Revista Dr Plinio 143
Fevereiro de 2010
Fevereiro de 2010
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Publicação Mensal Ano XIII - Nº <strong>143</strong> Fevereiro de 2010<br />
Ardoroso devoto<br />
da Eucaristia
Apostolado e sacrifício,<br />
ações inseparáveis<br />
Por que razão Nossa Senhora quis a morte<br />
precoce de Jacinta e Francisco, videntes de<br />
Fátima?<br />
Em geral, quando se trata da salvação dos homens, é<br />
necessário haver vítimas que se associem à intervenção<br />
de Deus com o sacrifício de suas vidas.<br />
Isto é especialmente frisante no que diz respeito<br />
às aparições de Fátima: trata-se de uma intervenção<br />
direta da Santíssima Virgem — atestada por milagres<br />
estupendos como, por exemplo, a rotação do Sol — com a<br />
transmissão de uma das mais importantes mensagens de<br />
Nossa Senhora aos homens ao longo de toda a História.<br />
Pois bem, nesta ocasião Maria Santíssima quis<br />
a imolação de duas almas, as quais se ofereceram<br />
na intenção do pleno cumprimento dos planos da<br />
Providência.<br />
Este oferecimento nos atesta como o sofrimento é<br />
insubstituível e como ele abre, verdadeiramente, os<br />
caminhos para a Igreja.<br />
(Extraído de conferência de 19/2/1965)<br />
2
Sumário<br />
Publicação Mensal Ano XIII - Nº <strong>143</strong> Fevereiro de 2010<br />
Ano XIII - Nº <strong>143</strong> Fevereiro de 2010<br />
Ardoroso devoto<br />
da Eucaristia<br />
Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
assiste uma procissão<br />
do Santíssimo<br />
Sacramento.<br />
Foto: J.S.Dias.<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
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Editorial<br />
4 Ardoroso<br />
devoto da Eucaristia<br />
Datas na vida de um cruzado<br />
5 3 de fevereiro de 1975<br />
Um oferecimento aceito por Deus<br />
Dona Lucilia<br />
6 Sumamente tranquila,<br />
sumamente vigilante<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
10 De graça recebestes...<br />
As metáforas de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
14 Divina visita<br />
Ardoroso devoto da Eucaristia<br />
16 Mane nobiscum Domine<br />
O Santo do mês<br />
20 2 de fevereiro:<br />
Nossa Senhora do Bom Sucesso<br />
A sociedade, analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
24 Alguns lutam por um ideal.<br />
Outros... por uma vida gostosa.<br />
Apóstolo do pulchrum<br />
30 Lição das flores<br />
Última página<br />
36 Minha mãe, dizei por mim!<br />
3
Editorial<br />
C<br />
Ardoroso<br />
devoto da Eucaristia<br />
omo haveria de se realizar a promessa feita por Nosso Senhor Jesus Cristo: “Estarei convosco<br />
até a consumação dos séculos”?<br />
Explica-nos a Teologia que a continuidade da presença de Jesus entre os homens, após sua partida<br />
para o Pai Eterno, realiza-se também através do Santíssimo Sacramento. Nele encontramos, à nossa<br />
inteira disposição, Aquele mesmo Jesus que andou sobre as águas do lago de Genezaré, que dava vista<br />
aos cegos e curava os leprosos, e que nos trouxe a salvação.<br />
Jesus não poderia conceder-nos, através da Eucaristia, os mesmos dons dispensados outrora em<br />
sua vida terrena? Ou cumular-nos daquelas mesmas consolações que proporcionava aos que estavam<br />
em sua proximidade?<br />
***<br />
A Eucaristia é um dos pilares da piedade pliniana. Ao longo de sua vida, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> sempre manifestou<br />
a profunda devoção que nutria para com Jesus Eucarístico. De suas conferências — ou até das<br />
simples conversas que tivera com seus mais próximos colaboradores — podem-se tirar valiosos princípios,<br />
como também encontrar ricas considerações teológicas acerca de tão elevado tema.<br />
Por esta razão, a revista <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> inicia neste mês a seção “Ardoroso devoto da Eucaristia”, na qual<br />
poderá o leitor beneficiar-se deste piedoso acervo de explicitações e obter respostas às questões que,<br />
no decorrer da vida cristã, não poucas vezes surgem à nossa alma:<br />
“Qual deve ser nossa atitude diante da Sagrada Eucaristia?<br />
“Esta é uma pergunta que respondo com outra: Que atitude tomaríamos se, de repente, Nosso Senhor<br />
aparecesse pessoalmente a um de nós? Compreender-se-ia outra reação que não fosse a prostração<br />
diante d’Ele em sinal de adoração?<br />
“Ora, Cristo está tão presente na Eucaristia quanto estava, em sua existência terrena, andando pelas<br />
cidades da Terra Santa.<br />
“Alguém poderia objetar: ‘Não tem dúvida, mas seria uma graça muito maior vê-Lo fisicamente<br />
com os olhos, do que adorá-Lo na Sagrada Hóstia.’ A este eu respondo o seguinte: Por mais espantoso<br />
que possa parecer, eu não concordo! Vê-Lo fisicamente é uma dádiva enorme, mas exprimir nossa<br />
Fé, crendo em sua presença sem O ver, e assim amá-Lo como se O víssemos, é atrair para si a bemaventurança<br />
anunciada a São Tomé: ‘Bem-aventurados os que não viram mas creram.’ 1<br />
“Terminada a Santa Missa, as partículas nela consagradas que não foram consumidas pelos fiéis<br />
são guardadas no sacrário, e Nosso Senhor lá permanece. Todos saem da igreja, ela é fechada, as horas<br />
passam, a noite vai avançada. A lamparina tilinta e o seu estalo faz eco no edifício sagrado. A capela<br />
está na solidão completa, porém, Ele está ali à espera de que alguém vá adorá-Lo.<br />
“Eu sou cristão. E cristão é aquele que reconhece em Jesus Cristo o Homem-Deus, que nos redimiu<br />
e nos salvou e por cujas graças nós podemos chegar até o Céu.<br />
“Mas esse Deus não está apenas no Céu, a uma grande distância de mim. Ele está aqui perto. Como<br />
posso eu não fazer da Sagrada Eucaristia o tema central da minha piedade?”<br />
1) Jo. 20, 29<br />
(Extraído de conferências de 3/4/1969, 28/4/1973 e 21/9/1991)<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Datas na vida de um cruzado<br />
3 de fevereiro de 1975<br />
Um oferecimento<br />
aceito por Deus<br />
As grandes realizações sobrenaturais são<br />
frutos de grandes sofrimentos. Ao longo<br />
da História pululam os fatos que no-lo<br />
demonstram.<br />
Entre muitos, tomemos o exemplo por excelência:<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo no cimo do<br />
Calvário, pregado a uma Cruz, escarnecido, mal<br />
tratado, Homem de dores acostumado ao sofrimento.<br />
Porém, com este doloroso ato, comprou<br />
nossa redenção, apagando os efeitos da culpa<br />
original.<br />
É bem verdade que — se o próprio Deus feito<br />
Homem passou pela Paixão e imolou-se na Cruz,<br />
a fim de obter a vitória sobre o pecado e a morte<br />
— também o homem que se ponha a militar nas<br />
fileiras de Jesus Cristo, deve, sem pesar nem tristeza,<br />
cheio de garbo e decisão, preparar-se para os<br />
sofrimentos que lhe hão de vir.<br />
Não foi diverso o que se passou com Doutor<br />
<strong>Plinio</strong>. Notando ser necessário algum sacrifício<br />
particular, para que seu apostolado desse frutos<br />
agradáveis à Santa Igreja, logo se dispôs espiritualmente<br />
a receber os sofrimentos que fossem da vontade<br />
de Deus. E em 3 de Fevereiro de 1975, dois<br />
dias após haver feito tal oferecimento,foi vítima de<br />
um grave desastre de automóvel:<br />
Para que nosso Movimento fosse adiante, era<br />
necessário um sacrifício que conquistasse graças<br />
diante de Deus. Eu pensei: “Não posso oferecer<br />
minha vida, porque sei que Nossa Senhora não<br />
quereria isto, mas posso oferecer qualquer outra<br />
coisa que Ela queira me fazer sofrer.”<br />
Dois ou três dias depois, eu partia para uma<br />
sede nossa, na cidade de Amparo, interior de<br />
São Paulo. Antes desta viagem, eu atendi a um<br />
membro de nosso Movimento e saí da conversa<br />
com muito mal-estar, não pelo que tínhamos<br />
conversado, mas por um imponderável que<br />
sentia no ar — não me lembrava do oferecimento<br />
que havia feito. Tive a seguinte impressão:<br />
“Se eu viajar no banco da frente, vou acabar<br />
dormindo e assim, caso aconteça um acidente,<br />
vou escangalhar-me num desastre de automóvel<br />
sem dar-me conta. Seria melhor viajar<br />
atrás para vigiar melhor.” Mas concluí: “Não se<br />
deve dar atenção a esses pressentimentos; eu<br />
vou na frente.” E dormi, acordando no hospital<br />
de Jundiaí...<br />
Alguém que estava comigo no carro, no banco<br />
de trás, disse-me que eu acordei na hora do<br />
choque, vi o carro da frente derrapando de um<br />
lado para o outro e perguntei: “O que é isso? É<br />
com nosso carro?”<br />
Eu havia sofrido um desastre de automóvel<br />
gravíssimo, estava com dificuldade de raciocinar<br />
— minha cabeça levara um trauma horroroso<br />
—, não sabia o que tinha me acontecido.<br />
Lembro-me que, estando no hospital, confusamente<br />
eu emergia do subconsciente para<br />
o consciente, e percebia, por momentos, gotas<br />
claras e grandes de realidade, de um lado; mas,<br />
de outro, gotas fugidias que rolavam pelo abismo<br />
das circunstâncias pré-operatórias e pósoperatórias.<br />
Nos momentos de consciência eu percebia —<br />
por todas as condições de meu corpo — que eu<br />
talvez imergisse no subconsciente logo mais, e<br />
que assim seriam as coisas indefinidamente, enquanto<br />
Nossa Senhora dispusesse.<br />
A Providência havia aceito meu oferecimento.<br />
