Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Jornal da Bairrada<br />
9 | novembro | 2017<br />
PEDRO D’OLIVEIRA | À CONVERSA 11<br />
lápis de cera na tela... Não<br />
sei, não penso muito nisso,<br />
por vezes passo logo a esboçar<br />
com tinta sem grande<br />
estudo prévio... Sou preguiçoso!<br />
(risos)<br />
Quais as técnicas que utiliza<br />
mais?<br />
A maior parte dos trabalhos<br />
é óleo sobre tela, outras<br />
vezes acrílico sobre tela,<br />
mas gosto mais do acrílico<br />
sobre cartão, papel ou madeira<br />
do que na tela.<br />
Qual ou quais são as obras que<br />
até hoje mais marcaram a sua<br />
carreira?<br />
As que nunca vendi...<br />
Certo dia fiz uma exposição<br />
a partir dos quadros que<br />
não tinha vendido ao longo<br />
de 10 anos e aconteceu-me<br />
o mesmo que tinha sucedido<br />
ao galerista Manuel de<br />
Brito, na sua coleção particular:<br />
depois de reunir esses<br />
trabalhos numa grande<br />
exposição, todos eles rejeitados<br />
ao longo de 10 anos,<br />
as pessoas perguntavam-<br />
-me porque não queria vender<br />
os meus melhores quadros<br />
ou porque nunca os tinha<br />
exposto... e a verdade<br />
é que, na sua grande maioria,<br />
nunca mais me desfiz<br />
desses trabalhos. Ultimamente<br />
já não me acontece<br />
tanto, quando gosto muito<br />
de um quadro e até penso<br />
ficar com ele, acaba por ser<br />
vendido... Foi assim recentemente,<br />
com os dois últimos<br />
Cristos, via net... por simples<br />
mensagem e contacto<br />
posterior!<br />
Com formação académica<br />
em Belas Artes, por que razão<br />
sempre se manteve arredado<br />
do meio das artes? Sente-se<br />
um incompreendido?<br />
Mantenho-me arredado<br />
nem sei bem porquê, não<br />
o é de forma propositada.<br />
Não tenho muita paciência<br />
para andar todos os dias em<br />
inaugurações e isso não ajuda...<br />
Incompreendidos todos<br />
nós somos ou nos sentimos<br />
um pouco, algumas<br />
vezes! Mas não é de todo<br />
verdade, ainda recentemente<br />
vendi alguns trabalhos a<br />
um importante colecionador,<br />
que pensa formar o seu<br />
próprio museu.<br />
Qual ou quais os artistas que<br />
mais o influenciaram?<br />
Muitos mesmo, tantos<br />
que teria de pegar num dicionário<br />
de pintores e artistas<br />
para os poder enumerar...<br />
Mas sim, não posso<br />
dizer “o” artista, mas refiro<br />
como principais influências<br />
Picasso, Munch, Dubuffet,<br />
Kokoschka, Penck, Kirchner,<br />
Rouault, Klee, Amadeu<br />
de Sousa Cardoso, Schabel,<br />
Max Beckmann... são tantos!<br />
Ah, e Karel Appel, também!<br />
Numa época de crise e de<br />
grandes dificuldades económicas,<br />
os artistas sentem<br />
mais dificuldade em vender?<br />
Claro que sim. Estive<br />
muito tempo sem vender<br />
nada. Pintava, montava uma<br />
exposição e nada se vendia!<br />
Agora sinto outros ventos,<br />
nem que sejam os do Porto...<br />
Tem exposto muito na Galeria<br />
Cruzes Canhoto, no Porto. É<br />
um mercado mais aliciante?<br />
A Galeria Cruzes Canhoto<br />
tem sido um pouso certo<br />
para mim, que dá visibilidade<br />
ao meu trabalho. Recebem<br />
centenas de visitantes<br />
e turistas, fica localizada<br />
bem no centro do Bairro<br />
das Artes, no Porto, na Rua<br />
Miguel Bombarda! É importante<br />
essa visibilidade junto<br />
de um público mais citadino<br />
e a uma escala planetária,<br />
pois vendem e divulgam<br />
para todo o mundo... Embora<br />
se assuma como uma galeria<br />
cheia de artistas marginais,<br />
pouco vistos e aceites<br />
nas outras galerias, é esse<br />
o seu público, é esse o seu<br />
espaço e esses artistas outsiders<br />
começam a ganhar<br />
visibilidade.<br />
Basta pensarem que ainda<br />
este ano o prémio de Melhor<br />
Coleção de Arte Privada<br />
em Portugal foi simplesmente<br />
atribuído a uma<br />
coleção de Arte de Outsiders,<br />
de marginais, a coleção<br />
de Arte Bruta e singular<br />
Treger /Saint Silvestre Art<br />
Collection, que tem a sua<br />
exposição e sede no Oliva<br />
Creative Factory, em São<br />
João da Madeira.<br />
A Galeria Cruzes Canhoto<br />
tem esse público diferente<br />
e de mente bem aberta,<br />
mais urbano e menos preconceituoso<br />
em relação à<br />
arte moderna. É dar lá um<br />
salto agora, nas inaugurações<br />
simultâneas a 11 de novembro,<br />
para ver in loco do<br />
que falo...<br />
Está há vários anos ligado ao<br />
