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Ano X - Nº <strong>111</strong> Junho de 2007<br />
O Coração que tanto<br />
amou os homens...
T. Ring<br />
G. Kralj<br />
Ao recebermos<br />
o Corpo e o Sangue<br />
de Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo na Sagrada Eucaristia,<br />
devemos imaginá-Lo vindo à<br />
nossa alma da mesma forma como<br />
Ele entrava na casa dos doentes<br />
que ia curar: com afeto,<br />
semblante sereno, transbordante<br />
de bondade, disposto<br />
a ouvir e desejoso de fazer<br />
o bem. Em seguida, operava<br />
o milagre, concedia a graça.<br />
Tal é o amor com que o Deus infinito<br />
olha para nossa alma e nos<br />
espera. É para tal intimidade que<br />
nos convida. Nunca seremos tão íntimos<br />
de alguém quanto de Nosso<br />
Senhor, na Sagrada Eucaristia!<br />
(Extraído de conferência<br />
em 15/9/1973)
Sumário<br />
Ano X - Nº <strong>111</strong> Junho de 2007<br />
O Coração que tanto<br />
amou os homens...<br />
Na capa, Sagrado Coração<br />
de Jesus - Catedral de<br />
Montréal, Canadá<br />
(o título alude às palavras<br />
de Nosso Senhor a<br />
Santa Margarida Maria<br />
Alacoque nas aparições<br />
de Paray-le-Monial)<br />
Foto: F. Boulay / G. Kralj<br />
Ano X - Nº <strong>111</strong> Junho de 2007<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
INSC. - 115.227.674.110<br />
Diretor:<br />
Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />
Editorial<br />
4 Dilatar os espaços do amor de Deus<br />
Datas na vida de um cruzado<br />
5 7 de junho de 1978: “Amai a<br />
Santa Igreja Católica Apostólica Romana!”<br />
Dona Lucilia<br />
6 Inocência e maturidade<br />
Conselho Consultivo:<br />
Antonio Rodrigues Ferreira<br />
Carlos Augusto G. Picanço<br />
Jorge Eduardo G. Koury<br />
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
10 Viver e morrer de amor<br />
Redação e Administração:<br />
Rua Santo Egídio, 418<br />
02461-010 S. Paulo - SP<br />
Tel: (11) 6236-1027<br />
E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />
Impressão e acabamento:<br />
Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />
Rua Barão do Serro Largo, 296<br />
03335-000 S. Paulo - SP<br />
Tel: (11) 6606-2409<br />
16 Calendário dos Santos<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
18 Admiração e cortesia<br />
“R-CR” em perguntas e respostas<br />
22 Pormenores do processo revolucionário<br />
Preços da<br />
assinatura anual<br />
Comum . . . . . . . . . . . . . . R$ 85,00<br />
Colaborador . . . . . . . . . . R$ 120,00<br />
Propulsor . . . . . . . . . . . . . R$ 240,00<br />
Grande Propulsor . . . . . . R$ 400,00<br />
Exemplar avulso . . . . . . . R$ 11,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
Tel./Fax: (11) 6236-1027<br />
O Santo do mês<br />
24 São Pedro e São Paulo:<br />
Arautos de Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
30 O maior tesouro de um povo<br />
Última página<br />
36 Largamente atendidos
Editorial<br />
Dilatar os espaços do<br />
amor de Deus<br />
Afesta do Sagrado Coração de Jesus, celebrada pela Igreja no mês de junho, sempre ensejou a <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> piedosos<br />
comentários. Essa devoção tem produzido frutos inestimáveis que não fazem senão se multiplicar ao<br />
longo dos séculos. Em 1941, quando a paz mundial soçobrava nos campos de batalha da Segunda Grande<br />
Guerra, pelas páginas do “Legionário” uma vez mais <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> evocou a infinita bondade do Coração Sagrado de<br />
Jesus, como sendo a única capaz de fechar aquelas sangrentas feridas:<br />
“Insistentemente, têm os Santos Padres recomendado que a humanidade intensifique o culto que presta ao Sagrado<br />
Coração de Jesus a fim de que, regenerado o homem pela graça de Deus e compreendendo que deve ser<br />
Deus o centro de seus afetos, possa reinar [de novo] no mundo aquela tranqüilidade da ordem, da qual mais distante<br />
estamos, quanto mais o mundo descamba pela anarquia.<br />
“Assim, não poderia um jornal católico deixar desapercebida a festa, que há dias transcorreu, do Sagrado Coração.<br />
Não se trata apenas de um dever de piedade imposto pela própria ordem das coisas, mas de um dever que a<br />
tragédia contemporânea torna mais tragicamente premente.<br />
“Não há quem não se alarme com os extremos de crueldade a que pode chegar o homem contemporâneo. Essa<br />
crueldade não se atesta apenas nos campos de batalha. Ela transparece a cada passo, nos grandes e nos pequenos<br />
incidentes da vida de todo dia, através da extraordinária dureza e frieza de coração com que a generalidade das pessoas<br />
trata seus semelhantes. (...)<br />
“Quem diz crueldade diz egoísmo. O homem só prejudica seu próximo por egoísmo, por desejar beneficiar-se de<br />
vantagens a que não tem direito. Assim, pois, o único meio de extirpar a crueldade consiste em extirpar o egoísmo.<br />
“Ora, a teologia nos ensina que o homem só pode ser capaz de verdadeira e completa abnegação de si mesmo quando<br />
seu amor ao próximo é baseado no amor de Deus. Fora de Deus não há, para os afetos humanos, estabilidade nem<br />
plenitude. Ou o homem ama a Deus a ponto de se esquecer de si mesmo, e neste caso ele saberá realmente amar o próximo;<br />
ou o homem se ama a ponto de se esquecer de Deus, e, neste caso, o egoísmo tende a dominá-lo completamente.<br />
“Assim, é só aumentando nos homens o amor de Deus, que se poderá conseguir deles uma profunda compreensão<br />
de seus deveres para com o próximo. Combater o egoísmo é tarefa que implica necessariamente em ‘dilatar os<br />
espaços do amor de Deus’, segundo a belíssima frase de Santo Agostinho.<br />
“Ora, a festa do Sagrado Coração de Jesus é, por excelência, a festa do amor de Deus. Nela, a Igreja nos propõe como<br />
tema de meditações e como alvo de nossas preces o amor terníssimo e invariável de Deus que, feito homem, morreu<br />
por nós. Mostrando-nos o Coração de Jesus a arder de amor a despeito dos espinhos com que O circundamos por nossas<br />
ofensas, a Igreja abre para nós a perspectiva de um perdão misericordioso e largo, de um amor infinito e perfeito, de<br />
uma alegria completa e imaculada, que devem constituir o encanto perene da vida espiritual de todos os verdadeiros católicos.<br />
“Amemos o Sagrado Coração de Jesus. Esforcemo-nos por que essa devoção triunfe autenticamente (e não apenas<br />
através de alguns simbolismos da realidade) em todos os lares, em todos os ambientes e, sobretudo, em todos os<br />
corações. Só assim conseguiremos reformar o homem contemporâneo.<br />
“Ad Jesum per Mariam. Por Maria é que se vai a Jesus. Escrevendo sobre a festa do Sagrado Coração, como não dizer<br />
uma palavra de comoção filial ante esse Coração Imaculado que, melhor do que qualquer outro, compreendeu e amou<br />
o Divino Redentor? Que Nossa Senhora nos obtenha algumas faíscas daquela imensa devoção que tinha ao Sagrado<br />
Coração de Jesus. Que Ela consiga atear em nós um pouco daquele incêndio de amor com que Ela ardeu tão intensamente,<br />
são nossos votos dentro desta oitava suave e confortadora” (Excertos do “Legionário”, nº 458, de 22/6/1941).<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.
