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Revista Curinga Edição 04

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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nobre e inseriam Vânia em um universo desconhecido. Para o<br />

esposo, a herança cultural da nobreza<br />

carioca, inspirada nos costumes<br />

europeus, era algo corriqueiro<br />

porém obsoleto. Kako sempre quis<br />

ir além dos padrões estéticos da arte<br />

ocidental. A busca pela sabedoria<br />

oriental, por meio da interiorização<br />

das forças presentes na natureza,<br />

fez dele um conhecedor de diversas<br />

manifestações da arte e da fé.<br />

Eu tinha medo é<br />

que a minha vida<br />

fosse uma mesmice.<br />

Ele representava o<br />

moderno, o novo,<br />

a arte, a cultura, o<br />

mundo que eu queria<br />

mergulhar. Ele trazia o<br />

conhecimento que eu<br />

queria. Vânia<br />

Cansados do estilo de vida imposto<br />

pela metrópole, refugiaramse<br />

em Ouro Preto, no alto do Morro<br />

São Sebastião. O local já era frequentado<br />

por Kako e amigos desde<br />

o início da década de 80, quando<br />

fundaram o mosteiro zen-budista<br />

“Pico de Raios”. A região, quase<br />

inóspita à época, ainda hoje consegue<br />

traduzir o bucolismo de seus<br />

elementos e habitantes, que resistem,<br />

imunes, aos sinais mais drásticos<br />

da urbanização.<br />

Na casa que escolheram para<br />

criar Aninha, única filha do casal,<br />

pinturas, esculturas e artesanatos<br />

demonstram a personalidade da<br />

família. Algumas das peças caracterizam<br />

Kako, outras, simbolizam<br />

Vânia. Ambas, dividem harmoniosamente<br />

o insinuante espaço.<br />

Sem falar na música, que também<br />

soa convidativa ora partindo<br />

do jazz no home-theater, ora pulsando<br />

dos dedilhados suaves do marido<br />

na Kalimba – instrumento de origem<br />

africana do qual Kako construiu um<br />

exemplar a seu gosto.<br />

A paixão pelo trabalho desenvolvido<br />

na comunidade que os acolheu<br />

e nos distritos ouropretanos,<br />

expressa na fala dos dois quase que<br />

univocamente, demonstra o que os une: o desejo de contribuir<br />

para que demais pessoas possam alcançar seus objetivos,<br />

por meio de suas próprias capacidades.<br />

Kako esteve à frente da Saúde Mental de Ouro<br />

Preto por quatorze anos. Com brilho nos olhos, se orgulha<br />

de poder “levar amor aonde há a dor”, como ele<br />

mesmo ressalta ao citar Nise da Silveira, uma psicanalista<br />

atuante na década de 40 e precursora do trabalho<br />

das Artes com doentes mentais. Ele demonstra<br />

certo desconforto com tratamentos paliativos como,<br />

por exemplo, o uso de remédios. Suas pesquisas<br />

apontam para a necessidade do desenvolvimento das<br />

capacidades criativas e da autonomia para o resgate<br />

daqueles que sofrem de problemas psíquicos.<br />

Talvez inspirada pela veia artística do marido, Vânia<br />

acabou descobrindo, em si própria, um talento,<br />

ou dom, como ela mesma diz. A arte da Culinária,<br />

com a qual ela teve contato inicial por intermédio dos<br />

monges vizinhos, até hoje é o que a mantém financeiramente<br />

segura e pessoalmente grata. Também<br />

inusitada, sua arte trabalha aspectos alternativos na<br />

cozinha, como a comida-remédio e a culinária vibracional,<br />

que funciona de acordo com as estações do<br />

ano.<br />

A arte cura, o amor constrói e o<br />

mesmo ideal de ação de vida é<br />

capaz de refinar os gostos e afinar<br />

as almas. Kako<br />

Após 27 anos de casamento e apenas um dia de<br />

namoro, acreditam que não há segredo para manter<br />

uma relação duradoura, mas deixam a dica: é importante<br />

estar um ao lado do outro, e não de frente. Não<br />

que não houvesse problemas ou divergências durante<br />

todo esse percurso. Porém, a maneira de superá-los é<br />

ao mesmo tempo simples e eficaz. A solução escapa<br />

baixinho por entre os lábios de Kako: “nós sempre<br />

andamos lado a lado”. Nessa receita de irreverência<br />

bem-sucedida, o egoísmo e a insegurança dão lugar<br />

ao companheirismo, união e muito trabalho. O amor<br />

seria a cereja do bolo.<br />

A chuva, coadjuvante em todos esses encontros,<br />

ameaça cair novamente enquanto, na sala, a imagem<br />

dos dois se destaca por entre os diversos elementos<br />

de arte presentes. A história expressa em gestos e<br />

olhares reluz a própria memória de dois que se tornaram<br />

um. A Kalimba ainda vibra e o som parece anunciar<br />

que esquecemos alguma coisa: sim, a música do<br />

casal! “Maluco Beleza”, ele sussurra. “Ah, pra mim<br />

pode ser aquela: você é doooida demais!”, ela berra.<br />

E sorriem.<br />

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