela câmera, nos

convidando a brincar com a imaginação

neste “percurso de formas”. A produção

do ensaio foi realizada na residência do

fotógrafo em janeiro de 2021, no Recife.

Todas as passagens de ar da residência

(janelas e portas) foram utilizadas

para captura e realização das imagens,

permitindo que o tecido tomasse formas

próprias e compusessem a narrativa visual

do vento concretizado.

26





ensaio

multinverso

por Kyrti Ford

Intervenção sobre a colagem

“Quando crescer quero ser astronauta”,

de Kyrti Douglas. Na página seguinte,

“bem cedinho”, da artista.

Você lembra quem

foi o fotógrafo de

suas fotos? Diante de

cada sorriso, careta

ou pose que você fez

diante de uma câmera

fotográfica ou celular,

você lembra quem

deu o clique? O tempo

passa e o registro

imagético de nossas

vidas vai crescendo e

por vezes esquecemos

quem estava conosco,

quando ou onde a

foto foi tirada. Quem

a fotografou? Por

que escolheu este ou

outro ângulo? Por

que enquadrou desta

ou outra maneira? O

que direcionou seu

olhar? Como nós

éramos vistos pelo

fotógrafo ou fotógrafa

que esquecemos? Com

essas questões na

cabeça me debrucei em

fotos que registraram

momentos de minha

vida e que com muito

esforço mal lembrava

quem as havia tirado.

Revisitei as fotos

tentando resgatar o

momento e quem eu

era (ou como estava)

nas imagens. Assim

surgiu a ideia de

recontar ou re-narrar

estas multi-eu que

atravessou o tempo

sob o olhar de outros.

30



Multinverso é uma

série de colagens de

imagens sobre fotos

minhas. Minhas

porque estou nelas e

as possuo, enquanto

nenhuma foi tirada

por mim. São fotos

tiradas pelos meus

pais, irmãs, colegas

de faculdade e de

escola, amigos,

parentes, transeuntes

ocasionais e fotógrafos

profissionais.

Cada foto é um

universo à parte com

possibilidades de uma

eu distinta. Neste

multiverso de fotos

inverto e reinverto

- em formato de

colagens - o momento

registrado imaginando

em dimensões variadas

o olhar de quem

as fotografou, os

resquícios de memória

afetiva do momento

clicado e o que me

remete hoje quando as

vejo.

“Agora”, colagem

“Continue”, colagem

32


“Atividade lunar rosa”, colagem

33



Da esquerda para

direita, “Vamos”,

“Para você não

esquecer”, “Infeliz Ano

novo” e “Pérsofone”,

colagens de Kyrti Ford

35


resenha

Mudanças sociais

e tecnológicas,

crises e rupturas do

desenvolvimento da

fotografia fazem parte

da pesquisa realizada

nos últimos dez anos por

José Afonso Júnior.

instantâneos

da fotografia

contemporânea

por Julianna Nascimento Torezani

36


Os resultados desta investigação

foram reunidos na obra

Instantâneos da Fotografia

Contemporânea, publicada pela

Editora Appris, em 2021. Para

discutir tais transformações na

produção fotográfica o autor

acionou um amplo repertório

ao tratar de tecnologia, cultura,

sociedade, economia e política,

visto que cada imagem revela

a cristalização de um instante

e entender o que ocorre a cada

momento é importante para

elucidar a conexão entre passado

e presente.

Ao estudar a criação dos

instantâneos fotográficos foi

preciso analisar vários conceitos,

como autoria, representação,

convergência digital, panoptismo

e sociedade de controle, que

permitiram refletir sobre o

fotojornalismo, a fotografia

documental e imagem vernacular.

Ao explicar o termo

contemporâneo, José Afonso

indica que (2021, p. 19),

“ao pensar a fotografia

contemporânea, temos não só

a presença de práticas inéditas

historicamente, mas também a

adaptação de usos e protocolos

que se mesclam ao tempo atual.

Assim, o sentido deduzível de

contemporâneo que assumimos

é mais que o presente, é uma

sintonia no presente, um ambiente

de encontros e reinvenções,

ou uma experiência dilatada

do tempo, de recuperação e

ressignificação.”

No texto “Da foto à fotografia:

os jornais precisam de

fotógrafos?”, o autor discute

as novas rotinas e suportes

para produção de imagens

fotojornalísticas, em que atuam

não somente fotógrafos, mas

pessoas com outras atividades,

que passam a elaborar registros

na reorganização da gestão

das empresas de comunicação

mudando o fluxo de trabalho.

“Em um mundo de hipervigilância

e hipervisibilidade, é óbvio que

o fluxo de imagens produzidas

por câmeras onipresentes vai

compor o horizonte visual da

construção da realidade em

forma de notícia” (AFONSO

JÚNIOR, 2021, p. 36). Ainda

para tratar das transformações

no campo fotojornalístico o texto

seguinte, Cinco hipóteses sobre

o fotojornalismo em cenários de

convergência, aponta as mudanças

do fotojornalismo digital para o

de convergência, quando ocorre

uma adaptação do modelo da

fotografia química para a digital,

chegando às plataformas virtuais

com a potencialização da imagem

na rede.

Em “Duas ou três observações

sobre o World Press Photo”,

Afonso Júnior apresenta a análise

sobre a destacada premiação

do fotojornalismo mundial no

século XXI, especificamente

sobre os temas e os ganhadores

do período 2001 a 2019,

tendo em vista a teoria do

agendamento, já que essas

imagens possibilitam analisar a

realidade e suas representações.

Ainda neste eixo de estudo, sobre

a imagem de imprensa, o autor

apresenta o texto onde questiona

A quem interessa a morte do

fotojornalismo? para tratar

da crise e da reorientação dos

modelos de negócios midiáticos,

sobretudo quanto à forma que

as imagens são produzidas e

circulam nas redes sociais, o que

traz profundas mudanças para a

profissão do fotojornalista.

Para tratar sobre a criação

da imagem instantânea,

o pesquisador aborda as

características da câmera criada

por Edwin Land, em 1947,

através do texto “Polaroid, 70

anos da fotografia instantânea”.

Para Afonso Júnior (2021, p.

77), “a cópia única e original,

aliada à simplicidade de uso e ao

controle sobre o material obtido,

rapidamente atraiu também a

atenção de um grupo específico

de gente ligada à ideia de

autenticidade da obra: fotógrafos

e artistas visuais interessados

nas possibilidades expressivas da

Polaroid”, que vai reverberar em

aplicativos como o Instagram.

Na perspectiva de entender a

convergência entre fotografia,

mobilidade e redes digitais, o

estudioso traça a trajetória “Da

fotografia expandida à fotografia

desprendida: como o Instagram

explica a crise da Kodak e viceversa”,

em que o modelo de

distribuição de imagens dar

espaço para o de circulação de

cenas móveis e ubíquas na rede,

visto que a fotografia desprendida

se apresenta nas telas, operando

através de bancos de dados

e clouds. No texto “O livro

perdido de Sander: a fotografia,

o vestir e a identidade no período

entre guerras” há a análise do

trabalho fotográfico Homens do

Século XX, do alemão August

Sander, composto por retratos

que demonstram a realidade da

Alemanha do período entre as

guerras mundiais, dos diversos

profissionais com seus trajes de

trabalho.

O estudo do tempo na fotografia

é abordado no texto “O segundo

clique da fotografia, entre

registro do instante e o instante

compartilhado”, que trata do

fluxo do tempo que salta do ato

fotográfico para o momento

do compartilhamento em que

as imagens são visualizadas

pelas pessoas, em que ocorre

a experiência do consumo

da fotografia para receber

comentários e curtidas, se por

37


um lado as(os) fotógrafas(os)

criam as imagens, por outro, as

pessoas que as veem, por sua

vez, participam da publicação

desse instante, que fora tornado

documento. Para dar continuidade

a tal estudo, o autor desdobra o

tema no texto “O terceiro clique

da fotografia: reindicialização

das imagens efêmeras em telas

flutuantes”, em que problematiza

o caráter indicial da fotografia,

por conta da criação e do

tratamento de cenas através de

programas editores de imagens,

assim após os estágios de

fotografar e compartilhar, eis que

surge o “dar o print”, ação que

registra o fluxo do tempo dentro

da ótica da vigilância do que está

acontecendo.

Pelo texto “Fotografia vernacular,

uma história silenciada da

fotografia”, Afonso Júnior joga

luz na produção fotográfica

doméstica, já que este foi

um ponto de apagamento na

história da fotografia. São

imagens do cotidiano, feitas

pelas famílias com câmeras

compactas (atualmente com

telefones celulares) e que não

teve merecido reconhecimento

na construção teórica, ao mesmo

tempo que movimenta toda a

indústria fotográfica. Afonso

Júnior (2021, p. 140) afirma que

“é essa situação que negligencia o

repertório de imagens domésticas

esquecendo, de maneira óbvia, que

os modelos de representação desse

visual-vernacular acumulados no

correr do tempo são um fragmento

possível para se entender a

própria fotografia”.

“O retrato da tristeza: a

representação do sujeito público

na carte-de-visite oitocentista na

Coleção Francisco Rodrigues”

traz a investigação das imagens

feitas pela nobreza açucareira do

período de 1840 a 1920, ao todo

é composta por 17 mil peças, mas

a Fundação Joaquim Nabuco (que

preserva tal coleção) publicou

uma obra com um recorte de 500

fotografias, especificamente de

retratos (ou melhor, cartes de

visite), em que se pode ver as

pessoas que viviam na época,

bem como os lugares que foram

registrados, suas vestimentas,

móveis e poses. Esta coleção

permite vários olhares que se

abrem para diversos campos de

pesquisa, na sua perspectiva,

Afonso Júnior indica que não

há sorrisos e questiona: “Eram

os sujeitos oitocentistas pessoas

tristes?” (2021, p. 148). E

responde que essa expressão se

dá em função do ato fotográfico

daquele momento, que precisava

de um certo tempo para as placas

emulsionadas com material

fotossensível registrar as

imagens, e pelo comportamento

social da época, onde os sorrisos

ficaram ausentes, com o objetivo

de construir a imagem pública dos

sujeitos daquele tempo específico.

O que uma fotografia revela e

o que ela esconde pelas várias

escolhas que são operadas por

quem fotografa e por quem é

fotografado é descrito no texto

“Diante de uma foto de Chichico

Alkmim: equívocos entre as

molduras de enquadramento

e composição no retrato

fotográfico”, em que o professor

Afonso Júnior discute a produção

de uma fotografia de família feita

pelo fotógrafo mineiro Chichico

Alkmin entre o enquadramento

e a composição, em que pesa

questões sociais onde mostra

pai, mãe e filhos e esconde uma

mulher e duas crianças que

seguram um cenário artificial ao

fundo na trama entre realidades e

ficções em que as fotografias são

atravessadas pelos recortes feitos.

O livro encerra com uma

discussão acerca da fotografia

documental, visto que é um

discurso elaborado através de

uma narrativa imagética que fica

entre a criação e a informação

das situações sociais discutido

no texto “O segundo pêndulo da

fotografia documental: entre os

paradogmas de informar e os

impasses do enformar”. Afonso

Júnior (2021, p. 179) discute

que “é um modelo, portanto, no

qual o outro assume uma forma

(é enformado) a partir de um

olhar externo, construído menos

pela alteridade ou empatia. E

do que, certamente, pelo exótico

que o outro passa a ser enquanto

representação”.

A fotografia permite um amplo

de pesquisa, por uma lado,

pela criação da imagem em si,

analisando a forma e o conteúdo

que agrega conhecimentos

tecnológicos, estéticos e culturais,

por outro lado, é pelo registro

fotográfico que vemos as pessoas,

os lugares, as situações (dentro

de um específico contexto),

para discutir os discursos, as

intencionalidades e o sintomas

que a narrativa visual apresenta.

Como pesquisador, professor e

fotógrafo Afonso Júnior apresenta

sua compreensão acerca da

produção imagética que serve

para fundamentar tantas outras

pesquisas que busca discutir a

complexa criação fotográfica

atual.

Instantâneos

da fotografia

contemporânea

José Afonso Jr.