Datas na vida de um cruzado<br />
“Amai a Santa Igreja Católica<br />
Apostólica Romana!”<br />
EEm 7 de junho de<br />
1909 recebeu <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> as águas batismais<br />
na igreja de Santa<br />
Cecília, em São Paulo.<br />
Para ele, uma data repassada<br />
de inestimável significado,<br />
pois assinalava sua<br />
condição de cristão e filho<br />
de Deus, bem como a sua<br />
acolhida no seio da Santa<br />
Igreja Católica. Mais tarde,<br />
quando homem feito,<br />
o aniversário de seu Batismo<br />
era ocasião de se comover<br />
de modo particular.<br />
E não foi diferente naquele<br />
ano de 1978 quando,<br />
diante de um auditório repleto<br />
de discípulos, a celebração<br />
dessa data o emocionou<br />
até as lágrimas:<br />
Muitos me viram nos momentos de maior aflição,<br />
como me viram também nos momentos que<br />
poderiam ser chamados de triunfo. Viram-me nas<br />
mais variadas circunstâncias da vida quotidiana.<br />
Porém, nunca me viram — nem no dia da morte<br />
de minha mãe — tão emocionado como no momento<br />
em que se comemora o meu Batismo. Inesperadamente<br />
para mim, e a despeito de minha placidez<br />
habitual, essa emoção veio, veio inteira, a tal<br />
ponto que eu tive de me conter, quando ouvi referência<br />
a um “varão católico apostólico romano”.<br />
Porque é o que eu desejo ser: filho da Igreja!<br />
[Mais de uma vez a voz de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> embarga,<br />
e ele chora.]<br />
Nesta festa de comunicação de almas, em que os<br />
senhores agradecem a Nossa Senhora o dom, que<br />
eu amo desmedidamente, de pertencer à Igreja, recompensa<br />
demasiadamente grande que me foi dada<br />
antes de eu merecer, eu desejaria que os senhores<br />
quisessem a Igreja Católica como eu a quero.<br />
7 de junho de 1978<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> no final da década de 70<br />
A vários neste auditório eu conheço há trinta,<br />
talvez há quarenta anos. A eles todos, continuamente,<br />
não tenho feito outra coisa senão dizer:<br />
“Amai a Santa Igreja Católica Apostólica Romana,<br />
aquela Igreja a quem amo tanto, que me<br />
sinto até incapaz de falar sobre ela. E simplesmente<br />
ao lhe pronunciar o nome, já sou incapaz<br />
de dizer o mundo de elogios e de amor que em<br />
minha alma existe!”<br />
A atitude de minha alma em todos os dias, em<br />
todos os minutos, em todos os instantes é procurar<br />
com os olhos a Igreja Católica e estar imbuído<br />
do espírito dela. E se ela for abandonada<br />
por todos os homens, na medida em que isto seja<br />
possível, sem que deixe de existir, tê-la inteira<br />
dentro de mim. Viver só para Ela, de tal maneira<br />
que eu possa dizer, ao morrer: “Realmente,<br />
fui um varão católico e todo apostólico, romano!<br />
Romano e romano!”<br />
v<br />
(Extraído de conferência em 7/6/1978)<br />
J.C.Dias
Dona Lucilia<br />
Inocência e maturidade<br />
M<br />
amãe sabia, como poucos,<br />
entreter uma criança.<br />
Formada segundo<br />
padrões dos antigos tempos, ela conhecia<br />
o meio de preservar a candura<br />
na alma dos pequenos, não porém<br />
mantendo-os na infantilidade, mas<br />
educando-os numa inocência amadurecedora.<br />
A vida dos adultos<br />
apresentada com<br />
elevação de vistas<br />
Como ela procedia?<br />
Falava às crianças sobre a maneira<br />
de os adultos conduzirem sua<br />
existência, suas inclinações, as lutas,<br />
os dramas que enfrentavam,<br />
etc., apresentando tudo com uma<br />
tão alta elevação de horizontes,<br />
com tanto ideal e tanta seriedade,<br />
que incutia no espírito da criança<br />
os necessários elementos para que<br />
ela maturasse.<br />
Eu mesmo, filho dela, sentia bem<br />
como esse modo de proceder era o<br />
que deveria ser adotado, e desfrutava<br />
um entretenimento único nos fatos<br />
e histórias descritos por mamãe,<br />
porque tudo — até os contos de fada<br />
que nos narrava — era orientado<br />
na direção do nosso amadurecimento.<br />
Acontecia-me de vez ou outra escapar<br />
dos brinquedos com minha irmã<br />
e meus primos e ir procurá-la pela<br />
casa, a fim de pedir que me desfiasse<br />
um de seus contos. Ela ficava<br />
muito comprazida com minha solicitação,<br />
e eu, super-comprazido com<br />
seu acolhimento.<br />
Cumpre dizer que essa forma de<br />
nos educar me preparou para o choque<br />
inevitável que um menino, saído<br />
de seu ambiente familiar — sobretudo<br />
se católico e semeado de valores<br />
morais como era o meu —, teria<br />
com o mundo. Eu caminhava para<br />
esse confronto com os olhos postos<br />
naqueles ideais que mamãe soubera<br />
nutrir em minha alma, e para os<br />
quais eu deveria tender.<br />
Uma inocência<br />
unida à seriedade<br />
É preciso dizer, também, que a seriedade<br />
fazia parte dessa inocência,<br />
ao mesmo tempo manifestada e amparada<br />
por mamãe. Considerando<br />
fotografias de Dª Lucilia ainda moça,<br />
por exemplo, percebe-se como<br />
ela era séria em toda a medida e elevação<br />
possíveis e convenientes à sua<br />
idade. Essa atitude decorria de uma<br />
escola de alma que ensinava como<br />
prolongar a inocência dentro da maturidade,<br />
fazendo-nos compreender<br />
como a inocência não é apenas um<br />
estado de espírito de uma criança,<br />
mas um programa de vida que, em<br />
última análise, leva o homem a cumprir<br />
o primeiro mandamento da Lei<br />
de Deus.<br />
Fantasias de Carnaval<br />
que estimulavam<br />
a inocência<br />
É interessante notar que os dias de<br />
Carnaval ofereciam a mamãe uma<br />
oportunidade especial de estimular em
Fotos: Arquivo revista<br />
A jovem Lucilia já era séria em<br />
toda a medida e elevação possíveis e<br />
convenientes à sua idade<br />
Dona Lucilia aos 16 anos (acima), e com 29<br />
(esquerda), às vésperas de seu casamento<br />
nós a inocência. Todas as crianças da<br />
família se fantasiavam, vestidas pelos<br />
pais. E eu me deixava trajar como Dª<br />
Lucilia quisesse, pois a vontade dela<br />
era indiscutível para mim. Agora, um<br />
detalhe: as fantasias que ela arranjava<br />
sempre tendiam ao sério, ao contrário<br />
de outras que exploravam o burlesco,<br />
impelindo a criança a tomar atitudes<br />
descompostas e apalhaçadas.
Dona Lucilia<br />
Lembro-me de certo ano em que<br />
ela, nas suas delicadas concepções,<br />
planejou para mim uma fantasia de<br />
marajá. Ignorando as características<br />
do personagem que eu iria adotar,<br />
logo quis saber do que se tratava,<br />
e mamãe então me descreveu as belezas<br />
da Índia, com seus lindos palácios,<br />
suas riquezas e mistérios.<br />
— Você, portanto, vai se fantasiar<br />
de marajá! — disse-me ela, num tom<br />
que era um convite longínquo para a<br />
criança encarnar e viver o papel de<br />
soberano hindu por alguns dias.<br />
Recordo que minha fantasia comportava<br />
um turbante feito de várias<br />
sedas, ornado de uma bonita aigret-<br />
Fotos: Arquivo revista
Na página 8:<br />
<strong>Plinio</strong> e Rosée<br />
fantasiados de<br />
marajá e marani;<br />
à direita, com<br />
suas fantasias<br />
de marqueses do<br />
Ancien Régime<br />
As fantasias de<br />
Carnaval idealizadas<br />
por Dona Lucilia —<br />
com as quais vestia seus<br />
filhos — tendiam ao<br />
sério e a estimular a<br />
inocência das crianças,<br />
ao contrário de outras<br />
que exploravam<br />
o burlesco<br />
te que acompanhava os meneios da<br />
cabeça e me dava a impressão de<br />
uma espécie de sismógrafo muito<br />
nobre da alma humana. Além disso,<br />
era presa ao turbante por uma grande<br />
pedra “preciosa”, e esse pormenor<br />