(Extraído de conferências de 29/9/1980,<br />
6/2/1982 e 25/4/1992 )<br />
5
Dona Lucilia<br />
Sumamente tranquila,<br />
sumamente vigilante<br />
Há quem confunda bondade com ingenuidade. Este é um equívoco<br />
não cometido por Dona Lucilia. Extremamente bondosa e afetuosa, ela<br />
formou seus filhos na mais intransigente escola da vigilância.<br />
Q<br />
ual foi a impressão causada<br />
por Dona Lucilia, em<br />
meu interior, durante toda<br />
a vida?<br />
O amor materno<br />
Recordando os mais antigos fatos<br />
da infância, momentos onde o<br />
filho começa a deter-se atenciosamente<br />
em sua mãe e tomar consciência<br />
de que ela possui uma relação<br />
especial com ele, lembro-me de<br />
me sentir envolvido pelo trato materno.<br />
Era uma impressão forte, doce,<br />
estável e cheia de luz. Dona Lucilia<br />
era sumamente tranquila, sem, entretanto<br />
deixar de ser íntegra e intransigente.<br />
Embora sofresse muito durante a<br />
vida, mamãe possuía uma paz decorrente<br />
da convicção de que estava vivendo<br />
e sofrendo como devia, e que<br />
o caminho trilhado por ela era o desejado<br />
por Deus. Este estado de alma<br />
proporcionava a ela uma enor-<br />
Fotos: Arquivo revista / S. Miyazaki<br />
6
me tranquilidade de consciência. Isso<br />
explica o fato de ela não se agitar<br />
com coisa alguma.<br />
Por outro lado, Dona Lucilia<br />
não tolerava o menor mal. Em<br />
qualquer circunstância ela exigia<br />
que as coisas fossem inteiramente<br />
bem feitas. Nunca considerando<br />
o mal pelo seu lado mais divertido<br />
ou engraçado, ela não tolerava<br />
de nenhuma forma as coisas ruins.<br />
Isto dava a mamãe um bonito aspecto<br />
de alma pelo qual nunca a vi<br />
mentir, ou procurar fazer um sofisma,<br />
enganando alguém. Dizia a todos<br />
a verdade como era, cumprindo<br />
seu dever até onde necessário.<br />
Isso se dava, sobretudo, em relação<br />
aos filhos.<br />
Nessa eu posso confiar!<br />
Eu nasci muito fraco, e por isso,<br />
quando pequeno, Dona Lucilia<br />
cuidou de minha saúde o quanto<br />
pôde.<br />
Devido a minha frágil saúde, eu<br />
tinha muita dificuldade em dormir à<br />
noite. Então, acordava e via o quar-<br />
Embora sofresse<br />
muito durante<br />
a vida, mamãe<br />
possuía uma paz<br />
decorrente da<br />
convicção de que<br />
estava vivendo<br />
e sofrendo como<br />
devia, e que o<br />
caminho trilhado<br />
por ela era o<br />
desejado por<br />
Deus.<br />
7
Dona Lucilia<br />
to todo escuro. Dava-me uma<br />
sensação de isolamento, de solidão,<br />
não tendo a quem dirigir-me.<br />
Por esta razão, mamãe mandava<br />
colocar minha cama ao<br />
lado da sua. Ao acordar, ficava<br />
um pouco intimidado em despertá-la,<br />
mas, afinal, chegava<br />
um momento em que não era<br />
mais possível ficar sozinho, e,<br />
então, punha a ponta do dedo<br />
em seu braço.<br />
Como toda criança, eu não<br />
pronunciava bem as palavras.<br />
E tendo apenas dois anos de<br />
idade, queria dizer mãezinha,<br />
mas dizia manguinha.<br />
Às vezes, quando acordada,<br />
ela logo percebia tratar-se de<br />
mim, e começava a entreterme,<br />
até notar que estava sossegado.<br />
Então me deitava novamente<br />
na cama e ambos dormíamos.<br />
Porém, em algumas ocasiões —<br />
pelo fato de estar indisposta ou simplesmente<br />
por ter um sono muito<br />
profundo — Dona Lucilia não acordava.<br />
E possuindo um temperamento<br />
categórico desde pequeno, eu passava<br />
para a cama dela — era um verdadeiro<br />
“alpinismo” — e tocava-a<br />
para que despertasse.<br />
Para ter bom êxito em minha “escalada”,<br />
eu tinha de me pôr de pé e<br />
tentar galgar uma grade alta que havia<br />
em minha cama para evitar qualquer<br />
acidente...<br />
Passando para a sua cama, começava<br />
a chamá-la, porém não era<br />
atendido. Então me aproximava e<br />
abria os olhos dela, pois, assim, naturalmente<br />
acordaria.<br />
Nunca aconteceu algo senão isto:<br />
ela acordar, e imediatamente sorrir,<br />
dizendo:<br />
— Meu filhinho. É você?<br />
Imediatamente ela se sentava na<br />
cama, fazia com que eu me sentasse<br />
no travesseiro dela, e iniciava o<br />
conto de uma história. Eu me sentia<br />
penetrando na história através<br />
Quando eu voltei,<br />
Dona Lucilia<br />
estava sentada<br />
numa poltrona,<br />
no hall de entrada<br />
da casa, nós nos<br />
abraçamos e<br />
beijamos de modo<br />
efusivo.<br />
Ela me disse:<br />
“Graças a Deus,<br />
você ainda é o<br />
mesmo.”<br />
dos olhos dela. Ela me queria muito<br />
bem, e eu tinha noção — talvez confusa<br />
pela pouca idade, porém real<br />
— desse afeto do qual era objeto. E<br />
por ser cauto desde pequeno, pensava<br />
comigo mesmo: “Nessa eu posso<br />
confiar, porque ela me quer<br />
bem.”<br />
Meu coração está<br />
à procura de <strong>Plinio</strong><br />
e não o encontra<br />
Inúmeros episódios como<br />
esse se repetiram ao longo de<br />
minha vida. Lembro-me também<br />
daqueles momentos nos<br />
quais a severidade dela se manifestava.<br />
Por exemplo, quando<br />
na década de cinquenta<br />
viajei à Europa.<br />
Dona Lucilia ficava muito<br />
apreensiva quando alguém<br />
da família fazia viagens de<br />
avião, pois naquele tempo os<br />
aviões eram ainda muito primitivos.<br />
E atravessar o oceano<br />
de avião tinha seus riscos,<br />
os quais ela não queria que<br />
seu filho passasse. Então, não cheguei<br />
a dizer a ela que ia à Europa.<br />
Disse que ia ao Rio de Janeiro —<br />
naturalmente precisava ir ao Rio<br />
para depois ir para a Europa.<br />
Pedi que Dona Lucilia me preparasse<br />
uma mala com muitas roupas,<br />
pois talvez me demorasse um pouco<br />
mais no Rio. Ela parecia estar tranquila,<br />
e por isso julguei que não desconfiasse<br />
de nada.<br />
Contou-me um parente próximo,<br />
muito ligado a ela, que no dia seguinte<br />
ao da viagem, minha mãe pediu<br />
que ele fosse a minha casa. Este<br />
parente chegou, e Dona Lucilia lhe<br />
disse:<br />
— Diga-me uma coisa: onde está<br />
o <strong>Plinio</strong>?<br />
— O <strong>Plinio</strong>?<br />
E deu uma resposta evasiva. Entretanto,<br />
ela disse:<br />
— Meu coração está à procura de<br />
<strong>Plinio</strong> e não o encontra. Procuro-o<br />
no Rio e ele não está; procuro-o em<br />
Santos — lugares onde costumava ir<br />
— e <strong>Plinio</strong> não está lá. Você precisa<br />
me dizer onde está o <strong>Plinio</strong>.<br />
Ele sorriu e disse a ela:<br />
8
— Lucilia, o <strong>Plinio</strong> está na Europa.<br />
— Como Europa?!<br />
— Sim, ele resolveu ir para a Europa,<br />
passar alguns meses, por motivos<br />
de seu apostolado.<br />
Então, mamãe chorou e rezou por<br />
mim. Pouco tempo depois, chega para<br />
ela uma cesta de flores enorme<br />
que eu tinha encomendado, calculando<br />
a hora aproximada em que ela<br />
saberia da notícia, acompanhada de<br />
uma carta sumamente afetuosa, dirigida<br />
a ela.<br />
Não preciso dizer que ela gostou<br />
muito da cesta. À tardinha, na hora<br />
do crepúsculo, chega outra cesta<br />
de flores com outra carta minha. E<br />
durante toda a viagem escrevi várias<br />
cartas a ela — as quais eram invariavelmente<br />
respondidas.<br />
Quando voltei — Dona Lucilia<br />
sabia que estava chegando —, ela estava<br />
sentada numa poltrona, no hall<br />
de entrada da casa. Abriu-se a porta<br />
e eu a vi sentada no sofá.<br />
Era costume mamãe levantar tarde,<br />
pois rezava muito à noite, indo<br />
dormir às 3h da manhã. Consequentemente,<br />
acordava lá pelo meio-dia<br />
e ainda ficava rezando na cama por<br />
mais algum tempo, pois, como sofria<br />
do fígado, ela devia ficar muito tempo<br />
recostada.<br />
No dia de minha chegada, porém,<br />
ela levantou-se mais cedo e já estava<br />
inteiramente à minha espera. Quando<br />
entrei, abracei-a e beijei-a de modo<br />
efusivo.<br />
Dona Lucilia recuou um pouco<br />
e fixou o olhar no fundo dos meus<br />
olhos. Eu fiquei curioso de perguntar<br />
o que significava aquilo. Ela me<br />
disse:<br />
— Graças a Deus, você ainda é<br />
sempre o mesmo.<br />
Era a vigilância materna: um afeto<br />
cheio de vigilância, uma vigilância<br />
cheia de afeto.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
27/10/1988)<br />
9
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
De graça<br />
recebestes...<br />
Na esfera<br />
sobrenatural, há<br />
momentos em que<br />
à vontade resta<br />
apenas dobrar<br />
reverentemente os<br />
joelhos, submetendose<br />
aos desígnios da<br />
Providência. Assim se<br />
passa com as graças<br />
que recebemos de<br />
Deus: nos são dadas<br />
gratuitamente, sem<br />
mérito algum de<br />
nossa parte. Tratando<br />
sobre este tema,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nos traz<br />
valiosos princípios.<br />
Fotos: S. Hollmann / R. C. Branco / H. Grados / Arquivo revista<br />
10<br />
Depois da culpa original, a<br />
natureza humana não raras<br />
vezes é levada a atribuir<br />
a si própria as boas obras que<br />
executou.<br />
Imaginemos um exemplo: No alto<br />
de um púlpito está um pregador, o<br />
À esquerda, nossos primeiros<br />
pais ao serem expulsos<br />
do Paraíso - Museu do Prado,<br />
Madri; à direita,<br />
Moisés com as tábuas da Lei.