Appris Editora

38


Manoel Tavares Fiúza e Maria Adelaide

Saboya de Albuquerque, com as filhas Maria

do Carmo, Saboya Fiúza, Maria Carolina

Saboya Fiúza e Maria Dulce Saboya Fiúza

Pernambuco, gelatina, carte cabinet, por

Louis Piereck .Coleção Francisco Rodrigues.

Acervo da Fundaj.

39


depoimento

a história do mund

sem uma única pa

por Otavio de Souza

40


o

lavra

Desde que a primeira imagem

impressa por meio químico e

foto sensível foi produzida pelos

franceses Joseph Niépce, e depois

Louis Daguerre, no século XIX,

a história da fotografia passa por

ciclos de evolução constante. As

pesquisas desses dois pioneiros

foram impactantes na época e

influenciaram muitos outros para

a modernização dos processos

fotográficos.

Coube a Daguerre a construção

do primeiro equipamento

reprodutor de imagem patenteado,

o daguerreótipo. O problema das

invenções da dupla era o tempo de

exposição. A heliografia de Niépce

precisou de uma exposição de 8

horas. Já o invento de Daguerre

reduziu a exposição para meia

hora, um avanço fantástico, mas

ainda muito tempo e para uns

poucos abnegados e privilegiados

que tivessem um bom dinheiro

para investir no equipamento.

Sem falar nos inconvenientes no

daguerreótipo. Além de ser uma

caixa de madeira grande e muito

pesada, precisava de um tripé; e

a chapa sensibilizada da imagem

só permitia fazer uma cópia da

fotografia. Assim percebemos que

maioria das imagens produzidas

na época são de paisagens e os

poucos retratos eram produzidos

de quem se dispusesse a ficar

sentado em cadeiras, que

mais pareciam equipamentos

de tortura, disfarçadamente

imobilizando o retratado durante a

longa exposição que o “moderno”

equipamento exigia.

O Brasil, claro, não passou ao

largo da grande novidade da

Europa. Ao mesmo tempo em que

surgia a fotografia por lá, aqui

no país começaram os primeiros

experimentos fotográficos com

o também francês, desenhista,

tipógrafo, inventor e pesquisador

Hercule Florence, radicado na

cidade de Campinas (SP). Alguns

historiadores afirmam que o termo

“fotografia” foi, na verdade,

criado por ele.

Desse período também se

destacam dois grandes pioneiros

da imagem: o francês Marc

Ferrez e o brasileiro Augusto

Malta. A fotografia deles era

fundamentalmente documental.

Os registros de Ferrez são

valiosos documentos do final do

período imperial e do início da

República. Viajando pelas regiões

Norte, Nordeste e Sul retratou o

brasileiro e seus costumes. Suas

41


imagens são registros de cenas

urbanas e rurais. São famosas

suas fotografias panorâmicas de

cidades como o Rio de Janeiro.

O brasileiro Augusto Malta foi

responsável pela documentação

da urbanização e modernização

da cidade do Rio de Janeiro,

posteriormente nomeado fotógrafo

oficial do Distrito Federal pelo

prefeito Pereira Passos, quando a

cidade era a capital do país.

No início do século XX, coube

à empresa norte-americana

Kodak lançar a câmera Brownie

de papelão, portátil e barata.

A revelação, óbvio, ficava sob

responsabilidade exclusiva da

fabricante. Além de filmes de

rolo e de maior sensibilidade,

era então possível captar cenas

em movimento. A fotografia

adquire, nesse momento, uma

nova dinâmica e se populariza,

vira mania em todas as camadas

sociais. Um meio de comunicação

novo proporcionando a expressão

do real em toda as suas

possibilidades.

Nos idos de 1925/26, a fabricante

alemã Leica construiu a primeira

câmera para filmes 35mm. Muito

pequena, leve e com possibilidade

de operar películas mais sensíveis.

Começa o distanciamento da

fotografia pictórica e dos retratos

posados. O fotógrafo tem mais

liberdade de movimento na busca

de ângulos e enquadramentos.

Mais de uma década depois,

o fotojornalismo começa se

impor como um meio auxiliar da

comunicação, com a cobertura da

Segunda Guerra. Isso estimulou

a profissionalização, já com um

aliado importante, que apareceu

nos anos de 1930. A máquina

de telefoto, uma geringonça

apresentada pela agência de

notícias norte-americana UPI

(United Press International),

transformava, “num passe de

mágica”, as imagens em preto

e branco em impulsos elétricos,

enviando-as para qualquer lugar

do planeta.

Era um trabalho complicado,

porque o fotógrafo, além de

operar a máquina, precisava

antes revelar o filme e depois

ampliar as cópias em quartos

escuros improvisados em algum

lugar onde existisse uma linha

telefônica. Era contar com a sorte

o tempo todo, mas o fato é que a

telefoto permitiu ganho de tempo

para que as imagens chegassem

até as rotativas para impressão

com muito mais agilidade.

Como o tempo não para, nos

anos 1990 veio uma mudança

radical no processo fotográfico,

com o lançamento da primeira

câmera com tecnologia digital.

De novo a Kodak saí na frente

e lança o modelo DCS 200. A

novidade trouxe o dispositivo

CCD (Charged Coupled

Device), de captura da imagem,

armazenando-a em um cartão de

memória, decretando “a morte” do

filme negativo.

Nesse ponto tivemos uma

ruptura na atividade do fotógrafo

profissional, para sempre livre

da tarefa de revelar e copiar.

Um ganho impressionante de

tempo, com o trabalho acessível

quase que instantaneamente. Um

momento ainda mais avassalador

estava por vir, nos anos de

1980, com o surgimento dos

smartphones, os celulares, que

desde a versão “tijolo” até o

Alcir Lacerda posa

com câmera de

Rolleiflex.

Foto: Reprodução

42


moderno Iphone, vieram para

transformar de vez a comunicação

como até então conhecíamos.

Em paralelo, surgiram muitos

outros avanços da tecnologia

da informação, com a internet,

a banda larga e, claro, as redes

sociais. Uma avalanche de

inovações que se espalharam pelo

mundo, facilitando a comunicação,

ampliando as conexões,

valorizando o poder das imagens,

cada vez mais imediatas.

Com um necessário ajuste à

célebre frase do cineasta Glauber

Rocha, chegamos ao tempo em

que “com uma ideia na cabeça

e um celular na mão” podemos

quase tudo. Uma foto épica,

filmar, editar, publicizar, enviar

para o mundo inteiro as imagens

produzidas, isso em fração de

segundos. Como tudo tem dois

lados, essas facilidades, com todas

e todos instados à condição de

“fotógrafo profissional’, como é

mesmo que ficou a vida de quem

decidiu se dedicar a este ofício?

Imaginávamos que esses

avanços poderiam propiciar

uma dinâmica positiva para a

profissão, mas isso não ocorreu.

A fotografia profissional começou

a ser desvalorizada e perder

qualidade. Hoje, o que importa

é a instantaneidade do registro.

O jornalismo impresso patina

em suas incertezas, antes de

sucumbir, se não se reinventar.

Prova disso são muitos jornais e

revistas falindo e os que ainda não

fecharam reduzindo drasticamente

suas redações e extinguindo suas

editorias de fotografia.

O resultado não poderia ser

outro: desemprego em massa.

Muitos profissionais desistindo

do fotojornalismo e os que ainda

teimam com a fotografia, mudam

o foco de sua linha de atuação,

buscando, por exemplo, fotografia

autoral como alternativa.

Nesse cenário, aparecem novos

caminhos, ainda mais perigosos,

com o uso da fotografia digital

de algoritmos de Inteligência

artificial, algo que vem sendo

experimentadas e logo estará

nas máquinas fotográficas

“‘...fotógrafo

profissional’, como

é mesmo que ficou

a vida de quem

decidiu se dedicar

a este ofício?”

digitais. Não é difícil enxergar

que, nas mãos de profissionais

inescrupulosos, essa inovação

pode vir a torna-se um

instrumento para a manipulação

de imagem. O falseamento da

realidade.

Essa tendência, a se confirmar,

vem na contramão do que vivi,

quando buscávamos transmitir,

por meio das nossas lentes, a

verdade dos fatos que víamos.

Tive o privilégio de pertencer

a uma geração de fotógrafos

profissionais que vivenciou a

passagem do processo analógico

(filmes negativos, revelação

43


e cópias fotográficas) para o

digital. Além da oportunidade

fantástica, no Recife, de estagiar

no laboratório da ACÊ Filmes do

saudoso mestre Alcir Lacerda.

Foi lá que compreendi o processo

físico-químico de uma revelação

de filme e da cópia em papel

fotográfico. Tudo em P&B.

A ACÊ era um laboratório

especializado nessa técnica.

Entendi de como a temperatura

dos químicos de revelação

e a dosagem influenciam na

pigmentação, nos grãos de uma

imagem revelada, os famosos e

atuais pixels, e de como puxar

uma revelação (aumentar o tempo

que a película fica imersa na

solução) de um filme para ganhar

mais luz.

O curso de Comunicação Social,

na Unicap, me apresentou o

caminho para o jornalismo visual,

chegando ao Jornal do Commercio

num misto de deslumbramento,

euforia e responsabilidade,

diante dos profissionais da

“velha guarda” que dominavam a

respeitada Editoria de Fotografia.

Impossível citar tantos nomes

que contribuíram com a minha

formação, mas de certo Luiz

Luna foi um deles. Com sua

bolsa de couro “legitimo”, calças

de linho impecável e sapatos de

dançarino, inspirou lendas e, por

dessas coincidências da vida,

minha primeira foto emplacada na

primeira página do JC saiu com o

crédito de, acreditem, Luiz Luna.

Outra grande experiência

profissional foi no mais antigo

jornal em circulação na América

Latina, o nosso Diario de

Pernambuco, ainda na Praça

da Independência e depois no

moderno prédio no bairro de

Santo Amaro. Cheguei pelas

mãos do saudoso amigo José

Maria Garcia, então secretário

gráfico do DP, numa empresa

cujo sistema de trabalho era

totalmente diferente do que eu

conhecia: dois corpos de câmera,

um com filme p&b e outro colorido

positivo (slides). Imagine decidir,

em fração de segundos, se aquela

imagem poderia ir para a capa do

jornal, exigindo o clique na hora

exata, com a máquina certa.

Com a evolução natural dos

processos, logo o jornal comprou

equipamentos que agilizavam a

revelação, ganhando tempo, mas

ainda com custos altos, numa

época em que as editorias eram

pressionadas pelo financeiro. A

solução veio quando já estava à

frente da Editoria de Fotografia,

apresentando um ousado

projeto à direção do DP: a total

informatização do setor, com

a aquisição de equipamentos

digitais, mudanças dos fluxos

internos, garantindo economia

e, posteriormente, até lucro

com parcerias junto às agências

nacionais e internacionais,

interessadas na agilidade da

disponibilização das nossas

imagens. Esse ponto, por

sinal, deixava ainda um saldo

para o fotógrafo, que levava

sua comissão pela compra da

imagem.

Mas tudo isso são memórias,

registro de tempos que se foram

e que deixaram aprendizados

para as novas gerações.

A verdade é que, nesse instante,

o fotojornalismo vive um novo

momento, de transformação e

adaptação, decerto para evoluir.

Sabemos que não basta um

bom equipamento para ser um

bom fotojornalista. São muitos

os componentes incluídos

na formação do profissional.

Ter abnegação pelo exercício

incansável do seu trabalho,

ser consciente que o momento

perdido de um flagrante nunca

mais irá se repetir e não se

lamentar por isso, ir atrás de

outros. Por último ter sempre

em mente a responsabilidade e

percepção de que ao apertar o

botão de disparo de sua máquina

fotográfica o fotógrafo está

escrevendo a história do mundo

com a luz.

Nos resta torcer para que, nesse

novo tempo, seja dissipada

qualquer nuvem de pessimismo

em torno da nossa profissão. É

preciso acreditar ser possível

seguir expressando nossa arte

e que o fotojornalismo voltará a

ser respeitado e valorizados por

contar a história do mundo sem

utilizar uma única palavra.