de uma “jóia” incrustada na testa,<br />
da qual se desprendia uma elegante<br />
pluma, parecia mais ou menos<br />
a profundidade do pensamento<br />
da qual se destacava uma construção<br />
alígera...<br />
O resto da roupa era igualmente<br />
de seda, guarnecida de jóias falsas,<br />
anéis, colares, etc. Os sapatos,<br />
com as pontas voltadas para cima e<br />
revestidos de cetim lilás, pareceramme<br />
particularmente graciosos, pois<br />
achei muito feliz a idéia de calçados<br />
que se erguiam da vulgaridade do<br />
chão, como se o seu usuário dissesse:<br />
“Eu toco no solo, mas o melhor<br />
de mim mesmo se faz alheio à poeira.<br />
Por isso viro a ponta para cima.”<br />
Assim como com as fantasias de<br />
outros Carnavais, essa do marajá era<br />
preparada no clima criado por Dª<br />
Lucilia, falando-me com seriedade<br />
acerca do personagem que eu iria representar,<br />
e imaginando uma vestimenta<br />
que, conforme os padrões e as<br />
posses dela, deveria ficar seriamente<br />
bonita. Quer dizer, com inocência<br />
e seriedade, ela tinha empenho em<br />
que eu me apresentasse bem. v<br />
(Extraído de conferência<br />
em 12/6/1982)
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Viver e<br />
morrer de amor<br />
Santa Teresinha do Menino Jesus, declarada por João Paulo II<br />
Doutora da Igreja, foi também brilhante escritora e poetisa: talentos<br />
que exercitou no convento carmelita de Lisieux a fim de propagar o<br />
que ela chamava a sua “pequena via” rumo à santidade. <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> nos<br />
comenta um dos mais célebres poemas da santa, “Vivre d’Amour”.<br />
Entre as diversas poesias escritas por Santa Teresinha<br />
do Menino Jesus, uma é atraente pelo simples<br />
título: “Viver de amor”. Divide-se em duas<br />
partes bem concatenadas: primeiro, a santa fala em viver<br />
de amor; em seguida, em morrer de amor.<br />
Almas purificadas no amor a Deus<br />
Parece-me que os trechos mais característicos da “pequena<br />
via” 1 — fundada por Santa Teresinha — são estes:<br />
Viver de amor é banir todo o temor!<br />
Toda lembrança das faltas do passado.<br />
De meus pecados não vejo na minha alma nenhuma<br />
marca,<br />
Pois num instante o amor tudo apagou.<br />
Chama divina, ó doce fornalha,<br />
Em teu seio eu fixo minha habitação;<br />
E em tuas labaredas canto à vontade:<br />
Eu vivo de amor!<br />
O belo pensamento contido nessa estrofe pode ser<br />
assim interpretado: naqueles que são incapazes de<br />
grandes lutas e embates, e seguem a “pequena via”, a<br />
ação da graça é tão profunda que eles se deixam conduzir<br />
pelo enlevo por Nosso Senhor Jesus Cristo e<br />
Nossa Senhora. Enquanto na grande via, normalmente,<br />
os pecados deixam durante muito tempo — e às vezes,<br />
pela vida inteira — seu rastro, nas almas que vivem<br />
de amor, as da “pequena via”, não devem se lembrar<br />
nem se preocupar com suas faltas passadas, porque<br />
o amor de Deus as tocou e consumiu todas as marcas<br />
daquelas misérias.<br />
Então, cumpre não ter mais pensamentos que perturbem<br />
e desnorteiem, mas dirigir os olhos apenas para o<br />
Altíssimo, e compreender que, para as almas da “pequena<br />
via”, o amor de Deus queima e purifica tudo. Em nada<br />
lhes aproveita, pois, falar do passado.<br />
Grande tesouro num vaso mortal<br />
Nessa poesia há outra parte que, sob certo ponto de<br />
vista, é ainda mais ousada. Não fala dos pecados passados,<br />
remotos — já sepultados, porque a alma deles se arrependeu,<br />
e a respeito dos quais parece mais especialmente<br />
tratar o trecho anterior — mas de certas faltas que<br />
a pessoa, de vez em quando, volta a cometer. Assim, diz<br />
Santa Teresinha:<br />
Viver de amor é guardar em si mesmo<br />
Um grande tesouro num vaso mortal.<br />
Meu bem-amado, a minha fraqueza é extrema,<br />
Ah! Como estou longe de ser um anjo do Céu!<br />
Tais palavras denotam o receio de Santa Teresinha<br />
em cometer algum pecado. Ela, uma santa tão grande,<br />
10
porém da “pequena via”, acentua o pensamento<br />
de que é um vaso mortal, capaz<br />
de se quebrar com facilidade. Portanto,<br />
achava-se distante de ser um anjo<br />
do Céu e podia cair em pecado.<br />
(Continua na página 14)<br />
S. Holmmann<br />
Santa<br />
Teresinha<br />
do Menino<br />
Jesus -<br />
Convento<br />
Carmelita<br />
de Sevilha,<br />
Espanha<br />
11
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Vivre d’Amour !...<br />
Au soir d’Amour, parlant sans parabole<br />
Jésus disait: “Si quelqu’un veut m’aimer<br />
“Toute sa vie qu’il garde ma Parole<br />
“Mon Père et moi viendrons le visiter.<br />
“Et de son coeur faisant notre demeure<br />
“Venant à lui, nous l’aimerons toujours!...<br />
“Rempli de paix, nous voulons qu’il demeure<br />
“En notre Amour!...”<br />
Vivre d’Amour, c’est bannir toute crainte<br />
Tout souvenir des fautes du passé.<br />
De mes péchés je ne vois nulle empreinte,<br />
En un instant l‘amour a tout brûlé.....<br />
Flamme divine, ô très douce Fournaise!<br />
En ton foyer je fixe mon séjour<br />
C’est en tes feux que je chante à mon aise:<br />
“Je vis d’Amour!...”<br />
Vivre d’Amour, c’est te garder Toi-Même<br />
Verbe incréé, Parole de mon Dieu,<br />
Ah ! tu le sais, Divin Jésus, je t’aime<br />
L’Esprit d’Amour m’embrase de son feu.<br />
C’est en t’aimant que j’attire le Père<br />
Mon faible coeur le garde sans retour.<br />
O Trinité ! vous êtes Prisonnière<br />
De mon Amour!...<br />
Vivre d’Amour, c’est garder en soi-même<br />
Un grand trésor en un vase mortel<br />
Mon Bien-Aimé, ma faiblesse est extrême<br />
Ah je suis loin d’être un ange du ciel!...<br />
Mais si je tombe à chaque heure qui passe<br />
Me relevant tu viens à mon secours,<br />
A chaque instant tu me donnes ta grâce<br />
Je vis d’Amour.<br />
Vivre d’Amour, c’est vivre de ta vie,<br />
Roi glorieux, délice des élus.<br />
Tu vis pour moi, caché dans une hostie<br />
Je veux pour toi me cacher,ô Jésus!<br />
A des amants, il faut la solitude<br />
Un coeur à coeur qui dure nuit et jour<br />
Ton seul regard fait ma béatitude<br />
Je vis d’Amour!...<br />
Vivre d’Amour, c’est naviguer sans cesse<br />
Semant la paix, la joie dans tous les coeurs<br />
Pilote Aimé, la Charité me presse<br />
Car je te vois dans les âmes mes soeurs<br />
La Charité voilà ma seule étoile<br />
A sa clarté je vogue sans détour<br />
J’ai ma devise écrite sur ma voile:<br />
“Vivre d’Amour.”<br />
Vivre d’Amour, ce n’est pas sur la terre<br />
Fixer sa tente au sommet du Thabor.<br />
Avec Jésus, c’est gravir le Calvaire,<br />
C’est regarder la Croix comme un trésor!...<br />
Au Ciel je dois vivre de jouissance<br />
Alors l’épreuve aura fui pour toujours<br />
Mais exilée je veux dans la souffrance<br />
Vivre d’Amour.<br />
Vivre d’Amour, lorsque Jésus sommeille<br />
C’est le repos sur les flots orageux<br />
Oh ! ne crains pas, Seigneur, que je t’éveille<br />
J’attends en paix le rivage des cieux...<br />
La Foi bientôt déchirera son voile<br />
Mon Espérance est de te voir un jour<br />
La Charité enfle et pousse ma voile<br />
Je vis d’Amour!...<br />
Vivre d’Amour, c’est donner sans mesure<br />
Sans réclamer de salaire ici-bas<br />
Ah ! sans compter je donne étant bien sûre<br />
Que lorsqu’on aime, on ne calcule pas!...<br />
Au Coeur Divin, débordant de tendresse<br />
J’ai tout donné... légèrement je cours<br />
Je n’ai plus rien que ma seule richesse<br />
Vivre d’Amour.<br />
Vivre d’Amour, c’est, ô mon Divin Maître<br />
Te supplier de répandre tes Feux<br />
En l’âme sainte et sacrée de ton Prêtre<br />
Qu’il soit plus pur qu’un séraphin des cieux!...<br />
Ah ! glorifie ton Eglise Immortelle<br />