qual fala para um público que o ouve<br />
contrito e devoto.<br />
O orador está — como Moisés no<br />
alto da montanha — vituperando<br />
contra os pecados, censurando os erros,<br />
increpando as doutrinas falsas,<br />
abatendo as heresias. Evidentemente,<br />
se estabelece uma diferença entre<br />
ele e os ouvintes. Ele faz o papel de<br />
homem puro, santo, imaculado como<br />
a hóstia que vai ser oferecida<br />
no altar; ele censura os outros pela<br />
vida má que levam; ele é um homem<br />
que foi separado dos outros,<br />
por Deus, para ser o sal e a luz do<br />
mundo (Mateus 5,13).<br />
Entretanto, este sacerdote cometerá<br />
um erro se julgar que a sabedoria<br />
de suas palavras nasce dele<br />
mesmo, pensando: “Vejam como<br />
eu sou bom: tirei das<br />
profundezas de minha personalidade,<br />
a energia e a lucidez para pensar<br />
acertadamente e trilhar o bom<br />
caminho. Realmente, minha natureza<br />
pessoal foi dotada por Deus de recursos<br />
admiráveis, mas eu sou o dono<br />
das qualidades naturais que Deus<br />
me deu; usei bem delas e as aumentei.<br />
Fui bom o suficiente para valorizar<br />
meus talentos, e por isso Deus<br />
me premiará.”<br />
Qual é o erro deste raciocínio?<br />
É o de esquecer-se que todo homem<br />
é concebido no pecado original<br />
e, por isso, é débil por natureza. E,<br />
assim sendo, sobrenaturalmente falando,<br />
por suas forças próprias não<br />
pode produzir nada de bom.<br />
O fato de sermos herdeiros de<br />
Adão e Eva põe em nós um “fermento”<br />
que nos leva frequentemente ao<br />
mal, criando assim, em nós, uma tendência<br />
estável e permanente para o<br />
pecado.<br />
11
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Púlpito da Basílica<br />
de São Jorge -<br />
Ferrara, Itália.<br />
Com a<br />
correspondência à<br />
graça, tornamo-nos<br />
verdadeiros heróis<br />
católicos, capazes de<br />
todas as audácias, de<br />
todas as coragens, de<br />
todas os martírios, de<br />
todas as investidas e<br />
de todas as vitórias.<br />
12
À menor ocasião de pecado, o homem<br />
sente-se solicitado. Tal solicitação<br />
é tão forte que, por sua simples<br />
natureza, não é possível à pessoa permanecer<br />
durante um tempo razoável,<br />
fora do estado de pecado mortal.<br />
Sem a graça de Deus<br />
não temos força<br />
para praticar a virtude<br />
Assim também com o nosso pregador:<br />
Se não contasse com a graça<br />
dada por Deus, seria um celerado,<br />
um criminoso.<br />
A graça é uma luz dada ao intelecto<br />
que nos ajuda a ver a verdade,<br />
uma força dada à<br />
A partir da<br />
sacada de seu<br />
escritório (na<br />
sede Nossa<br />
Senhora do<br />
Amparo),<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
contempla o<br />
panorama.<br />
vontade que nos ajuda<br />
a querer o bem.<br />
Sem a graça, o homem<br />
pode praticar algumas<br />
virtudes isoladamente,<br />
porém, nunca<br />
em sua totalidade.<br />
Sem essa assistência<br />
de Deus, o homem<br />
não terá a capacidade<br />
de cumprir estável e<br />
duravelmente os Dez<br />
Mandamentos.<br />
A graça de Deus é<br />
dada ao homem sem<br />
que ele a mereça; ela<br />
é um espontâneo ato<br />
da misericórdia do<br />
Criador. Foi por livre<br />
e espontânea iniciativa,<br />
que Deus deu a fé<br />
para o pregador crer,<br />
e a força para ele praticar<br />
os Dez Mandamentos.<br />
A graça atual não<br />
entra no homem à<br />
maneira de uma injeção<br />
fortificante que<br />
um médico coloca na<br />
veia do doente. Esta<br />
se incorpora ao doente<br />
e passa a ser uma<br />
propriedade de seu<br />
sangue, de maneira tal que tomada a<br />
injeção, o paciente não precisa mais<br />
do médico. A graça não é assim, ela<br />
é renovada a todo o momento, dando-nos<br />
a capacidade de praticar a<br />
virtude de um modo que nossa natureza,<br />
por si só, não seria capaz.<br />
Em síntese, o homem não é a origem<br />
e o ponto de partida da santidade<br />
que ele possa ter, mas sim, ele<br />
é santificado pela graça que vem de<br />
Deus. Aceitando essa bondade de<br />
Deus, a graça penetra em nós e nos<br />
modifica. Mas, é preciso ter presente<br />
que foi a graça que operou esta modificação.<br />
Para aceitar a graça,<br />
é necessária outra graça<br />
Alguém dirá: “Mas, Doutor<br />
<strong>Plinio</strong>, essa aceitação não tem certo<br />
mérito?” Eu digo: “Tem, mas a força<br />
para aceitar a graça vem da graça.”<br />
Dou um exemplo:<br />
Imaginemos um doente que se encontra<br />
no último estado de prostração,<br />
de abatimento, devido a uma<br />
doença que lhe faz manter, constantemente,<br />
os lábios cerrados. Um médico<br />
dá-lhe um fortificante e, ao mesmo<br />
tempo, ajuda-lhe a abrir a boca<br />
para que ele possa engolir o remédio.<br />
É evidente que se o paciente não tivesse<br />
colaborado com o médico, não<br />
se beneficiaria do remédio; mas, se<br />
não fosse para tomar o remédio, ele<br />
não teria sequer tentado abri-la.<br />
Isto nos faz compreender qual é o<br />
papel do livre arbítrio e da graça em<br />
nossa vida espiritual.<br />
Deus, na sua infinita bondade,<br />
não nos dá apenas graças suficientes,<br />
mas, nos dá também graças que vão<br />
muito além delas: as graças eficazes.<br />
Esta é um tipo de graça, a bem dizer,<br />
avassaladora, que o homem recebendo,<br />
certamente, não resiste.<br />
Isso não quer dizer que o homem<br />
não tenha mérito em aceitá-la. O mérito<br />
da aceitação da graça não vem só<br />
do sacrifício que o indivíduo fez para<br />
a aceitar, mas também de uma certa<br />
disposição fundamental da alma,<br />
sempre inerente ao convite da graça,<br />
pela qual o indivíduo renuncia-se a si<br />
e dá-se a Deus. E isso sempre constitui<br />
um mérito, porque descolar-se de<br />
si e entregar-se a Deus é sempre doloroso<br />
para qualquer criatura no estado<br />
de prova em que nos encontramos.<br />
Sempre existe a possibilidade<br />
de o homem rechaçar as graças enviadas<br />
por Deus, não há graça que o<br />
homem, absolutamente falando, não<br />
tenha possibilidade de repelir.<br />
A graça nos torna<br />
capazes de todas<br />
as audácias<br />
A trajetória da graça na vida de<br />
alguém é mais ou menos a seguinte:<br />
Na medida em que uma criança<br />
batizada atravessa os vários estágios<br />
da infância, e a luz da razão<br />
nela vai se desenvolvendo, a graça a<br />
vai iluminando e robustecendo, de<br />
modo que, com o passar do tempo,<br />
sua vontade vai se tornando mais<br />
forte.<br />
Esta criança, quando corresponde<br />
à graça, faz-se um herói católico, capaz<br />
de todas as audácias, de todas as<br />
coragens, de todos os martírios, de<br />
todas as investidas e de todas as vitórias.<br />
Há, portanto, uma batalha constante<br />
que é travada em nós: De um<br />
lado, a ação do demônio, que nos<br />
quer levar para baixo de nossa natureza,<br />
ou seja, de mera criatura, a<br />
qual se apropria dos dons dados por<br />
Deus; de outro, a ação de Deus que<br />
quer nos levar para o Céu, e à ordem<br />
sobrenatural.<br />
É o pêndulo de nossa vontade que<br />
está continuamente convidada por<br />
Deus para subir, pelo demônio para<br />
descer. Subir, descer. Subir, descer.<br />
Esta é a situação do homem. v<br />
(Extraído de conferências de<br />
20/3/1970 e 11/5/1994)<br />
13
As metáforas de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Fotos: G. Kralj / Otávio M. / Arquivo revista<br />
14
Divina visita<br />
Qual não seria nossa alegria ao saber que à porta de<br />
nossa residência está um personagem ilustre, o qual veio<br />
nos visitar? Como o receberíamos?<br />
Imaginemos que, de repente,<br />
parasse diante de nossa casa<br />
um magnífico Rolls-Royce, e<br />
dele descesse um ajudante de campo,<br />
esplendidamente fardado, tocasse<br />
a campainha e anunciasse a chegada<br />
da Rainha da Inglaterra, dizendo:<br />
— Aqui mora fulano de tal?<br />
A criada que o atendesse diria<br />
surpresa:<br />
— Sim, é aqui que ele mora.<br />
— Então abra as portas porque<br />
Sua Graciosa Majestade, a Rainha<br />
Elisabeth II, veio fazer-lhe uma visita<br />
a fim de demonstrar toda a estima<br />
que tem por ele, e aqui permanecerá<br />
por dez minutos.<br />
Imediatamente se abririam as<br />
portas, e nós não saberíamos o que<br />
fazer para agradecer à rainha que estaria<br />
honrando nossa casa com sua<br />
presença.<br />
Mais ainda do que honrar a casa,<br />
ela nos estaria beneficiando com o<br />
seu convívio: quando se trata de um<br />
visitante tão especial, algo de sua nobreza,<br />
de sua excelência, de seu talento<br />
é transmitido ao visitado.<br />
***<br />
Pois bem, haveria algum propósito,<br />
ao cabo de dez minutos, nós dizermos<br />
à rainha: “Majestade, me<br />
desculpe, mas esta conversa está demasiado<br />
cansativa. Precisaríamos<br />
encerrá-la.”?<br />
Pelo contrário, ficasse a rainha<br />
o tempo que quisesse, multiplicaríamos<br />
nossos esforços para conseguir<br />
que ela permanecesse onze minutos<br />
em vez de dez; e, caso conseguíssemos,<br />
pensaríamos: “Está vendo?<br />
Ela iria ficar aqui por dez minutos,<br />
mas porque eu sou simpático ficou<br />
onze.”<br />
***<br />
Ora, quando na Sagrada Eucaristia,<br />
Jesus penetra em nós, dá-se um<br />
convívio infinitamente mais intenso<br />
do que aquele da visita feita pela<br />
Rainha da Inglaterra.<br />
Na Sagrada Comunhão, Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo visita nossa alma<br />
intimamente; não se trata de algo<br />
externo ao nosso ser — como visitar<br />
nossa casa —, mas sim, de algo<br />
interno: Ele entra em nós.<br />
Poderíamos, após esta visita de<br />
Nosso Senhor, estar contando os minutos<br />
para encerrar nossa ação de<br />
graças?<br />
Pelo contrário, devemos fazer<br />
uma compenetrada ação de graças<br />
após a Comunhão; e para isso é indispensável<br />
que para ela nos preparemos<br />
bem, adequadamente, tendo<br />
bem presente o ato maravilhoso e<br />
grandioso que vai se dar. v<br />
(Extraído de conferências de<br />
19/2/1971 e 16/7/1977)<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma conferência para jovens participantes de seu movimento.<br />
15
Ardoroso devoto da Eucaristia<br />
Mane nobis<br />
A Sagrada Eucaristia constituiu um dos<br />
principais pilares da espiritualidade de <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong>. Inaugurando a seção “Ardoroso devoto<br />
da Eucaristia”, procuraremos dar a lume o<br />
amor que transbordava de sua alma: “A boca<br />
fala do que transborda o coração!” No presente<br />
artigo, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nos ensina a bem nos<br />
