Revista Lavoura n.2
Segunda edição da Revista Lavoura, de literatura e artes, editada por André Balbo, Anna Brandão, Arthur Lungov e Lucas Verzola, com capa, projeto gráfico, diagramação e artes por Anna Brandão.
Segunda edição da Revista Lavoura, de literatura e artes, editada por André Balbo, Anna Brandão, Arthur Lungov e Lucas Verzola, com capa, projeto gráfico, diagramação e artes por Anna Brandão.
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_AS OBRAS FUNDAMENTAIS<br />
DE FERNANDO HADDAD<br />
Depoimento concedido a André Balbo<br />
47<br />
Memórias póstumas de<br />
Brás Cubas, de Machado<br />
de Assis<br />
É dos tempos de colegial meu primeiro contato com<br />
um autor que me marcou tanto, a ponto de até hoje<br />
eu relê-lo. Estou falando de Machado de Assis, mas<br />
particularmente do romance Memórias póstumas<br />
de Brás Cubas, que, para mim, é seu melhor. Reli<br />
Memórias póstumas recentemente com minha filha,<br />
nas férias de janeiro. Um livro desnorteante, até<br />
mesmo pela época em que foi escrito. Notável como<br />
alguém teve, digamos, a ousadia de apresentar um<br />
livro naquele formato. A maior memória que tenho<br />
desse texto é o espanto do primeiro parágrafo (“Algum<br />
tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo<br />
princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar<br />
o meu nascimento ou a minha morte…”). Foi tão<br />
significativo, que eu duvidei que o autor pudesse sustentar<br />
aquela altitude até o final do livro, e não parei<br />
de ler esperando um momento de declínio que não<br />
aconteceu. Fui tomado por uma certa perplexidade<br />
com a ironia fina, do título ao último parágrafo, e o<br />
que ela significava.<br />
O processo,<br />
de Franz Kafka<br />
No caso particular desse livro, meu sentimento é<br />
curioso. Por muitas vezes, eu tinha vontade de rir<br />
durante a leitura de um texto que é absolutamente<br />
tenso. Depois eu vim a saber que o próprio Kafka<br />
ria quando fazia a leitura do seu livro em voz alta. E<br />
eu entendi perfeitamente o motivo disso: de fato, ele<br />
conseguia descrever de forma angustiante situações<br />
tão incrédulas que, muitas vezes, resvalava para o<br />
cômico, embora o aperto no peito fosse uma decorrência<br />
natural da leitura. Na minha visão, existe<br />
uma ambiguidade entre o sufocante e o cômico que<br />
perpassa várias passagens do texto, o que não era<br />
comum em outros leitores com quem eu conversava,<br />
que só viam n’O processo tensão e tragédia. Para<br />
mim, Kafka é um autor cuja atualidade se faz notar<br />
até hoje, embora, na minha concepção, já tenhamos<br />
vivido tempos mais kafkianos no passado, como<br />
prenúncio do que o século XX nos reservava. Acho<br />
que o período stalinista e o período dos governos autoritários<br />
na Europa – Espanha, Itália e Alemanha<br />
– eram mais kafkianos.