A mes soupirs, Jésus ne sois pas sourd<br />
Moi son enfant, je m’immole pour elle<br />
Je vis d’Amour.<br />
12
Vivre d’Amour, c’est essuyer ta Face<br />
C’est obtenir des pécheurs le pardon<br />
O Dieu d’Amour! Qu’ils rentrent dans ta grâce<br />
Et qu’à jamais ils bénissent ton Nom....<br />
Jusqu’à mon coeur retentit le blasphème<br />
Pour l’effacer, je veux chanter toujours:<br />
“Ton Nom Sacré, je l’adore et je l’Aime<br />
Je vis d’Amour!...”<br />
Mourir d’Amour, c’est un bien doux martyre<br />
Et c’est celui que je voudrais souffrir.<br />
O Chérubins ! accordez votre lyre,<br />
Car je le sens, mon exil va finir!...<br />
Flamme d’Amour, consume-moi sans trêve<br />
Vie d’un instant, ton fardeau m’es bien lourd!<br />
Divin Jésus, réalise mon rêve:<br />
Mourir d’Amour!...<br />
Vivre d’Amour, c’est imiter Marie,<br />
Baignant de pleurs, de parfums précieux,<br />
Tes pieds divins, qu’elle baise ravie<br />
Les essuyant avec ses longs cheveux...<br />
Puis se levant, elle brise le vase<br />
Ton Doux Visage elle embaume à son tour.<br />
Moi, le parfum dont j’embaume ta Face<br />
C’est mon Amour!...<br />
Mourir d’Amour, voilà mon espérance<br />
Quand je verrai se briser mes liens<br />
Mon Dieu sera ma Grande Récompense<br />
Je ne veux point posséder d’autres biens.<br />
De son Amour je veux être embrasée<br />
Je veux Le voir, m’unir à Lui toujours<br />
Voilà mon Ciel... voilà ma destinée:<br />
Vivre d’Amour!!!...<br />
“Vivre d’Amour, quelle étrange folie!”<br />
Me dit le monde, “Ah! cessez de chanter,<br />
“Ne perdez pas vos parfums, votre vie,<br />
“Utilement sachez les employer!...”<br />
T’aimer, Jésus, quelle perte féconde!...<br />
Tous mes parfums sont à toi sans retour,<br />
Je veux chanter en sortant de ce monde:<br />
“Je meurs d’Amour!”<br />
Ampulheta e<br />
lâmpada usadas<br />
por Santa<br />
Teresinha do<br />
Menino Jesus -<br />
Carmelo de<br />
Lisieux, França<br />
S. Hollmmann<br />
13
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Proteção e ternura especiais de Deus<br />
Mas, nas horas de fraqueza, Nosso Senhor a socorre,<br />
a levanta: Tu vens a mim, Tu me dás tua graça, eu vivo de<br />
amor. Quer dizer, a cada momento em que a pessoa comete<br />
uma falta — diz a Escritura que o justo peca sete<br />
vezes, isto é, tem falhas, lacunas, lapsos — e pede perdão,<br />
Nosso Senhor oscula essa alma e remedeia os efeitos<br />
do pecado praticado.<br />
Assim, com toda a tranqüilidade, apesar da borrasca<br />
em que está, a pessoa pode viver de amor. Trata-se de<br />
uma proteção e uma ternura especialíssimas de Deus para<br />
com as almas pequenas que se deixam enlevar e consumir<br />
por esta forma de amor para com Ele.<br />
Como se vê, é a idéia fundamental da “pequena via<br />
— como, aliás, do espírito de Santa Teresinha — expressa<br />
com muita meiguice, de um lado, e de outro, com muita<br />
força e sabor.<br />
Segundo a idéia essencial<br />
da “pequena via”, expressa<br />
com meiguice e força por<br />
Santa Teresinha, pode-se<br />
viver de amor, sob a terna<br />
proteção de Deus,<br />
mesmo quando<br />
nos achamos em meio às<br />
piores provações<br />
“Realiza-se o meu sonho,<br />
morrer de amor”<br />
Por fim, ela fala em morrer de amor:<br />
Morrer de amor é um bem doce martírio.<br />
É aquele que eu gostaria de sofrer.<br />
Ó Querubins, afinai vossas liras<br />
Porque eu sinto: meu exílio vai terminar;<br />
Dardo inflamado, consuma-me sem cessar,<br />
Vida transitória, teu fardo me é bem pesado.<br />
Divino Jesus, realiza-se o meu sonho:<br />
Morrer de amor!...<br />
Morrer de amor, eis a minha esperança<br />
Quando se romperem os meus laços.<br />
Meu Deus será minha grande recompensa.<br />
Outros bens não desejo possuir.<br />
De seu amor quero ser inflamada,<br />
Quero vê-Lo, unir-me a Ele eternamente.<br />
Eis o meu Céu, eis o meu destino:<br />
Viver de amor!!!<br />
Percebe-se que havia na alma de Santa Teresinha um<br />
sopro do Espírito Santo para que ela se consagrasse como<br />
vítima ao Amor Misericordioso, e aceitar essa forma<br />
de martírio prematuro em benefício das almas que deveriam<br />
ser salvas. Mais do que isso: para o serviço e a glória<br />
de Deus.<br />
Ela deseja morrer de amor a Deus e prevê, pressente<br />
— por essas premunições interiores misteriosas da<br />
graça — que o enlevo haveria de crescer em sua alma<br />
a ponto de lhe tirar a vida. Então, sentindo que a morte<br />
se aproxima, ela a saúda como uma libertadora que<br />
lhe romperá o cárcere do corpo, permitindo-lhe, afinal,<br />
tocar nas paragens magníficas onde se encontra Deus<br />
14
Fotos: S. Hollmann<br />
Acima, imagem de Santa Teresinha<br />
morta - Carmelo de Lisieux, França; à<br />
esquerda, pinturas de Santa Teresinha,<br />
com símbolos evocativos de sua “pequena<br />
via” - Carmelo de Lisieux, França<br />
Nosso Senhor. Ou seja, o Paraíso Celeste, no qual ela<br />
espera viver eternamente.<br />
Viver de amor, morrer de amor: este é o tocante<br />
pensamento de Santa Teresinha, expresso em sua bela<br />
poesia. <br />
v<br />
(Extraído de conferência na década de 1970)<br />
1 ) Conforme o pensamento de Santa Teresinha, trata-se da via<br />
do reconhecimento da própria fraqueza e da ausência de<br />
coragem, de força de vontade para enfrentar imensos sacrifícios.<br />
E da convicção de que Nosso Senhor se compadece<br />
das almas fracas, pequenas em comparação com a dos grandes<br />
santos do passado, assistindo-as com bondade e abundância<br />
de graças que suprem nelas as lacunas de dons maiores<br />
que a natureza não lhes proporcionou (cf. “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>”<br />
nº 91, outubro de 2005).<br />
15
Calendário dos Santos<br />
1. São Justino, Mártir. Um dos<br />
padres da Igreja, grande apologista,<br />
explanador da Eucaristia e do Batismo.<br />
Sofreu o martírio sob Marco<br />
Aurélio, no ano 165.<br />
V. Toniolo<br />
2. Santos Marcelino, Presbítero,<br />
e Pedro, exorcista. Mártires sob<br />
Diocleciano, em 304.<br />
3. Domingo da Santíssima Trindade.<br />
4. São Quirino, Bispo e Mártir<br />
na atual Hungria, em 308.<br />
5. São Bonifácio, Bispo de Magúncia<br />
e Mártir, + 754. Nascido na<br />
Inglaterra (chamava-se Winifrith), o<br />
Papa São Gregório Magno o enviou<br />
ao território que hoje corresponde à<br />
Alemanha, onde foi denodado apóstolo.<br />
Evangelizou especialmente a<br />
Turíngia, a Frisônia e o Hesse. Sofreu<br />
o martírio aos 73 anos.<br />
6. São Norberto, Bispo de Magdeburgo<br />
e fundador dos Premonstratenses<br />
(da abadia de Premontré,<br />
França), 1080-1134.<br />
7. São Sabiniano, Monge, Mártir<br />
em Córdoba, Espanha, séc. IX.<br />
Beata Marie Therèse de Soubiran<br />
la Loubière, 1834-1889. Fundadora<br />
da “Sociedade de Maria<br />
Auxiliadora”. Expulsa da própria<br />
congregação, morreu nas Irmãs<br />
da Caridade, em Paris. Sua memória<br />
só foi reivindicada por uma<br />
nova superiora, um ano após a sua<br />
morte.<br />
8. São Medardo, Bispo de Noyon<br />
e Tournai, 475-560.<br />
9. Santo Efrém, o Sírio, + 373.<br />
Eremita em Edessa, deixou maravilhosos<br />
hinos musicados e homilias.<br />
São Romualdo (direita) e seus discípulos<br />
16
10. Corpus Christi. Solenidade<br />
do Corpo e Sangue do Senhor, verdadeiramente<br />
presente na Eucaristia.<br />
Festa nascida na Bélgica, no século<br />
XIII, estendia pelo Papa Urbano<br />
IV a toda a Igreja em 1264,<br />
quando ocorreu o célebre milagre<br />
eucarístico de Bolsena. São Tomás<br />
escreveu para ela a incomparável<br />
seqüência Lauda Sion, um dos ápices<br />
do gregoriano.<br />
11. São Barnabé. Embora discípulo<br />
dos primeiros seguidores de<br />