prepararmos para a Sagrada Comunhão.<br />
Fotos: H. Mattos; S. Miyazaki; S. Hollmann<br />
Para compreender a variedade<br />
de métodos e modos que há<br />
para realizar a ação de graças<br />
e a preparação para a Comunhão, é<br />
necessário compreender o modo pelo<br />
qual a graça trabalha as almas.<br />
O Apóstolo São Paulo afirma que<br />
stella differt stella 1 — uma estrela é<br />
diferente da outra. Desta forma, não<br />
existem dois santos iguais, pois cada<br />
qual tem sua vida espiritual própria,<br />
com características inconfundíveis.<br />
E, como não pode deixar de<br />
ser, a graça guia cada alma no caminho<br />
da virtude de acordo com seus<br />
desígnios, proporcionando atrativos,<br />
ou também aversões, que modelam<br />
o espírito e indicam o itinerário que<br />
a alma deve seguir.<br />
Portanto, não se pode dizer que<br />
um método de preparação para a<br />
Comunhão é igualmente válido a todas<br />
as almas.<br />
Entretanto, São Luís Maria Grignion<br />
de Montfort possui um ponto<br />
de vista marial para a Comunhão,<br />
onde ele coloca Nossa Senhora como<br />
mediadora entre Deus e quem<br />
recebe a Eucaristia. Isto sim é valido<br />
para todos os católicos, em todos<br />
os tempos e lugares. Sendo a varie-<br />
dade de métodos imensa, descreverei,<br />
então, um que possa ser benéfico<br />
a todos.<br />
Ação de graças por<br />
meio de Maria<br />
Sendo Mãe de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo, Maria Santíssima é perfeita.<br />
Ele A criou com tudo quanto<br />
Ela deveria possuir para ser sua<br />
Mãe. Concebida sem pecado original<br />
desde o primeiro instante de<br />
seu ser; Virgem antes, durante e depois<br />
do parto, de tal forma perfeita,<br />
que em todos os instantes de sua vida<br />
nunca deixou de corresponder inteiramente<br />
à graça de Deus, estava<br />
numa altura inimaginável de virtude<br />
quando chegou o momento bendito<br />
em que Deus resolveu colhê-La<br />
da Terra para o Céu!<br />
Nossa Senhora é também Mãe de<br />
todos nós, e a Mãe tem sempre pena<br />
do filho mais esfarrapado, mais torto<br />
e mais desarranjado. Quanto pior o<br />
filho, mais Ela se compadece.<br />
Devemos, pois, ao receber a Eucaristia,<br />
nos colocar na presença d’Ela<br />
como filhos necessitados, implorando<br />
que Ela tenha pena de nós. Natu-<br />
16
cum Domine<br />
ralmente, Ela sempre se compadecerá<br />
em relação aos seus filhos. E quando<br />
o Divino Filho d’Ela vier a nós na<br />
Comunhão, será por sua intercessão.<br />
Contudo, o pedido feito por Maria<br />
a seu Divino Filho, é que Ele entre<br />
na “cabana” que é a alma de cada<br />
um de nós. Mas essa “cabana” pode<br />
ser ordenada e enfeitada por Nossa<br />
Senhora, para que esteja agradável<br />
a Ele. E, como a intercessora é a<br />
própria Mãe d’Ele, Nosso Senhor se<br />
sentirá comprazido.<br />
Por isso devemos pedir que Nossa<br />
Senhora esteja espiritualmente presente<br />
em nossa comunhão a fim de<br />
que preencha, de algum modo, o infinito<br />
espaço que nos separa de seu<br />
Divino Filho, o qual nos acolherá satisfeito<br />
por havermos recorrido à sua<br />
Mãe. Ele então nos dirá: “Tu és um filho<br />
de Maria, minha Mãe; pede-me o<br />
que queres.” Ao que devemos responder:<br />
“Senhor, antes de pedir, eu Vos<br />
agradeço! Quanta bondade, quanta<br />
misericórdia! Mas, como agradecer-<br />
Vos suficientemente? Suplico, pois,<br />
à Vossa Mãe — que também é minha<br />
— que agradeça por mim.”<br />
Servir-se das moções<br />
espirituais na preparação<br />
para a Comunhão<br />
Ao nos prepararmos para a Sagrada<br />
Comunhão, devemos também rememorar<br />
alguns momentos do dia<br />
que tivemos, como também as perspectivas<br />
do dia que ainda teremos<br />
diante de nós. Não me refiro aos<br />
problemas corriqueiros, mas sim,<br />
aos de nossa vida espiritual.<br />
Supondo que se faça uma Comunhão<br />
vespertina, devo me perguntar<br />
como foi meu dia em matéria de vida<br />
espiritual: o que necessito, o que desejo,<br />
o que mais profundamente tocou<br />
minha alma e o que a atraiu mais<br />
durante o dia. Isto mais facilmente<br />
nos estimulará a um ato de amor, de<br />
louvor e de reparação mais perfeitos.<br />
Caso haja um pensamento que<br />
considere ser mais fecundo para minha<br />
alma, é louvável concentrar nele<br />
minha atenção. Muitas vezes esses<br />
pensamentos correspondem a um<br />
atrativo especial da graça à alma.<br />
Podemos também apanhar uma<br />
invocação de alguma ladainha que<br />
tenha tocado mais especialmente,<br />
por exemplo, a do Sagrado Coração<br />
de Jesus, e meditar sobre ela. Este é<br />
um modo muito vivo — e para muitas<br />
etapas da vida espiritual, excelente<br />
— de nos preparar bem.<br />
Uma das invocações muito bonitas<br />
nesse sentido é: “Coração Eucarístico<br />
de Jesus”. Meditando nesta<br />
jaculatória, adoramos Nosso Senhor<br />
enquanto tendo o desejo de instituir<br />
a Eucaristia, movido por aquele<br />
amor especial que Ele demons-<br />
Devemos pedir que<br />
Nossa Senhora esteja<br />
espiritualmente<br />
presente em nossa<br />
comunhão a fim<br />
de que preencha,<br />
de algum modo, o<br />
infinito espaço que<br />
nos separa de seu<br />
Divino Filho.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante<br />
a Santa Missa.<br />
17
Ardoroso devoto da Eucaristia<br />
Jesus com a Eucaristia.<br />
(Catedral de Dijon, França.)<br />
trou na última ceia: “Desejei ardentemente<br />
comer convosco esta ceia.”<br />
O Coração Eucarístico de Jesus,<br />
transbordante de misericórdia, vem<br />
a nós na Comunhão; peçamos então<br />
que o Imaculado Coração de Maria<br />
nos prepare para bem recebê-Lo, a<br />
fim de que na Sagrada Eucaristia recebamos<br />
especialmente as graças<br />
que dizem respeito ao cumprimento<br />
de nosso chamado individual.<br />
Este é um modo bonito e lícito de<br />
variar as ações de graças e as preparações<br />
para a Comunhão, quase ao<br />
infinito, de acordo com a inclinação<br />
e as aspirações da alma.<br />
Aridez e consolação:<br />
benefícios distintos,<br />
porém, eficazes!<br />
Haverá também ocasiões onde<br />
nossas Comunhões — segundo a linguagem<br />
muito adequada da piedade<br />
católica — serão áridas. Assim como<br />
a terra árida não produz fruto,<br />
temos, muitas vezes, a impressão da<br />
aridez em nossa alma: comungamos<br />
e não sentimos nada.<br />
Muitas vezes, nossa<br />
Ação de Graças é<br />
feita de modo árido.<br />
Nestas ocasiões devemos<br />
ter presente que tais<br />
cirunstâncias podem<br />
trazer mais vantagens<br />
para nossa alma do que<br />
aquelas que nos trazem<br />
consolações inúmeras.<br />
Reza-se e pede-se, mas tem-se a<br />
sensação de que nossas súplicas foram<br />
meros termos piedosos sem nenhuma<br />
profundidade. Nessa situação,<br />
qual o valor de aproximar-se do sacramento<br />
da Eucaristia? A pergunta<br />
que parece ser tão razoável, quando<br />
bem analisada mostra-se infantil.<br />
Seria como a pergunta de uma<br />
pessoa que toma um remédio cientificamente<br />
certo de produzir um<br />
bem incalculável. Após a ingestão, e<br />
nos dez minutos que se seguem, não<br />
se sente melhora alguma. Neste caso,<br />
diríamos que tal medicina é ineficaz?<br />
Claro que não: seus efeitos se<br />
prolongarão no decurso dos dias, e<br />
até dos anos. Só então sentir-se-á a<br />
melhora desejada.<br />
Algo parecido dá-se, sem dúvida,<br />
com a Sagrada Comunhão. Muitas<br />
vezes comungamos, mas a ação de<br />
graças é árida; abrimos um livro de<br />
piedade, mas o livro não nos inspira<br />
nada; temos impressão de que não<br />
adiantou rezar.<br />
Ora, Deus visitou minha alma,<br />
mas a presença d’Ele foi inútil?<br />
Aquele que é Todo-Poderoso, Criador<br />
do Céu e da Terra, de todas as<br />
maravilhas, esteve presente em mim,<br />
e não me fez um bem sequer?<br />
Devemos ter presente que, não raras<br />
vezes, a Comunhão inteiramente<br />
árida traz, em si, mais vantagens para<br />
a alma do que aquela que nos dá<br />
consolações inúmeras. Isto porque<br />
Nossa Senhora e Nosso Senhor querem,<br />
como homenagem, que peçamos<br />
ainda quando não percebemos<br />
como nossa oração Lhes é grata.<br />
Ou seja, Ele não desejou que este<br />
contato fosse sensível, para que minha<br />
Fé crescesse. Pois muitas vezes<br />
Ele nos prova a fim de verificar se<br />
somos daquela espécie de almas que<br />
só creem quando sentem: “Tomé, tu<br />
creste porque viste; bem-aventurados<br />
os que não viram, mas creram!”<br />
São Francisco de Sales, exímio<br />
nas comparações encantadoras, tem<br />
um magnífico exemplo:<br />
Dois cantores apresentam-se sucessivamente<br />
ao rei.<br />
Um deles é normalmente constituído<br />
em sua natureza física, e, enquanto<br />
canta, vê a fisionomia de encantamento<br />
do rei ao ouvi-lo. Ele<br />
ouve sua própria voz, nota como<br />
ela é bela, compreende como o rei<br />
se deleita com seu cântico, e, enfim,<br />
contenta-se em ver o rei<br />
comprazido. Este homem<br />
possui duas alegrias: de ver<br />
o encanto do rei, e de ouvir<br />
a sua própria voz.<br />
O outro cantor, por<br />
sua vez, é cego e surdo!<br />
Ele não vê o rei, contudo<br />
sabe que o rei está lá;<br />
Elevação da óstia após<br />
a Consagração.<br />
18
não ouve sua própria voz, mas diz ao<br />
rei: “Senhor, eu estou aqui por obediência.<br />
Na minha ‘noite’, eu não vejo<br />
onde estais; na minha surdez, não<br />
ouço minha voz; mas para fazer a<br />
vossa vontade eu cantarei, encantado<br />
de saber que minha voz também<br />
vos agradou!”<br />
Qual dos dois músicos dá maior<br />
prova de amor ao rei?<br />
Pois bem, muitas de nossas Comunhões<br />
são as do “cego e do surdo”.<br />
Não vemos, nem sequer sentimos a<br />
presença de Nosso Senhor em nós.<br />
Não percebemos como é bela a nossa<br />
súplica, nem como Ele se encanta<br />
com ela. Mas, pela Fé, cremos que estamos<br />
em estado de graça, e que Ele<br />
se alegra de estar em nós, ao ponto de<br />
dizer: “Minhas delícias consistem em<br />
estar com os filhos dos homens.”<br />
Ele estará realmente presente em<br />
mim, embora na aridez. Nestas horas,<br />
será de grande benefício lembrarmo-nos<br />
disso.<br />
Aproveitando<br />
as perspectivas<br />
angustiosas...<br />
Quando o meu dia não tenha contribuído<br />
para a sensibilidade eucarística,<br />
mas, pelo contrário, tenha<br />
sido um dia de luta, o qual deixa<br />
prever que o dia seguinte<br />
será angustioso, é louvável<br />
fazer que minha Comunhão<br />
centre-se nessa dificuldade,<br />
dizendo: “Senhor,<br />
em vossa agonia<br />
no Horto,<br />
quando suastes sangue, Vós fizestes<br />