44


periódicos

memória

&

fotógrafos

por Betânia Corrêa de Araújo

A publicação dos periódicos O Boletim da

Cidade e do Porto do Recife e a revista Arrecifes

pela Diretoria de Estatística Propaganda e

Turismo - DEPT e Diretoria de Documentação

e Cultura- DDC reúne nas décadas de 1940

e 1950 um grande número de escritores,

urbanistas, historiadores e de artistas visuais.

A presença de intelectuais de campos diversos,

como Joaquim Cardozo, José Estelita, Ayrton

da Costa Carvalho, Benício Dias, Hélio Feijó,

Hermilo Borba Filho e outros, promove um

diálogo entre as diversas linguagens onde o

objeto a ser representado é a cidade do Recife

em um momento de grande transformação. É

possível identificar a troca de ideias entre esses

pares nas obras textuais ou imagéticas.

E desse grupo não podemos excluir os

fotógrafos da DEPT/DDC que produzem com

as suas fotografias, representações da cidade do

Recife. São cerca de setenta, entre profissionais

e amadores, número bastante expressivo.

Entre os mais conhecidos: Alexandre Berzin e

Benício Dias, mas muitos outros nomes pouco

conhecidos como Francisco Rebelo, Severino

Fragoso e Mandel têm trabalhos bastante

significativos e precisam ainda ter a dimensão e

importância de seu reconhecimento.

São cerca de nove mil fotografias capturadas

entre 1939 (ano de criação da DEPT) e 1956

(ano de extinção da DDC). Além de ser uma

produção extremamente significativa em termos

quantitativos, é inegável seu valor histórico.

Hoje esse rico álbum da cidade faz parte do

acervo do Museu da Cidade do Recife.

Avenida Guararapes,

bairro de Santo Antonio, Recife.

na década de 1940.

Foto de Julien Mandel.

45


46

ensaio


este

comboio

não para

em arroios

por Renato Menezes

47


48


49


O conjunto de imagens do qual

fazem parte as fotografias enviadas

recebe o título “Este comboio

não para em Arroios”. Durante

o período de julho de 2017 a

setembro de2021, os moradores

de Lisboa e usuários do serviço

público de transporte escutaram

repetidamente, ao embarcar numa

composição do Metro de Lisboa, a

expressão “este comboio não para

em Arroios” dita pela mesma voz

eletrônica, sempre igual, todos os

dias, por mais de quatro anos.

A informação devia-se ao fato de

que a estação de Arroios

estava fechada para obras. A frase,

quase um mantra para milhares

de passageiros, deu origem a essa

série de imagens do cotidiano,

capturadas e editadas com iPhone.

A intenção nunca foi a alta

qualidade técnica da imagem,

mas o registro despretensioso dos

espaços subterrâneos por onde

circula o mais utilizado meio de

transporte da cidade de Lisboa, e

onde, para tantas pessoas, muitos

minutos são gastos por dia. Não

foi elaborado um roteiro, nem

estabelecidos critérios para a

captura. A série foi desenvolvida a

partir da vivência diária da cidade

e do metro de Lisboa. [R.M]

50





54





imagem & psicologia

precisamos falar

sobre desapareci

Texto de Luciene Paz & Véronique Donard

Fotos de Renata Victor

58


mentos

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60


“O olhar que

não mais se

demora e o

desaparecimento

das imagens”.

Neste pequeno

grande ensaio

sobre a realidade

plástica e

psíquica Luciene

Paz e Véronique

Donard

comentam sobre

as idas e vindas

das questões

da imagem no

campo filosófico.

Na mesma

direção, este

pequeno

grande ensaio

fotográfico de

Renata Victor

materializa as

subjetividades

deste velho novo

mundo.

O olhar que não mais se demora e

o desaparecimento das imagens.

A vertiginosa proliferação

das imagens ocupa todos os

espaços, elas se sobrepõem

umas às outras, se misturam e,

face a elas, desaparece o olhar

atento. A velocidade com a que

passam traz à mente o trânsito

infernal das grandes cidades, em

que luzes ofuscantes desviam

incessantemente a atenção do

motorista. São pensamentos

sem palavras, emoções já feitas,

objetos, prontos para serem

consumidos, letreiros e painéis

eletrônicos intrusivos que piscam

exaurindo o que temos de mais

valoroso: a atenção. Pedem apenas

identificação, não dando qualquer

espaço-tempo para o olhar

demorado, um olhar

contemplativo que engaje

subjetivamente o desejo.

A imagem é o começo.

A imagem é o ponto de partida

da subjetividade. O Eu é uma

imagem que se constitui a partir

do encontro com o semelhante,

em estado de espelho. O sujeito,

durante toda a sua vida, é

capturado por imagens, às quais

ele se identifica sucessivamente.

É sobre este aspecto da relação

do sujeito com as imagens, das

transformações dos seus retratos e

fotografias e do uso destas imagens

como fontes de pesquisa que nos

debruçamos, com o objetivo de

tecermos algumas considerações

sobre o olhar que não mais se

demora e o desaparecimento das

imagens.

A questão da imagem é filosófica.

Ela aparece e desaparece na

filosofia. Como objeto durante

muito tempo excluído, mais do que

nunca, reaparece na atualidade e

ganha visibilidade tal que a coloca

à prova da crítica, na qual pensar

a imagem se torna imprescindível.

(Boehm, 2017).

61


Mirar el río hecho de tiempo y agua

Y recordar que el tiempo es otro río,

Saber que nos perdemos como el río

Y que los rostros pasan como el agua.

Yo temo ahora que el espejo encierre

el verdadero rostro de mi alma,

lastimada de sombras y de culpas,

el que Dios ve y acaso ven los hombres.

Jorge Luis Borges (Obra poética: 1923/1985.

[p.161 e 151] Buenos Aires: Emecé Editores, 1989).

O narcisismo envolve o olhar de alguém sobre si mesmo. Além

disso, procura interação com outro olhar, de um ponto de vista,

de onde esse alguém se “vê” sendo admirado, também.

Admirar(-se), mirar(-se) à distância, termina por inaugurar

geografia mais complexa, de um espelho com mais faces

que aquele representado na pintura, por Caravaggio, por

exemplo. Não se trata do reflexo somente, contudo da

multiplicidade fractual, em território mais obscuro e estranho.

Essa estranheza, esse terceiro olhar a partir dessa margem

e desse mar, para qual serve a fotografia na construção e

desconstrução da imagem, está bem posta nas fotos de Renata

Victor neste pequeno grande ensaio especial para Unicaphoto.

Estes narcisos de Renata, estes sfumattos em longa exposição,

trazem a ideia da transcendência e imanência, do transitório

nas representações. Mais ainda: é sobre algum tipo de diluição

do Si-mesmo, desses retratos que se formam e se reformam e

se deformam do Outro, somente uma transformada do Eu.

É para onde apontam também o caminho e a diagnose

62


da psicanalista Luciene de Melo Paz e da doutora em

psicopatologia clínica Véronique Donard, ambas ligadas

à pós-graduação da Unicap, neste espaço.

Não estamos em tempos da imagem, puramente.

Porém, das transimagens, onde não nos comporta mais

a planície, mas a esfericidade nos reflexos dos espelhos.

Não nos atendem mais as rápidas selfies.

Queremos espiar e expiar a partir de uma longa, longa

exposição. E isso tem a ver com o tempo, nosso tempo.

A negação da imanência, à pesca da transcendência onde nem

sempre habita uma, para constatar sermos

já os desaparecidos de nós mesmos, nós mesmas,

à procura da permanência, do espelho perpétuo,

enquanto simplesmente nós, representação, imagem,

ego, self, desaparecemos, névoa, diante de nossa

admiração e repulsa e culpa, em busca de algum tipo

de autoconsciência. Perdida.

Estas fotografias falam dessa melancólica experiência. [SR]

No campo da estética e em relação

às obras de arte, o tema das

imagens ganha força inovadora

ao se articular com outros campos

do saber, tal como a Psicanálise.

Para Didi-Huberman (2013),

a subjetividade é plástica, e as

imagens possuem poderes que

impactam, configuram e atualizam

realidades plásticas e psíquicas.

A partir de suas pesquisas,

analisou que as imagens sofrem de

reminiscências. Quando tratou da

dimensão política, Didi-Huberman

aproximou o seu entendimento

ao pensamento freudiano ao

apropriar-se das análises das

imagens dos sonhos e aplicá-las às

imagens das obras de arte.

Walter Benjamin (1935-6/1987)

contribuiu significativamente

para a compreensão de como as

tecnologias digitais impõem novas

formas de ver e de ser visto,

além de inaugurar modalidade de

relação do sujeito com o tempo e

com o espaço. O autor salientou

que as novas formas de percepção

expressam-se num sensorium

diferente em razão da nova técnica.

Desvelando o caráter fragmentário

da vida moderna e se referindo

ao surgimento da fotografia e do

cinema, revelou-nos que a noção

de temporalidade é marcada pela

63


aceleração e pela fugacidade, o que

é demonstrado pela rapidez com

que tudo aparece

e desaparece, refletindo uma era

da multiplicação da imagem de

massa que na contemporaneidade

assume uma dimensão

exponencial. Dessa forma, a

experiência é simplesmente

esvaziada, significando que

as novas formas de perceber

promovidas pelas tecnologias são,

em síntese, extensões dos sentidos,

pois interferem no próprio homem

e no cenário em que está destinado

a viver provocando novas formas

de subjetivação.

No que diz respeito à implicação

do tema das imagens às novas

tecnologias, são inúmeros

os recortes produzidos. Na

perspectiva de Giddens (2002),

uma das mais distintas marcas

da nossa época é que as coisas

não valem pelo que são, mas em

função da medida estabelecida

pelas fontes midiáticas. Se o que

garante a existência das coisas

é o fato de serem visualizadas

e veiculadas pelos meios de

comunicação de massa, que lhes

conferem um lugar no regime de

visualidade atual, compreendemos

que o que não aparece tende a

uma não-existência, enquanto o

que aparece tende a desaparecer

rapidamente em meio à inundação

pictórica.

A profusão de imagens, através

das mídias cuja velocidade vai do

encontro à ausência em detrimento

da pura presença constante,

mostra que não há mais nada a

mostrar e que

o ambiente está contaminado

pela intoxicação midiática. A

crescente pletora à qual estamos

submetidos elimina ausência,

distância, separação. (Baudrillard,

2011). A confusão, no sentido

da fusão com o outro ou com o

mesmo, reina e produz efeitos na

subjetividade. As selfies, como

nova forma do autorretrato,

evidenciam um jogo de imagens

entre o público e o privado, entre

o tempo do acontecimento real e

o tempo do acontecimento virtual,

uma confusão entre a existência

e seu duplo. Vemos uma colisão

dos polos, o desaparecimento da

distância e a aceleração do ritmo

que vai de encontro à concepção de

uma subjetividade como processo

das gerações e em acordo com

rituais transgeracionais, que

particularizam a subjetividade

articulada à dimensão simbólica.

Assim, nas redes sociais, as ruas,

as paisagens, as vidas humanas,

a magia do retrato se diluem,

fotos não são mais guardadas em

um álbum, registros apenas das

importantes ocasiões e privilégio

dos ricos.

Não se trata apenas do

desaparecimento das imagens,

mesmo porque o que desaparece

já apareceu em algum momento

para alguém, posto que a presença

e a ausência são inseparáveis, toda

ausência só se constitui no fundo

de uma presença.

Trata-se da velocidade, cada

vez mais acelerada, com que as

imagens veiculadas pelos meios de

comunicação de massa aparecem e

desaparecem. Pois essa aceleração

leva a uma massificação refratária

às particularidades do desejo.

REFERÊNCIAS

BAUDRILLARD, J. (2011). Tela total: mitoironias

do virtual e da imagem. Porto Alegre:

Sulina.

BENJAMIN, W. (1935-6/1987). “A obra de

arte na era da sua reprodutibilidade técnica.”

In Walter Benjamin. Obras escolhidas, vol. I,

Magia e técnica, arte e política. São Paulo:

editora brasiliense, pp. 165-196.

BOEHM, G. (2017). “Aquilo que se mostra:

sobre a diferença icônica”. In: ALLOA,

Emmanuel. Pensar a imagem (p.23-38). Belo

Horizonte: Autêntica Editora.

