TJ em Revista - Edição comemorativa - TJRR 25 anos
Esta é uma publicação do Tribunal de Justiça de Roraima. Edição Especial Comemorativa TJRR 25 anos
Esta é uma publicação do Tribunal de Justiça de Roraima. Edição Especial Comemorativa TJRR 25 anos
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
47<br />
DEPOIMENTO ESPECIAL: DIGA NÃO À<br />
REVITIMIZAÇÃO!<br />
Em virtude da edição da recomendação do CNJ nº<br />
33/2010, e a preocupação do Tribunal de Justiça do<br />
Estado de Roraima <strong>em</strong> criar serviços especializados<br />
para a escuta de crianças e adolescentes vítimas ou<br />
test<strong>em</strong>unhas de violência nos processos judiciais, o presente<br />
artigo busca esclarecer o procedimento do depoimento Especial<br />
(DE), principalmente dentro das questões relacionadas aos<br />
crimes contra a dignidade sexual, o qual foi objeto do curso de<br />
aperfeiçoamento oferecido pela Escola do Poder Judiciário de<br />
Roraima aos magistrados e servidores.<br />
O depoimento s<strong>em</strong> dano é extr<strong>em</strong>amente importante para o<br />
processo penal, pois trata-se de uma técnica utilizada para a<br />
tomada de depoimentos de crianças e adolescentes, buscando<br />
s<strong>em</strong>pre a verdade fática s<strong>em</strong> que a criança ou adolescente<br />
sofra a revitimização. Assim, busca-se através do profissional<br />
habilitado garantir o melhor interesse das vítimas, s<strong>em</strong> ferir o<br />
princípio constitucional do devido processo legal.<br />
A Constituição Federal <strong>em</strong> seu art. 227 aduz que é dever da<br />
família, sociedade e Estado assegurar à criança e adolescente o<br />
direito à vida, dignidade, respeito, dentre outros mencionados<br />
no referido dispositivo, colocando-os a salvo de toda forma de<br />
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade<br />
e opressão. Ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente<br />
determina a efetivação desses direitos por intermédio da<br />
lei 8.069/90. Portanto, é destoante para com os dispositivos<br />
expostos exigir que uma criança preste um depoimento como<br />
um adulto o faria, tendo <strong>em</strong> vista que a vítima, nesse caso, está<br />
<strong>em</strong> fase de desenvolvimento, não t<strong>em</strong> ainda discernimento para<br />
entender a gravidade do crime praticado, sendo, na maioria<br />
das vezes, através da tentativa da colheita do seu depoimento,<br />
violentada psicologicamente, ou seja, revitimizada.<br />
A princípio, existe muita dificuldade para o procedimento<br />
de inquirição das crianças e dos adolescentes. A prática<br />
anteriormente utilizada é considerada abusiva, e acabava<br />
revitimizando as crianças, deixando-as vulneráveis, ofendidas,<br />
oprimidas, levando-as a reviver toda a situação de abuso;<br />
e, às vezes, acarretava probl<strong>em</strong>as psicológicos e sociais. Foi<br />
na tentativa de encontrar um método mais eficaz e menos<br />
agressivo que os operadores do direito acharam uma forma<br />
de proporcionar à criança, levando-se <strong>em</strong> consideração a sua<br />
idade e desenvolvimento, a realização da audiência por um<br />
intermediador para fins de depoimento s<strong>em</strong> dano.<br />
Segundo a professora do curso oferecido pelo <strong>TJ</strong>RR, Marleci<br />
V. Hoffmeister (assistente social, especialista <strong>em</strong> violência<br />
doméstica contra criança e adolescente), o método utilizado<br />
para a tomada do depoimento s<strong>em</strong> dano t<strong>em</strong> se tornado muito<br />
eficaz, e a técnica de Rapport utilizada no início da instrução<br />
com a finalidade de melhorar a comunicação e o relacionamento<br />
com a vítima é indispensável e essencial.<br />
Para melhor elucidação, dev<strong>em</strong> ser mencionadas as três fases<br />
do depoimento especial, que serão realizadas de acordo com<br />
as normas vigentes. Vale ressaltar que as fases que aqui serão<br />
expostas são apenas uma breve explicação, não esgotando todo<br />
o t<strong>em</strong>a e seus detalhes.<br />
A primeira trata-se do acolhimento especial, onde o<br />
técnico busca deixar a vítima confortável no ambiente da<br />
sala de instrução, explicando que na outra sala estará o Juiz,<br />
o Promotor, os Advogados e, possivelmente, o acusado; e o<br />
mais importante: nunca mentir para a vítima sobre o que está<br />
acontecendo, devendo elucidar o papel de cada um, o porquê de<br />
haver câmeras, microfones e, se possível, verificar a linguag<strong>em</strong><br />
que ela utiliza para nomear os seus órgãos íntimos.<br />
Em seguida terá início a segunda etapa, qual seja, o<br />
depoimento. O instrutor fará perguntas do cotidiano da vítima,<br />
levando-a a falar sobre os amigos, família, escola; ele disporá,<br />
<strong>em</strong> média, de quinze a vinte minutos até a própria vítima<br />
falar do fato. Nunca deverão ser feitas perguntas diretas ou<br />
fechadas, como por ex<strong>em</strong>plo: “Você veio falar do fulano; ele<br />
pegou na sua vagina?”, ou perguntas abusivas: “E você viu o<br />
que ele estava fazendo e mesmo assim deixou?”. As perguntas<br />
deverão ser realizadas de forma aberta, como por ex<strong>em</strong>plo: “O<br />
que aconteceu quando você ficou com seu avô no dia <strong>em</strong> que<br />
seus pais viajaram?”<br />
Destarte, os questionamentos s<strong>em</strong>pre serão feitos por técnico<br />
devidamente habilitado, realizados através do Juiz, que buscará<br />
com a informação dada pela criança obter a verdade fática.<br />
Não obstante as partes já ter<strong>em</strong> tido um contato prévio com o<br />
processo, o que facilitará o depoimento, as perguntas não dev<strong>em</strong><br />
mencionar o ocorrido, salvo se a vítima expuser anteriormente.<br />
Após a oitiva da vítima, a instrução terminará com o técnico<br />
agradecendo a visita e a sua corag<strong>em</strong>, b<strong>em</strong> como, mencionará<br />
a importância daquele momento para a sua proteção. Além<br />
disso, o técnico poderá, após o término da instrução, conversar<br />
com a vítima sobre os sentimentos de raiva, angústia, tristeza,<br />
e fazer encaminhamentos psicológicos ou outro que entender<br />
necessário para a proteção da vítima.<br />
Por isso, diante de todo esse diferencial necessário para a<br />
tomada de depoimento de vítimas menores de idade, seja qual<br />
for o crime praticado contra elas, o Tribunal de Justiça do<br />
Estado de Roraima já está tomando as providências necessárias<br />
para o acolhimento das vítimas, contando com profissionais<br />
habilitados; b<strong>em</strong> como, já se pensa na realização de outro curso<br />
voltado para novos entrevistadores forenses, com as t<strong>em</strong>áticas<br />
de violência física, psicológica, violência institucional e<br />
vitimização repetida.<br />
Por fim, e apesar de todo o trauma ao qual a vítima é<br />
submetida, a justiça s<strong>em</strong>pre busca o aprimoramento das<br />
melhores técnicas a fim de efetivar os direitos adquiridos, o<br />
cumprimento do Estatuto da Criança e Adolescente, assim<br />
como a execução da Carta Maior.<br />
Sabrina Selly Scheffer Duarte<br />
Chefe de Gabinete da 1ª Vara Cível de<br />
Competência Residual