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Jornal Paraná Junho 2015

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OPINIÃO<br />

Como um imposto verde acabou virando vermelho<br />

bem sintetiza os equívocos cometidos<br />

na economia no passado recente, o custo alto<br />

que se paga no presente e o enorme desafio de conseguir<br />

retomar o crescimento no futuro.<br />

Política fiscal verde é uma moderna tendência mundial<br />

em resposta às mudanças climáticas. Ela usa a tributação<br />

como meio para punir o que mais polui e<br />

premiar a energia limpa. Ainda que o Brasil tenha<br />

aderido a tais compromissos, adotou neste século<br />

uma política tributária perfeita, mas na direção exatamente<br />

oposta a tais objetivos.<br />

À custa das maiores renúncias tributárias conhecidas,<br />

da desoneração do Imposto sobre Produtos Industrializados<br />

(IPI) à guerra fiscal do ICMS estadual, se reduziu<br />

a carga sobre a venda de automóveis, mas não sobre<br />

os transportes de massa - fora que neles os governos<br />

pouco investiram.<br />

Pior foi com os combustíveis fósseis, que muitos países<br />

passaram a tributar cada vez mais para fins ambientais,<br />

e o Brasil fez o contrário - mesmo tendo o que outros<br />

países não dispunham: o etanol como excelente alternativa<br />

energética.<br />

Já foi confessado que o governo administrou os preços<br />

da gasolina e do diesel para tentar frear a inflação. Fez<br />

isso sem separar dotação no Orçamento para cobrir os<br />

correspondentes subsídios. Estes, na prática, foram<br />

transformados em redução de tributos sobre aqueles<br />

bens e, depois, em prejuízos bilionários e já mensurados<br />

para a Petrobrás, de modo que o governo perdeu receita<br />

e também patrimônio.<br />

A Cide representava 14% do preço<br />

na bomba da gasolina em 2002,<br />

ante os atuais 2,2%, mesmo<br />

depois do reajuste<br />

O verde que virou vermelho<br />

O Brasil adotou neste século uma política tributária perfeita, mas na direção<br />

exatamente oposta aos objetivos da preservação ambiental JOSÉ ROBERTO AFONSO (*)<br />

Esse caminho tortuoso jogou na crise importantes setores<br />

da economia, do agronegócio à construção pesada,<br />

e tornou inglório repetir o ajuste fiscal tanto já feito<br />

no passado, porque nunca foi tão deprimida a arrecadação<br />

proveniente desse setor estratégico.<br />

A contribuição específica (Cide) representava 14% do<br />

preço na bomba da gasolina em 2002, ante os atuais<br />

2,2%, mesmo depois do reajuste do início do ano - se<br />

fosse mantida aquela proporção, a alíquota deveria subir<br />

de R$ 0,10 para R$ 0,62 por litro.<br />

Já o PIS/Cofins, também cobrado como um valor fixo<br />

por litro de combustível vendido, ficou congelado (em<br />

R$ 0,2616) por quase dez anos. Somados esses três<br />

tributos, a Petrobrás deveu R$ 16,2 bilhões em 2014,<br />

ante R$ 29,8 bilhões em 2006. Essa perda de receita<br />

equivale, por exemplo, a um ano do gasto com atenção<br />

básica à saúde no orçamento federal.<br />

Outro valor, equivalente, deve ser perdido com royalties<br />

sobre petróleo, em que o efetivamente arrecadado tem<br />

caído muito mais fortemente que os preços internacionais<br />

e apesar da produção agora em alta. A carga tributária<br />

total da Petrobrás caiu para o piso de 1,71% do<br />

Produto Interno Bruto (PIB) neste primeiro trimestre, 0,6<br />

ponto abaixo do mesmo há quatro anos. Nem é preciso<br />

dizer quanto faz falta tal receita para o ajuste fiscal.<br />

Há, ainda, o efeito colateral do menor uso de etanol.<br />

Já foram fechadas 70 usinas e 30 estão em recuperação<br />

judicial, com perda de 60 mil empregos diretos.<br />

A venda de máquinas para o setor caiu pela metade.<br />

Mesmo assim, estudos projetam que, depois<br />

do carro flex, se reduziu a emissão de gases de<br />

efeito estufa em 250 milhões/t de CO 2 e se evitaram<br />

9 mil internações por problemas respiratórios e cardíacos<br />

decorrentes da poluição.<br />

Para atender às metas mundiais com o meio ambiente,<br />

recuperar a receita, consolidar o ajuste fiscal<br />

e estimular a agroindústria nacional, é preciso recuperar<br />

paulatinamente a antiga proporção de tributos<br />

sobre derivados de petróleo e, depois, passar a reajustar<br />

as suas alíquotas automaticamente com os preços de<br />

revenda.<br />

Também royalties deveriam passar a ser cobrados ou<br />

fiscalizados pela Receita Federal (não é uma taxa para<br />

custeio de agência reguladora) e o cálculo da participação<br />

especial na extração de petróleo deveria ser corrigido<br />

para atender ao princípio legal.<br />

Vermelho, atual cor da moda na economia brasileira,<br />

pode e deve ser trocado pelo verde, a começar no seu<br />

imposto e na política fiscal.<br />

Neste campo dos combustíveis e do meio ambiente há<br />

uma boa oportunidade para avançar rumo ao passado,<br />

que conciliava disciplina e crescimento, mas que foi jogado<br />

fora em troca da inflação, da qual não se escapou,<br />

mas só se adiou para hoje.<br />

(*) José Roberto Afonso é economista, pesquisador<br />

do Ibre/FGV e professor do mestrado do IDP.<br />

Se fosse mantida aquela<br />

proporção, a alíquota deveria<br />

subir de R$ 0,10 para<br />

R$ 0,62 por litro<br />

2 <strong>Jornal</strong> <strong>Paraná</strong> - <strong>Junho</strong> <strong>2015</strong>

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