DIDI-HUBERMAN, G. (2013a) A imagem

sobrevivente: história da arte e tempo dos

fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de

Janeiro: Contraponto.

64



artigo

uma

enciclopédia

virtual para

a fotografia

brasileira

por Filipe Falcão

Imagine ter

acesso a

uma base de

dados para

procurar livros

e publicações

exclusivos de

fotografia.

66


Além de um rico acervo, esta

base de dados está muito bem

organizada e dividida em

categorias para facilitar a busca

de quem procura determinado

livro, autor ou tema. Fotografia

conceitual, etnográfica, de

paisagem, de arquitetura,

fotojornalismo, retratos, natureza

e até áreas que dialogam com

a fotografia como cinema e

literatura. Além de livros, ela

também conta com revistas e

recentemente incluiu em seu

catálogo todas as edições da

revista Unicaphoto.

Estas são apenas algumas

categorias do portal Base de

Dados de Livros Fotográficos, que

serve como este espaço para os

interessados por fotografia terem

acessos a incontáveis publicações.

O responsável pelo portal Base

de Dados é o fotógrafo Leonardo

Wen, no Centro Universitário

Senac, em São Paulo. Ainda na

época da graduação, Leonardo

começou a trabalhar como

fotojornalista atuando por cinco

anos no jornal Folha de S.Paulo,

além de colaborar como freelancer

com diversos jornais,

revistas e agências. “Foi um

estalo que eu tive por volta de

2017. Sempre fui fascinado pelos

livros de fotografia, e também

sempre pesquisei muito sobre

filmes no IMDB (Internet Movie

Database). Então um dia me

perguntei: onde está o IMDB da

fotografia brasileira?”, relembra

Leonardo sobre o que o fez

criar a Base de Dados. Naquele

momento, ele se deu conta de que

ainda não existia uma plataforma

on-line que inventariasse a

produção editorial da fotografia

brasileira ou latino-americana de

forma sistemática.

“O que existia, de fato, era a

importante base bibliográfica

do Ricardo Mendes (Fotoplus),

alguns sites estrangeiros com

recortes temáticos (como o

Africa in the Photobook, do

holandês Ben Krewinkel), sites

de livrarias especializadas e de

alguns colecionadores (como

o Josef Chladek)”, relembra

Leonardo reforçando que mesmo

com estas publicações, não existia

ainda uma enciclopédia virtual

mais abrangente, com recursos

avançados de visualização e

pesquisa.

A ideia original de Leonardo era

desenvolver uma plataforma de

fotolivros, focada apenas nas

publicações mais contemporâneas.

“Eu logo entendi que o termo

fotolivro, apesar de ser bem

aceito e amplamente adotado

no campo da fotografia, ainda é

uma tipologia imprecisa do ponto

de vista técnico e conceitual.

Além disso, existe um volume

muito grande de publicações

fotográficas que não são fotolivros

propriamente ditos, mas que têm

uma grande relevância estética ou

histórica”, explica Leonardo.

Sendo assim, Leonardo ampliou

o escopo da pesquisa para

todos os tipos de publicação

fotográfica: coletâneas, catálogos

de exposição, livros-objeto, zines,

revistas e jornais especializados,

livros de história, teoria e crítica,

e até mesmo livros de literatura

que falam sobre fotografia.

Em apenas dois anos o projeto

conseguiu documentar 3.500

publicações no site e este número

segue em crescimento. “Um dos

desafios desse projeto era fazer

com que a plataforma abarcasse

não somente o catálogo das

editoras de médio e grande porte,

mas também o segmento da

produção editorial independente,

incluindo também as editoras de

pequeno porte e as edições de

autor”, explica Leonardo.

Ainda sobre o extenso catálogo,

Leonardo explica que quando

decidiu criar uma enciclopédia

virtual para a fotografia

brasileira, deixou de lado qualquer

filtro curatorial. “Ou seja, não

avaliamos a qualidade das

67


O pesquisador independente

e fotógrafo Leonardo Wen

atualmente se dedica

ao desenvolvimento da

Base de Dados de Livros

de Fotografia (www.

livrosdefotografia.org).

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

publicações a serem catalogadas

sob nenhum aspecto estético,

histórico, físico ou conceitual

– basta que elas existam e que

circulem”, explica. Para ele,

apesar deste procedimento trazer

para a base publicações de pouco

interesse, permite ampliar o

público e o alcance da plataforma,

inclusive para o público amador,

estudantes secundários ou

profissionais de outras áreas

alheias à fotografia. “Dessa

forma, evitamos que o site fique

restrito ao público dos campos

mais “tradicionais” da fotografia,

como a fotografia documentária

ou a fotografia artística”.

A busca dos livros que fazem

parte do portal Base de Dados

acontece com três frentes de

pesquisa: a pesquisa presencial em

bibliotecas e acervos privados, o

contato direto com autores(as) e

editoras, e as chamadas públicas

que são realizadas através

das redes sociais (Facebook e

Instagram). As revistas, em

68

toda sua variedade de tipos,

são um segmento do mercado

editorial bastante importante

para o campo da fotografia. As

revistas mais comerciais, como

por exemplo as extintas Fotosite

ou Paparazzi, documentaram

momentos importantes da

produção fotográfica no período

em que circularam. A revista

Unicaphoto está presente na

Base de Dados de Livros de

Fotografia. Isto significa que todos

os números estão disponíveis para

acesso. “As revistas de cursos de

especialização e graduação como

a própria Unicaphoto, apontam

os caminhos que as gerações mais

novas estão trilhando”

A coordenadora do curso de

Fotografia da Unicap, Renata

Victor, reconhece a importância

da Unicaphoto passar a fazer

parte do acervo da Base de Dados.

“Admiramos muito o trabalho que

o Leonardo vem realizando e para

nós é uma honra fazer parte deste

elenco”, comemora Renata.

Enquanto plataforma de

referências bibliográficas,

Leonardo observa que o site tem

sido bem aproveitado, ao julgar

pelo fluxo diário de usuários

do site e pelo retorno positivo

que recebe da comunidade

de artistas, fotógrafos(as) e

pesquisadores(as). Entretanto, ele

lembra que a função primordial

do site é justamente fornecer

informações e subsídios para as

pesquisas produzidas por outros

autores. “Por sermos apenas uma

fonte de referências (e não uma

fonte primária), não costumamos

ser citados diretamente enquanto

fonte de pesquisa, como é

natural”, explica Leonardo.

Os interessados em enviar

publicações para

a Base de Dados de Livros

de Fotografia devem entrar

em contato através do email

(contato@livrosdefotografia.org)

e enviar trabalhos ou mesmo

sugerir títulos que ainda não

estejam catalogados no sistema.


na prática

trezentos anos

ou alguns meses

por Gustavo Bettini

Muitos fatores podem fazer uma obra impressa

durar centenas de anos ou muito menos que isso.

O processo de impressão e os materiais utilizados

são a base primordial para dar início a essa jornada

contra o tempo. Sim, até mesmo as impressões que

seguem todos os cuidados do processo fine art, se não

seguirem cuidados básicos e fundamentais, podem

não alcançar seu potencial de longevidade. Institutos

como o Wilhelm Research (www.wilhelm-research.

com ) testam a longevidade das impressões levando

em consideração o papel e a impressora usados, mas

também a maneira como estarão expostas essas obras.

O ambiente em que a obra ficará é fator determinante

e irá interferir diretamente nesse processo de duração

da obra. Luz direta, variação de temperatura e de

umidade, poluição, uso de produtos de limpeza e

até colocação de aromatizantes de ambiente podem

interferir na durabilidade de uma impressão.

Para proteger uma obra é preciso levar em consideração

o tipo de montagem da moldura, do suporte, e os

materiais escolhidos. São aspectos que influenciam

diretamente na durabilidade do trabalho. Imagine que a

moldura é um grande sanduíche, com várias camadas,

cada uma com uma função específica. A primeira

camada que encontramos é o vidro. Obras sem vidro

já saem em grande desvantagem e é fácil perceber que

é uma proteção física contra agentes externos como

insetos, toque de mãos, poluição, produtos, panos…

E existem vários tipos de vidros para ser usados em

montagens com molduras: 1) O antirreflexo comum,

com textura que provoca um aspecto fosco, reduz muito

o brilho do vidro e a capacidade de perceber a presença

dele na obra. Esse tipo de vidro foi criado para ser

montado em contato direto com a fotografia, inclusive,

porque se houver espaço entre eles, a textura do vidro

diminui a percepção de detalhes na obra. Porém, essa

característica traz um fator para a obra, que por estar

em contato direto com o material, pode provocar uma

espécie de colagem da obra no vidro com o passar do

tempo e o desenvolvimento de fungos na impressão;

2) Os vidros incolores, que podem ser montados com

afastamento da obra, estão disponíveis em vários tipos,

de modelos comuns aos museológicos. Os museológicos

além de garantir proteção contra raios UVs (Até 99%)

têm tratamento antirreflexo muito eficiente. O material

é tão imperceptível que é comum achar que obras

montadas dessa maneira estejam sem vidro.

A segunda possível camada da montagem pode ser

uma barreirinha, uma espécie de espaçador entre o

vidro e a fotografia e/ou um passe-partout, feito com

papel de conservação, o material forma uma margem

ao redor da obra, que além de estética cria esse espaço

69


necessário para evitar que o vidro e a fotografia se

toquem, colem. A abertura do passe-partout, chamada

de janela, é feita com uma lâmina que corta num

ângulo de 45º e exige muita habilidade de quem faz.

Chegamos a impressão, que precisa ser feita seguindo

rigorosos processos fundamentais para ser nomeada

de fine art, em papéis próprios da categoria Belas

Artes e que muitas vezes precisam ser adesivados em

suportes rígidos para garantir o melhor acabamento

da montagem. Nestes casos, particularmente,

é preciso dar preferência aos suportes como o

foamboard, próprio para conservação, mais fáceis de

serem removidos para eventual restauro. É um tipo de

adesivação que deve ser feita a frio, com colas de PH

neutro, específicas para esse tipo de montagem.

E as últimas camadas, além de barreira servem de

fechamento. Mesmo a fotografia estando adesivada

em um foamboard, se faz necessário um segundo

foam para fazer o acabamento do quadro, que além

de proteção, servirá como indicador para o caso de

alguma infestação de fungos. Antes que chegue a

obra, a umidade encontrará esta barreira na parte de

trás, permitindo que se possa trocar essa barreira,

sem danos a fotografia. Por isso, é recomendado, de

tempos em tempos, tirar o quadro da parede e fazer

uma vistoria, procurando sinais de infestações de

fungos ou pontos de amarelamento. Existem também

materiais como o Tyvek, que quando adicionado entre

a foto e o fechamento aumentam ainda mais essa

proteção contra a umidade. Até mesmo as fitas que

fecham o fundo da moldura precisam ser de PH neutro

para selar todo o conjunto.

Todo esse nosso ‘sanduiche’ é preso pela moldura,

que deve ser feita com madeira tratada, previamente

seca em estufa, para evitar a proliferação de pragas

como cupins e polias e para garantir que não empenem

com o tempo. Outro detalhe que ajudará também na

conservação da obra é pendurar a moldura deixando

um pequeno afastamento entre ela e a parede. Isso

permite a circulação de ar que ajuda a evitar formação

de fungos.

São muitos os detalhes e cuidados tomados por quem

trabalha de forma profissional e séria. Esses materiais

e tipos de montagens citados aqui são alguns, dentre

vários existentes. Como as duas grandes bases para

tornar uma obra fine art são qualidade e longevidade,

é importante atentar para as decisões que vão além

da impressão. Assim como acontece com a saúde de

nosso corpo, existem fatores determinantes, hábitos e

escolhas, que podem estender ou diminuir a nossa vida

por aqui. Papéis, montagens, materiais adequados,

processos de manuseio, ambiente de exposição, cada

etapa tem sua contribuição para o alcance do potencial

de durabilidade de uma obra. 300 anos ou alguns

meses, anos? Em cada escolha, você determina a

velocidade do ponteiro desse relógio.