Jesus, São Lucas o chama de verdadeiro<br />
apóstolo. Teve o nome mudado<br />
de José para Barnabé, que significa<br />
“filho da consolação”.<br />
12. Santo Onófrio, séc. IV. Eremita<br />
na Capadócia.<br />
13. Santo Antônio de Pádua. Nascido<br />
em Lisboa, faleceu em Pádua,<br />
em 1231. Pouco depois de ter sido ordenado<br />
sacerdote nos cônegos regulares<br />
de Santo Agostinho conheceu a<br />
ordem franciscana, na qual ingressou.<br />
Dedicou-se ao ensino da teologia aos<br />
seus irmãos de hábito e à pregação.<br />
Foi declarado Doutor da Igreja.<br />
14. Santo Eliseu, Profeta do Antigo<br />
Testamento.<br />
15. Solenidade do Sagrado Coração<br />
de Jesus. Em 16 de junho<br />
de 1675, Nosso Senhor apareceu<br />
a Santa Margarida Maria Alacoque,<br />
mostrando seu Coração rodeado<br />
de chamas de amor, coroado de<br />
espinhos e com uma ferida aberta<br />
da qual brotava sangue. Do interior<br />
dele saía uma cruz. Santa Margarida<br />
ouviu Jesus dizer: “Eis aqui<br />
o Coração que tanto amou os homens<br />
e, em troca, da maior parte<br />
deles não recebe senão ingratidão,<br />
irreverência e desprezo...”<br />
* Junho *<br />
G. Kralj<br />
Santo Antônio de Pádua<br />
16. Solenidade do Coração Imaculado<br />
de Maria.<br />
17. 11º Domingo do Tempo Comum.<br />
18. Santa Marina, Virgem e Mártir<br />
na Pisídia (atual Turquia), + 305.<br />
19. São Romualdo, Abade, +<br />
1027. Levou vida eremítica e fundou<br />
vários mosteiros. Combateu os<br />
maus costumes na vida monástica.<br />
20. Beata Margarida Ebner, Virgem,<br />
+ 1371. Religiosa do mosteiro<br />
dominicano de Medingen (Baviera),<br />
deixou obras escritas sobre suas<br />
experiências místicas.<br />
21. São Luís Gonzaga, religioso,<br />
1568-1591. Nascido dos marqueses<br />
de Castiglione, abandonou o mundo<br />
para ingressar na Companhia de Jesus.<br />
Morreu ainda muito jovem, em<br />
virtude de moléstia contraída ao cuidar<br />
dos doentes nos hospitais. Considerado<br />
um modelo de pureza para<br />
a juventude de todos os tempos.<br />
22. São Paulino de Nola. Nasceu<br />
em Bordeaux, na Gália, em 355.<br />
Entrou na vida monástica, foi ordenado<br />
sacerdote em Barcelona e dirigiu-se<br />
à Itália, onde o elegeram<br />
para Bispo de Nola, na Campania.<br />
Morreu em 431.<br />
23. São Lanfranco, Bispo de Pavia,<br />
+ 1194.<br />
24. Solenidade da natividade de<br />
São João Batista.<br />
25. São Guilherme de Vercelli,<br />
Abade e Fundador, + 1142.<br />
26. São Josemaria Escrivá de<br />
Balaguer, Presbítero e Fundador,<br />
1902-1975. Nascido em Barbastro<br />
(Aragão), fundou a Sociedade Sacerdotal<br />
da Santa Cruz (Opus Dei),<br />
hoje Prelatura Pessoal difundida<br />
em muitos países.<br />
27. São Cirilo de Alexandria,<br />
Bispo e Doutor da Igreja, 370-444.<br />
28. Santo Irineu, Bispo e Mártir,<br />
130-200. Nascido em Esmirna,<br />
foi discípulo de São Policarpo,<br />
Bispo dessa cidade, o qual por sua<br />
vez tinha sido discípulo de São João<br />
Evangelista. Tornou-se Bispo de<br />
Lyon e combateu o gnosticismo.<br />
29. Santos Pedro e Paulo, Apóstolos.<br />
O Primeiro Papa e o Apóstolo<br />
dos Gentios, colunas da Igreja de<br />
Roma. (Ver artigo na página 24.)<br />
30. Protomártires Romanos. Foram<br />
vítimas da primeira perseguição<br />
contra a Igreja, ordenada pelo<br />
imperador Nero, após o incêndio<br />
de Roma, em 64.<br />
17
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Admiração e cortesia<br />
A elevação, suavidade e elegância no convívio humano que reluziram<br />
de modo especial em outras quadras históricas, constituem um<br />
acervo da Civilização Cristã. Segundo <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, os desajustes nos<br />
relacionamentos originam-se, sobretudo, do fato de o homem se afastar<br />
do amor a Deus e concentrar-se em si próprio.<br />
Q<br />
uando conversamos com alguém,<br />
devemos ter em vista<br />
as vantagens espirituais<br />
de nosso interlocutor e, de outro lado,<br />
os interesses da Igreja. Se começamos<br />
a pensar em nossos próprios<br />
benefícios, surgem mil misérias que<br />
não nos é difícil imaginar.<br />
O egoísmo desnatura<br />
o convívio humano<br />
Na verdade, os outros têm uma<br />
extraordinária sensibilidade para<br />
perceber se, em relação a eles, estamos<br />
agindo de modo interesseiro<br />
ou não. Podem não exprimi-lo nem<br />
conscientizá-lo, mas em seu subconsciente<br />
algo dessa percepção permanece.<br />
Portanto, para agir bem é necessário<br />
um completo desinteresse<br />
de si e desejar apenas as vantagens<br />
da Igreja e da alma com quem tratamos.<br />
Importa distinguir aqui o que chamamos<br />
de interesse, pois podemos,<br />
legitimamente, defender nosso próprio<br />
direito. Há, porém, dois modos<br />
de fazê-lo. O primeiro consiste em<br />
agir em função de Deus, o qual deseja<br />
que nosso direito seja respeita-<br />
18
“Só a cortesia não<br />
nos adiantará em<br />
nosso apostolado,<br />
se manifestarmos<br />
egoísmo e interesse no<br />
relacionamento com o<br />
próximo”<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> aos 80 anos; Festa campestre<br />
na corte de Borgonha, século<br />
XVI - Museu de Dijon, França<br />
Fotos: S. Hollmann / S. Miyasaki<br />
19
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
do; o segundo, em defender com ferocidade<br />
alguma vantagem implícita<br />
nesse direito. São atitudes muito diferentes.<br />
Exemplifico.<br />
Se alguém comete uma injustiça a<br />
meu respeito, tenho dois motivos para<br />
reagir. Antes de tudo, sendo a injustiça<br />
um pecado e, portanto, contrária<br />
à glória de Deus, devo ser incompatível<br />
com ela e impugná-la.<br />
Outra razão de me indignar é ter em<br />
vista, não a causa de Deus, mas meu<br />
lucro pessoal. Quer dizer, como meu<br />
interesse foi lesado, posso até alegar<br />
em meu favor os cânones da moral.<br />
Esta, porém, passa a funcionar quase<br />
como pretexto e não como o motivo<br />
principal de minha defesa.<br />
Em virtude da natureza humana<br />
decaída, o interesse próprio facilmente<br />
se hipertrofia, degenera-se e<br />
redunda numa explosão de egoísmo.<br />
E este deturpa, desnatura e corrói o<br />
convívio humano.<br />
Ao desapegado, o<br />
Espírito Santo inspira<br />
a agir retamente<br />
Poder-se-ia, então, perguntar:<br />
quais as palavras adequadas<br />
para nos defendermos?<br />
Respondo com um conselho<br />
do Divino Mestre.<br />
Nosso Senhor recomendou<br />
aos Apóstolos que,<br />
ao serem arrastados à<br />
presença das autoridades<br />
na sinagoga, não se<br />
preocupassem com o<br />
que haveriam de dizer, pois o Espírito<br />
Santo lhes poria nos lábios as palavras<br />
necessárias para responderem<br />
dignamente (Mt 10, 17-19).<br />
O mesmo sucede em nosso apostolado<br />
ao tratarmos com aqueles que<br />
a Providência coloca em nosso caminho,<br />
inclusive pessoas influentes na<br />
sociedade: se formos desapegados,<br />
não precisamos nos perturbar, pois<br />
o Espírito Santo — que habita como<br />
num templo na alma em estado de<br />
graça — de um ou outro modo nos<br />
Se formos<br />
desapegados, não<br />
nos perturbemos: o<br />
Espírito Santo nos<br />
inspirará a agir<br />
de modo certo<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1994<br />
instruirá para agirmos retamente. E<br />
se, por qualquer falta de sagacidade<br />
ou de tino diplomático, atuarmos de<br />
modo não ideal, mas bem-intencionados,<br />
Nossa Senhora fará redundar<br />
o mal em bem.<br />
Cultivar a cortesia<br />
“saint-simoniana”<br />
Outra objeção poderia ainda<br />
ser levantada: “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, de nada<br />