a seguinte oração: ‘Pai, se for possível,<br />
afaste-se de mim esse cálice, mas<br />
faça-se a vossa vontade e não a minha’;<br />
Senhor, eu temo o que vai me<br />
suceder, e estremeço de terror diante<br />
de uma hipótese que me gela até<br />
os ossos. Peço-Vos, através de vossa<br />
Mãe Santíssima, que afasteis de mim<br />
essa provação, mas, se essa não for a<br />
vossa vontade, faça-se a vossa e não<br />
a minha. E Vos peço que isso concorra<br />
para o bem de minha alma.”<br />
Podemos rezar repetidas vezes<br />
nesse sentido, no momento em que<br />
Quem recebe uma<br />
manifestação<br />
da bondade de Deus,<br />
deve contemplá-Lo<br />
como Ele se mostra.<br />
Neste caso, devo<br />
adorar especialmente<br />
no Criador,<br />
o amor especial que<br />
Ele me tem<br />
se recebe a Eucaristia: “Senhor,<br />
Vós estais presente em minha alma,<br />
com inteira intimidade. E não<br />
pode haver intimidade maior que<br />
a vossa, quando, através da Sagrada<br />
Comunhão, Vos fazeis presente<br />
numa alma. Neste momento de<br />
dificuldade, Vos peço que ouçais<br />
o brado de angústia vindo de minha<br />
alma. Quantos Salmos inspirados<br />
por Vós foram também brados<br />
de angústia! Aqui está também<br />
o meu: Tende pena de mim, e atendei-me.”<br />
Desenvolver a ação de<br />
graças em função das<br />
necessidades diárias<br />
Muitas vezes, para bem nos prepararmos<br />
para o divino encontro<br />
com Jesus na Eucaristia, bastará<br />
nos lembrarmos de algo que lemos<br />
em algum livro de piedade, que nos<br />
marcou profundamente, ou então de<br />
alguma graça que recebemos no decorrer<br />
do dia.<br />
Às vezes, algum aspecto novo de<br />
Nossa Senhora nos impressiona.<br />
Neste caso, nossa preparação poderá<br />
ser: “Nossa Senhora é Mãe de<br />
Nosso Senhor; Ele concedeu a Ela<br />
tal privilégio que eu não conhecia.<br />
Vou pedir a Ela que me obtenha na<br />
Sagrada Eucaristia tal favor que necessito.”<br />
A propósito de qualquer movimento<br />
de piedade durante o dia, pode-se<br />
articular a Comunhão e depois<br />
a ação de graças. Caso tenhamos<br />
um dia de grande alegria, e essa<br />
alegria tenha sido um sinal manifesto<br />
da bondade de Nossa Senhora<br />
e de Deus Nosso Senhor para conosco,<br />
podemos fazer a ação de graças<br />
tomando em consideração esta graça<br />
recebida.<br />
Quem recebe uma manifestação<br />
da bondade de Deus, deve contemplá-Lo<br />
como Ele se mostra:<br />
sorridente, afável, manifestando<br />
afeto e desejo de proteger-me.<br />
Neste caso, quando recebê-Lo, devo<br />
adorar n’Ele a bondade, o amor<br />
especial que Ele me tem, o encorajamento<br />
que Ele quis me dar em<br />
meu apostolado ou em minha vida<br />
interior.<br />
Ubi Spiritus, ibi libertas, onde está<br />
o Espírito Santo, aí sopra a liberdade.<br />
Enfim, há uma tal variedade de<br />
movimentações das almas, que é impossível<br />
descrever todos os métodos<br />
que cabem para alguém fazer a Sagrada<br />
Comunhão. Aqui ficam, entretanto,<br />
algumas sugestões. v<br />
1) I Cor 15, 41.<br />
(Extraído de conferências de<br />
28/3/1967 e 4/2/1984)<br />
19
O Santo do Mês<br />
–– * Fevereiro * ––<br />
1. Santa Brígida da Irlanda. Abadessa<br />
e Fundadora do Mosteiro de<br />
Kildare. (séc. V)<br />
2. Apresentação de Nosso Senhor<br />
no Templo. A fim de cumprir a Lei,<br />
Maria e José, com a oferenda de duas<br />
rolas, foram ao Templo de Jerusalém<br />
onde apresentaram o Menino<br />
Jesus. Nesta ocasião, o profeta Simeão<br />
predisse os sofrimentos futuros<br />
(“uma espada transpassará tua<br />
alma”) da Mãe, e que o Filho seria<br />
“luz para iluminar as nações” (Lc 2,<br />
2-9 ss.).<br />
Nossa Senhora do Bom Sucesso.<br />
3. São Brás, Bispo e Mártir. Martirizado<br />
em Sebaste, na Armênia. (+<br />
323)<br />
4. Santa Joana de Valois, Rainha<br />
da França. (séc. XVI)<br />
5. Santo Avito, Bispo de Vienne,<br />
na Gália (hoje França). Lutou contra<br />
a heresia ariana. (+ 518)<br />
Beata Isabel Canori Mora, Viúva,<br />
sobressaiu-se na caridade,<br />
além de ter sido favorecida com<br />
grandes dons místicos. Terciária<br />
trinitária, venerada em Roma.<br />
(1774-1825)<br />
6. São Paulo Miki, Presbítero, e<br />
seus 25 companheiros, mártires do<br />
Japão. Foram crucificados em Nagasaki,<br />
em 5 de fevereiro de 1597. Do<br />
alto da cruz, Paulo continuava a pregar,<br />
perdoando os verdugos e convidando-os<br />
à conversão.<br />
7. V Domingo do Tempo Comum.<br />
Santo Egídio de Taranto, Religioso<br />
Franciscano italiano, canonizado<br />
por João Paulo II em 1996. (sécs.<br />
XVIII-XIX)<br />
8. São Jerônimo Emiliani, Presbítero,<br />
Fundador da Congregação dos<br />
Clérigos Regulares (padres Somascos).<br />
(1486-1537)<br />
9. Santa Apolônia, Mártir de Alexandria.<br />
(séc. III)<br />
10. Santa Escolástica, Virgem, irmã<br />
gêmea de São Bento, nascida em<br />
Núrsia, Itália. De sua vida se conhecem<br />
só alguns detalhes narrados pelo<br />
Papa São Gregório Magno. (sécs.<br />
V-VI)<br />
11. Nossa Senhora de Lourdes.<br />
12. São Bento de Aniane, Abade.<br />
(sécs. VIII-IX)<br />
13. Santo Estêvão, Bispo de Lyon,<br />
Gália. (+ 515)<br />
14. VI Domingo do Tempo Comum.<br />
Santos Cirilo, Monge; e Metódio,<br />
Bispo. Irmãos, nascidos em<br />
Tessalônica, foram enviados para<br />
a Morávia, onde pregaram aos eslavos.<br />
João Paulo II os proclamou<br />
Padroeiros da Europa junto a São<br />
Bento. (séc. IX)<br />
15. São Cláudio da Colombière,<br />
Presbítero, Jesuíta, apóstolo<br />
na Inglaterra e pregador no convento<br />
de Paray-le-Monial, onde<br />
tomou conhecimento das aparições<br />
do Sagrado Coração de Jesus<br />
a Santa Margarida Maria Alacoque.<br />
Tornou- se eminente propagador<br />
dessa devoção, difundindo-a<br />
até na Inglaterra, onde foi capelão<br />
da futura Rainha Maria de Modena.<br />
(1641- 1682)<br />
16. Santo Onésimo, antigo escravo,<br />
evangelizado por São Paulo<br />
enquanto este se achava prisioneiro<br />
em Roma (cf. Carta a Filemon).<br />
(séc. I)<br />
17. Quarta-feira de Cinzas.<br />
18. Beato Angélico (Giovanni di<br />
Pietro ou da Fiesole). (sécs. XIV-<br />
XV)<br />
19. São Mansueto, Bispo de Milão<br />
e Confessor. (séc. VII)<br />
20. Beatos Francisco e Jacinta<br />
Marto. Pastorinhos aos quais Nossa<br />
Senhora apareceu, em Fátima, no<br />
ano de 1917. (conferir página 2)<br />
21. I Domingo da Quaresma.<br />
22. Cátedra de São Pedro, Apóstolo.<br />
23. Santa Romana de Todi. (+<br />
324)<br />
24. São Modesto, Bispo de Trier<br />
(Tréveris), Alemanha. (+ 486)<br />
25. Santa Jacinta de Marescotti,<br />
Religiosa Clarissa. (1585-1640)<br />
26. São Vitor, Eremita em Arcissur-Aube,<br />
na região de Champagne,<br />
França. (séc. VII)<br />
27. São Gabriel da Virgem Dolorosa.<br />
Seminarista da Ordem Passionista,<br />
reluziu pela excelência de<br />
suas virtudes e profunda devoção a<br />
Nossa Senhora das Dores. (1838-<br />
1862)<br />
28. II Domingo da Quaresma.<br />
Santos Romano e Lupicino, irmãos,<br />
Abades de Condat (Borgonha).<br />
(séc. V)<br />
20
2 de fevereiro:<br />
Nossa<br />
Senhora do<br />
Bom Sucesso<br />
Na pequenina Quito do século XVI um<br />
grande acontecimento se deu: Maria<br />
Santíssima apareceu a uma religiosa<br />
concepcionista e lhe fez revelações sobre o<br />
futuro de seu país. Embora não tendo tomado<br />
tais revelações como infalíveis, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> deu<br />
a elas uma atenção especial.<br />
Fotos: H. Restrepo / S. Miyazaki<br />
Nossa Senhora do Bom Sucesso.<br />
Poucas vezes ao ano a imagem é<br />
exposta neste altar para veneração<br />
dos fiéis. Normalmente ela<br />
permanece na clausura do convento.<br />
N<br />
o dia 2 de fevereiro, a comunidade<br />
das Irmãs Concepcionistas<br />
celebra em<br />
Quito, Equador, a festa de Nossa Senhora<br />
do Bom Sucesso. Qual é a história<br />
desta devoção?<br />
Madre Mariana<br />
de Jesus Torres e o<br />
triunfo de Maria<br />
Madre Mariana de Jesus Torres,<br />
religiosa concepcionista, foi ao<br />
Equador em 1576, quando ainda<br />
era menina, acompanhando sua tia,<br />
Madre Mariana de Jesus Taboada, a<br />
qual partia com a intenção de lá fundar<br />
um convento.<br />
Com elas viajaram várias outras<br />
religiosas espanholas, as quais se fixaram<br />
em Quito — cidade que naquele<br />
tempo era ponta avançada da<br />
penetração espanhola na América<br />
do Sul. Pelo que se conhece de suas<br />
vidas, essas religiosas fundadoras<br />
morreram em odor de santidade<br />
e eu tenho muita esperança de que<br />
— para a maior glória do Equador e<br />
das Américas em geral — elas sejam<br />
canonizadas.<br />
Na pequenina Quito daqueles<br />
tempos, Madre Mariana de Jesus<br />
Torres, sendo abadessa do convento,<br />
teve extraordinárias visões e revelações<br />
privadas de Nossa Senhora.<br />
Embora não tomemos estas revelações<br />
como dogma — a Revelação<br />
oficial está encerrada com o Novo<br />
Testamento — devemos considerálas<br />
especialmente.<br />
Tais revelações prenunciam um<br />
tempo onde o Equador se torna-<br />
21
O Santo do Mês<br />
ria independente da Espanha e seria<br />
sacudido por uma grande revolução<br />
de caráter religioso-temporal;<br />
no mundo inteiro a Fé se extinguiria<br />
em muitas almas, e haveria inúmeras<br />
calamidades morais. Mas após<br />
esses acontecimentos terríveis<br />
seria instaurado<br />
um tempo de glória<br />
para a<br />
Igreja.<br />
História da imagem<br />
Qual é a história da imagem de<br />
Nossa Senhora que a partir de então<br />
passou a presidir o convento?<br />
Numa das aparições 1 , a Santíssima<br />
Virgem pediu a Madre Mariana<br />
que fizesse uma imagem sua, em tamanho<br />
real. Para isto, a vidente desejou<br />
medi-la a fim de que se cumprisse<br />
esse desejo.<br />
Então, Nossa Senhora<br />
segurou uma das pontas<br />
do cordão franciscano<br />
que trazia em sua cintura,<br />
para auxiliar Madre<br />
Mariana a tomar suas<br />
medidas.<br />
A confecção da imagem foi confiada<br />
a um escultor local 2 .<br />
Certo dia, ao subir ao coro da<br />
igreja do Convento — lugar onde<br />
esculpia a imagem — qual não foi<br />
a surpresa do escultor: encontrou a<br />
imagem pronta! Ela estava magnífica!<br />
Nenhuma mão humana havia terminado<br />
a imagem; durante toda a<br />
noite a igreja havia permanecido fechada.<br />
É uma imagem feita por mão<br />
de anjo 3 .<br />
O que a imagem<br />
nos comunica<br />
O que essa imagem nos inspira no<br />
fundo da alma?<br />
A mensagem que ela contém:<br />
uma grande promessa, um grande<br />
triunfo. Algo posto pela graça se<br />