70


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71


ensaio

nós vamos

invadir sua praia

por Amanda Câmara Lima

Daqui do morro dá pra ver tão legal/ O que acontece aí no seu litoral/ Nós gostamos de tudo, nós queremos é m


ais/ Do alto da cidade até a beira do cais/ Mais do que um bom bronzeado/ Nós queremos estar do seu


lado// Nós tamo entrando sem óleo nem creme/ Precisando a gente se espreme/ Trazendo a farofa e a galinha


/ Levando também a vitrolinha/ Separa um lugar nessa areia/ Nós vamos chacoalhar a sua aldeia// Mistura


sua laia/ Ou foge da raia/ Sai da tocaia/ Pula na baia/ Agora nós vamos invadir sua praia// Sua praia!/ // Sua


praia!// Agora se você vai se incomodar/ Então é melhor se mudar/ Não adianta nem nos desprezar/


Se a gente acostumar a gente vai ficar/ A gente tá querendo variar/ E a sua praia vem bem a calhar// Não prec

78


isa ficar nervoso/ Pode ser que você ache gostoso/ Ficar em companhia tão saudável/

79


Pode até lhe ser bastante recomendável/ A gente pode te cutucar/ Não tenha medo, não vai machucar// Mistur

A canção “Nós vamos invadir sua praia”, da banda Ultraje a

rigor, da gravadora WEA, É de 1985. Embora originalmente

seja uma crítica à MPB daqueles anos, o hit passou a ser

relacionado com os conflitos entre remediados de classe

média e ricos no Brasil. Neste ensaio de Amanda Câmara esse

rock é bom leit motif, como fosse tocado em um radinho de

pilhas no campo de obras das construções das mansões e

condomínios do litoral de Pernambuco nos dias atuais.

A motivação destas fotos surgiu quando Amanda, fotógrafa e

arquiteta, resolveu se mudar para o litoral, a praia de Porto de

Galinhas, em Ipojuca, a uns 70 km do Recife.

Era o ano de 2021.

“Resolvi viver na cidade de Porto de Galinhas e me deparei

com o boom imobiliário na região. As novas construções estão

tomando tudo. A cada quarteirão tem uma obra de um edifício

em construção, este com três ou quatro andares”.

A verticalização do lugar tem descaracterizado a paisagem

e o que se vê do paraíso visitado por turistas ricos do mundo

e classimedistas do país é uma realidade descompensada

e predatória. Para a fotógrafa, “a cidade turística pertencia

80


a sua laia/ Ou foge da raia/ Sai da tocaia/ Pula na baia/ Agora nós vamos invadir sua praia

antigamente aos pescadores, à comunidade local e aos

coqueirais que eram marcos da paisagem existente. Agora,

tudo dá lugar a grandes resorts, condomínios para casas

de veraneios. Até projeto de arena para grandes shows está

previsto no local.”

Os tons amarelos e laranjas deste ensaio a artista exacerbou

a modo de acender toda a atenção para esses problemas

ambientais e econômicos da cidade, que cresce sem

saneamento básico satisfatório, onde as desigualdades

são minimizadas ou esquecidas, a bem do turismo e do

desenvolvimento.

A praia de Porto de Galinhas talvez termine por se tornar

uma praia de espigões, com grandes torres fazendo sombra

sobre a areia, não diferente da praia mais conhecida

do estado: a de Boa Viagem, no Recife.

Enquanto isso, entre tijolos e argamassa, Porto de Galinhas

segue. Agora, como denuncia este ensaio, com a esperança de

que os pescadores, os mais pobres, os nativos possam invadir

a praia.

Agora, dos especuladores.

81


inovação

fotojornalismo,

inovação &

consumo

por João Guilherme Peixoto

82


Fotogalerias

ou slideshows como

elementos de construção

de narrativas do

fotojornalismo digital.

Aqui, o projeto Displaced,

do NY Times, que vem

usando o recurso pra

amplificar efeitos de

recepção da notícia

e inovando

na narrativa visual.

Na imagem, escombros,

na Ucrânia,

Fonte: New York Times.

Se no final do século XX uma das

preocupações mais evidentes para

o universo jornalístico residia no

fato de construir uma estratégia

sólida e financeiramente viável

de ¨passagem¨ para o digital

(silva junior, 2012; quinn, 2005;

salaverría et al., 2008), hoje

os desafios são outros. E não são

poucos. Ao analisar, por exemplo,

as dinâmicas operacionais

relacionadas à prática jornalística

contemporânea, pode-se observar

que novos protocolos associados

à inovação no desenvolvimento

de produtos, processos, como

também nas práticas de gestão de

pessoas e de conteúdo incorporam

características salutares para a

compreensão dessa atividade em

mutação.

Em outras palavras: novos

formatos de produção,

distribuição/circulação, consumo

e financiamento ¨oxigenam¨

os atuais modelos vigentes de

desenvolvimento da atividade

jornalística. Ademais, para

Spinelli (2017, p. 66), as

empresas informativas e os

produtores de informação

se confrontam com as

transformações do ecossistema

midiático e precisam gerar

processos criativos e inovadores

para sustentar um jornalismo que

tenha valor para a sociedade.

Dessa forma, pode-se atentar

que tais rearranjos na atividade

jornalística nas sociedades

contemporâneas, no que se refere

à cadeia de criação, têm por

objetivo, por exemplo, aproximar

os processos de produção de

conteúdo de novos formatos

narrativos os quais procurem

impactar a audiência por meio

do uso de recursos cada vez mais

complexos no que diz respeito

tanto ao formato como ao material

projetado.Destaca-se também

que as mudanças implementadas

nas redações jornalísticas afetam

83


diretamente o universo de criação

de material visual noticioso. A

produção fotojornalística, desde

a incorporação das tecnologias

digitais de construção, edição

e disponibilização de imagens

para o público, no final do século

passado, passa por transições

de status que remodelam o

ofício (garcía, 2017; arriaga

silva, 2017; klein-avraham et

al., 2016; silva júnior, 2012;

mäenpää, 2014).

A velocidade proporcionada pelo

surgimento e desenvolvimento da

conexão de banda larga permitiu

aos desenvolvedores de conteúdo

explorar ao máximo recursos

multimidiáticos, os quais apontam

para uma maior justaposição

entre texto, imagem, som, vídeo

e outros elementos narrativos

(Longhi, 2010). O resultado dessa

investida pode ser observado em

coberturas especiais realizadas

por veículos de comunicação

que buscam utilizar os recursos

proporcionados pela web de forma

mais interativa, participativa e

dinâmica.

A equação aponta para cenários

interessantes: novos suportes,

novas ferramentas de visualização

e disseminação de informação,

outros formatos de construção

narrativa. Hoje, com o advento e

o desenvolvimento das tecnologias

da comunicação atrelados à

cultura da convergência (Jenkins,

2006) constatam-se alterações

nos aspectos relacionados ao

consumo de imagens em ambiente

de rede e, consequentemente,

modificações na cadeia produtiva

do jornalismo.

Mudanças no ambiente redacional

também resultaram em

reconfigurações nas habilidades

necessárias para o desenrolar da

profissão. Um dos fatores mais

recorrentes quando se analisam

as mudanças nas dinâmicas

produtivas do fotojornalismo

84

Integração: O projeto de

fotojornalismo Future

cities associa texto, clipes,

imagens estáticas e recursos

inovadores de design.

Página inicial do projeto

Future cities.

A ideia é “garantir”informação

& consumo, a exploração

máxima da “experiência”.

Aqui, em destaque, entre

cidades do futuro, Addis

Ababa, capital da Etiópia, o

país africano que derrotou

o exército colonizador.

Passado e presente se

reúnem da religião Rastafari,

das culturas indígenas

ao jazz. Oitenta grupos

étnicos. Inovação e futuro já

chegaram.

é observar a infinidade de

competências que esses

profissionais precisam absorver

nas últimas décadas.

Ainda sobre a temática inovação

no universo midiático, ao observar

especificamente o cenário

fotojornalístico contemporâneo,

destaca-se que tais alterações

já especificadas evidenciam

uma transformação no próprio

status da fotografia de imprensa.

Ao afastar-se dos padrões

característicos que envolviam as

rotinas concernentes às dimensões

técnica, estética e deontológica do

que pode ser categorizado como

"Fotojornalismo 1.0 (peixoto,

2016), a atividade sinaliza

para um conjunto de processos

que indicam novas fronteiras e

outros desafios. Pode-se afirmar

que um conjunto de atributos

indica o surgimento de rotinas

de produção, edição e circulação

vinculadas à interpretação,

tradução e transdução da

realidade.

E o que caracteriza essa

nova condição para o cenário

fotojornalístico? Enfatizam-se

aqui os trabalhos desenvolvidos

por Ritchin (2009) e Fontcuberta

(1997; 2010; 2011), os quais

diagnosticaram uma tentativa

de conceituação desse novo

"fenômeno". Em Ritchin (2009),

analisa-se uma perspectiva que

assinala para algumas mudanças

em um padrão de produção de

informação visual.

De acordo com o autor, a

fotografia digital estaria

conectada aos seus espectadores

por meio de atributos associados

muito mais a valores afetivos e

de subjetividade que a processos

materiais e tecnológicos.

Para o autor, afetividade,

interatividade, e uma ideia de

continually updated teriam

inaugurado para a fotografia um

panorama complexo e ainda pouco

explorado. Ainda de acordo com

Ritchin (2009), de acordo com

as condições destacadas acima,

o estatuto dessa nova imagem

contemporânea poderia ser

identificado por meio do conceito

de Hiperphotography.

Dentre as características

direcionadas ao conceito de

hyperphotography, podem ser

destacados dois grandes eixos:

a) Construção de produtos

midiáticos associados à fotografia

e ao fotojornalismo os quais se

aproximassem de novos formatos

de circulação de conteúdo,

esses conectados à participação

do usuário; b) Elaboração de

narrativas visuais com ênfase no

sujeito, uma proposta alinhada

com os novos modelos de

construção de storytelling vistos

acima.

Já no que se relaciona à

contribuição de Fontcuberta

(1997; 2010; 2011), o modelo

proposto pelo autor (Pósfotografia)

também advoga

no sentido de aproximar o

desenvolvimento da fotografia

digital não apenas das mudanças

de ordem tecnológica, mas

também dos processos de


reconfiguração das esferas das

rotinas e protocolos canalizados

para a prática dessa atividade.

Ressalta-se aqui que a

incorporação dessas novas

características nas cadeias de

criação, circulação e consumo

de conteúdo visual pode ser

percebida não somente por

meio da entrada nas redações

de novos artefatos e tecnologias

destinadas a capturar e processar

informação, mas também por

transformações de natureza mais

complexa, a saber.

O processo de digitalização

da atividade representa o

primeiro ponto relevante para

compreender esse movimento

de transição de status do

fotojornalismo (PEIXOTO,

2016), o qual teve teve início

nos anos 90 do século XX. De

acordo com Silva Júnior (2012,

p. 35-43), tal reconfiguração

pode ser dividida em três

períodos: a fase pré-adaptativa,

que se caracterizou por uma

"coexistência de sistemas de

imagem e rotinas baseados numa

interoperabilidade entre o digital

e a analógico" (p. 35); a fase

adaptativa, a qual se desenvolve

no sentido de "total eliminação de

dispositivos de ordem analógica;

o desaparecimento do filme como

suporte de captação e do fim da

fotografia em papel nas editorias

de fotografia" (p. 36); e, por fim,

a terceira fase, descrita pelo autor

como: convergente.

O segundo ponto a ser observado

diz respeito aos câmbios no

perfil profissional dos atores

envolvidos diretamente com a

atividade fotojornalística nas

redações (ARRIAGA SILVA,

2017; FABREGAT et al., 2017;

KLEIN-AVRAHAM et al., 2016;

MÄENPÄÄ, 2014). Se antes

os responsáveis pelo trabalho

acumulavam competências de

ordem estritamente "visual"

(técnica e linguagem fotográfica,

edição e tratamento de imagens),

hoje, há uma forte necessidade

de incorporação de um perfil

multitarefa, que transparece em

atividades pouco convencionais

até pouco tempo atrás: captação,

produção, edição e pós produção

de material em vídeo, técnicas de

arquivamento digital, piloto de

drone…

Por fim, o terceiro ponto destaca

as mudanças específicas nas

rotinas de criação voltadas ao

desenvolvimento de narrativas

visuais jornalísticas. Com

o surgimento de modelos

de construção de conteúdo

noticioso cada vez mais

complexos em ambiente

multimidiático (LONGHI,

2011), a função da imagem

no contexto informacional

acaba por complexificar-se

significativamente. Se antes, nos

espaços reservados à fotografia

de imprensa em jornais e

revistas, se fazia necessário levar

em conta tal fator para o ajuste

da relação produção/circulação

do material clicado, hoje, com

os recursos digitais disponíveis,

é possível explorar de novas

maneiras essa equação.