adianta então ter a elevação e suavidade<br />
de trato do Duque de Saint-<br />
Simon [ver quadro em destaque], tão<br />
salientado pelo senhor, pois tudo se<br />
reduz à vida espiritual”.<br />
Não é correto. Suponhamos o<br />
caso de uma pessoa chamada a discutir<br />
para defender a doutrina católica.<br />
Para tanto existem a teologia<br />
e a filosofia (a Suma Teológica<br />
de São Tomás de Aquino, por<br />
exemplo), as quais fornecem o aparelhamento<br />
magnífico de raciocínios<br />
que provam a veracidade da<br />
Santa Igreja Católica Apostólica<br />
Romana. É a apologética.<br />
Se essa pessoa cultivou seu espírito,<br />
ou se não pôde estudar por falta<br />
S. Miyasaki<br />
20
Duque de Saint-Simon<br />
(1675-1755)<br />
G. Kralj<br />
Nascido em Paris, recebeu cuidadosa educação e<br />
abraçou a carreira das armas, onde obteve assinalados<br />
êxitos militares.<br />
Deixou o exército em 1702 e a partir de então viveu,<br />
ora na corte de Versailles, ora em seu castelo de<br />
La Ferté-Vidame.<br />
Em 1723, após a morte do Regente — Duque<br />
Filipe de Orleáns, sobrinho de Luís XIV —, Saint-<br />
Simon retirou-se em seu castelo, onde redigiu suas<br />
célebres “memórias”, uma das obras-primas da prosa<br />
francesa.<br />
Com profundo senso de observação e de modo<br />
atraente, Saint-Simon descreve os principais personagens<br />
de seu tempo e narra os mil pequenos<br />
fatos de vida da corte, abrangendo o período de<br />
1691 a 1723. Em suas memórias Saint-Simon revive<br />
todo o reino de Luís XIV (acima)<br />
de meios materiais, ou o fez — sem<br />
culpa própria — de modo incompleto,<br />
imperfeito, o Espírito Santo,<br />
a rogos de Nossa Senhora, a ajudará<br />
e abençoará para que sua ação se<br />
torne útil e fecunda, a fim de salvar<br />
as almas. Porém, se por preguiça ela<br />
não estudou apologética, o Divino<br />
Espírito Santo certamente não a favorecerá,<br />
pois ele não supre as mazelas<br />
dos negligentes.<br />
Ora, o que se dá com a doutrina<br />
sucede também com a cortesia<br />
e o saint-simonianismo. Quem possui<br />
os meios e o tempo para aprendê-los,<br />
deve fazê-lo. Quem não<br />
tem, confie em Nossa Senhora, seja<br />
desinteressado e seu trato fará<br />
bem às almas. Insisto: o saint-simonianismo<br />
não aproveitará ao egoísta<br />
nem será útil àqueles que manifestam<br />
um tratamento interesseiro,<br />
pois este corrompe tudo. Nas<br />
relações e conversas com o próximo,<br />
cumpre ser abnegado, amar seriamente<br />
a Deus e ao nosso semelhante<br />
por amor de Deus.<br />
Pela admiração se<br />
aprende o “saintsimonianismo”<br />
Como se aprende e se cultiva essa<br />
forma de cortesia a que chamamos<br />
de saint-simoniana?<br />
Posso responder evocando meu<br />
exemplo pessoal. Aprendi, primeiramente,<br />
de modo vivo e direto —<br />
aliás, o mais importante —, prestando<br />
atenção, admirando, procurando<br />
entender, na medida do possível,<br />
as pessoas com alguma tradição<br />
saint-simoniana com as quais convivi<br />
desde pequeno. Entre elas a fräulein<br />
Mathilde, nossa preceptora, alguns<br />
parentes e conhecidos que freqüentavam<br />
minha casa ou que eram<br />
visitados por mim, e em cuja educação<br />
refulgiam belos traços da formação<br />
dos antigos tempos.<br />
Com o passar dos anos tornei-me<br />
ávido de conhecer mais, compreendi<br />
a beleza desse modo de ser, entendendo<br />
tratar-se não apenas de um<br />
dote mundano, mas, acima dos defeitos<br />
do personagem em si, de um<br />
valor da civilização católica. Então,<br />
quando me caiu nas mãos uma compilação<br />
de textos de Saint-Simon, minha<br />
alma teve sede de tomar contato<br />
com a obra completa dele. Li, sublinhei<br />
e reli os vários volumes, e confesso<br />
“invejar” os que ainda não os<br />
leram, pois podem ter a alegria — já<br />
saboreada por mim — de fazê-lo pela<br />
primeira vez...<br />
Portanto, àqueles que é dado ler<br />
Saint-Simon, alegrem-se! Os que não<br />
o conseguem, não chorem, pois há algo<br />
melhor do que isto: se nos ambientes<br />
autenticamente católicos encontrarem<br />
algumas pessoas saint-simonianas,<br />
procurem admirá-las e entendê-las.<br />
Sobretudo, almejem ser inteiramente<br />
desinteressados, e o Divino Espírito<br />
Santo lhes ensinará o resto. Máxime<br />
se devotos de Nossa Senhora, por<br />
meio de quem obtemos todas as graças<br />
do Céu. <br />
v<br />
(Extraído de conferência<br />
em 22/5/1970)<br />
21
“R-CR” em perguntas e respostas<br />
Pormenores do<br />
processo revolucionário<br />
A partir do século XIV uma transformação de mentalidade exerceu<br />
profunda influência na linguagem, nas artes e nos lazeres, fazendo<br />
com que os corações se afastassem do zelo pela ortodoxia e do amor à<br />
Cruz de Cristo, enquanto no terreno político o absolutismo dos legistas<br />
fascinava príncipes e governantes. <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> analisa a derrocada da<br />
ordem medieval, corroída pela Revolução.<br />
O processo revolucionário é uma seqüência fortuita de<br />
causas e efeitos?<br />
“Este processo não deve ser visto como uma seqüência<br />
toda fortuita de causas e efeitos, que se foram sucedendo<br />
de modo inesperado. Já em seu início possuía esta<br />
crise as energias necessárias para reduzir a atos todas as<br />
suas potencialidades, que em nossos dias conserva bastante<br />
vivas para causar por meio de supremas convulsões<br />
as destruições últimas que são seu termo lógico” (p. 26).<br />
A Revolução sofre influência de fatores exteriores?<br />
Influenciada e condicionada em sentidos diversos, por<br />
fatores extrínsecos de toda ordem — culturais, sociais,<br />
econômicos, étnicos, geográficos e outros — e seguindo<br />
por vezes caminhos bem sinuosos, vai ela no entanto progredindo<br />
incessantemente para seu trágico fim” (p. 26).<br />
Apego crescente aos prazeres terrenos<br />
Como a sede de prazeres terrenos foi minando a sociedade,<br />
em fins da Idade Média?<br />
“No século XIV começa a observar‐se, na Europa cristã,<br />
uma transformação de mentalidade que ao longo do<br />
século XV cresce cada vez mais em nitidez. O apetite dos<br />
prazeres terrenos se vai transformando em ânsia. As diversões<br />
se vão tornando mais freqüentes e mais suntuosas.<br />
Os homens se preocupam sempre mais com elas.<br />
Nos trajes, nas maneiras, na linguagem, na literatura e na<br />
arte o anelo crescente por uma vida cheia de deleites da<br />
fantasia e dos sentidos vai produzindo progressivas manifestações<br />
de sensualidade e moleza” (p. 26-27).<br />
De que modo a seriedade e a austeridade foram abaladas?<br />
“Há um paulatino deperecimento da seriedade e da<br />
austeridade dos antigos tempos. Tudo tende ao risonho,<br />
ao gracioso, ao festivo. Os corações se desprendem gradualmente<br />
do amor ao sacrifício, da verdadeira devoção<br />
à Cruz, e das aspirações de santidade e vida eterna. A<br />
Cavalaria, outrora uma das mais altas expressões da austeridade<br />
cristã, se torna amorosa e sentimental, a literatura<br />
de amor invade todos os países, os excessos do luxo<br />
e a conseqüente avidez de lucros se estendem por todas<br />
as classes sociais” (p. 27).<br />
Orgulho e relaxamento na ortodoxia<br />
Cite alguns exemplos de manifestações de orgulho, ocorridos<br />
nessa época.<br />
“Tal clima moral, penetrando nas esferas intelectuais,<br />
produziu claras manifestações de orgulho, como o gosto<br />
pelas disputas aparatosas e vazias, pelas argúcias inconsistentes,<br />
pelas exibições fátuas de erudição, e lisonjeou<br />