acrescenta aos recursos da escultura<br />
e anuncia, no fundo de nossas almas,<br />
as alegrias e as certezas da promessa.<br />
O báculo e as chaves, que Nossa<br />
Senhora traz consigo, dão a entender<br />
que é Ela quem abre e fecha<br />
os acontecimentos grandiosos;<br />
mas também as misérias e catástrofes<br />
dos homens; enfim, as vitórias<br />
de Deus dentro da História.<br />
Mais do que as jóias, quem A<br />
adorna realmente é seu Divino<br />
Filho! Ela O traz triunfalmente,<br />
como quem diz: “Estou vencendo,<br />
mas venço para que Ele vença. Eu<br />
sou Rainha, sim, porém o sou porque<br />
Ele é o Rei!”<br />
Nela há também um aspecto sobre<br />
o qual chamo a atenção: Ela<br />
comunica sua virginalidade extraordinariamente.<br />
É impossível<br />
olhar para esta imagem sem ter<br />
a impressão de que, em torno<br />
dela, a pureza se irradia.<br />
Ela está inundada por uma<br />
felicidade de alma que é prêmio<br />
pela virtude da pureza.<br />
22
A pureza concede<br />
isto à alma que a<br />
pratica: segurança,<br />
discernimento, dignidade,<br />
compostura<br />
por onde se calca<br />
aos pés os infortúnios.<br />
Daí provem<br />
a louçania da<br />
vitória e do triunfo<br />
transmitida por essa<br />
imagem.<br />
A luta ainda<br />
vai ser maior<br />
Deste modo Ela<br />
nos prepara para as<br />
agruras da luta, falando-nos<br />
da alegria<br />
e da glória que<br />
virão.<br />
Antigamente,<br />
até meados do século<br />
passado, talvez,<br />
não se conheciam<br />
os anestésicos,<br />
e as operações<br />
se faziam a frio. O<br />
paciente — muitas<br />
vezes acordado —<br />
de vez em quando,<br />
perguntava ao médico<br />
como ia o andamento da cirurgia.<br />
Era compreensível que o cirurgião,<br />
amigo do paciente — ou simplesmente<br />
movido por sentimentos<br />
de compaixão que aquelas dores não<br />
podiam deixar de causar —, durante<br />
a primeira fase da operação lhe dissesse:<br />
“Vai indo bem, eu estou conseguindo<br />
abrir tal zona, já estou em<br />
tal outra, etc.; daqui a pouco vem a<br />
extração.” Este “daqui a pouco vem<br />
a extração” animava o paciente! Ou<br />
seja, as fases mais delicadas do perigo<br />
estão se aproximando e vão terminar.<br />
Depois que a amputação foi realizada,<br />
se a dores persistem ou au-<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na década de 90.<br />
Mais do que as jóias,<br />
quem A adorna<br />
realmente é seu<br />
Divino Filho! Nossa<br />
Senhora O traz<br />
triunfalmente, como<br />
quem diz: “Estou<br />
vencendo, mas venço<br />
para que Ele vença.<br />
Eu sou Rainha, sim,<br />
porém o sou porque<br />
Ele é o Rei!”<br />
mentam, o que faz<br />
o médico? Ele diz:<br />
“Olhe, o pior já foi,<br />
daqui por diante as<br />
dores vão declinar,<br />
nós já estamos chegando<br />
ao fim.” Ele<br />
começa a apontar<br />
para aquilo que é o<br />
ideal do doente: o<br />
fim da operação.<br />
É o caminho da<br />
normalidade: na<br />
fase ascendente fala-se<br />
que tudo vai<br />
bem e incita-se a<br />
ter coragem; quando<br />
ela atinge um<br />
ponto no qual é<br />
preciso toda a resistência,<br />
compreende-se<br />
que se diga<br />
“agora vai melhorar”.<br />
Nossa Senhora<br />
do Bom Sucesso<br />
dá-nos a impressão<br />
de que está<br />
dizendo no fundo<br />
de nossas almas:<br />
“Meus filhos, a luta<br />
ainda vai ser maior,<br />
mas o meu Reino<br />
já vai começar a luzir no horizonte!”<br />
É a alegre e vitoriosa proclamação<br />
do Reino de Maria! v<br />
(Extraído de conferências de<br />
14/8/1982 e 2/2/1983)<br />
1) No ano de 1610.<br />
2) A própria Virgem Maria escolheu o<br />
escultor, dizendo: “Para esta tarefa,<br />
deves chamar Francisco del Castillo,<br />
o qual é um hábil escultor, e dar-lhe<br />
as descrições de minhas medidas.”<br />
3) De fato, Madre Mariana teve uma visão<br />
dos anjos concluindo a imagem<br />
enquanto o escultor se ausentava para<br />
buscar vernizes e tintas para o acabamento.<br />
23
A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Alguns lutam por um<br />
Outros... por uma<br />
Passando pela Europa no ano de 1988, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> teve ocasião<br />
de assistir a uma campanha feita por membros de seu Movimento no<br />
centro de Madri. Muito propenso a analisar mentalidades,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> fez elucidativos comentários dos diversos tipos humanos<br />
presentes nas ruas dessa cidade.<br />
Para bem analisarmos a opinião<br />
pública, devemos nos<br />
despir dos preconceitos espalhados<br />
por uma espécie de mito<br />
numérico que sempre faz consistir a<br />
vitória na obtenção da maioria.<br />
Distinção entre<br />
povo e massa<br />
Pio XII, num discurso admirável,<br />
faz a distinção entre a massa humana<br />
e o povo. A massa é um aglomerado<br />
de indivíduos que simplesmente<br />
existem juntos e formam uma espécie<br />
de multidão, sem especiais vinculações<br />
de uns com os outros. Pelo<br />
contrário, o povo é um conjunto de<br />
pessoas em que cada uma tem com<br />
Fotos: J.S.Dias / T. Ring<br />
24
T. Ring<br />
ideal.<br />
vida gostosa.<br />
as outras determinadas relações,<br />
certos modos de se impostar, formando<br />
uma espécie de organismo vivo.<br />
Para compreendermos a diferença<br />
entre povo e massa, consideremos<br />
o seguinte:<br />
Nestas três salas conjugadas em<br />
que estou falando, há aproximadamente<br />
cem pessoas. Imaginem<br />
meus ouvintes que não fossem membros<br />
de nosso Movimento e estivessem<br />
num grande ônibus, sem se conhecerem,<br />
não tendo, portanto, entre<br />
si relações individuais e pessoais,<br />
mas apenas as vinculações anônimas<br />
existentes entre os passageiros<br />
de um veículo coletivo.<br />
Quer dizer, eles têm o interesse<br />
comum de que o ônibus ande, pare<br />
nos locais solicitados para o desembarque<br />
de alguns passageiros e<br />
chegue até o ponto terminal. Por isso<br />
não querem briga nem encrenca<br />
dentro do veículo; desejam boa paz e<br />
mais nada. Cada um gosta de ser um<br />
anônimo para o outro.<br />
Se alguém pergunta de repente a<br />
um passageiro “O senhor, quem é?”,<br />
ele fica desagradado e pensa: “Para<br />
que deseja saber quem sou eu? Sou<br />
um passageiro de ônibus como ele,<br />
um anônimo. O que esse indivíduo<br />
está querendo comigo?”<br />
O anonimato é a regra da massa,<br />
a qual vale pelo número de seus<br />
componentes: cinco, dez, cem indivíduos.<br />
Entre os que estão aqui presentes<br />
a situação é bem diferente: não<br />
constituem massa, e sim um organismo,<br />
uma gota<br />
de povo. Quer<br />
dizer, todos se<br />
conhecem individualmente<br />
e, pelo convívio<br />
cotidiano,<br />
cada um acaba<br />
tendo uma<br />
espécie de situação<br />
criada<br />
por ele mesmo,<br />
a qual —<br />
por inabilidade<br />
ou qualquer<br />
outra razão<br />
— pode<br />
não ser a que<br />
desejaria. A<br />
vida se faz com base nessas relações<br />
pessoais; não é um mecanismo que<br />
se reduz a um número, mas algo vivo,<br />
uma interseção de várias personalidades<br />
que, dando graças a Nossa<br />
Senhora, tenho diante de mim e<br />
constituem um conjunto de filhos.<br />
Vejo que são de várias partes da<br />
Espanha e também de outras nações,<br />
formando um conjunto vivo,<br />
orgânico, em que cada um é, não<br />
como uma gotinha de metal fundido,<br />
integrando uma máquina, mas<br />
uma célula viva dentro de um tecido.<br />
Se olharmos pelo microscópio um<br />
tecido celular vivo, discerniremos<br />
grande quantidade de células; cada<br />
uma atua como se fosse uma pequena<br />
personalidade: tem sua dose<br />
de vitalidade e de reatividade sobre<br />
Praça Real - Madri.<br />
as outras, análoga à de um indivíduo<br />
dentro de uma família ou numa organização<br />
como a nossa.<br />
É da vida de cada pessoa encontrando-se<br />
com a das outras que se<br />
forma um tecido, daí resultando um<br />
povo.<br />
Considerado nosso Movimento<br />
como um tecido, um organismo vivo,<br />
qual a repercussão de nossa campanha<br />
na Espanha, que é um tecido,<br />
um organismo incomparavelmente<br />
maior? A campanha está conseguindo<br />
sua finalidade?<br />
O mais baixo grau<br />
onde o ente humano<br />
pode chegar<br />
A vitória sobre a opinião pública<br />
não consiste em obter a maioria,<br />
25
A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
A vitória sobre a<br />
opnião pública não<br />
consiste em obter a<br />
maioria. É preciso,<br />
antes de tudo,<br />
saber que espécie<br />
de pessoas estamos<br />
influenciando, e, que<br />
possibilidades têm elas<br />
de influenciar outras.<br />
como os plebiscitos e as eleições fazem<br />
pensar: quantos espanhóis querem<br />
tal coisa, quantos desejam tal<br />
outra. Trata-se de saber: que espécie<br />
de pessoas estamos influenciando, e,<br />
dentro do tecido vivo que é a Espanha,<br />
que possibilidades têm elas de<br />
influenciar outras?<br />
O público que estava na praça<br />
Puerta del Sol 1 se dividia em três partes<br />
bem claras.<br />
Havia um círculo formado em<br />
torno da nossa fanfarra e do nosso<br />
sistema de propaganda. Em sua<br />
parte externa era impreciso, pois algumas<br />
pessoas chegavam, outras saíam,<br />
mas a parte interna do círculo<br />
apresentava certa precisão de desenho.<br />
Pouco adiante, existiam dois pequenos<br />
círculos de indivíduos, sentados<br />
em volta dos dois chafarizes,<br />
simplesmente porque as bordaduras<br />
dos mesmos, um tanto largas,<br />
forneciam-lhes um assento cômodo.<br />
Constituíam um público contrário<br />
àquele reunido em torno dos nossos.<br />
Alheios uns aos outros e dando<br />
as costas para o que na aparência<br />
os unia — os chafarizes —, eles<br />
estavam todos adormecidos. Alguns<br />
mastigavam alguma coisa, e o faziam<br />
com preguiça, não olhando para nada<br />
de fixo, não pensando em nada<br />
de determinado, mas sentindo que<br />
estão vivendo, e encontrando nisto<br />
certo prazer. É o gosto de respirar,<br />
de digerir, de mexer as pernas, de ter<br />
um corpo, e não o de possuir uma alma.<br />
Têm essas pessoas uma vida vegetativa<br />
a mais parecida possível com a<br />
do animal. Olhando certos animais,<br />
às vezes temos impressão de que<br />
possuem bem-estar. Quer dizer, eles<br />
sentem deleite de estar vivendo, mas<br />
não têm conhecimento desse deleite.<br />
São Tomás de Aquino, com uma<br />
linguagem muito precisa, diz que o<br />
bicho não conhece nada. Ele tem notícia<br />
das coisas, mas não o conhecimento,<br />
que é uma compreensão intelectiva.<br />
A palavra “notícia” é perfeita.<br />