Assim, destaca-se que um dos

modelos de construção narrativa

mais reconhecidos e ainda hoje

¨praticados¨ nas redações é o

Especial Multimídia. De acordo

com Longhi (2010), ele constituise

por um ¨formato de linguagem

multimídia convergente,

integrando gêneros como a

entrevista, o documentário, a

infografia, a opinião, a crítica,

a pesquisa, dentre outros, num

único pacote de informação,

interativo e multilinear”. (p.

150).

Já a Grande Reportagem

Multimídia, uma evolução


do modelo apresentado acima

(Especial Multimídia), utiliza

recursos mais sofisticados no que

diz respeito ao aproveitamento de

novas funcionalidades advindas

das mudanças na Web e a

utilização de novos protocolos.

E com toda essa refuncionalização

do jornalismo em um ambiente

multimidiático, novos formatos

narrativos que procuram integrar

a fotografia de imprensa aos

demais elementos que compõem

esse cenário também podem

ser identificados. Eles tem por

objetivo apresentar uma espécie

de ¨reação¨ da atividade perante

as transformações tecnológicas, de

gestão e sociais processadas pelo

ambiente jornalístico.

Pode-se definir o Slideshow

(também chamado ¨Fotogaleria¨

ou Fotogalería) como um dos

primeiros modelos que buscaram

realizar essa interlocução entre

os formatos de produção textual

e fotográfico/fotojornalístico.

Para Kolodzy (2006) e Lópezdel-Ramo

(2016), tal formato

incorpora elementos de

hipertextualidade e interatividade.

Inicialmente, composto por

imagens dispostas em sequência

com a possibilidade (ou não) de

interação do usuário, esse modelo

permite a montagem de complexas

narrativas jornalísticas. Também

há as Picture Stories (ou

Fotohistórias), produções ainda

mais complexas no que concerne

ao uso de recursos tecnológicos,

visuais e narrativos.

Destaca-se também que a

presença de fotojornalistas

em dinâmicas de produção

audiovisual pode ser considerada

uma mudança significativa na

cadeia de criação de conteúdo

visual. Ademais, novos formatos

de captura de imagem, como o

uso de drones, a produção de

imagens em 360 graus e o uso de

86

realidade virtual e/ou aumentada

em projetos mais ambiciosos por

parte de grandes players globais

de produção de notícias (como o

NY Times, Washington Post e

a Folha de São Paulo) também

pode ser destacado aqui. Como

mencionado anteriormente, o

investimento e o desenvolvimento

de laboratórios de inovação e

cocriação nas redações vem

alterando gradativamente a

incorporação desses novos

produtos tanto na cadeias de

produção de material jornalístico

como também nas searas de

circulação e consumo.

Por fim, vale então destacar

que o universo da fotografia de

imprensa encontra-se em estado

de reconfiguração e esse processo

conecta-se de forma relevante com

o desenvolvimento das tecnologias

digitais. Os eixos de criação,

circulação, consumo e (por que

não?) financiamento de conteúdo

atravessam transições de status

que exigem atenção. É preciso

estar alerta aos processos, aos

mecanismos que nos permitem

dialogar com esse universo

polissêmico, expansivo, plural.

E se os desafios atrelados as

dinâmicas operacionais da prática

jornalística contemporânea

exigem do ecossistema

fotojornalístico aspectos voltados,

principalmente, à integração

de saberes e linguagens,

pode-se afirmar que, de forma

progressiva, os projetos

executados com foco em uma

abordagem inovadora (no sentido

mais amplo do termo) primam

por compreender os novos

protocolos de visualidade dos

nossos tempos. Tal compreensão

resulta na utilização de soluções

tecnológicas que permitam

expandir as possibilidades de

apresentação de histórias com

destacado interesse público.

Dito isso, o primeiro fator a ser

evidenciado da aproximação

entre as searas da inovação e do

fotojornalismo (se é que vamos

poder chamá-lo assim daqui

a alguns anos...) é o próprio

protagonismo da imagem.

Independentemente dos recursos

tecnológicos utilizados na

concepção de especiais multimídia

e de grandes reportagens

multimídia (entre outros formatos

de circulação de conteúdo),

observa-se que existe uma intensa


Tecnologia e inovação

inovadores para a captação

e o processamento de

imagens.

Tela inicial do projeto The

Displaced, produzido

pelo The New York Times,

vencedor do Prêmio

World Press Photo Digital

Storytelling Contest na

categoria Innovative

Storytelling 2016.

O projeto analisa

deslocamento das

populações durante guerras.

“Imersão” a partir recursos

de realidade virtual e fotos

em 360 graus, em cenários

devastados.

Fonte: New York Times.

preocupação em explorar a

linguagem visual de forma ativa.

Tal fator contribui para que a

fotografia de imprensa absorva

um protagonismo nas etapas de

planejamento e produção dos

conteúdos, sem uma dependência

direta da plataforma e dos recursos

tecnológicos a ser utilizados.

Também é preciso enfatizar

o processo de integração de

perfis profissionais para a

consolidação de projetos, nos

quais a criatividade e a cocriação

mostram-se ativamente presentes.

Diferentemente do que se

costuma observar nas tradicionais

rotinas de trabalho das editorias

de fotografia, alguns projetos

aqui analisados demonstram

maturidade na interlocução de

recursos humanos e tecnológicos.

Ademais, espera-se que, ao final

da pesquisa, os dados obtidos

a partir dessa primeira análise

aqui apresentada (com foco mais

introdutório, para reconhecer

os contextos como um todo)

sejam ampliados a fim de gerar

resultados mais completos.

REFERÊNCIAS

AMAR, Pierre-Jean. El Fotoperiodismo. Paris:

Nathan Université, 2000

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São

Paulo: Edições 70, 2011.

CAPRINO, Mônica (org.). Comunicação e

Inovação. São Paulo: Paulus, 2008.

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede – A

era da informação: economia, sociedade e

cultura (vol. 1). São Paulo: Paz e Terra, 2001.

FRANCISCATO, Carlos Eduardo. “Inovações

tecnológicas e transformações no jornalismo

com as redes digitais”. Geintec, São

Cristóvão, v. 4, n. 4, p.1329-1339, jan. 2014.

FRANCISCATO, Carlos Eduardo. “Uma

proposta de incorporação dos estudos sobre

inovação nas pesquisas em jornalismo”.

Estudos em Jornalismo e Mídia, Santa

Catarina, v. 7, n. 1, p.8-18, jun. 2010.

GARCÍA, Virginia Guerrero. “El panorama

actual de la profesión del fotoperiodista en

el entorno digital 2.0”. Adcomunica. Revista

Científica de Estrategias, Tendencias e

Innovación En Comunicación, [s.l.], n. 13,

p.67-81, 2017. Universitat Jaume I. http://

dx.doi.org/10.6035/2174-0992.2017.13.5.

HADLAND, Adrian; LAMBERT, Paul;

CAMPBELL, David. “The Future of

Professional Photojournalism. Journalism

Practice, [s.l.], v. 10, n. 7, p.820-832, abr.

2016. Informa UK Limited. http://dx.doi.org/

10.1080/17512786.2016.1163236.

KLEIN-AVRAHAM, Inbal; REICH, Zvi. “Out

of the frame: A longitudinal perspective

on digitization and professional

photojournalism”. New Media & Society, [s.l.],

v. 18, n. 3, p.429-446, 31 jul. 2014. SAGE

Publications. http://dx.doi.

87


especial

no coração

da floresta

por Marcelo Pereira


Foto: Matheus Jose Maria



Bela Yawanawá, da

aldeia Mutum, com

cocar e rosto pintado.

Terra indígena do Rio

Gregório. Estado do

Acre, 2016.

91


Foto: Matheus Jose Maria

O jornalista

Marcelo Pereira

visitou “Amazônia”,

de Sebastião

Salgado, e escreveu

suas impressões

especialmente para

Unicaphoto

A exuberância de uma Amazônia

desconhecida e surpreendente,

misteriosa e bela, com sua

força selvagem e seus silêncios

profundos ganham uma potência

impressionante em imagens

preto e branco pelas lentes do

fotógrafo Sebastião Salgado, em

exposição com acesso gratuito

no Sesc Pompeia, em São Paulo,

com visitação até 31 de julho.

A curadoria e cenografia de

Lélia Wanick Salgado provoca

uma imersão sensível, embalada

por uma trilha minimalista de

sons da floresta de Jean-Michel

Jarre, que arrebata o expectador,

num a ambiente escuro, com

uma iluminação afinadíssima

que ressalta a luz, o brilho e o

contraste das imagens.

Estamos no coração da selva.

A luz é filtrada pelos galhos e

folhas das águas e refletida nos

igarapés. Dois garotos nus, de

costas, brincam numa cachoeira.

Há alegria e inocência entre eles.

Em outra cena, uma menina

retoca no espelho com cores

negras a sua maquiagem. De

cocar e uma pintura que lembra

o conjunto Secos e Molhados

ou a banda gringa Kiss, uma

mulher, já adulta e com os seios à

mostra, deixa-se fotografar, sem

temer perder a alma (superstição

antiga?) ou o assédio do homem

branco. Na rede e em palhas

espalhadas pelo chão, uma

família descansa após um dia de

caça, enquanto em outra foto,

um caçador traz nas costas um

92


Fotos: Matheus Jose Maria

macaco, iguaria apreciada por

toda a tribo. Os índios Korubo

estão armados para enfrentar os

invasores, com bordunas, lanças

e zarabatanas, o corpo coberto

de barro, do qual origina o nome

na língua Pano (a mesma dos

vizinhos Morubo, Matsés e Matis).

Algumas fotos são posadas,

feitas num estúdio móvel forrado

de lona, que o fotógrafo deixava

montado à espera da presença

espontânea de seus personagens.

Sebastião Salgado registram os

hábitos e costumes de povos da

Amazônia, com foco especial nos

Korubo, Marubo, Yanomami,

Yanawá, Suruwhá, Zo’é, Awa-

Guajá, Macuxi e Asháninka. Se

em 1500 eram cerca de cinco

milhões indivíduos, hoje não

passam de 370 mil, divididos

em 188 grupos indígenas –

114 identificados, mas nunca

contatados.

São cerca de 200 fotos

selecionadas, resultante de sete

anos de expedições – por terra,

água e ar - e experiências com

os povos da floresta. A paisagem

humana divide a atenção e se

confunde com a paisagem natural

amazônica, revelam como nós

somos ínfimos diante do esplendor

de uma sumaúma secular, de copa

invisível.

A plasticidade que Sebastião

Salgado imprime em suas

imagens é comovente. A

primeira imagem, logo à entrada,

causa impacto, remete a uma

pintura gestual abstrata, com o

serpenteio das curvas do rio. A

geografia das águas cria imagens

de balé, os sobrevoos revelam

composições cheias de harmonia

da copa das árvores, das lagoas,

cachoeiras e relevos. A chuva

torrencial nos leva ao coração

das trevas. É inevitável a fotocartão-postal

do Monte Roraima.

Se em alguns momentos, poucos,

Sebastião Salgado registra o

detalhe, em outros, quando

fotografa a chuva, por exemplo,

cria imagens impressionistas, de

um pontilhismo belo. Entre os

momentos mais impressionantes

estão “rios aéreos”, “mais

volumosos que o rio Amazonas”,

formados pelo sistema de

umidade das árvores de uma

floresta encoberta de nuvens, que

filtram os raios do sol com poesia.