velhas tendências filosóficas, das quais triunfara a Escolástica,<br />
e que já agora, relaxado o antigo zelo pela integridade<br />
da Fé, renasciam em aspectos novos” (p. 27).<br />
22
“Há um paulatino<br />
deperecimento da seriedade<br />
e da austeridade dos antigos<br />
tempos, bem como das<br />
aspirações de santidade e<br />
vida eterna...”<br />
Que papel desempenharam, então, os legistas?<br />
“O absolutismo dos legistas, que se engalanavam com<br />
um conhecimento vaidoso do Direito Romano, encontrou<br />
em Príncipes ambiciosos um eco favorável. E pari<br />
passu foi‐se extinguindo nos grandes e nos pequenos a fibra<br />
de outrora para conter o poder real nos legítimos limites<br />
vigentes nos dias de São Luís de França e de São<br />
Fernando de Castela” (pp. 27-28) 1 .<br />
v<br />
1) Editora Retornarei, São Paulo, 2002, 5ª edição em português.<br />
S. Hollmann<br />
Catedral de<br />
Rouen, França<br />
23
O Santo do mês<br />
São Pedro e São Paulo<br />
Arautos de Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
As figuras dos grandes<br />
Apóstolos Pedro e<br />
Paulo, como as retrata<br />
a iconografia católica,<br />
sugere a <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> os<br />
comentários transcritos<br />
a seguir, pontuados de<br />
devoção e enlevo por<br />
esses baluartes da Igreja,<br />
os quais — juntos —<br />
confessaram com seu<br />
martírio a fé inabalável no<br />
Filho de Deus.<br />
C<br />
erta feita, mostraram-me a fotografia de uma iluminura<br />
que representava o enterro de Nossa Senhora.<br />
Em linguagem piedosa, dá-se o nome de<br />
“dormição” (dormitio em latim) ao passamento de Maria<br />
Santíssima, a fim de significar que sua provável morte foi<br />
como um doce e aprazível sono. Seja como for, a ilustração<br />
apresenta o sepultamento da Mãe de Deus, cujo caixão<br />
é conduzido pelos Apóstolos, de modo saliente por<br />
São Pedro e São Paulo. E sobre estes cabe um comentário.<br />
Vigor e venerabilidade próprios<br />
ao chefe da Igreja<br />
São Pedro aparece como um ancião venerável, resoluto,<br />
de barba branca, abundante, caudalosa, voltada<br />
para a frente, indicando vigor e mais hombridade do<br />
que se fosse direcionada para baixo. O pintor o imaginou<br />
calvo, com uma moldura de cabelos formando tu-<br />
24
fos copiosos nas laterais do rosto. Tudo nele indica vitalidade,<br />
não possuindo as características rugas da velhice.<br />
Sua face é quase corada, rósea. É o grande São<br />
Pedro que ainda deverá lutar tanto pela Igreja Católica.<br />
Assim, à robustez da juventude ele alia a venerabilidade<br />
da idade madura, cujo aspecto respeitável é<br />
No afresco de Fra Angélico, São Pedro aparece<br />
junto à cabeça de Nossa Senhora, enquanto<br />
São Paulo se acha próximo aos pés d’Ela<br />
Dormição de Maria Santíssima (detalhe da<br />
Anunciação) - Museu do Prado, Madrid (Espanha)<br />
S. Hollmann<br />
25
O Santo do mês<br />
bem expresso pelo artista, dando-lhe o tônus conveniente<br />
ao primeiro Papa, chefe da Igreja.<br />
Resolução e força de São Paulo<br />
São Paulo, por sua vez, parece ser bem mais moço<br />
que São Pedro. Forte, sua fisionomia transpira<br />
resolução: o que ele deseja fazer, executa. Percebe-se<br />
nele o homem que percorrerá as regiões<br />
em torno do Mediterrâneo, enfrentando imensos<br />
perigos. Por exemplo, certa vez, para fugir<br />
dos que o perseguiam, ele desceu de um sobrado<br />
por uma cesta amarrada a uma corda, e se<br />
afastou correndo a fim de não ser capturado e<br />
morto. Noutra circunstância, estando num navio,<br />
sobreveio uma tempestade que fustigou a<br />
embarcação e os tripulantes durante vários dias,<br />
até naufragarem perto de uma ilha à qual todos<br />
chegaram sãos e salvos.<br />
No martírio de São Pedro, a<br />
homenagem ao Papado<br />
Os dois Apóstolos são vistos inundados<br />
de glória, participando do triunfo da<br />
Santíssima Virgem e, sobretudo, empenhados<br />
em exaltá-La. Sabe-se que<br />
esses dois atletas, arautos de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo, padecerão<br />
juntos o martírio e morrerão no<br />
mesmo dia.<br />
Presos pelos romanos pagãos,<br />
sofreram diversos suplícios.<br />
São Pedro foi crucificado<br />
de cabeça para baixo,<br />
o que devia significar<br />
um doloroso processo de<br />
morte, pois o sangue,<br />
atraído pela lei da gravidade,<br />
aflui ao cé-<br />
26
ebro e não tarda em produzir derrame ou apoplexia.<br />
A crucifixão poderia ser feita por meio de cordas<br />
que amarravam o corpo à cruz, ou por cravos<br />
que pregavam no madeiro as mãos e os pés dos<br />
condenados, como sucedeu com Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo.<br />
Os que crucificavam o Príncipe dos Apóstolos<br />
não tinham idéia de quanto, procedendo daquele<br />
modo, prestavam homenagem ao Papado.<br />
Disse o Divino Mestre ao primeiro Papa:<br />
“Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha<br />
Igreja; as portas do inferno não prevalecerão<br />
contra ela” (Mt 16, 18).<br />
Fotos: S. Hollmann<br />
Para São Paulo, a celeste<br />
coroa de justiça<br />
De outro lado, sendo cidadão romano, São<br />
Paulo pereceria pela espada. Prestes a<br />
ser decapitado, talvez tenha se<br />
lembrado de suas magníficas<br />
palavras, as quais me comprazo<br />
em recordar por<br />
muito admirá-las: Bonum<br />
O glorioso<br />
triunfo dos<br />
Apóstolos<br />
Pedro e Paulo,<br />
testemunhas<br />
de Nosso<br />
Senhor, revela<br />
a extrema<br />
beleza do modo<br />
pelo qual a<br />
Providência<br />
conduz as<br />
almas<br />
Na página 26, São<br />
Pedro, Catedral de<br />
Notre-Dame de Paris; à<br />
direita, São Paulo, Catedral<br />
de Amiens, França<br />
27
O Santo do mês<br />
certamen certavi, cursum consummavi (2Tm 4, 7) — “combati<br />
o bom combate, completei o circuito da carreira inteira<br />
que eu deveria percorrer”. Era uma alusão aos que disputavam<br />
corridas no circo romano. E acrescenta: “Guardei a<br />
fé. Resta-me agora receber a coroa de justiça que o Senhor<br />
justo juiz, me dará” (2Tm 4, 7-8).<br />
Vale notar a extrema beleza do modo pelo qual a Providência<br />
guia as almas. São Paulo revela aqui a certeza<br />
de que ele não tem perdão a pedir, porque já está perdoado<br />
de tudo, tendo levado uma vida ilibada após a sua<br />
conversão. Nisto ele demonstra uma extraordinária segurança.<br />
Em linguagem contemporânea, dir-se-ia que São<br />
Paulo lança um “cheque” para o Céu: Resta-me agora<br />
receber a coroa da justiça. Senhor, Vós prometestes vossa<br />
glória a quem combatesse o bom combate e percorresse<br />
a carreira inteira que deveria percorrer. Eu o fiz. Agora,<br />
dai-me o vosso prêmio!”<br />
Difícil não apreciar este modo varonil de se exprimir,<br />
próprio de um homem de fé que crê em Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, na Santa Igreja, e por isso não tem dúvida<br />
alguma de que será recompensado.<br />
O carrasco cortou-lhe a cabeça e esta — segundo<br />
uma bonita lenda — ao cair no chão saltou três vezes.<br />
Em cada lugar do solo tocado pela venerável cabeça do<br />
Apóstolo teria nascido uma fonte. Donde o local em<br />
que houve este milagre ser chamado de tre fontane: as<br />
três fontes.<br />
Objetos de inimaginável perdão<br />
Frisamos o que há de imensamente belo no trato da<br />
Providência com os homens. Tal sobressai quando uma<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo ladeado<br />
pelos Apóstolos Pedro e Paulo -<br />
Igreja de São Paulo Fora<br />
dos Muros, Roma<br />
28
D. Domingues<br />
pessoa possui grande vocação e, apesar de suas infidelidades,<br />
a graça continua a lhe fazer insistências extraordinárias.<br />
