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ECO FIDELÍSSIMO DA IGREJA<br />
E, como se não bastassem estas afirmações, vem o<br />
recurso da graça e da oração, que faz de nós até participantes<br />
da onipotência divina! De párias que éramos no<br />
paganismo, o Cristianismo nos eleva a príncipes e a gigantes!<br />
Que magnífica vida, que estupendo destino!<br />
Vemos, senhores, que importância, que mar de felicidades<br />
representa para um homem o ser cristão. E em<br />
que estupenda época a Divina Providência nos fez<br />
nascer! Por toda a parte ouvimos rufos de tambor e<br />
toques de clarim, a chamar os combatentes para a<br />
grande luta que se vai travar. Por toda a parte já se engajam<br />
as primeiras escaramuças entre as duas imensas<br />
hostes do bem e do mal. E as do bem, pequenas, disciplinadas<br />
e aguerridas, reeditarão a vitória das Termópilas,<br />
em que poucos gregos venceram uma avalanche<br />
persa.<br />
Mas, para isto, é preciso que compreendamos que,<br />
longe de sermos como os pagãos, não devemos fugir ao<br />
sacrifício. O paganismo é a caça ao prazer, no fundo do<br />
qual só há sacrifício. O Cristianismo é a caça do sacrifício,<br />
no fundo do qual há prazer, mas com a admiração<br />
cheia de gratidão e unção religiosa de quem contempla<br />
um firmamento fulgurante, inundado de raios de sol<br />
que cortam o azul do espaço, e despejam sobre o mundo<br />
oceanos de luz e de paz. [...]<br />
Desilusões face aos prazeres pagãos<br />
Efetivamente, senhores, desde os seus primeiros instantes,<br />
vê o homem erguer-se diante de si o espectro da<br />
dor.<br />
Não há escritor, por mais profundo ou por mais banal,<br />
que não tenha descrito, entre atônito e temeroso, o<br />
terrível combate entre o homem e a dor. A existência<br />
humana nada mais é do que uma luta entre o homem e<br />
a dor. Luta trágica, luta terrível, em que a dor sempre<br />
vence o homem.<br />
Lutando com o polvo do sofrimento, mal consegue o<br />
homem desenvencilhar-se de um dos tentáculos que o<br />
oprimiam, logo outro se apodera dele, infligindo-lhe as<br />
mais dolorosas contorções.<br />
Muito conhecido é o vulto mitológico que, condenado<br />
pelos deuses a viver com sede, via subir até seus<br />
beiços as águas de que estava rodeado. Mas mal ia beber<br />
um gole apenas, que lhe refrescasse a boca ressequida<br />
pela sede, o nível das águas descia, e ele ficava<br />
impossibilitado de beber. Era, seguramente, um mito<br />
inventado pelo paganismo desiludido, que mal via<br />
aproximar-se de si o fantasma da felicidade, este se<br />
afastava, deixando apenas a ferida incandescente de<br />
uma dolorosa desilusão.<br />
A banalidade é uma espécie de consagração. As figuras<br />
e as imagens, quando se tornam banais, recebem<br />
a consagração que lhes presta este conjunto anônimo<br />
de inteligências que se chama senso comum.<br />
Por isso, julgo-me no direito de lançar mão de uma<br />
figura tão usada, que já é de domínio comum: os prazeres<br />
pagãos são como as praias de areias movediças. Na<br />
atraente beleza de sua alvura sem nódoas, são como<br />
que um convite mudo para o infeliz que ousa pisar sobre<br />
ela. Mas o solo se abre a seus pés e, sem ponto de<br />
apoio, ele está irremissivelmente perdido.<br />
30<br />
“Os funerais<br />
de César” —<br />
a dor era um<br />
espantalho<br />
para o velho<br />
paganismo<br />
romano,<br />
desiludido<br />
em meio aos<br />
seus<br />
desenfreados<br />
prazeres