A Amazônia clama por socorro

urgente. Sebastião Salgado

sabe disso. Você sabe disso. Ou

já ouviu alguém falar. Mas o

“Brasil não conhece o Brasil”,

diz a canção de Aldir Blanc

e Maurício Tapajós. Para a

maioria da população a maior

floresta tropical do mundo é tão

impenetrável quanto misteriosa

e exótica. O que não impede

que a cada ano seja mais e mais

destruída, degradada pelas suas

bordas pela ação devastadora

e irracional de gananciosos

grileiros e garimpeiros que a

devastam para expropriar suas

riquezas, através da violência

93


O que parece ser lago

é apenas um grande

remanso cercado de

ilhas que o separam do

curso principal do rio

Negro. Com a variação

do nível da água do

rio entre o inverno e

o verão, ilhas inteiras

podem desaparecer

na cheia e reaparecer

na seca, ou mesmo

desaparecer para

sempre, com suas

areias agregando-se

a uma outra ilha mais

adiante. Os contornos

das ilhas podem

mudar com frequência.

Parque Nacional de

Anavilhanas. Estado do

Amazonas, 2009.

94


95


de suas ações que ameaçam de

extermínio o seu bioma e os povos

originários, que por séculos vivem

seguindo os costumes de suas

tradições.

Não se vê motosserras que ceifam

árvores centenárias e abrem

crateras que se tornaram desertos,

após esgotadas pela pecuária e o

plantio de soja e milho, crateras

feitas por garimpeiros que

poluem os rios com mercúrio.

Estas imagens-denúncias estão

saturadas nos noticiários de TV e

na internet. Sebastião e Lélia têm

profundo conhecimento dessas

ameaças. E dão o lugar de fala

aos caciques e lideranças dos

povos da Amazônia para fazer

as denúncias e as reivindicações

contra as agressões do homem

(branco) civilizado, nos vídeos,

exibidos nas ocas. Duas salas

projetam as imagens – uma com

a paisagem humana, os portraits

eckhoutianos ao som de uma

composição de Rodolfo Stroeter,

e a outra com as “paisagens

florestais”, musicadas pelo poema

sinfônico Erosão – Origem do Rio

Amaronas, do maior compositor

brasileiro, Heitor Villa-Lobos. São

impressões que ficam introjetadas

na nossa memória e devem

perdurar para sempre.

SERVIÇO:

“Amazônia” - Sebastião Salgado

Curadoria e cenografia:

Lélia Wanick Salgado

De 15 de fevereiro

a 31 de julho de 2022

Terça a sábado, 10h às 21h,

domingo e feriado, das 10h às 18h

Área de Convivência

Gratuito. Livre

Sesc Pompeia – Rua Clélia, 93.

Protocolos de segurança

Pessoas com mais de 12 anos deverão

apresentar comprovante de vacinação

contra COVID-19, evidenciando DUAS

doses ou dose única para ingressar em

todas as unidades do Sesc no estado

de São Paulo. O comprovante pode ser

físico (carteirinha de vacinação) ou

digital e um documento com foto.

O uso da máscara é obrigatório

durante toda sua permanência na

Unidade.

Foto: Matheus Jose Maria

96


97


audiodescrição

audiodescrição

em fotojornalismo

por Liliana Tavares


“A fotografia não é para ilustrar

um texto. Em certas situações, é o

único registro do fato, sem precisar

de palavras”, disse Dida Sampaio,

que nos deixou em fevereiro.

Para as pessoas cegas ou com

baixa visão também guardarem

na memória o registro de uma

fotografia marcante, é preciso fazer

o caminho inverso, traduzir em

palavras a imagem por meio da

audiodescrição.

Hoje em dia, a maioria dos jornais

on-line tem uma faixa de áudio

lida por voz sintetizada que deixa

o texto acessível. Outras vezes, o

leitor de tela tem acesso ao texto,

Fotografia em preto e branco, na

horizontal, de uma multidão compacta

vista do alto. No canto superior

esquerdo, em uma faixa, “Abaixo a

ditadura. Povo no Poder”. A faixa, de

tecido branco, escrita à mão em letras

de forma arredondadas, está erguida

por duas varas altas. As pessoas

estão aglomeradas de frente para nós.

Algumas usam terno, outras roupas

de gola alta. A maioria é jovem e está

séria.

Passeata dos Cem Mil,

Cinelândia, Rio de Janeiro, 1968.

Evandro Teixeira/acervo IMS

mas a imagem ainda é invisível.

A fotografia nem costuma ser

referenciada em uma matéria

impressa. Ela é coadjuvante.

Muitas vezes nem tem legenda,

somente os créditos do fotógrafo.

Tornar acessíveis fotos em jornal

é algo simples de resolver: é

só colocar um botão de áudio,

semelhante àquele do texto para

a leitura da matéria. Assim

como os jornais contratam

fotógrafos, deveriam contratar um

audiodescritor para traduzir as

fotos.

Neste exercício, em homenagem

a Evandro Teixeira, descrevemos

uma foto que foi publicada no

Jornal do Brasil, em junho de

1968. O que ela nos fala?

Olhem a multidão, quieta, séria.

Olhem as pessoas, jovens, algumas

com roupa de frio. Olhem a faixa. É

um protesto.

Infelizmente, não tivemos acesso ao

texto dessa matéria para saber se

ele fazia menção à foto. Mas, muito

provavelmente, apenas por meio da

audiodescrição, como essa que você

pode ouvir na faixa abaixo, seria

possível o acesso à imagem por uma

pessoa com deficiência visual.

Assim como a fotografia, a

audiodescrição registra fatos,

marca eventos, eterniza instantes,

revela sutilezas, denuncia atos,

noticia, informa.

99


aconteceu

AGOSTO

Premiação do Expocom

O semestre de 2021.2 começou com

estudantes do curso de Fotografia vitoriosos

na premiação do Expocom, do congresso

Intercom Regiões. Seguindo a tradição,

nossos alunos e alunas venceram prêmios

sendo dois na categoria Transdisciplinar e

um na categoria de Cinema e Audiovisual. O

sentimento de reconhecimento está presente

em todos que fazem o curso de Fotografia

por mais esta conquista no mais importante

congresso de Comunicação do Brasil.

Abertura do semestre 2021.2

Uma programação especial entre os dias 16,

17, 18 e 19 de agosto marcou a abertura do

semestre passado. O evento, que aconteceu

de modo remoto e aberto ao público no

canal do YouTube FotoUnicap debateu

temas como “Fotografia e Arte Latino-

Americana”, “Construindo as Imagens de

um Filme” e “A Impermeabilidade e o Afeto”.

Na ocasião, também foram lançadas a 17ª

edição da revista Unicaphoto e a exposição

interdisciplinar realizada com trabalhos

produzidos pelos estudantes em 2021.1.

O evento reservou o dia 19 de agosto para

comemorar o Dia Mundial da Fotografia.

Homenagem

A programação da abertura do semestre

2021.2 também prestou homenagem ao

nosso querido ex-aluno Márcio Novellino, que

faleceu por complicações da COVID-19.

SETEMBRO

Bate-papo com Clarice Marinho

O dia 20 de setembro foi marcado por um

bate-papo com a professora Clarice Marinho

sobre o tema “Propriedade intelectual”.

Estreia

O filme “Vênus de Nyke”, dirigido pelo

professor André Antônio, do coletivo

pernambucano Surto & Deslumbramento, foi

lançado e exibido no FICValdivia, no Chile, um

dos festivais de cinema mais prestigiados da

América Latina.

Aula prática

Os alunos do 4º módulo do curso de

Fotografia participaram de uma importante

aula prática da disciplina Captura de Vídeo

em HDSLR e Edição, com o professor Filipe

Falcão. O encontro foi organizado respeitando

todos os cuidados e protocolos sanitários.

No encontro, os alunos e alunas realizaram

atividades práticas de captura de imagem

utilizando como cenário o jardim do bloco G

da universidade. Além do trabalho acadêmico,

a aula também foi um momento de reencontro

entre os alunos.

OUTUBRO

Pibic sobre o cinema pernambucano

A noite de 28 de outubro foi de troca de

conhecimento nas apresentações dos

trabalhos de Pibic desenvolvidos pelos

alunos/as de Fotografia. O professor André

Antônio trabalhou o tema “Encenações

Experimentais no Audiovisual Contemporâneo

Pernambucano” com Arylanna Kelly Gomes

Santos e Hugo Henrique de Lima dos Santos.

Já o professor Filipe Falcão acompanhou

100


Amanda Luz Chaves, Angélica da Silva da

Costa (do curso de Jornalismo) e Sidney

Rocha em trabalhos sobre “Direção de

Fotografia no Cinema Pernambucano”. O

professor João Guilherme Peixoto orientou

Rosália Cristina de França e Johnatta

Vitor Silva Marinho em pesquisas sobre

“Fotojornalismo”. O professor Paulo Souza

trabalhou “Estilo e Gênero nas Obras de

Kleber Mendonça” com as alunas do curso de

Jornalismo Ana Carolina Nunes e Ana Luiza

Duarte.

12 de Outubro

Em homenagem ao Dia das Crianças, o curso

de Fotografia fez uma ação com a ONG Casa

de Maria fotografando as crianças com suas

famílias e depois as presenteando com as

fotografias impressas e emolduradas.

NOVEMBRO

Fotografia Documental Revisitada

A professora, produtora e pesquisadora

Ludmilla Carvalho realizou uma aula sobre

“Fotografia Documental Revisitada”. Ludmilla

é professora do MBA Cultura Visual.

10º FotoVídeo

Os dias 03, 04 e 05 de novembro foram

marcados pela décima edição do FotoVídeo,

evento já consolidado e tão esperado na

programação anual do curso de Fotografia.

Oito oficinas foram oferecidas nessa edição,

todas de grande importância no universo

da imagem e ministradas por profissionais

já consolidados no mercado, contudo as de

“Fotografia de Gastronomia”, “Iluminação

Criativa”, “Arte e Fotografia” e “Ensaio Infantil”

se destacaram pelo número de inscrições. O

FotoVídeo também realizou a sua tradicional

Mostra de Curtas Universitários recebendo

trabalhos de instituições de ensino de todo o

país. Todo o evento foi transmitido pelo canal

do curso no Youtube.

Visita de pré-vestibulandos

A Universidade Católica de Pernambuco

realizou a Semana de Comunicação para

receber pré-vestibulandos durante visita

pelo campus. Na ocasião, os estudantes

de ensino médio tiveram a experiência de

serem fotografados no estúdio do curso

de Fotografia. Eles também conheceram o

laboratório de revelação química, onde são

realizados os processos analógicos. Todos

levaram uma lembrança fotográfica.

1º Concurso de Fotografia SOS Oceanos

O Curso de Fotografia da Unicap realizou o

Concurso SOS Oceanos c como alerta para os

cuidados com os nossos mares. A premiação

consistia em duas categorias. A primeira

foi avaliada por um júri técnico composto

pelos professores Renata Victor, Paulo Souza

e Ricardo Gomes. Já a segunda categoria

foi apreciada pelo júri popular através da

quantidade de curtidas na página do curso no

Facebook.

Para o júri técnico, Douglas Fagner e Cláudia

Costa da Fonte foram os vencedores com

as fotos “E esse óleo de onde vem e para

onde vai” e “Sobrevida” respectivamente. Já

para o júri popular, o vencedor foi Gerlando

Rodrigues Lima com a foto “O outro lado do

oceano”.

101


Resultado do 2º Concurso da

Consciência Negra

Em homenagem ao mês da Consciência

Negra, o curso de Fotografia da Unicap

realizou pela segunda vez um concurso

para premiar as melhores fotos sobre

o tema. A premiação consistia em duas

categorias. A primeira foi avaliada

pelo júri técnico composto por Clóvis

Cabral, Priscilla Maria Melo do Carmo

e Valdenice José Raimundo. A segunda

categoria foi apreciada pelo júri popular

através da quantidade de curtidas na

página do curso no Facebook.

Para a categoria avaliada pelo júri

técnico, Clara Maria Batista venceu

com a fotografia “Resistir”. Já para o júri

popular, a fotografia “A divindade negra”,

de Thiago Paixão, foi a vencedora.

