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Edição nº 01 - Setembro/2017

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Viver Bem<br />

15<br />

Ter ou Pertencer<br />

Temos sempre essas duas opções à nossa frente, mas qual delas estamos<br />

escolhendo seguir e qual o custo disso?<br />

em qualquer esforço, apenas ao olhar de um lado para o outro<br />

da minha poltrona do avião, encontro 11 telas, pequenos<br />

monitores de TV.<br />

Em cada uma delas, uma história: de encontro, desejo, medo ou<br />

perda. Uma a uma, as caixas de luz reproduzem imagens de<br />

beijos, olhares, fogo e sangue.<br />

Em frente a cada uma delas há uma pessoa avelada à sua poltrona,<br />

alguém que vive de acordo com as mesmas narrativas que você e eu. Lá<br />

fora, tudo às centenas: viajamos rápido, a quase mil quilômetros por hora.<br />

De tão ligeiro, nem se vê a água salgada, 10 mil metros abaixo de nossos<br />

pés. Do lado de fora, o frio é congelante (-50 graus), mas dentro da gente<br />

também. Uma aeronave que cruza o Oceano Pacíco é a própria imagem<br />

deste tempo: o paradoxo latente do saber e da ignorância, o poder de criar<br />

e o de destruir combinados.<br />

Naquele ambiente fechado, centenas de pessoas permanecem em um<br />

prático silêncio. Não há encontros ou conversas.<br />

A eciência reina em atmosfera rarefeita. Aqui dentro, de pertencimento e,<br />

lá fora, de ar.<br />

Ao lado, à frente e atrás, vai o outro, aquele que vê a imagem que projeto,<br />

que escuta e julga a história que teço.<br />

O outro está logo ali.<br />

Outro dia, li que criamos um aparelho minúsculo, inteligente e que voa,<br />

capaz de polinizar as plantas. O objetivo é substituir o trabalho feito pelas<br />

abelhas.<br />

Nos escapa, porém, que, com as abelhas envenenadas, um pedaço de nós<br />

também morre. Voar sobre um mundo sem abelhas tem menos graça.<br />

Quando o foco vai no que o outro pensa de minha imagem, e em como<br />

julga a história que conto, esqueço o que importa no outro: sua mais<br />

simples existência.<br />

Esqueço também das abelhas. São as histórias que nos unem que<br />

permitem os grandes números: de velocidade, altitude, tecnologia e<br />

produção.<br />

São os mitos que nos organizam, apesar das diferenças, que permitem<br />

construirmos juntos as cções que alinhavam nossa vida.<br />

É preciso saber da importância das histórias e escrever narrativas<br />

melhores, mitos novos. Histórias uidas e de pertencimento, e não de<br />

número e de acúmulo.<br />

A água que não ui apodrece. Para ter demais é preciso envenenar: a água<br />

e as abelhas.<br />

LUCAS TAUIL DE FREITAS quer beber água de nascentes e pertencer a um<br />

mundo cheio de abelhas.<br />

Não o vejo, mas apenas seu papel. Longe de mim, ele se torna apenas<br />

instrumento, carece de existência própria. No vidro da janela, duas gotas<br />

d’água repousam.<br />

Mal se encontram e são uma.<br />

Paro e olho para o oceano. A imagem abaixo de onde estou é a do<br />

encontro, do pertencer: cada molécula de água ligada à seguinte, a parte<br />

que é todo sem deixar de ser.<br />

O mar a uma dezena de quilômetros. Duas histórias tão distintas, e eu<br />

entre elas. A água e seu uxo evaporam, precipitam e congelam.<br />

O líquido que é síntese de pertencimento e colaboração. Me detenho em<br />

outra reexão: nós e nossas máquinas.<br />

Lucas Tauil de Freitas / Vida Simples (Fonte)

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