Por exemplo, um pássaro vê<br />
diante dele uma folha que cai. Ele<br />
tem notícia de que caiu alguma coisa,<br />
mas nem sabe que é uma folha;<br />
e não pensa a respeito disso, porque<br />
não tem pensamento.<br />
Aqueles indivíduos são entes humanos;<br />
entretanto têm o menor grau<br />
de pensamento possível: “Que gostoso!<br />
Eu estou aqui sentindo viver.<br />
Estou mastigando, piscando, olhando,<br />
respirando, batendo as pernas,<br />
mexendo os braços, estou vivo.”<br />
Sob certa perspectiva — mas que<br />
atinge uma realidade muito profun-<br />
Em ambas páginas,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> analisa a reação<br />
da opnião pública.<br />
26
da — é o mais baixo grau aonde<br />
a criatura humana pode<br />
chegar. Essa é propriamente<br />
a descrição do dormente.<br />
Os dormentes<br />
Para tudo quanto é fenômeno<br />
de pensamento, de ideal,<br />
de ato de vontade, de definição,<br />
de atitude, eles estão<br />
no sono.<br />
Sucede inúmeras vezes<br />
com todo indivíduo que, acordando<br />
de manhã, diz para<br />
consigo: “Que bom sono eu<br />
dormi essa noite!” Estando<br />
dormindo e não tendo consciência<br />
de nada, como sabe ele<br />
que teve um sono bom?<br />
Em parte é porque, quando<br />
despertou e sentou-se<br />
na cama, as últimas névoas<br />
do sono estavam se retirando.<br />
Ele não tinha acabado<br />
de dormir inteiramente e sentiu<br />
o gostoso do sono que ainda<br />
existia. E, por memória, teve<br />
a idéia de que aquele prazer,<br />
cujo último fim estava notando,<br />
ele havia sentido a noite<br />
inteira.<br />
Esses indivíduos têm o gostoso<br />
de estarem acordados e sentados<br />
próximo aos chafarizes. E, de<br />
modo analógico, digo que eles estão<br />
dormentes.<br />
Como se chega a esse estado?<br />
A graça atua no fundo das pessoas,<br />
máxime das batizadas, e proporciona<br />
movimentos de alma elevados,<br />
nobres.<br />
A Revolução explora<br />
o desejo do gostoso<br />
Mas, de outro lado, o corpo age<br />
no sentido de a pessoa se entregar<br />
aos meros prazeres materiais. Quando<br />
criança, ela pensa, por exemplo:<br />
“Como é gostoso correr de bicicleta,<br />
tomar vento!” E, em todas as idades:<br />
“Como é gostoso megalar 2 !” Ela<br />
comparece no colégio com um sorvete<br />
especial que comprou, dizendo<br />
que um sorveteiro perto de sua casa<br />
Nós somos os<br />
arautos do sacrifício,<br />
os que lutam<br />
contra o mero gostoso,<br />
a favor de um ideal.<br />
Assim, estragamos<br />
a festa daqueles<br />
que só procuram<br />
o gozo.<br />
lho deu porque a achou muito<br />
simpática; inventa uma série<br />
de mentiras.<br />
Tais indivíduos querem levar<br />
uma vida gostosa e recusam<br />
os movimentos da graça<br />
que conduzem suas almas para<br />
as coisas mais elevadas. E<br />
se alguém afirma que a vida<br />
não consiste em gozar, mas é<br />
necessário o sacrifício, consideram-no<br />
como louco e não<br />
se interessam por ele.<br />
Cada época revolucionária<br />
que sucede outra acrescenta<br />
um gostoso para a vida.<br />
Por exemplo, a sensualidade.<br />
O pecado contra a castidade,<br />
há trinta anos atrás, tinha<br />
a intensidade X, a frequência<br />
X. Mas as modas tornaram-se<br />
cada vez mais imorais,<br />
o convívio entre as pessoas<br />
de sexo diferente foi ficando<br />
mais frequente, mais livre e<br />
menos controlado. A Revolução<br />
na mentalidade delas caminha<br />
em direção ao cada vez<br />
mais gostoso.<br />
Nós nos opomos a isso, somos<br />
os arautos do sacrifício,<br />
os que lutam contra o mero<br />
gostoso, a favor de um ideal;<br />
assim, estragamos a festa daqueles<br />
que só procuram o gozo. E não pugnamos<br />
por um ideal qualquer, mas<br />
por um ideal de Fé. E a Fé não se refere<br />
a uma crença religiosa qualquer,<br />
mas à Santa Igreja Católica Apostólica<br />
Romana.<br />
Isso os revolucionários rejeitam e<br />
dormem porque já não têm remorsos.<br />
Estão entregues completamente<br />
às suas próprias delícias, lamentando<br />
precisar aguentar dificuldades,<br />
inconvenientes, etc. E por esse<br />
processo vai ficando cada vez mais<br />
fácil adormecer os partidários do<br />
gostoso.<br />
E existia uma terceira categoria:<br />
os que vão e vêm, olham a campanha,<br />
e os que estão sentados, mas<br />
27
A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> toma apontamentos<br />
durante a campanha.<br />
Pouco importa que<br />
grande número de<br />
pessoas recuse cooperar<br />
conosco. Não se trata<br />
de transformar<br />
tudo em fermento,<br />
mas de fermentar a<br />
massa. Assim se<br />
reconquista o país.<br />
não prestam atenção. Esses estão<br />
dormindo também? O que se passa<br />
na alma deles?<br />
Um deles é, digamos, um advogado<br />
que vai ao escritório de um outro<br />
para discutir uma questão, e está<br />
preparando seu raciocínio para derrotar<br />
o colega. Ele passa tão preocupado,<br />
que não presta atenção em<br />
nossa campanha ou a observa muito<br />
por alto.<br />
O mesmo pode acontecer com<br />
um médico que se dirige à casa de<br />
um cliente, o qual ele examinou na<br />
véspera, consultou alguns livros e<br />
colegas, mas está na dúvida quanto<br />
ao diagnóstico. Às vezes, a vida de<br />
um paciente depende do diagnóstico<br />
de seu médico: opera ou não<br />
opera? Se for feita a cirurgia, provavelmente<br />
ele morrerá. O que fazer?<br />
É possível que isso também suceda<br />
a um homem de negócios, o qual<br />
Poder-se-ia perguntar:<br />
como é possível<br />
uma pessoa achar gostoso<br />
enfrentar complicações?<br />
A resposta é simples.<br />
Em vários jornais do<br />
mundo há uma secção<br />
onde se publicam problemas<br />
de xadrez. Viajando<br />
de ônibus ou de<br />
trem, às vezes há passageiros<br />
procurando solucioná-los.<br />
Tomam as<br />
questões existentes somente<br />
no tabuleiro, não<br />
na própria vida, e gostam<br />
de resolver problemas<br />
difíceis porque pertencem a<br />
uma categoria um pouco mais elevada<br />
do que os amantes do gostoso,<br />
sentados em torno dos chafarizes.<br />
Eles usam a inteligência, que é<br />
uma faculdade tão nobre, não para<br />
conhecer a verdade, o bem, o belo,<br />
Deus, mas porque acham gostoso<br />
acionar o intelecto. Assim, são eles<br />
semelhantes aos indivíduos dos chafarizes.<br />
É comum verem-se nas ruas pessoas<br />
correndo a pé, usando traje o<br />
mais sumário possível, achando que<br />
estão fazendo um bonito papel junto<br />
aos outros.<br />
Antes desse desastre de automóvel<br />
que me semi-imobilizou 3 , eu andava<br />
pouco, pois não gostava de fazê-lo.<br />
E pensava o seguinte: “As minhas<br />
pernas foram feitas para me<br />
carregar e não para que eu as carregue.<br />
Um homem que anda pelo gosto<br />
de andar, vai carregando as perse<br />
pergunta: “Telegrafo ou não para<br />
os Estados Unidos ou Canadá a fim<br />
de fechar um negócio?”<br />
Porém, a maior parte dos passantes<br />
está pensando nos seus próprios<br />
interesses, muito menos cogentes.<br />
Um caminha para o seu escritório,<br />
mas não tem nada de muito importante<br />
para tratar; outro é médico<br />
que vai ver um cliente atingido por<br />
um resfriado muito forte, ao qual ele<br />
quer receitar um remedinho; um terceiro<br />
é homem de negócios que, para<br />
fechar um negociozinho em algum<br />
lugar da Espanha, precisa dar<br />
um telefonema. São coisas que não<br />
preocupam.<br />
Entretanto, são da mesma categoria<br />
daqueles que estão em torno<br />
dos chafarizes. Eles fazem andando<br />
o que os outros fazem sentados. Julgam<br />
que os trabalhos e os problemas<br />
da vida são interessantes e a eles se<br />
dedicam para ganhar dinheiro, pois<br />
este proporciona facilidades<br />
gostosas para a<br />
vida.<br />
Alguns acionam<br />
o intelecto<br />
porque acham<br />
gostoso<br />
28
nas pelo caminho. Eu ando apenas<br />
se for necessário.”<br />
Quando eu era menino me diziam:<br />
— Para você ser um homem forte<br />
é preciso fazer esporte.<br />
Eu cogitava: “Não acredito nessa<br />
balela. Sinto em mim mesmo que<br />
serei um homem razoavelmente forte<br />
e não vou fazer esforço físico, pois<br />
não tenho obrigação de tornar-me<br />
um touro. Preciso pensar, ler, lutar,<br />
tenho um ideal para servir.”<br />
Os que somente pensam em jogar<br />
xadrez são esportistas da cabeça:<br />
não procuram um livro para resolver<br />
um alto problema, nem indagam<br />
sobre as elevadas questões da inteligência<br />
e da vida, porque não lhes interessa.<br />
A seu modo, são vegetativos;<br />
vegetam com o espírito.<br />
Compreendo que uma pessoa jogue<br />
xadrez para descansar o espírito.<br />
É legítimo, como beber água.<br />
Qual a diferença entre a mentalidade<br />
dessas pessoas e os membros<br />
de nosso Movimento?<br />
A parábola do fermento<br />
Considerem uma paróquia. Antigamente<br />
a Espanha era uma nação<br />
com muitas vocações sacerdotais.<br />
Mas deve estar havendo uma infeliz<br />
diminuição dessas vocações.<br />
A Igreja espera e nós esperamos<br />
que, se em cada paróquia com quatro<br />
ou cinco mil fiéis houvesse dois<br />
ou três padres completamente da<br />
Santa Igreja Católica, e contrarrevolucionários,<br />
uma cidade mudaria.<br />
Células de uma alta vitalidade,<br />
com uma missão divina — o sacerdócio<br />
—, e por isso favorecidos especialmente<br />
pelas bênçãos de Deus,<br />
eles poderiam levar quatro ou cinco<br />
mil pessoas. É a realidade evidente.<br />
Nosso Senhor estigmatizou essa<br />
adoração das maiorias numéricas<br />
quando empregou aquela parábola<br />
tão bonita da massa e do fermento,<br />
dizendo aos Apóstolos: “Vós sois<br />
A campanha realiza<br />
o fundamental de<br />
sua tarefa: atrai<br />
os maravilháveis, o<br />
que da Espanha é<br />
espanhol. Através<br />
desse aspecto da alma<br />
espanhola, Dom<br />
Pelayo começou sua<br />
epopéia.<br />
nhas palavras para falar-lhes?” De<br />
fato, alguma delas pode logo depois<br />
ser chamada por Deus, como aconteceu<br />
com o nosso Lúcio 4 , cujo nono<br />
mês de morte se celebra hoje. Tendo<br />
agora um bom movimento, um ato<br />
de amor, poderá receber os últimos<br />
sacramentos e salvar sua alma.<br />
Se cada um de nós durante a campanha<br />
se lembrasse disso sumariamente...<br />
São João Batista Vianey, Cura<br />
d’Ars, na França, viveu no século<br />
XIX e praticava milagres. Foi um<br />
grande Santo.<br />
Dom Chautard, em seu livro magnífico<br />
“A Alma de Todo Apostola-<br />
o fermento. A massa são os outros.<br />
Vós deveis fermentar a massa”.<br />
A cena que presenciei hoje na<br />