ensino. Gosta de ensinar?<br />
Gosto do espaço do ateliê,<br />
de poder pintar e desenhar<br />
com os alunos e de falar<br />
com eles de forma muito<br />
próxima. Aprendo muito<br />
com eles e espero que também<br />
eles aprendam algo de<br />
interessante comigo... Não<br />
gosto nada de infindáveis<br />
reuniões e da burocracia<br />
exagerada que infelizmente<br />
está associada a esta atividade.<br />
Foi durante a sua passagem<br />
por um colégio da região (Salesianos<br />
de Mogofores) que<br />
participou na criação de uma<br />
escultura com o rosto de D.<br />
Ximenes Belo. Foi uma obra<br />
que o marcou?<br />
D. Ximenes Belo conviveu<br />
com a comunidade dos<br />
Salesianos de Mogofores<br />
durante algum tempo. Tínhamos<br />
o privilégio de ter o<br />
Prémio Nobel da Paz como<br />
presença diária nos vários<br />
espaços da escola, como o<br />
pátio, como todos os Salesianos<br />
o fazem habitualmente.<br />
Na altura, o José Gomes e<br />
eu fizemos a escultura em<br />
ferro, composta por linhas<br />
que formavam dois rostos<br />
iguais de D. Carlos Filipe<br />
Ximenes Belo, a qual seria<br />
montada numa escultura final,<br />
numa peça única.<br />
O José tratou de oferecer<br />
a peça à autarquia, mas não<br />
sei muito bem o que se perdeu<br />
em termos de comunicação,<br />
pois a finalidade era<br />
ser colocada num espaço de<br />
referência em Anadia, como<br />
uma rotunda, no sentido de<br />
marcar a presença de tão<br />
importante individualidade<br />
neste concelho. Foi-nos<br />
oferecido dinheiro pela escultura<br />
por parte de um elemento<br />
de uma autarquia vizinha<br />
de Anadia, mas tinha<br />
sido oferecida a Anadia e<br />
não voltámos com a palavra<br />
atrás. Também soubemos,<br />
da parte dos Padres Salesianos<br />
de Mogofores, que<br />
um vereador da Câmara de<br />
Aveiro, na altura, tinha manifestado<br />
interesse naquela<br />
mesma peça, uma vez que o<br />
Sr. D. Ximenes Belo é uma<br />
personalidade muito querida<br />
naquela cidade. Se a obra<br />
me marcou? Sim, no sentido<br />
em que nos deu muita satisfação<br />
realizar um trabalho<br />
daquela envergadura com a<br />
colaboração dos estudantes.<br />
No entanto, senti que o objetivo<br />
inicial não ficou completamente<br />
cumprido... O<br />
José Gomes e eu consideramos<br />
que o objeto final, dada<br />
a dimensão final e representando<br />
quem representa, teria<br />
merecido uma colocação<br />
digna e adequada ao que representa.<br />
Duas exposições em<br />
simultâneo em Anadia<br />
Ainda que as suas obras estejam presentes em várias<br />
coleções particulares e institucionais por todo o país e<br />
no estrangeiro, sente que a sua terra natal não reconhece<br />
devidamente o seu trabalho? E a região, reconhece?<br />
Não sei responder. Estive muitos anos sem voltar a expor,<br />
porque não tive propostas aqui na zona da Bairrada.<br />
Foram 13 anos! Voltei graças a dois convites: o Pedro Silva<br />
desafiou-me a fazer alguma coisa na Rodoviária e o Dr.<br />
Carlos Alegre e sua equipa convidaram-me a fazer uma<br />
exposição no Museu José Luciano de Castro, também<br />
com a intenção de mostrar que, embora pequeno, o museu<br />
está aberto e detém um espólio muito interessante<br />
que merece mais divulgação. Acabei por propor que estas<br />
duas exposições se realizassem ao mesmo tempo, a<br />
permitir fazer umas inaugurações em simultâneo, como<br />
no Porto, onde costumo expor na rua Miguel Bombarda.<br />
Anadia também tem direito a inaugurações em simultâneo,<br />
não somos menos que o Porto! (risos)<br />
Por que não expõe no concelho e na região com mais frequência?<br />
Falta de convites interessantes, apelativos. Não vou<br />
andar a chatear meio mundo para me arranjarem um<br />
espaço decente. Se não me fazem convites terei de concluir<br />
que é porque o meu trabalho não lhes agrada de<br />
algum modo.<br />
A autarquia local reconhece o seu trabalho?<br />
Não sei responder a isso... Temos tendência a pensar<br />
que somos os maiores do mundo, os melhores pintores,<br />
(risos) mas, se os convites não nos chegam, é porque não<br />
somos merecedores de tal reconhecimento.<br />
Não me sei definir... Se tentar definir o meu trabalho,<br />
sei que sou figurativo, de contornos grossos, puros,<br />
bem expressivo, de cores fortes e formas rudes, gestos<br />
violentos, vigorosos, com tintas e texturas espessas!”