He-Man para The Strange
Fireball%203
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Conto<br />
Lição Na Noite<br />
Por Inácio Fantino<br />
O braço pesava, o rosto era um véu de suor morno,<br />
as pernas lutavam uma contra a outra, tentando<br />
entender o que o restante do corpo pretendia, ou<br />
a cabeça do jovem – embora ela mesma talvez<br />
estivesse se perguntando se, naquele momento,<br />
quem comandava era o coração acelerado, o pulso<br />
cansado, a tez úmida ou a espada que cintilava <strong>para</strong><br />
todos os lados, sem nada atingir...<br />
Gïlian temia que, mais<br />
uma vez, fosse ser derrotado<br />
pelo jovem contendor<br />
de justas, escudeiro de Sir<br />
Lägriam, senhor do Castelo<br />
e do feudo. Gazïstur era de<br />
sua mesma idade, filho de<br />
nobres, de riso fácil e braço<br />
forte, sempre com um ar<br />
despreocupado – quase temerário<br />
– nos olhos, a não ser quando estava ao lado de seu austero<br />
e rígido senhor. Quando lutava – mesmo em treinamentos, como<br />
se dava naquele instante – , tinha tanta confiança em si mesmo que<br />
prolongava o combate ate que seu adversário estivesse cansado demais<br />
ou humilhado demais. Naquela hora, o jovem aprendiz do “sacerdócio<br />
guerreiro” estava bem perto de ambos, ao passo que o escudeiro era<br />
todo riso silencioso.<br />
Os outros aprendizes interromperam suas disputas e se assentaram<br />
em volta, pelos cantos do pátio de treinos, trocando impressões jocosas<br />
e compartilhando discretas risadas levemente mordazes. Assistir a mais<br />
um espetáculo de seu líder natural, pensou amargo o jovem paladino.<br />
Sentindo o instante de fraqueza mental, Gazïstur acelerou os golpes,<br />
atacando de alto abaixo, à direita e à esquerda, pressionando Gïlian até<br />
o limite do campo de lutas. A espada voou-lhe da mão, finalmente ele,<br />
mais uma vez, teve de ceder, rendendo-se de joelho no chão, respirando<br />
ofegante.<br />
O vencedor deu uma leve risada, embainhou a espada com uma<br />
ligeira cerimônia e lhe esticou a destra, que ele aceitou, erguendo-se do<br />
solo com a força do outro, que sequer ofegava.<br />
26<br />
Terminou o espetáculo,<br />
seus tolos! Sua mente bradou,<br />
enquanto seus olhos fulminavam<br />
um ou outro dos assistentes<br />
mais risonhos. A<br />
platéia se desfez.<br />
À tarde, durante as lições<br />
de história, o lente surpreendeu-o<br />
a mente distante e o<br />
olhar perdido na janela do<br />
salão, mirando o pátio, enquanto seus pares fechavam-se em suas volumosas<br />
encadernações de couro e pergaminho envelhecido.<br />
– Não me diga: perdeu mais um combate <strong>para</strong> o escudeiro de Sir<br />
Lägriam.<br />
O mestre tinha uma fina curvatura nos lábios cerrados, enquanto o<br />
mirava sereno e superior (como o era, de fato).<br />
– Sim.<br />
– Qual a novidade, então? Volte <strong>para</strong> seu livro, concentre-se e esqueça<br />
o assunto.<br />
A curva tênue sumira do rosto do mestre; o olhar estava sério. Procurou<br />
voltar-se <strong>para</strong> a tarefa pendente.<br />
Mas não adiantou; vez ou outra, dava por si mesmo com o olhar<br />
vítreo, mirando ora o pátio, ora o teto, ora o salão de trabalho, ora o<br />
rosto do mestre, firme, grave e sereno, mirando os pergaminhos onde<br />
a pena dançava ligeira e certeira, sangrando tinta negra pela planície<br />
amarelada.<br />
A tarde terminou e a noite o apanhou ainda quieto. Quando se recolheu<br />
ao dormitório, havia um pergaminho sobre seu baú, dobrado,<br />
mas não selado: Esteja no pátio, à primeira hora da noite. A caligrafia