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Viver Bem<br />
15<br />
Ter ou Pertencer<br />
Temos sempre essas duas opções à nossa frente, mas qual delas estamos<br />
escolhendo seguir e qual o custo disso?<br />
em qualquer esforço, apenas ao olhar de um lado para o outro<br />
da minha poltrona do avião, encontro 11 telas, pequenos<br />
monitores de TV.<br />
Em cada uma delas, uma história: de encontro, desejo, medo ou<br />
perda. Uma a uma, as caixas de luz reproduzem imagens de<br />
beijos, olhares, fogo e sangue.<br />
Em frente a cada uma delas há uma pessoa avelada à sua poltrona,<br />
alguém que vive de acordo com as mesmas narrativas que você e eu. Lá<br />
fora, tudo às centenas: viajamos rápido, a quase mil quilômetros por hora.<br />
De tão ligeiro, nem se vê a água salgada, 10 mil metros abaixo de nossos<br />
pés. Do lado de fora, o frio é congelante (-50 graus), mas dentro da gente<br />
também. Uma aeronave que cruza o Oceano Pacíco é a própria imagem<br />
deste tempo: o paradoxo latente do saber e da ignorância, o poder de criar<br />
e o de destruir combinados.<br />
Naquele ambiente fechado, centenas de pessoas permanecem em um<br />
prático silêncio. Não há encontros ou conversas.<br />
A eciência reina em atmosfera rarefeita. Aqui dentro, de pertencimento e,<br />
lá fora, de ar.<br />
Ao lado, à frente e atrás, vai o outro, aquele que vê a imagem que projeto,<br />
que escuta e julga a história que teço.<br />
O outro está logo ali.<br />
Outro dia, li que criamos um aparelho minúsculo, inteligente e que voa,<br />
capaz de polinizar as plantas. O objetivo é substituir o trabalho feito pelas<br />
abelhas.<br />
Nos escapa, porém, que, com as abelhas envenenadas, um pedaço de nós<br />
também morre. Voar sobre um mundo sem abelhas tem menos graça.<br />
Quando o foco vai no que o outro pensa de minha imagem, e em como<br />
julga a história que conto, esqueço o que importa no outro: sua mais<br />
simples existência.<br />
Esqueço também das abelhas. São as histórias que nos unem que<br />
permitem os grandes números: de velocidade, altitude, tecnologia e<br />
produção.<br />
São os mitos que nos organizam, apesar das diferenças, que permitem<br />
construirmos juntos as cções que alinhavam nossa vida.<br />
É preciso saber da importância das histórias e escrever narrativas<br />
melhores, mitos novos. Histórias uidas e de pertencimento, e não de<br />
número e de acúmulo.<br />
A água que não ui apodrece. Para ter demais é preciso envenenar: a água<br />
e as abelhas.<br />
LUCAS TAUIL DE FREITAS quer beber água de nascentes e pertencer a um<br />
mundo cheio de abelhas.<br />
Não o vejo, mas apenas seu papel. Longe de mim, ele se torna apenas<br />
instrumento, carece de existência própria. No vidro da janela, duas gotas<br />
d’água repousam.<br />
Mal se encontram e são uma.<br />
Paro e olho para o oceano. A imagem abaixo de onde estou é a do<br />
encontro, do pertencer: cada molécula de água ligada à seguinte, a parte<br />
que é todo sem deixar de ser.<br />
O mar a uma dezena de quilômetros. Duas histórias tão distintas, e eu<br />
entre elas. A água e seu uxo evaporam, precipitam e congelam.<br />
O líquido que é síntese de pertencimento e colaboração. Me detenho em<br />
outra reexão: nós e nossas máquinas.<br />
Lucas Tauil de Freitas / Vida Simples (Fonte)