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OPINIÃO<br />
Como um imposto verde acabou virando vermelho<br />
bem sintetiza os equívocos cometidos<br />
na economia no passado recente, o custo alto<br />
que se paga no presente e o enorme desafio de conseguir<br />
retomar o crescimento no futuro.<br />
Política fiscal verde é uma moderna tendência mundial<br />
em resposta às mudanças climáticas. Ela usa a tributação<br />
como meio para punir o que mais polui e<br />
premiar a energia limpa. Ainda que o Brasil tenha<br />
aderido a tais compromissos, adotou neste século<br />
uma política tributária perfeita, mas na direção exatamente<br />
oposta a tais objetivos.<br />
À custa das maiores renúncias tributárias conhecidas,<br />
da desoneração do Imposto sobre Produtos Industrializados<br />
(IPI) à guerra fiscal do ICMS estadual, se reduziu<br />
a carga sobre a venda de automóveis, mas não sobre<br />
os transportes de massa - fora que neles os governos<br />
pouco investiram.<br />
Pior foi com os combustíveis fósseis, que muitos países<br />
passaram a tributar cada vez mais para fins ambientais,<br />
e o Brasil fez o contrário - mesmo tendo o que outros<br />
países não dispunham: o etanol como excelente alternativa<br />
energética.<br />
Já foi confessado que o governo administrou os preços<br />
da gasolina e do diesel para tentar frear a inflação. Fez<br />
isso sem separar dotação no Orçamento para cobrir os<br />
correspondentes subsídios. Estes, na prática, foram<br />
transformados em redução de tributos sobre aqueles<br />
bens e, depois, em prejuízos bilionários e já mensurados<br />
para a Petrobrás, de modo que o governo perdeu receita<br />
e também patrimônio.<br />
A Cide representava 14% do preço<br />
na bomba da gasolina em 2002,<br />
ante os atuais 2,2%, mesmo<br />
depois do reajuste<br />
O verde que virou vermelho<br />
O Brasil adotou neste século uma política tributária perfeita, mas na direção<br />
exatamente oposta aos objetivos da preservação ambiental JOSÉ ROBERTO AFONSO (*)<br />
Esse caminho tortuoso jogou na crise importantes setores<br />
da economia, do agronegócio à construção pesada,<br />
e tornou inglório repetir o ajuste fiscal tanto já feito<br />
no passado, porque nunca foi tão deprimida a arrecadação<br />
proveniente desse setor estratégico.<br />
A contribuição específica (Cide) representava 14% do<br />
preço na bomba da gasolina em 2002, ante os atuais<br />
2,2%, mesmo depois do reajuste do início do ano - se<br />
fosse mantida aquela proporção, a alíquota deveria subir<br />
de R$ 0,10 para R$ 0,62 por litro.<br />
Já o PIS/Cofins, também cobrado como um valor fixo<br />
por litro de combustível vendido, ficou congelado (em<br />
R$ 0,2616) por quase dez anos. Somados esses três<br />
tributos, a Petrobrás deveu R$ 16,2 bilhões em 2014,<br />
ante R$ 29,8 bilhões em 2006. Essa perda de receita<br />
equivale, por exemplo, a um ano do gasto com atenção<br />
básica à saúde no orçamento federal.<br />
Outro valor, equivalente, deve ser perdido com royalties<br />
sobre petróleo, em que o efetivamente arrecadado tem<br />
caído muito mais fortemente que os preços internacionais<br />
e apesar da produção agora em alta. A carga tributária<br />
total da Petrobrás caiu para o piso de 1,71% do<br />
Produto Interno Bruto (PIB) neste primeiro trimestre, 0,6<br />
ponto abaixo do mesmo há quatro anos. Nem é preciso<br />
dizer quanto faz falta tal receita para o ajuste fiscal.<br />
Há, ainda, o efeito colateral do menor uso de etanol.<br />
Já foram fechadas 70 usinas e 30 estão em recuperação<br />
judicial, com perda de 60 mil empregos diretos.<br />
A venda de máquinas para o setor caiu pela metade.<br />
Mesmo assim, estudos projetam que, depois<br />
do carro flex, se reduziu a emissão de gases de<br />
efeito estufa em 250 milhões/t de CO 2 e se evitaram<br />
9 mil internações por problemas respiratórios e cardíacos<br />
decorrentes da poluição.<br />
Para atender às metas mundiais com o meio ambiente,<br />
recuperar a receita, consolidar o ajuste fiscal<br />
e estimular a agroindústria nacional, é preciso recuperar<br />
paulatinamente a antiga proporção de tributos<br />
sobre derivados de petróleo e, depois, passar a reajustar<br />
as suas alíquotas automaticamente com os preços de<br />
revenda.<br />
Também royalties deveriam passar a ser cobrados ou<br />
fiscalizados pela Receita Federal (não é uma taxa para<br />
custeio de agência reguladora) e o cálculo da participação<br />
especial na extração de petróleo deveria ser corrigido<br />
para atender ao princípio legal.<br />
Vermelho, atual cor da moda na economia brasileira,<br />
pode e deve ser trocado pelo verde, a começar no seu<br />
imposto e na política fiscal.<br />
Neste campo dos combustíveis e do meio ambiente há<br />
uma boa oportunidade para avançar rumo ao passado,<br />
que conciliava disciplina e crescimento, mas que foi jogado<br />
fora em troca da inflação, da qual não se escapou,<br />
mas só se adiou para hoje.<br />
(*) José Roberto Afonso é economista, pesquisador<br />
do Ibre/FGV e professor do mestrado do IDP.<br />
Se fosse mantida aquela<br />
proporção, a alíquota deveria<br />
subir de R$ 0,10 para<br />
R$ 0,62 por litro<br />
2 <strong>Jornal</strong> <strong>Paraná</strong> - <strong>Junho</strong> <strong>2015</strong>