Puerta del Sol era o fermento agindo...<br />
Pouco importa que grande número<br />
de pessoas recuse. Não se trata de<br />
transformar tudo em fermento, mas<br />
de fermentar a massa. Assim se reconquista<br />
o país.<br />
O participante da campanha deve<br />
se perguntar: “Como está minha<br />
alma quando vou para a rua? Qual<br />
é o meu grau de fervor e de amor à<br />
nossa Causa? Enquanto estou abordando<br />
as pessoas, etc., lembro-me<br />
de que a Providência está seguindo a<br />
cada um de nós e se servindo de mido”,<br />
o qual lhes recomendo muito,<br />
conta este fato:<br />
Um advogado de Paris viajou até<br />
Ars para conhecer o Santo. Tendo regressado,<br />
um amigo perguntou-lhe:<br />
— O que você foi ver em Ars?<br />
— Fui ver Deus num homem.<br />
Devemos ser mais modestos. Não<br />
suponhamos que se vai ver Deus em<br />
nós; nossa dimensão não é essa, pelo<br />
menos por enquanto. Mas se pode<br />
ver em nós nosso Anjo da Guarda,<br />
no qual se pode ver a Deus.<br />
Em termos mais concretos: pode-se<br />
perceber algum reluzimento<br />
da graça também em nós. E esse é o<br />
ponto essencial da campanha.<br />
Atrair os maravilháveis<br />
Aquelas pessoas que estavam em<br />
torno dos nossos, após lhes ser explicada<br />
a campanha, entendiam melhor<br />
e ficavam maravilhadas.<br />
A campanha realiza o fundamental<br />
de sua tarefa: atrai os maravilháveis,<br />
o que da Espanha é espanhol.<br />
Através desse aspecto da alma espanhola,<br />
Dom Pelayo 5 começou sua<br />
epopéia.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
27/10/1988)<br />
1) Situada no centro de Madri.<br />
2) Palavra criada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> para indicar<br />
a mania de imaginar-se possuidor<br />
de qualidades que não tem, ou<br />
exagerar as que possui.<br />
3) Em 3 de fevereiro de 1975, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
sofreu grave acidente automobilístico,<br />
na estrada Jundiaí-Amparo, Estado<br />
de São Paulo<br />
4) Lúcio Chao. Membro do Movimento<br />
fundado por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, o qual morreu<br />
em Madri, vítima de atropelamento.<br />
5) Dom Pelayo (+ 737), chefe dos visigodos<br />
e Rei das Astúrias; em 718 obteve<br />
a vitória de Covadonga, considerada<br />
como o início da Reconquista<br />
espanhola.<br />
29
Apóstolo do pulchrum<br />
Lição das flores<br />
A rosa, a orquídea, a tulipa, três belas flores criadas por<br />
Deus. Que ensinamentos elas nos dão? Acompanhemos<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na consideração destas maravilhas.<br />
Há três flores que especialmente<br />
me agradam: a tulipa,<br />
a rosa e a orquídea.<br />
A rosa<br />
Fotos: G. Kralj / Arquivo revista<br />
Para meu gosto pessoal, a rosa<br />
ocupa o primeiro lugar entre as flores.<br />
Ela é inteiramente bonita, perfeita<br />
e acabada, é uma glória, uma<br />
beleza, uma maravilha.<br />
A rosa é eminentemente ordenada.<br />
Nela, todas as pétalas estão postas<br />
em ordem e todas as suas formas<br />
de beleza obedecem a um raciocínio.<br />
Eu estaria longe de afirmar que a rosa<br />
é planejada, mas dir-se-ia que, como<br />
que, um poeta a planejou. Sim,<br />
Deus Nosso Senhor a planejou, a<br />
destinou.<br />
Ela tem o perfume próprio à sua<br />
forma de beleza. A rosa tem a beleza<br />
da ordem prevista, racional e explícita,<br />
ela é uma soberba explicitação do<br />
conceito da beleza.<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> no início dos<br />
anos 90. Ao fundo e em<br />
destaque, diversas rosas.<br />
30
31
Apóstolo do pulchrum<br />
A orquídea<br />
Depois da rosa, na escala das flores,<br />
está uma que é abundante no<br />
Brasil e na Colômbia: a orquídea.<br />
Se a rosa traz consigo o esplendor<br />
da ordem, a orquídea é bem o<br />
contrário! Ela é singular, prega surpresas.<br />
Suas pétalas se “movem”<br />
semelhantemente a um ballet. Parece<br />
dançar um ballet vegetal para direções<br />
que ninguém imagina.<br />
Sua parte central possui uma beleza<br />
magnífica, mas imprevista. Algumas<br />
destas flores têm, por exemplo,<br />
uma coloração branco-avermelhada<br />
na orla de suas pétalas que vai<br />
se intensificando e assumindo uma<br />
profunda cor vermelha à medida em<br />
que se aproxima da parte central, de<br />
modo que quanto mais se aproxima<br />
do interior da flor, mais misteriosa fica.<br />
Tem-se a impressão de que há um<br />
vermelhíssimo sublime que não se<br />
mostra, por uma espécie de recato.<br />
Assim, as orquídeas possuem<br />
uma beleza fantasiosa, inesperada,<br />
de uma alta distinção, mas de uma<br />
distinção que parece dizer a quem a<br />
vê: “Confessa que tu não me imaginavas<br />
e que eu sou superior a tudo<br />
quanto pensavas.”<br />
Há um “não me toque” na orquídea,<br />
que faz parte de outra família<br />
de beleza. Não é a beleza da desordem<br />
— porque a desordem não<br />
tem nenhuma forma de beleza —,<br />
mas é uma forma superior da ordem,<br />
que o raciocínio não constrói<br />
e que só a fantasia sabe compor.<br />
Dir-se-ia que a orquídea é semelhante<br />
ao espírito de duas nações latino-americanas<br />
psicologicamente<br />
muito parecidas: Brasil e Colômbia.<br />
O capricho, o inesperado, o entusiasmo;<br />
às vezes, o ressentimento,<br />
a vingança; conforme a ocasião,<br />
a violência, mas sempre seguida<br />
de uma reconciliação afetuosa; todo<br />
este “vai-e-vem temperamental”<br />
muito comum no brasileiro e no colombiano,<br />
estão marcados de alguma<br />
maneira na orquídea.<br />
A orquídea é singular,<br />
prega surpresas. Suas<br />
pétalas se “movem”<br />
semelhantemente a<br />
um ballet : Ela parece<br />
dançar um ballet vegetal<br />
para direções que<br />
ninguém imagina.<br />
Ao fundo, orquídeas de<br />
diversas tonalidades<br />
32
33
Apóstolo do pulchrum<br />
A tulipa<br />
A tulipa, por sua vez, é uma flor<br />
tão bonita que, quando a vemos,<br />
nos perguntamos se algo pode<br />
ser mais belo do que ela. É<br />
grande sua variedade de cores,<br />
mas entre as mais belas<br />
está a bordeaux. Ao contrário<br />
das cores da orquídea,<br />
a tulipa tem uma coloração<br />
leal, estável, definida.<br />
Enquanto a orquídea<br />
é, como que, uma parasita,<br />
o todo da tulipa fala de autossuficiência,<br />
de independência. Ela<br />
se levanta altaneira, e carrega, bem<br />
na ponta, uma espécie de equilíbrio.<br />
É um equilíbrio um pouco altivo,<br />
as próprias folhas cercam a haste e<br />
se desprendem para deixar passar a<br />
haste, a qual vence todos os obstáculos,<br />
se afirma quase como uma lança.<br />
Alguém poderia perguntar: em<br />
síntese, qual é então a beleza da tulipa?<br />
Eu diria que é beleza da harmonia.<br />
Há uma proporção entre a al-<br />
34
Ao analisar um jarro de<br />
tulipas e ver uma de cor<br />
negra entre outras de<br />
diversas cores, vi como<br />
a escura realçava todas<br />
as outras tonalidades,<br />
e compreendi porque<br />
Deus a havia criado.<br />
tura, o diâmetro, o tamanho de cada<br />
pétala, que faz dela uma obra-prima<br />
de coerência. E quando se admira<br />
isto, sente-se alegria de ser um ente<br />
racional, sente-se a beleza da razão.<br />
É uma ordem de belezas no estilo<br />
da maravilhosa Europa: equilibrada,<br />
racional!<br />
Certa vez, ao saber que existiam<br />
tulipas negras, tive certa perplexidade<br />
e me perguntei: “Para que servirá<br />
uma flor preta? Será para cruzes de<br />
Missas de defunto? Eu não compreendo.<br />
Mas haverá uma razão qualquer<br />
para que Deus tenha criado a<br />
tulipa negra.”<br />
Qual não foi minha surpresa<br />
quando, passando de automóvel<br />
por uma rua de Paris,<br />
vi um jarro com tulipas de<br />
várias cores, entre as quais<br />
havia também uma negra,<br />
posto junto à vitrine de<br />
uma loja.<br />
O automóvel passou rápido<br />
— com a rapidez dos<br />
velhos táxis da França —,<br />
e eu arregalei os olhos<br />
com aquilo, mas, sobretudo,<br />
regalei minha inteligência,<br />
compreendendo a razão de ser<br />
daquela maravilha de Deus.<br />
Ao analisar o jarro e ver como a<br />
tulipa negra realçava a beleza de todas<br />
as outras cores, eu compreendi<br />
por que Deus criou as tulipas pretas.<br />
Era tal o contraste produzido por ela<br />
junto às demais cores, que se alguém<br />
quisesse tirá-la de lá eu diria: não tire,<br />
porque é uma das notas mais bonitas<br />
do jarro.<br />
Era uma forma de fantasia racional,<br />
à maneira francesa. Era um teorema<br />
a respeito de cores.<br />
Escala de valores<br />
A análise destas flores nos dá uma<br />
interessante lição:<br />
Para muitos homens, só tem verdadeiro<br />
valor aquilo que for de primeira<br />
ordem; o que for de segunda<br />
não serve para nada, é lixo. Isto não<br />
é verdade, há uma gradação entre as<br />
coisas, a qual nos incita a amar a beleza<br />
própria a cada grau.<br />
Bela como a rosa, para meu gosto,<br />
a tulipa não é. Entretanto, ela não é<br />
de “segunda classe”, no sentido pejorativo<br />
da expressão.<br />
A escala hierárquica não impõe<br />
um achatamento do inferior,<br />
mas sim um<br />
“resplandecimento”<br />
do superior.<br />
Até entre as flores<br />
há uma hierarquia<br />
de valores. Aplicando o<br />
princípio de hierarquia à<br />
análise feita, podemos dizer<br />
que a rosa e a tulipa são<br />
as flores do anti-igualitarismo.<br />
Uma é bela no grau supremo; a<br />
outra, não sendo a primeira, dá a<br />
Deus glória, mostrando a beleza<br />
que há também nos graus intermediários.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
6/3/1971)<br />
35
Minha<br />
mãe, dizei<br />
por mim!<br />
F. Boulay<br />
Minha Mãe, quando Jesus<br />
estava em vosso<br />
claustro, Vós encontrastes<br />
inúmeras coisas para Lhe<br />
dizer; vede, entretanto, que misérias<br />
eu digo no momento<br />
que O recebo na Sagrada<br />
Eucaristia!<br />
Por isso, eu Vos peço:<br />
Falai por mim, minha<br />
Mãe, e dizei a<br />
Ele tudo quanto eu<br />
quereria ser capaz de<br />
dizer, mas não o sou.<br />
Adorai-O como eu quereria<br />
adorá-Lo; dai-Lhe a ação de graças<br />
que eu quereria dar-Lhe; apresentai-Lhe<br />
atos de reparação pelos<br />
meus pecados e pelos do mundo<br />
inteiro com um calor de reparação<br />
que, infelizmente, eu não tenho.<br />
Minha Mãe, pedi por mim e por<br />
todos os homens tudo quanto for<br />
necessário para que realizemos a<br />
vossa glória; porque, minha Mãe,<br />
o que eu peço mais do que tudo é a<br />
vossa glória, o vosso Reino.<br />
Amém.<br />
Nossa<br />
Senhora do<br />
Santíssimo<br />
Sacramento.<br />
(Extraído de conferência<br />
de 24/3/1984)