Pode a alma se encontrar numa lamentável<br />
situação, mas o chamado de Deus conserva todo o<br />
frescor primitivo. Disso constitui a vida dos dois Apóstolos<br />
excelente exemplo.<br />
O olhar de Jesus para São Pedro, durante a Paixão,<br />
é característica manifestação desse misericordioso<br />
procedimento divino. O Redentor teve pena dele,<br />
fitou-o e São Pedro, então receoso e pusilânime, passou<br />
a ser outro.<br />
São Paulo, o Apóstolo das Gentes, confessa ter entrado<br />
para o colégio apostólico como um ente abortivo,<br />
depois de ter perseguido brutalmente a Igreja.<br />
Chegou a ser cúmplice do martírio de Santo Estevão,<br />
tendo vigiado as vestes daqueles que apedrejaram o<br />
primeiro mártir do cristianismo (AT 7, 58; 8, 1). Ora,<br />
em determinado momento este homem é convertido<br />
de modo extraordinário e levado por Nosso Senhor ao<br />
deserto, onde recebe graças que não foram concedidas<br />
a nenhum outro apóstolo. Quer dizer, Jesus o chamou<br />
do fundo da ignomínia e lhe deu aquele dom incomparável.<br />
É uma tão sublime lição em meio a tantos perdões,<br />
e um tal perdão ao lado de tantas lições, que nossa pobre<br />
cogitação não alcança medi-los...<br />
v<br />
(Extraído de conferências<br />
em 20/7/1988 e 22/11/1991)<br />
29
Luzes da Civilização Cristã<br />
O maior<br />
tesouro de<br />
um povo<br />
30
Sob o influxo de todas as energias<br />
naturais e sobrenaturais<br />
entesouradas nas nações cristãs,<br />
foi emergindo lentamente do caos<br />
da barbárie na alta Idade Média, a<br />
sociedade civil cristã, a Cristandade.<br />
Sua beleza, de início indecisa e sutil,<br />
mais promessa e esperança que realidade,<br />
foi se afirmando à medida que,<br />
com o escoar dos séculos de vida cristã,<br />
a Europa batizada “crescia em<br />
graça e santidade”. Nasceram por essas<br />
energias humanas vitalizadas pela<br />
graça, os reinos e as estirpes fidalgas,<br />
os costumes corteses e as leis justas,<br />
as corporações e a cavalaria, a escolástica<br />
e as universidades, o estilo gótico<br />
e o canto dos menestréis.<br />
Os admiradores da Idade Média<br />
se exprimem mal quando sustentam<br />
que o mundo atingiu nessa época o<br />
maximum de seu desenvolvimento.<br />
Na linha em que caminhava a própria<br />
civilização medieval, muito ainda<br />
haveria que progredir. O encanto<br />
grandioso e delicado da Idade Média<br />
não provém tanto do que ela realizou,<br />
como da harmonia profunda<br />
e da veracidade cintilante dos princípios<br />
sobre os quais ela se construiu.<br />
Ninguém possuiu como ela o conhecimento<br />
profundo da ordem natural<br />
das coisas; ninguém teve como ela o<br />
senso vivo da insuficiência do natural<br />
— mesmo quando desenvolvido<br />
na plenitude de sua ordem própria<br />
— e da necessidade do sobrenatural;<br />
ninguém como ela, brilhou ao sol da<br />
influência sobrenatural com mais<br />
limpidez e na candura de uma maior<br />
sinceridade. Ela foi feita de homens<br />
que lutaram e sofreram na realização<br />
desse ideal, e que na sua caminhada<br />
muitas vezes recuaram ou desfaleceram<br />
ao longo do caminho; mas de<br />
homens que sempre continuaram fiéis<br />
ao seu ideal, ainda mesmo quando<br />
dele se afastavam por seus atos. E<br />
“O encanto grandioso e delicado da<br />
Idade Média não provém tanto do que<br />
ela realizou, como da harmonia profunda<br />
e da veracidade cintilante dos princípios<br />
sobre os quais ela se construiu”<br />
S. Hollmann<br />
Vista de Rheintal, Alemanha<br />
31
Luzes da Civilização Cristã<br />
Toda civilização cristã<br />
há de ser inteiramente<br />
cristã, católica e<br />
universal, mas deverá<br />
respeitar e estimular<br />
as peculiaridades<br />
de cada povo e<br />
cada região<br />
daí uma [grande] consonância de todas<br />
as instituições, de todos os costumes,<br />
de todas as tradições nascidas<br />
nessa época, não só com as circunstâncias<br />
contingentes e transitórias<br />
do tempo em que surgiram, mas com<br />
as exigências genéricas da alma humana<br />
naturaliter christiana 1 e as tendências<br />
espirituais peculiares aos povos<br />
do Ocidente.<br />
Tocamos num ponto de importância<br />
fundamental. Todos os povos têm<br />
sua mentalidade coletiva e seus problemas<br />
regionais. (...) Os homens,<br />
como os cursos de água, poderão<br />
ir correndo para a eternidade. Mas<br />
as nações, como os rios, continuam<br />
sempre os mesmos nos dados essenciais<br />
de seu temperamento. Além<br />
destas circunstâncias psicológicas,<br />
há problemas peculiares à situação<br />
geográfica de cada região. (...) Toda<br />
civilização cristã há de ser inteiramente<br />
cristã, católica, universal,<br />
mas há de se ajustar, há de respeitar,<br />
há de desenvolver e estimular as características<br />
de cada região, e de cada<br />
povo. (...)<br />
Nos séculos de civilização cristã,<br />
cada povo teve, pois, suas características<br />
próprias, bem definidas. A alma<br />
nacional, em todas as suas aspirações<br />
universais e humanas, em todas<br />
as suas aspirações nacionais e locais,<br />
encontrou plena e ordenada expansão<br />
dentro da civilização cristã.<br />
V. Domingues<br />
Catedral de<br />
Metz, França<br />
32
Vista de Rouen,<br />
França<br />
S. Hollmann<br />
33
Luzes da Civilização Cristã<br />
P. Mikio<br />
Grande Praça<br />
de Bruxelas, Bélgica<br />
Os símbolos<br />
engendrados pela<br />
mentalidade de<br />
um povo são um<br />
patrimônio nacional<br />
e constituem<br />
condição essencial<br />
para o progresso<br />
espiritual do país<br />
Daí a enorme variedade de formas<br />
de governo e de organização social<br />
ou econômica, de expressões artísticas<br />
e de produções intelectuais, nas<br />
várias nações da Europa medieval.<br />
A expansão das tendências nacionais<br />
causa ao povo um grande<br />
bem-estar físico. A mentalidade<br />
nacional inspira a formação<br />
de símbolos, costumes, artes, nos<br />
quais ela se exprime, se define e<br />
se afirma, se contempla a si mesma<br />
e se solidifica. Esses símbolos<br />
são um patrimônio nacional, uma<br />
condição essencial para a sobrevivência<br />
e progresso espiritual da nação.<br />
Eles têm uma consonância indefinível<br />
e profunda com a mentalidade<br />
nacional, uma consonância<br />
que é natural e verídica, e não<br />
puramente fictícia e convencional.<br />
Por isto, em via de regra, cada povo<br />
elabora uma só arte, uma só cultura<br />
e nela caminha enquanto existe.<br />
O maior tesouro natural de um povo<br />
é a posse de sua própria cultura,<br />
isto é, quase a posse de sua própria<br />
mentalidade.<br />
v<br />
(Extraído do “Legionário”,<br />
nº 666, de 13/5/1945)<br />
1 ) Naturalmente cristã.<br />
34
Palácio de<br />
Siena, Itália<br />
S. Hollmann<br />
35
Virgem com<br />
o Menino –<br />
Museu Rolin,<br />
Autun (França)<br />
Do fundo das infidelidades crônicas<br />
que nos perturbam, das sombras<br />
dos pecados que cometemos no passado,<br />
das insatisfações conosco mesmos, devemos<br />
pedir à Santíssima Virgem nos alcance a graça especial<br />
de compreendermos como Ela nos auxilia e<br />
ampara, até o inimaginável. Nossas misérias são<br />
uma razão especial para Lhe suplicarmos a cura<br />
dos males que nos afligem. E por maior horror<br />
que nos inspirem nossos defeitos interiores, nem<br />
por isso deixará de ser verdade que, levantando<br />
os olhos para Maria, com firme e inabalável confiança,<br />
seremos por Ela largamente atendidos.<br />
(Extraído de<br />
conferência em<br />
23/5/1964)<br />
S. Hollmann<br />
Largamente atendidos<br />
36