luar e caiu como um raio, fincando-se ao seu lado, na terra úmida, sem o ferir. O outro se afastou, deixando a espada ali, erguida sobre o solo, enraizada nele. Gïlian deu-se conta do mundo, novamente. O suor. O coração. A terra. A noite. A vida. Sentou-se, olhando <strong>para</strong> a lâmina larga e afiada, ao seu lado. Ergueu-se. Tomou coragem. – Por quê fez isto... senhor?... O mestre não respondeu. Estava <strong>para</strong>do do outro lado da pequena clareira, as mãos à cintura, inspirando profundamente, os olhos postos no firmamento. – Mestre. O outro voltou-se e fez-lhe um sinal com a mão <strong>para</strong> que se lhe aproximasse. Não teve coragem. – Venha. Não vou matá-lo. Sou seu mestre. O seu e o de seus amigos. Mas não sou o mesmo mestre <strong>para</strong> todos... Ousou ir até ele. Um passo, dois. Chegou ao seu lado, mas afasto-se um metro ou dois, olhos fixos no homem em quem confiava totalmente, até aquele momento. – Mestre... A voz saíra firme, magoada, ainda temerosa, mas carregada de razão. Teria uma resposta. – Todos os bons companheiros que tive estão mortos hoje, todos os que não aprenderam as coisas que tive de aprender em momentos como este... Todos os bons espadachins, homens de justa e liça, arqueiros habilidosos como você não imagina, leais e cordatos, honrados até, a maioria deles. O mestre virou-se <strong>para</strong> ele. O jovem recuou, instintivamente; um meio passo de temor. – Nunca lhe faria mal... Sou seu mestre. Um silêncio se seguiu. – Por que estamos aqui, mestre?... – Para que você aprenda a discernir o que lhe é mais importante 28 aprender. Para que aprenda a perceber as coisas. Você não é um escudeiro, não é um cavalariço, não é um homem de armas, apenas; não é o que nós somos. Seu aprendizado é mais profundo; sua vida, mais difícil; sua honra, mais rígida e exigente; suas maiores vitórias não serão vistas, seus maiores feitos não terão quem os louve, mas a menor de suas quedas terá consequências e delatores, entre vivos e mortos... Gïlian conhecia as palavras; em parte, era o juramento dos virtuosos. Silêncio mais uma vez. O mestre pareceu cansar de olhar o céu. Voltou-se, caminhou até a espada; apanhou-a, livrou lâmina da terra com o cano da bota e embainhou a arma. Voltou-se e foi até o noviço. Parou ao seu lado, mas voltou-se <strong>para</strong> o céu. – A guerra rebentou, no reino do sul. Logo estará em nossas terras. Serei convocado, meu filho. Talvez nunca mais nos vejamos. Se uma lição quero que guarde é a desta noite, quando você seguiu um homem sem saber suas razões profundas, quando você quase morreu sem sequer pressentir que sofreria. O homem voltou-se <strong>para</strong> o rapaz e fixou-lhe o olhar, grave e paternal. – Esqueça as vitórias dos pátios de treinamento. Estude os dons. Discipline a mente, aquiete o coração, habitue-se a refletir, aprenda a respirar, busque saber como ver a verdade das coisas, dedique-se a perceber a vida e morte, conheça sua própria voz e as outras vozes, de vivos e mortos... É nisto tudo que deve pôr a sua esperança de viver e de morrer em paz, não numa espada... Sem mais palavras. Montaram, partiram e retornaram. Pela manhã, seu mestre havia partido.
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