102


103


1º Concurso de Fotografia SOS Oceanos

O Curso de Fotografia da Unicap realizou o

Concurso SOS Oceanos c como alerta para

os cuidados com os nossos mares. Para

o júri técnico, Douglas Fagner e Cláudia

Costa da Fonte foram os vencedores com

as fotos “E esse óleo de onde vem e para

onde vai” (Foto acima, na página ao lado) e

“Sobrevida” (foto acima) respectivamente.

Já para o júri popular, o vencedor foi

Gerlando Rodrigues Lima com a foto “O

outro lado do oceano” (Foto abaixo,

na página ao lado)

104



DEZEMBRO

Exposição de conclusão e confraternização

O dia 11 de dezembro representou um

importante momento para comemoração

de uma etapa na vida dos novos fotógrafos

e fotógrafas com a conclusão de mais uma

turma. A festa de formatura aconteceu junto

com uma exposição dos melhores trabalhos

produzidos pelos alunos e alunas. O evento

foi realizado no Museu da Cidade do Recife.

Foto: Adelson Alves

106


Aluno concluinte teve projeto

selecionado na Funarte

Recém-formado do nosso

curso, Arnaldo Sete teve seu

projeto “Os Caretas de Triunfo”

selecionado no XVI Prêmio

Funarte Marc Ferrez de

Fotografia.

Foto: Adelson Alves Foto: Rômulo Chico

JANEIRO

Oficina de pinhole para grupo de Fotografia

O Curso de Fotografia Unicap recebeu um

grupo de fotógrafos de Caruaru intitulado

Olhares do Agreste (@olharesdoagreste)

e eles puderam ter uma experiência de

captura de imagens, empregando a técnica

de pinhole, que envolve fotos feitas com

latinhas. Todos ficaram encantados com a

vivência.

Documentário sobre o bairro de Beberibe

O Núcleo de Ações de Extensão Social

do curso de Fotografia produziu um

documentário sobre o bairro de Beberibe,

localizado na divisa entre Recife e Olinda.

O projeto foi dirigido pelo professor Filipe

Falcão e teve como objetivo valorizar

o bairro que possui uma história tão

importante para Pernambuco e o Brasil.

Foi em Beberibe que aconteceu, em 1821,

o evento conhecido como Convenção de

Beberibe, um movimento armado que

culminou com a expulsão dos exércitos

portugueses de Pernambuco. Os

conflitos marcam o início da Guerra da

Independência do Brasil.

FEVEREIRO

Tutorial de filmagem com celular

O Núcleo de Ações de Extensão Social do

curso de Fotografia continuou a parceria

com o bairro de Beberibe realizando um

tutorial de filmagem com dispositivos

móveis para jovens da comunidade. O

material foi produzido pelo professor Filipe

Falcão.

Carnavais saudosos

O concurso de fotografia de carnaval de

2022 teve como tema “Carnavais Saudosos

de Pernambuco”. Como a festa momesca foi

proibida este ano em função da Covid-19,

o objetivo do concurso foi de escolher as

melhores fotos produzidas de carnavais

antigos.

Começo do semestre de 2022.2

O evento “Encontro com a Fotografia”

aconteceu nos dias 16, 17, 18 e 19

de fevereiro e marcou a abertura do

1º semestre de 2022. A programação

contou com importantes profissionais da

área como Pedro Neves, que apresentou

o tema “Fotografia de Moda: uma pequena

introdução”; Yuri Serodio, com o tema

“Fotografia Arte”; Dirceu Marroquim, com o

tema “Para ver culturas”; Paloma Arquino,

com o tema “GraviDeusa”; Alan Campos,

com o tema “Imagem e História”; André

Penteado, com o tema “O suicídio de meu

pai” e “Não Estou Sozinho” e Danilo Galvão,

com o tema “Fricções visuais e outras

inquietações”.

Além das lives, o evento também promoveu

as oficinas “Cianotipia: um processo

fotográfico alternativo” e “Dramaturgia da

imagem” realizadas por Douglas Fagner e

Danilo Galvão, respectivamente. As oficinas

aconteceram de modo presencial na Unicap.

107


108


2021. Unicaphoto chega à sua 18 a edição. À maioridade.

Em tempo de ver embarcarem muitos & muitas pelos portões

da fotografia. Bem-vindos novos & novas tripulantes.

Para existir o futuro é preciso termos sonhado antes com ele,

já disseram. Que seja boa sua viagem.

Para quem não sabe, o crepúsculo ocorre ao fim do dia,

mas também ao começo. No crepúsculo, pilotos e navegantes

conferem onde estão em relação à posição do Sol no horizonte.

E seguem. Esses crepúsculos do recém-chegado aluno Pedro

Augusto servem para nos dar essa ideia de partida.

De embarque. Rumo ao sonho do futuro.

109


o

ensaio

pictorialismo

contemporâneo

por José Arthur Nóbrega de Pontes


“Com o surgimento

da pandemia,

a aceleração

dos processos

automatizados,

as redes sociais

e o metaverso, a

fotografia pré-

-industrialização,

de certa forma,

funciona como

uma resistência.”

A técnica remete ao fazer, a

tecnologia remete a automação.

Na fotografia experimental

praticada pelos Pictorialistas no

século XIX, geralmente tudo é

muito lento e imprevisível, há

um ritual no fazer da fotografia,

difícil de se repetir, ou seja,

tudo que a fotografia comercial

do século XXI não permite que

os fotógrafos sejam. No mundo

da fotografia experimental do

séc XIX a automação não tem

espaço, há uma maior participação

do artista, como num ritual, os

processos não são automáticos.

Na fotografia Pictorialista não

há a preocupação em fazer fotos

realistas, ou acelerar a produção

automatizando processos.

“O neopictorialismo surge

como um pictorialismo

contemporâneo, propagando

parte das características

de seu homólogo do século

XIX, como valor ao estatuto

de arte, subjetividade do

fotógrafo, a utilização de

processos manuais e artesanais

como a reapropriação de

técnicas fotográficas antigas”.

(Capeletti, p 285, 2015).

Com esse ensaio, gostaria de

refletir sobre a automatização

dos processos fotográficos e

como a reprodutibilidade da

fotografia pode interferir sobre

sua autenticidade. (obs: todas

as fotografias neste documento

possuem uma versão anexa em

alta resolução em 150dpi)

Walter Benjamin (1892), em seu

livro A Obra de Arte na Era de

Sua Reprodutibilidade Técnica

(1936), fala da automação da

arte reproduzida a nível industrial

por não artistas, e reflete sobre

como a reprodução em massa gera

uma arte mais acessível, porém

sua autenticidade não poderia ser

copiada.. “A totalidade do campo

da autenticidade mantém-se alheia

Cianotipia. Papel

Canson A5, 300g.

(14,8 x 21,0 cm)

à reprodutibilidade" (BENJAMIN,

1936, p24.). Com a modernização

da fotografia e automação dos

processos, a capacidade de

reprodutibilidade cresce. São com

as fotografias feitas anteriormente

a essa produção em massa que

minhas fotografias dialogam.

Os Pictorialistas negavam a

industrialização da fotografia no

século XIX, procuravam agregar

à fotografia qualidades que eram

dadas às artes convencionais,

numa tentativa de trazer para o

trabalho qualidades atribuídas

apenas a modos artísticos mais

convencionais.

As reproduções de obras podem

copiar com perfeição todas as

suas características, menos a sua

autenticidade. Com o surgimento

da pandemia, a aceleração dos

processos automatizados, as

redes sociais e o metaverso, a

fotografia pré-industrialização

de certa forma funciona como

uma resistência ou uma reflexão,

a toda automação e reprodução

111


Cianotipia e albumina.

Papel Canson A5, 300g.

(14,8 x 21,0 cm)

nas artes feitas em massa ,

por máquinas. “Na medida

que a era da reprodutibilidade

técnica desprendia a arte de seu

fundamento cultual, apagou-se

para sempre a sua aparência e

autonomia.”(BENJAMIM, p 53,

1936).

A fotografia pictorialista (image,

painting, photography), surgiu

a partir da década de 1890,

despertando fotógrafos que

buscavam produzir aquilo que

eles chamavam "fotografia

artística", com características

de gravura. Era uma tentativa

de trazer para a fotografia,

o prestígio e o respeito dado

aos praticantes dos processos

artísticos convencionais, por isso,

alguns falam que “o movimento

pictorialista foi uma reação à

industrialização da fotografia.”

Cianotipia A5, 300g.

(14,8 x 21,0 cm)

A cianotipia é um processo

de impressão fotográfica do

século XIX.. Sua característica

principal é o azul Prússia e a

facilidade com que é feita. Entre

as pioneiras da técnica está Anna

Atkins (1799), que era botânica

e fez o primeiro livro do mundo

realizado através de um processo

fotográfico, Photographs of

British Algae (1843).

As fotografias aqui apresentadas

utilizam técnicas sem depender

de muita tecnologia de ponta,

com o mínimo de automação do

século XXI. Gomas bicromatadas

e cianotipias, feitas em casa,

numa tentativa de resgatar

o Pictorialismo e adaptá-lo

para o século XXI de forma

experimental.

Todas as fotos sobre papel de

aquarela 300g e 600g. (14,8

x 21,0 cm) . No caso da goma

bicromatada utilizo pigmentos

de aquarela, passando por um

processo para deixá-los sensíveis

à luz. Todos os registros foram

Goma bicromatada

monocromática. Dupla

exposição A5, 300g. (14,8 x

21,0 cm)

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Goma bicromatada

monocromática sobre

cianotipia.

Dupla exposição A5, 300g.

(14,8 x 21,0 cm)

113


Goma

bicromatada

colorida, 4

camadas CMYK,

A5, 300g. (14,8 x

21 cm)

feitos com lentes 50mm com

exceção da fotografia

que é um fotograma. As

fotografias são feitas inicialmente

com uma câmera digital

ou analógica, em seguida é

preparado um negativo analógico

das fotos. Em seguida um novo

negativo é preparado para que

seja transferido para o papel.

Seja na goma bicromatada, ou na

cianotipia, a presença da câmera

nem sempre é necessária, como

podemos ver na foto 1, que é um

fotograma de uma vegetação,

feito sem a utilização de câmeras.

Meu trabalho funciona como uma

negação ao frenesi tecnológico

do século XXI, metaverso e

automação dos processos. Para

se fazer fotografia como no

século XIX, ou experimental, é

preciso estar de corpo presente,

nada é automatizado, nada é

online, não existem botões, nem

plugins com filtros milagrosos.

O fotógrafo é sempre presente,

como num ritual. Ao contrário

do mundo digital e online, onde

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tudo é rápido e possui resoluções

práticas, quando você começa

a fazer processos fotográficos

do século XIX em casa, nada é

fácil. Não há uma loja ou uma

página com filtros para download.

Nada está pronto ou disponível

quando o assunto é fotografia pré

industrialização. A um ritual no

fazer, na não automação, com

o artista se fazendo presente

em cada passo para se obter

uma imagem, desde as receitas

de revelação, os químicos , até

pigmentos, os materiais, tudo é

desenvolvido por quem executa,

dando assim para a fotografia o

tratamento dado às formas de

artes mais convencionais. Não

há um processo automatizado

para que outros possam repetir

exatamente igual. Há, sim,

um ritual fotográfico, onde a

autenticidade da arte é um ponto

de reflexão. O Pictorialismo aqui

funciona como uma negação à

industrialização das artes, como

uma negação à automatização do

processo.

FICHA TÉCNICA

Lente Canon 50mm.

Câmeras Canon EOS.

Papel Canson 300g A5 (14,8 x 21).

Papel Canson 600g A5 (14,8 x 21).

Pigmentos de aquarela.

Fonte de Luz UV

REFERÊNCIAS

ATKINS, Anna. Photographs of British

Algae. Reino Unido (Kent), 1842. ISBN 13:

9783958295100

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na

época de sua reprodutibilidade Técnica.

Alemanha (Frankfurt), 1936. ISBN-13: 978-

8525428844

CAPELETTI, Mariana. Novo pictorialismo

na fotografia brasileira, Brasil (Goiás), PUC.

ISSN 2316-6479 I DE JESUS, S. (Org). Anais

do VIII Seminário Nacional de Pesquisa em

Arte e Cultura Visual: arquivos, memórias e

afetos . Goiânia, GO: UFG/ Núcleo Editorial

FAV, 2015.


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